PARTO HUMANIZADO:A ATUAÇÃO DA ENFERMAGEM NA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

HUMANIZED BIRTH: THE ROLE OF NURSING IN PREVENTING OBSTETRIC VIOLENCE

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10049460


Brenda Maia Sena[1]
Heysla Amanda Sousa do Espirito Santo[1]
Marcela da Silva Gomes do Nascimento[1]
José Willian de Aguiar[2]


Resumo

Introdução: A necessidade de humanização do parto e o reconhecimento de ações como um tipo de violência obstétrica, preconizando como essencial a assistência de enfermagem nesse cenário. Objetivo: identificar e conscientizar a importância da assistência de enfermagem na prevenção da violência obstétrica. Método: trata-se de revisão bibliográfica, a partir de artigos encontrados nos bancos de dados: Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Ministério da Saúde. Tendo como critérios para inclusão: artigos publicados nos últimos 05 anos (2018-2023) no idioma português. Resultados: o enfermeiro, por ser o profissional do cuidar e ter maior vínculo com o paciente, torna-se responsável por orientar e estimular o protagonismo na mulher durante todo o processo gravídico-puerperal, pois desde o pré-natal presta assistência, onde poderá esclarecer dúvidas a respeito de todo o processo e orientá-la quanto aos seus direitos e também ajudá-la no trabalho de parto, aliviando sintomas e suporte emocional. Conclusão: Faz-se necessário a presença do enfermeiro desde a gestação, de forma a conscientizar a gestante. Mas, é necessário que haja mais centros de parto voltado para a gerência de enfermagem e que os profissionais sejam capacitados continuamente quanto a humanização do atendimento ao parto.

Palavras-chave: Parto Humanizado. Violência obstétrica. Direitos da gestante. Enfermagem obstétrica. Cuidados de Enfermagem.

Abstract

Introduction: The need to humanize childbirth and recognize actions as a type of obstetric violence, recommending nursing care as essential in this scenario. Objective: identify and raise awareness of the importance of nursing care in preventing obstetric violence. Method: this is a bibliographical review, based on articles found in the databases: Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Ministério da Saúde. The criteria for inclusion are: articles published in the last 05 years (2018-2023) in Portuguese. Results: the nurse, as a care professional and having a greater bond with the patient, becomes responsible for guiding and encouraging women to take a leading role throughout the pregnancy-puerperal process, as from the provision of prenatal care, where can clarify doubts about the entire process and provide guidance on your rights and also help you in labor, relieving symptoms and providing emotional support. Conclusion: It is necessary for nurses to be present since pregnancy, to raise awareness among pregnant women. However, it is necessary that there are more birth centers focused on nursing management and that professionals are continually trained in terms of humanizing childbirth care.

Keywords: Humanized Birth. Obstetric Violence. Pregnant Women’s Rights. Obstetric Nursing. Nursing Care.

1. INTRODUÇÃO

Historicamente, até o final do século XVIII o parto era realizado por mulheres que cuidavam de outras mulheres na hora do parto e durante o puerpério, popularmente conhecidas como parteiras. Já ao final do século XIX, o parto passa a ser medicalizado, e o que era visto como feminino e fisiológico passa a ser uma prática médica e dotado de intervenções. Que é o chamado modelo tecnocrático, onde a mulher perde o protagonismo e todo o processo passa a ser conduzido pelos médicos. (ZANARDO et al, 2017)

Uma a cada quatro parturientes sofrem violência obstétrica no Brasil, apesar de um número alto, pouco se fala claramente sobre o que de fato é a violência obstétrica. Para muitos há uma ideia de que é apenas a agressão física à gestante-parturiente, mas não é apenas isso, há várias outras manifestações de violência obstétrica, dentre elas: o desrespeito, a humilhação, o silenciamento e a dor. Muitas mulheres não gostam nem de lembrar desse dia. (BORGES DE MACEDO, 2018)

O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) foi instituído pelo Ministério da Saúde (MS) através da Portaria/GM n.o 569, de 1/6/2000, subsidiado nas análises das necessidades de atenção específica à gestante, ao recém nascido e à mãe no período pós-parto. Tendo como objetivo principal, assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto e puerpério às gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva dos direitos de cidadania. (BRASIL, 2002)

Nesse contexto, a humanização da assistência ao parto também retoma um pouco do que era inicialmente, tornando imprescindível a atuação do enfermeiro, que é o profissional do cuidar. A essência dessa assistência é garantir à parturiente um parto saudável e livre de iatrogenias. O enfermeiro assiste a mulher desde o pré-natal até o puerpério, dispondo seu conhecimento para manutenção do equilíbrio físico/psíquico do binômio mãe-filho, sempre intervindo quando necessário para o bem-estar de ambos. (BRASIL, 2014)

O movimento de humanização além de resgatar o parto como fisiológico e natural, busca empoderar as mulheres, baseado em suas condições biológicas, capacidade reprodutiva e instinto materno (Tornquist, 2002 apud ZANARDO et al, 2017). Ocorreram muitas mudanças ao longo dos anos quando se refere a atenção ao parto e nascimento, com as práticas de humanização e a atuação da enfermagem, reduziu-se constantemente o número de óbitos das mulheres e seus filhos no parto e nascimento, independente do parto ser via vaginal ou não.(SANTANA et al, 2023)

A enfermagem tem total autonomia, capacidade e competência para oferecer uma atenção eficiente durante todo o trabalho de parto, proporcionando assim confiança, tranquilidade e bem-estar, dando conforto durante um momento muito difícil para muitas parturientes. (SANTANA et al, 2023)

É indispensável e de suma importância a assistência de enfermagem na obstetrícia, principalmente na humanização do parto, onde a enfermagem exerce uma assistência empática, integralizada, individualizada e com equidade a cada parturiente. Proporciona coragem e segurança para o momento, diminuindo os anseios da mulher, pois o enfermeiro está presente 24 horas do dia no atendimento beira leito. (SANTANA et al, 2023)

A Lei do exercício profissional nº 7498 de 25 de junho de 1986, dá respaldo ao enfermeiro para atuar diretamente no cuidado à mulher no trabalho de parto e parto. Assim, é preciso que o enfermeiro ofereça uma assistência integralizada, humanizada e que reduza as práticas desnecessárias no parto e nascimento, prevenindo a violência obstétrica. (CASTRO; ROCHA, 2020)

Refletindo sobre a assistência de enfermagem no cenário obstétrico, a questão norteadora foi a seguinte: qual o papel do enfermeiro na prevenção da violência obstétrica?

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Observada a Importância da enfermagem na  prevenção  da  violência obstétrica, resultou-se neste estudo, desenvolvido por revisão bibliográfica integrativa, formato que reúne e resume o conhecimento sobre o protagonismo e os benefícios da enfermagem na assistência obstétrica.

As pesquisas de artigos se deram a partir dos seguintes bancos de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF), Google e site do Ministério da Saúde (MS), pelos descritores “violência obstétrica”, “parto humanizado”, “pré-natal”, “cuidados de enfermagem”, “enfermagem”, pesquisados de forma individual e também com o operador booleano. A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto a setembro de 2023, tendo como critérios de inclusão: artigos com publicação nos últimos 05 anos, nos bancos de dados referenciados e no idioma português e para a exclusão de artigos, os seguintes critérios: artigos com conteúdo não relevante para os objetivos pré-estabelecidos.

3. RESULTADOS

Ao pesquisar os descritores já referenciados e utilizando o operