SOCIO-AFFECTIVE PATERNITY AND ITS CONSEQUENCES IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7869216
Renata Milena Silva Neto Siviero2
Maria dos Reis Ribeiro Guida3
RESUMO: O estudo da instituição e o reconhecimento da paternidade socioafetiva no sistema jurídico e na sociedade brasileira leva a um acordo entre as formas de parentesco e a uma análise da evolução do conceito de família e das importantes mudanças que as normas do ordenamento jurídico trouxeram no direito de família e seu aparato, afetando a definição da nova paternidade, fruto do afeto, objeto de análise neste trabalho. O objetivo deste estudo permitiu fazer um levantamento da problemática de como a paternidade socioafetiva é reconhecida no sistema jurídico brasileiro? O objetivo geral do estudo foi analisar o reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Apresentando os objetivos específicos de analisar as modalidades de paternidade socioafetiva e o tratamento jurídico dado a esses tipos de filiação e analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral 622 que fixou tese sobre o reconhecimento do vínculo socioafetivo. O presente artigo utilizou o método de pesquisa bibliográfica com abordagem indutiva, ampliando assim o tema para novas discussões e conclusões. Os estudos evidenciaram que a multiparentalidade e, por consequência, a parentalidade são instituições jurídicas que, embora não estejam legalmente consagradas no sistema jurídico brasileiro, estão inscritas na doutrina e jurisprudência civil. Com isso, deve ser observado que para reconhecer a paternidade socioafetiva, o suposto pai deve apresentar uma declaração de paternidade socioafetiva. Entretanto, a designação de outro nome juris para iniciar o processo não pode impedir a avaliação do direito substantivo obtido pelo requerente, sob o risco de violar o princípio constitucional de acesso à justiça consagrado art. 5º, inciso XXXV, da CF.
Palavras-chave: Paternidade Socioafetiva. Multiparentalidade. Repercussão Geral 622. Afetividade.
ABSTRACT: The study of the institution and recognition of socio-affective paternity in the legal system and in Brazilian society leads to an agreement between the forms of kinship and an analysis of the evolution of the concept of family and of the important changes that the rules of the legal system have brought to family law and its apparatus, affecting the definition of the new paternity, fruit of affection, the object of analysis in this work. The objective of this study was to survey the problem of how is socio-affective paternity recognized in the Brazilian legal system? The general objective of the study was to analyze the recognition of social-affective paternity in the Brazilian legal system. The specific objectives were to analyze the types of paternity and the legal treatment given to these types of children and to analyze the decision of the Federal Supreme Court in General Repercussion 622, which established the thesis on the recognition of the paternal relationship. The present article used the bibliographical research method with an inductive approach, thus expanding the theme to new discussions and conclusions. The studies showed that multi-parenthood and, consequently, parenthood are legal institutions that, although not legally enshrined in the Brazilian legal system, are inscribed in civil doctrine and jurisprudence. With this, it should be noted that in order to recognize socio-affective paternity, the supposed father must present a declaration of socio-affective paternity. However, the designation of another nomen juris to start the process cannot prevent the evaluation of the substantive right obtained by the claimant, under the risk of violating the constitutional principle of access to justice enshrined art. 5, item XXXV, of the CF.
Keywords: Socio-affective paternity. Multiparentality. General Repercussion 622. Affectivity.
INTRODUÇÃO
Mudanças sociais profundas desprenderam a família de seu modelo preconcebido, modificando a estrutura e as funções de cada um de seus membros e criando uma grande variedade de configurações familiares, nas quais o afeto se tornou um princípio fundamental das relações familiares. Diante das surpreendentes mudanças na família, a emergência de uma nova ordem constitucional consagrou a dignidade da pessoa humana e, implicitamente, elevou a afetividade a um mandamento constitucional (FAUTH, 2019).
É neste cenário de intensas mudanças que se situam as relações de parentesco. Do contexto da consagração da afetividade como princípio fundamental surge o conceito de paternidade socialmente afetiva ou parentes socialmente afetivos, uma vez que a paternidade e a maternidade se baseiam agora na vinculação, e a existência de um vínculo biológico não é mais suficiente.
A Constituição Federal de 1988 também estabeleceu a igualdade dos vínculos de parentesco, independentemente de sua origem, e proibiu comportamentos discriminatórios. Entretanto, apesar do regime constitucional, a legislação que define o parentesco não reconhece a proximidade social como um elemento característico do vínculo paterno.
Neste contexto, várias decisões jurisprudenciais e algumas medidas legais surgiram para proteger estas presunções, que requerem proteção que a lei, dada a rápida evolução da família, tem dificuldade em estabelecer. Entretanto, a questão é como a paternidade socioafetiva é reconhecida no sistema jurídico brasileiro?
Para responder tal questionamento elaborou-se como objetivo geral analisar o reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Os objetivos específicos foram analisar as modalidades de paternidade socioafetiva e o tratamento jurídico dado a esses tipos de filiação e analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral 622 que fixou tese sobre o reconhecimento do vínculo socioafetivo.
Neste ínterim, a proposta empregada para tanto, possui natureza qualitativa, por se basear em dados qualitativos para validar as hipóteses levantadas ao longo do trabalho. Ainda, no que se refere a revisão literária, a pesquisa denomina-se como bibliográfica, fundamentada a partir da legislação vigente como o Código Civil, Código penal, além de doutrinas, revistas e artigos jurídicos publicados na Internet encontrados em bases de dados como o Scielo, Portal, Capes, etc.
A relevância do estudo se encontra no fator transformador que a paternidade socioafetiva traz para os indivíduos que constroem essa relação, estabelecendo laços de afetividade, confiança e vida, gerando proteção e responsabilidades naqueles participantes desta. Tal relevância se dá devido à necessária proteção e ao integral desenvolvimento da criança, em todos os seus aspectos, determinada pela Constituição Federal e ampliada pelo Estatuto da Criança e Adolescente, onde se encontram os princípios basilares da proteção integral devida para o seu total desenvolvimento.
Assim, diante das mudanças estruturais pelas quais passam as famílias brasileiras, a paternidade socioafetiva tem valor social e jurídico, pois tem se tornado uma forma de construção familiar que garante a concretização dos princípios constitucionais que determinam a integral proteção da criança, possibilitando aos indivíduos destas relações, a construção de um contexto familiar capaz de promover amor e afeto e demais aspectos necessários ao desenvolvimento da criança.
O trabalho está dividido em cinco seções. Como ponto de partida, a introdução apresenta o objeto de estudo, problema e objetivos da pesquisa. A segunda seção faz uma abordagem da mudança no conceito da entidade familiar entre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002, e das diferentes configurações de paternidade. A terceira seção instrui sobre a paternidade socioafetiva no sistema jurídico brasileiro. A quarta seção apresentou a importância da parentalidade socioafetiva e multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro e a repercussão geral 622 do Supremo Tribunal Federal.
E, por fim, a quinta seção apresenta a conclusão do trabalho onde foi observado que para reconhecer a paternidade socioafetiva, o suposto pai deve apresentar uma declaração de paternidade socioafetiva. Entretanto, a designação de outro nomen juris para iniciar o processo não pode impedir a avaliação do direito substantivo obtido pelo requerente, sob o
risco de violar o princípio constitucional de acesso à justiça consagrado art. 5º, inciso XXXV, da CF.
2 A MUDANÇA NO CONCEITO DA ENTIDADE FAMILIAR ENTRE O CÓDIGO CIVIL DE 1916 E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Ao examinar a questão da parentalidade sócio emocional hoje, é necessário considerar a trajetória do modelo familiar brasileiro, agora chamado de educação familiar. A razão pela qual usa-se o termo “entidade familiar” em vez de simplesmente “família” é que o primeiro é mais inclusivo, além de ser um termo que identifica mudanças na estrutura familiar. De fato, a família moderna é moldada pelo apego e sua livre expressão, e a visão patriarcal há muito tempo foi substituída por uma visão de cooperação mútua e pluralismo. Tartuce (2017) explica:
(…) Da mesma forma, ao concluir que a penhora tem valor jurídico, a Ministra Nancy Andrighi, em sua brilhante declaração observa: “A mudança de paradigma no direito de família tem como força a valorização da penhora e das relações resultantes de sua livre expressão, descartando a velha posição puramente patrimonialista do sistema ou mesmo uma posição focalizada unicamente na finalidade procriadora da unidade familiar (TARTUCE, 2017, p. 120).
Hoje, a relação afetiva, seja entre pessoas do mesmo sexo ou entre marido e mulher, tem um protagonismo muito maior graças à comunidade de vida e interesses, e ao zelo recíproco de seus membros. O juiz, nesta evolução das mentalidades, deve permanecer atento às manifestações de intolerância ou ressentimento que possam surgir em relação às minorias, e é ele quem deve mostrar uma reflexão razoável e mitigar possíveis sentimentos contraditórios.
A plena proteção dos direitos deve basear-se nos ideais de fraternidade e solidariedade, e o judiciário não pode evitar ver e dizer coisas novas, como fazia no passado quando dava normatividade às relações entre pessoas não casadas, criando assim a instituição da união estável. “O assunto atualmente em consideração refere-se também aos vínculos baseados em uma união de amor” (STJ, REsp 1.026.981/RJ, 3ª Câmara, relatório min., p. 3). Nancy Andrighi, j. 04.02.2010, DJe 23.02.2010) (TARTUCE, 2017, p.354).
A verdade é que lentamente está sendo entendido que o vínculo familiar é mais um resultado de apego do que um fator biológico. A paternidade como tal não é o resultado de uma relação sexual que leva ao nascimento de uma criança, a paternidade não se trata de alguém que simplesmente forneceu material genético, mas, é o resultado de uma relação de apego, de uma decisão espontânea. Embora ambos os pais tenham uma responsabilidade civil pelo nascimento de uma criança, a relação de paternidade não se baseia nestas obrigações legais, mas em atos de amor e serviço. A família de hoje é, portanto, um fator cultural e não biológico.
2.1 Das diferentes configurações de paternidade
Naturalmente, o tipo de paternidade pela qual a sociedade sabe melhor o que é necessário para seu reconhecimento é a paternidade biológica. Este tipo de paternidade se baseia no pressuposto de uma relação de sangue entre pais e filhos, independentemente da relação entre os pais, ou seja, assume-se que o pai é o pai da criança, e pode ser reconhecido espontaneamente ou por testes clínicos como o DNA (PELUSO, 2022).
De acordo com os ensinamentos de Fernandes (2022), o parentesco, referido como descendência biológica ou natural, é derivado de laços de sangue. A descendência biológica ou natural é uma relação estabelecida por laços de sangue entre uma pessoa e seu descendente direto, dentro do primeiro grau de parentesco. Esta relação de sangue pode resultar da procriação natural ou carnal ou de vários métodos de reprodução assistida.
A procriação natural ou carnal é aquela em que um homem e uma mulher têm uma relação sexual, seguida da concepção, independentemente de sua origem, seja dentro ou fora do casamento, entre namorados ou amigos ou simplesmente entre “namoradas”. […] resultando na gravidez e no subsequente nascimento de uma criança” (FERNANDES, 2022, p. 11).
Como o autor explica, a filiação biológica resultante de uma relação sexual entre os pais obviamente carrega a carga genética de ambos, portanto, se a relação precisa ser comprovada, ela pode ser demonstrada por testes de DNA, o que está provando ser um avanço tecnológico, apoiando a busca da verdade real nos muitos casos judiciais que disputam a paternidade ou não e as implicações legais desta relação. Entretanto, como este estudo demonstra, a paternidade biológica não é diferente, ou seja, não ocupa um lugar privilegiado, mas não é inferior.
A paternidade também pode ser jurídica ou de registro que, como seu nome indica, é caracterizada pela inscrição do nome do pai na certidão oficial de nascimento, documento elaborado por um notário, com presunção de autenticidade e publicidade. Desse modo, pode-se mencionar a paternidade socioafetiva, que leva em conta a relação entre pai e filho baseada no afeto, independentemente de laços de sangue ou estado civil. Sobre esta modalidade, Cardin (2019) instrui:
Os laços de sangue não são suficientemente fortes para sustentar e reforçar a paternidade e a maternidade, nem mesmo os laços legais pré-estabelecidos. A razão de ser está no apego e na estrutura mental que dele emerge”. Portanto, pode-se dizer que a verdadeira paternidade é adotada, ou seja, se uma criança não é adotada, mesmo que biologicamente, não existe um vínculo fundamental que estruture a relação paternidade/maternidade. (CARDIN, 2019, p. 13).
A paternidade socialmente afetiva, embora não consagrada pela sociedade, vem sendo praticada há muito tempo, sendo consagrada pelo legislador e pelos executores, quando não era mais possível estabelecer a paternidade apenas por laços de sangue, pois não leva em conta quem ocupa a posição de filho, vendo-o muitas vezes como no ditado popular “o pai é aquele que cria”.
3 A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
A paternidade socialmente afetiva pode ser entendida a partir do artigo 1.593 do Código Civil, que estabelece: Artigo 1.593. “O parentesco é natural ou civil, conforme resultado da consanguinidade ou de outra origem” (BRASIL, 2002). A outra origem do parentesco explicada no texto legal é a afetividade social. Este contexto inclui todas as relações mencionadas acima, ou seja, reprodução artificial heteróloga, casos de adoção e até mesmo relações socioafetivas que por si só carecem de vínculos biológicos, como a adoção brasileira. Sobre este ponto, já foi definida a Declaração n. 103, aprovada na Revisão do Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça, promovida Centro de Estudos Judiciários do Conselho do Judiciário Federal de 11 a 13 de setembro de 2002:
O Código Civil reconhece no artigo 1593 outros tipos de filiação civil além daquela resultante da adoção, aceitando assim a ideia de que a filiação civil também existe na filiação resultante ou de métodos heterólogos de procriação subsidiária para um pai (ou mãe) que não tenha fornecido seu material reprodutivo, ou de paternidade socioafetiva baseada na posse de estado de filho (BRASIL, 2002).
Além do artigo 1593, é interessante notar o artigo 1597, V do Código Civil, que trata da inseminação artificial heteróloga, reconhecendo apenas o pai socioafetivo, com a impossibilidade de desconstruir posteriormente a certidão de nascimento. Resta, portanto, destacar a ideia de que a paternidade socioafetiva, embora não expressa no sistema legal, está presente no texto legal e sua existência é indiscutivelmente reconhecida.
Finalmente, o Artigo 1.605 do Código Civil, que trata da posse do status de filho, desempenha um papel muito importante neste caso. Com efeito, ele permite analisar a coabitação de uma família, a situação real da família e, consequentemente, a verdade emocional da relação entre o pai e a criança, em vez de limitar-se ao registro do nascimento.
Entretanto, é necessário que a justiça avalie o caso concreto de uma relação puramente socioafetiva. Somente então ela atingirá todas as implicações legais da relação pai-filho. A paternidade socioafetiva pode ser reconhecida seja por uma ação de repúdio à paternidade, na qual a ação é indeferida mesmo na ausência de vínculo biológico, seja por uma ação de hipotética filiação afetiva ou uma ação de filiação declaratória, sendo esta última uma novidade no sistema jurídico.
A ação de filiação afetiva, apesar de ser nova no sistema jurídico, baseia-se nos princípios da solidariedade, da dignidade humana e do interesse superior da criança, pois se baseia na posse do status de filho, o que, como explicado acima, reflete a coabitação dentro da família, dando prioridade ao vínculo sociológico e psicológico entre o pai, seja ou não o pai, e seu filho. De acordo com Ana Carolina Brochado Teixeira (2018):
[…] é bastante razoável e justificável que uma reivindicação declaratória de paternidade socioafetiva, de escopo controverso, mesmo sem prova técnica, seja adequada para obter uma decisão judicial confirmando a filiação, com todas as suas consequências, o direito à pensão alimentícia, herança e outras garantias (TEIXEIRA, 2018, p. 142).
A paternidade socialmente afetiva surgiu no sistema jurídico com o objetivo de proteger os interesses das crianças e adolescentes, conforme definido pelo princípio do interesse superior da criança. A situação foi identificada pelos juízes durante a investigação dos casos de paternidade e abandono, onde as crianças têm sido frequentemente vítimas de abandono.
O fim do relacionamento entre a mãe e seu parceiro, que se tornou o pai social e afetivo do menor. Assim, a fim de proteger os menores, a maioria dos juízes entende que quando a paternidade se torna socialmente afetiva, este vínculo permanece para toda a vida, independentemente de a verdade social ser diferente da verdade real (GAMA, 2018).
A verdade social difere da verdade real, entendida aqui como a verdade biológica. Uma vez que a paternidade socialmente afetiva é reconhecida, ela produz efeitos extintos, ou seja, erga omnes retrospectiva e efetiva. Assim, a criança e o pai afetivo têm reciprocamente todos os direitos e obrigações derivados de qualquer relação biológica, incluindo a herança e o parentesco. Além disso, neste caso, a criança é separada de seu pai biológico ou família e entra em uma relação exclusiva com a família afetiva, enquanto permanece com seu pai biológico e família, independentemente das barreiras conjugais.
No entanto, Zeni (2022) aduz que a paternidade socioafetiva é uma questão controversa na jurisprudência e não há aplicabilidade definitiva, dependendo do entendimento do juiz na análise caso a caso. Sobre esta questão, Jacinta Gomes Fernandes (2022, p. 87) diz:
A questão é bem conhecida pelos tribunais do país, mas não está resolvida. A disputa vai além da lei e entra no reino da psicologia e da sociologia em busca de soluções que satisfaçam ambas as partes: por um lado, o pseudo-pai, que se sente traído ao aprender que não é o pai biológico da criança; por outro, a criança, traumatizada ao aprender a verdade e a possibilidade de repudiar o homem que ama e que cuidou desde o nascimento.
A distinção aqui é entre a superioridade da verdade real ou a verdade emocional nos casos em que eles são alheios um ao outro. A evolução da concepção da família e a cessação da concepção com o único objetivo de procriação não permitem mais reconhecer a filiação somente com base na presença ou ausência de uma criança menor de 18 anos.
No caso de uma criança, o tribunal pode decidir reconhecer a filiação da criança somente com base na presença ou ausência de um vínculo biológico. Como o futuro da criança está em jogo, esta é uma situação muito delicada que deve ser analisada com toda prudência e razão. Já que o futuro da criança está em discussão, esta é uma situação muito delicada que deve ser analisada com cautela e razão, usando alguns dos critérios que serão delineados abaixo.
4 A IMPORTÂNCIA DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E MULTIPARENTALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A REPERCUSSÃO GERAL 622 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O modelo binário de paternidade em relação à autoridade parental sempre fez parte dos fundamentos do direito de família brasileiro, ou seja, o casal tradicional formado pelo pai e pela mãe. Entretanto, como a dinâmica das relações familiares passou por mudanças significativas, a família, que estabeleceu papéis fixos para cada um de seus membros, passou por um processo de desconstrução e reestruturação de suas categorias. Maria Berenice Dias (2019) argumenta:
A ancestralidade sofreu mudanças significativas, referindo-se ao conflito entre a existência de vínculos com diferentes critérios para definir a ancestralidade: Por um lado, existe uma verdade biológica, comprovada por testes de laboratório, que permite confirmar com quase absoluta certeza a existência de um vínculo genético entre duas pessoas. Por outro lado, existe uma verdade inescapável: a filiação socioafetiva, que deriva da estabilidade dos laços familiares estabelecidos ao longo da história de cada pessoa, e que constitui a base essencial para a atribuição da paternidade ou maternidade (DIAS, 2019, p. 122).
Dada a multiplicidade de formas nas quais as famílias são constituídas hoje, a lei deve levar em conta o contexto fático e os valores contemporâneos. Nesta perspectiva, a multiparentalidade aparece como um fenômeno do nosso tempo, baseado em princípios pluralistas que implicam o reconhecimento de todas as formas de afetividade existentes, e não apenas aquelas estabelecidas no passado.
Maria Rita de Olanda (2019, online) define a pluriparentalidade como “a possibilidade de relativizar um sistema binário de descendência, de incluir outra pessoa no exercício da paternidade ou maternidade”, com mais de duas pessoas registradas ao nascer. Assim, a pluriparentalidade é uma forma de parentesco que se estabelece quando existe mais de uma relação de paternidade ou maternidade, sendo obrigatória a existência de um vínculo entre as pessoas, de coabitação simultânea, de uma relação de cuidado e afeto.
Anderson Schreiber e Paulo Franco Lustoza (2021, p. 43) afirmam:
A multiparentalidade no sentido amplo significa “o reconhecimento pelo sistema jurídico de que uma pessoa tem mais de uma relação paternal ou mais de uma relação maternal” e no sentido estrito “o reconhecimento jurídico de mais de duas relações parentais com a mesma pessoa”, sendo esta última, ao contrário do modelo de biparentalidade, a mais apropriada para definir os termos multiparental e multiparental.
Dada a variedade de presunções existentes, têm de fato muitas situações que dão origem a relações multiparentais, as mais comuns são os casos de famílias mistas em que o vínculo sócio emocional é estabelecido sem excluir o biológico, pode-se também mencionar os casos de adoção brasileira em que existe a primazia da paternidade biológica, e as hipóteses de reprodução assistida heteróloga em que se constituem as multiparentriedades.
Não há dúvida de que para estabelecer a paternidade múltipla é suficiente confirmar a existência de uma criança com mais de um dos pais, mas não há dúvida de que, uma vez estabelecida a paternidade múltipla, é um dever constitucional reconhecê-la para garantir os direitos fundamentais de todas as partes envolvidas, especialmente em termos de dignidade e afetividade.
Belmiro Pedro Welter (2021) argumenta que negar a simultaneidade da paternidade biológica e afetiva e suas implicações legais seria negar a existência humana tridimensional e deve ser protegida porque a paternidade socioafetiva, como a paternidade biológica, é irreversível e ambas fazem parte da trajetória da vida humana. Uma vez estabelecido que o parentesco socioafetivo, que é equivalente ao parentesco biológico, deve ser reconhecido, não pode haver nenhuma questão de primazia entre os critérios de reconhecimento do parentesco, já que isto levaria a negar a existência de uma pluralidade de formas e conceitos de família.
Neste diapasão, Silvio de Salvo Venosa (2021) adverte sobre as consequências negativas de não reconhecer os laços de paternidade simultânea:
Ignorar o fenômeno da multiparentalidade pode constituir uma violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, ao suprimir a coabitação familiar, a assistência moral e material àqueles que foram responsáveis pela prática da conduta típica da tríade – criar, criar e ajudar. E isto, não apenas através da prisão, de acordo com o paradigma previamente codificado, não é justificação suficiente para contornar a diretriz constitucional de ampla proteção dos menores (VENOSA, 2021, p. 174).
O doutrinador ainda identifica três fases que ocorreram na jurisprudência brasileira antes do reconhecimento da pluralidade, culminando no período mais recente com o reconhecimento da igualdade entre paternidade socioafetiva e paternidade biológica, que serviu de base para o reconhecimento da pluralidade.
Na primeira fase, as primeiras reivindicações legais para o reconhecimento da paternidade plural foram rejeitadas devido à impossibilidade legal de tais reivindicações, uma vez que foi entendido que a coexistência de dois laços paternos ou maternos e a escolha de um deles em detrimento do outro era impossível. De acordo com este parecer, os dois parâmetros para determinar a filiação não podem coincidir e o juiz deve escolher qual dos dois deve prevalecer para produzir os efeitos familiares e hereditários da filiação (VENOSA, 2021).
Então, sempre com base na impossibilidade de coexistência dos laços de parentesco, o conceito se desenvolve e passa a reconhecer a primazia da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica, favorecendo na doutrina e na jurisprudência o critério da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica.
Na doutrina e na jurisprudência, nos casos levados aos tribunais por uma criança que tinha um pai e queria reconhecer sua paternidade biológica, a tese dominante foi a de que o
O vínculo socioafetivo deveria prevalecer sobre a paternidade biológica, argumentando que a Carta Magna não permitia tal distinção e que o interessado só deveria prestar atenção ao direito de conhecer a descendência genética, sem lidar com as consequências derivadas da descendência.
De acordo com Paulo Lobo (2020), a Corte tornou mais tarde esta posição mais flexível em alguns aspectos, considerando que a paternidade sócio emocional prevalece sobre a paternidade biológica quando o pai socioemocional solicita a dissolução do vínculo. Por outro lado, a paternidade biológica prevalece quando a criança solicita a dissolução do vínculo sócio emocional em situações de adoção brasileira, por exemplo, porque a criança não expressou sua vontade de estabelecer o vínculo.
Segundo o STJ, o litigante deve buscar o estabelecimento de um novo vínculo e o rompimento do vínculo já estabelecido, de modo que quando o pai interpôs uma ação de extinção da paternidade, o vínculo sócio emocional deve prevalecer, isto dá origem a um regime jurídico desigual de filiação, uma vez que a paternidade biológica, ao contrário da paternidade sócio emocional, não pode ser contestada pela criança (SCHEREIBER; LUSTOSA, 2021). Contra o pano de fundo de vários debates sobre o tema, também tem havido decisões que só permitem o reconhecimento de laços familiares estreitos para determinados fins e só reconhecem um direito parcial, criando assim uma clara discriminação entre filiações.
Neste contexto, o julgamento do Supremo Tribunal Federal esclareceu a confusão resultante de forma oportuna. A questão chegou ao Tribunal Federal através do recurso extraordinário 898.060, que reconheceu a ressonância geral da questão nº. 622 com o relatório do Ministro Luiz Fux, que questionou a predominância da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica (ALVES, 2021,online).
O caso paradigmático que levou à decisão da Suprema Corte dizia respeito à alegação de uma menina que, por mais de 18 anos, teve um pai registrado socialmente afetuoso, que acreditava ser seu pai biológico. Entretanto, em algum momento de sua vida, a menina descobriu que seu ancestral genético era na verdade outro homem com quem ela nunca havia coabitado.
A filha, então com 19 anos, entrou com um processo de paternidade com manutenção e correção do estado civil (ALVES, 2019, online) contra seu pai biológico, solicitando o reconhecimento legal da paternidade biológica para que todas as consequências legais da filiação se seguissem.
De acordo com Ricardo Lucas Calderón (2020), o acúmulo da paternidade socioafetiva já estabelecida com o reconhecimento da paternidade biológica não foi solicitado porque a tese da paternidade múltipla estava ainda em sua infância no momento do ajuizamento da ação judicial, de modo que a ação era para retificação da certidão de nascimento com exclusão do vínculo sócio afetivo e posterior inclusão do vínculo biológico.
Em sua defesa, o pai biológico argumentou que a reclamante já tinha um pai com quem vivia há muitos anos e que a havia inscrito no registro civil, o que impediu o reconhecimento de uma segunda paternidade. Na audiência, o pai socioemocional foi ouvido. Ele declarou que só soube da paternidade biológica da reclamante após o divórcio de sua mãe e que, no entanto, considerava a reclamante como sendo sua filha. Da mesma forma, a reclamante declarou em seu depoimento que ela reconheceu seu pai como o homem que a havia registrado, ou seja, seu pai socioemocional (ALVES, 2029, online).
Em primeira instância, foi deferido o pedido do requerente de reconhecimento de paternidade biológica com a substituição da paternidade genética por paternidade socioafetiva, contra a qual o requerido recorreu, e a decisão de primeira instância foi revista em favor do estabelecimento da paternidade genética e negando o reconhecimento da paternidade. O demandante solicitou uma explicação da violação, que foi concedida com a manutenção da decisão de primeira instância e o reconhecimento da paternidade biológica. O réu apresentou um recurso extraordinário contra a decisão, argumentando que a paternidade pré-existente e consolidada deveria prevalecer sócio afetivamente (BRASIL. STF. Minuta de voto do Ministro Luiz Fux. Recurso Extraordinário 898.060. Supremo Tribunal Federal, online).
Em seu voto, o juiz relator, Luiz Fux, decidiu que o recurso deveria ser julgado improcedente. Em sua opinião, o juiz relator, Luiz Fux, referindo-se a uma adoção brasileira para ilustrar o estabelecimento de um vínculo paternal por afetividade, no qual uma pessoa usa a presunção de autenticidade do registro de nascimento para reconhecer o parentesco com uma criança que sabe que não é sua, concluiu que “a paternidade socioafetiva, entretanto, não depende da entrada no registro, mas o vínculo afetivo entre as partes ao longo do tempo é suficiente, como geralmente acontece nos casos de estado civil de crianças” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Minuta de voto do Ministro Luiz Fux. Recurso Extraordinário 898.060, online).
Afirmando que uma relação socioafetiva, como uma relação biológica, requer igual proteção legal, o Relator também indicou que, uma vez reconhecida a possibilidade de filiação afetiva baseada em diferentes fundamentos, uma solução legal apropriada deve ser identificada para casos que envolvam mais de um tipo de critério de filiação.
Enfatizando a necessidade de reconhecer a paternidade socioafetiva e biológica, com todas as suas implicações, a fim de garantir “a proteção mais completa e adequada às pessoas envolvidas”, o Ministro salientou que “a ausência de legislação brasileira relativa ao reconhecimento de uma variedade de formas familiares não pode justificar a negação da proteção para situações de múltiplas crianças “(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Minuta de voto do Ministro Luiz Fux. Recurso Extraordinário 898.060, online), rejeitando assim que a ausência de disposição legislativa possa ser utilizada para aplacar a configuração familiar e negar a proteção a múltiplas crianças.
O juiz Luiz Fux baseia sua opinião no direito à personalidade humana e no consequente direito à busca da felicidade, para o qual o indivíduo, mestre de seu destino, seu comportamento e seu modo de vida, deve ser separado no centro da ordem jurídico-política para permitir também o pleno exercício de sua liberdade e autodeterminação, afirmando que não é a família que deve se adaptar às formas predeterminadas, mas que a lei deve ser orientada para novas formas de família.
Nesta baila, Ricardo Lewandowski destacou em seu voto que a simultaneidade dos vínculos parentais pode ocorrer independentemente de a paternidade socioafetiva proceder, seguir ou mesmo coincidir com os vínculos biológicos (BRASIL, 2016). Segundo Paulo Lôbo (2020), também parece possível que uma relação socioafetiva seja reconhecida após uma relação biológica, uma vez que a própria decisão do STF se baseia na igualdade jurídica da filiação e na pluralidade dos vínculos parentais.
No entanto, Anderson Schreiber e Paulo Franco Lustosa (2021) observam que os juízes do Supremo Tribunal Federal estavam divididos sobre esta questão. Ao contrário do juiz Luiz Fux, os juízes Marco Aurélio e Dias Toffoli consideram que a paternidade biológica prevalece sobre a paternidade sócio emocional, mas seguiram a voz do juiz relator ao rejeitar um recurso extraordinário que procurava reconhecer um vínculo genético e estabelecer suas implicações legais.
Ao contrário da opinião do juiz relator, o juiz Edson Fachin afirmou no plenário que o vínculo biológico é por si só capaz de caracterizar a paternidade ou parentesco, desde que não haja “outro aspecto coincidente da relação”, citando as instituições de adoção, procriação heteróloga e parentesco sócio emocional derivado do status de proprietário como exemplos em que o vínculo sócio emocional coincide com o vínculo genético e não coexiste com ele.
Pontuou ainda que a multiparentalidade não é rejeitada, mas, além do fato de que deve ser no melhor interesse da criança, ela só pode ser reconhecida quando é realmente expressa, ou seja, quando tanto o pai biológico quanto o socioemocional reconhecem o vínculo de afinidade, o que não pode ser comprovado neste caso porque o pai biológico não concorda. Junto com o juiz Teori Zawaski, ele defendeu a satisfação parcial do remédio extraordinário, enfatizando a prevalência da paternidade com todas as suas implicações legais para garantir o direito pessoal de conhecer a filiação genética (PLENO – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO EXIME DE RESPONSABILIDADE O PAI BIOLÓGICO (2/2). STF, 2016).
Da mesma forma, Melina Gruber Endres (2018) argumentou que a poligamia consiste no reconhecimento de relações pré-existentes nas quais uma criança tem mais de um pai ou mãe, quando a existência de uma relação de afeto e cuidado entre estes indivíduos é absolutamente necessária, indicando que na ausência de uma relação entre uma filha e seu pai, o paradigma não englobaria o reconhecimento da paternidade.
Apesar da opinião dissidente dos Juízes Edson Fachin e Theori Zawaski, a proposta elaborada pelo relator, juiz Luiz Fux, levou em conta o fato de que o reconhecimento da existência de uma paternidade socioafetiva poderia ser usado como subterfúgio para excluir a responsabilidade decorrente de um vínculo biológico, Assim, a decisão do Supremo prevê a responsabilidade da paternidade biológica mas, ao mesmo tempo, respeita a paternidade socioafetiva já estabelecida e exerce todos os direitos derivados da filiação ao vínculo genético, sem excluir, entretanto, a responsabilidade da paternidade biológica.
No mesmo sentido, durante a audiência, o Juiz Gilmar Mendes, considerando a responsabilidade derivada da paternidade e pensando na projeção da decisão em um caso particular sobre as diferentes situações existentes na realidade fática, considerou que conceder o provimento do recurso incluindo a predominância da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica poderia servir como uma pretensão para eliminar a responsabilidade derivada do vínculo genético, um argumento que a lei não poderia afirmar. O juiz Gilmar Mendes entendeu que o reconhecimento da paternidade biológica não excluía a paternidade socioafetiva e que o caso particular e suas implicações recomendaram esta orientação, seguindo a voz do relator Luiz Fux (PLENO – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO EXIME DE RESPONSABILIDADE O PAI BIOLÓGICO (2/2). STF, 2016).
Em uma única toada, a Suprema Corte reconheceu a paternidade socioafetiva mesmo na ausência de registro, equiparou paternidade socioafetiva à paternidade biológica e permitiu multiparentalidade no sistema jurídico brasileiro, o que “representa um passo importante e decisivo para a abertura de um direito de família verdadeiramente pluralista e democrático no Brasil” (SCHREIBER, 2016, online).
Com base em uma interpretação ampla do princípio constitucional da paternidade responsável, o Tribunal entendeu que o reconhecimento da paternidade biológica, com todas as suas implicações legais e judiciais, preserva a paternidade socioafetiva consagrada ao lado do vínculo genético, impondo responsabilidade a todas as pessoas envolvidas e não permitindo que a criança rejeite a paternidade socioafetiva a fim de estabelecer seus direitos em relação ao pai biológico.
Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal leva em conta a multiparentalidade, já que não só reconhece a paternidade socioafetiva, mas também a faz coincidir com a paternidade biológica, e deve ser observado que, apesar da decisão do Supremo se refira à paternidade socioafetiva, esta expressão inclui implicitamente a maternidade socioafetiva, já que tal exclusão resultaria em tratamento desigual de situações idênticas na vida cotidiana, o que é contrário aos princípios da decisão do Tribunal.
Destarte, o reconhecimento da multiparentalidade impede que a lei imponha artificialmente uma escolha entre dois vínculos socioafetivos e decida quais deles devem ser estabelecidos ao determinar a filiação, uma vez que, “se existem dois ou mais vínculos efetivos baseados na vinculação, socialmente percebidos como paternidade ou maternidade, todos esses vínculos são legalmente reconhecidos ” (HOLANDA, 2019), permitindo assim que uma pessoa estabeleça vínculos parentais e resolva o conflito entre paternidade biológica e paternidade socioafetiva ou registrada.
Assim, a proposta do Supremo Tribunal Federal, em suas implicações gerais, reconhece o valor jurídico da afetividade, reconhece a paternidade socioafetiva como uma forma de formação de parentesco equivalente à paternidade biológica e permite a coexistência de ambos os vínculos, ou seja, o reconhecimento da multiparentalidade com todas as consequências da paternidade.
5 CONCLUSÃO
O objetivo deste artigo foi analisar o reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro. A elaboração deste estudo permitiu analisar as categorias de paternidade socioafetiva, ou seja, adoção legal, adoção brasileira, reprodução assistida heteróloga e posse de estado de filho, e analisar as respectivas atitudes do sistema jurídico em relação a cada uma dessas formas.
Este artigo apresentou brevemente o contexto do reconhecimento da paternidade socioafetiva na jurisprudência e examinou a decisão do Supremo Tribunal Federal no Relatório Geral 622, que reconhece o vínculo sócio afetivo e estabelece a possibilidade de coexistência de paternidade socioafetiva e paternidade biológica. Assim, a tese fixada na Repercussão Geral 622 do STF reconheceu a paternidade socioafetiva e passou a permitir sua combinação com a paternidade biológica, permitindo assim multiparentalidade.
A paternidade socioafetiva pode ser reconhecida perante um notário em um julgamento da realidade e deve atender a certos requisitos formais. Entretanto, existe uma discrepância doutrinária sobre a possibilidade de reconhecimento extrajudicial em caso de multiparentalidade.
Neste sentido, a paternidade socioafetiva é protegida pelo sistema jurídico brasileiro, que a assimila à paternidade biológica e acarreta todas as consequências legais do vínculo entre paternidade e filiação.
Além destas considerações, também se pode concluir que é possível o reconhecimento pelas autoridades judiciais da paternidade socioafetiva, especialmente quando existem fortes laços afetivos entre as partes, confirmados tanto na família quanto na sociedade, especialmente quando a situação jurídica é caracterizada pela qualidade de filho, que consiste em um vínculo afetivo, íntimo e duradouro (trato/tractatus), cuja característica principal é a reputação (fama/reputation) para a sociedade, uma relação de pessoas como se o pai e o filho fossem de fato, serem chamados como filho e o fato de serem chamados como pai.
Finalmente, deve ser observado que para reconhecer a paternidade socioafetiva, o suposto pai deve apresentar uma declaração de paternidade socioafetiva. Entretanto, a designação de outro nome juris para iniciar o processo não pode impedir a avaliação do direito substantivo obtido pelo requerente, sob o risco de violar o princípio constitucional de acesso à justiça consagrado art. 5º, inciso XXXV, da CF.
Quanto às limitações deste trabalho, embora a intenção não fosse esgotar o assunto, houve dificuldades relacionadas ao tempo disponível e aos prazos, dada a riqueza do conteúdo e as questões levantadas pela paternidade socioafetiva.
Portanto, dada a relevância do tema para a sociedade, sugere-se continuar pesquisando as implicações práticas do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva, assim como a possibilidade de reconhecimento extrajudicial de filiação múltipla, dada a controvérsia doutrinária.
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1Artigo Científico apresentado ao curso de Bacharelado em Direito na Unidade de Ensino Superior do Sul do
Maranhão – IESMA/UNISULMA, como Trabalho de Conclusão de Curso, Imperatriz – MA, 2023.
2Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito da UNISULMA/IESMA. E-mail:
renatamilenasiviero@gmail.com
3Professora orientadora. Especialista em Direito Processual Civil pela UNISUL. E-mail:
mreisguida@gmail.com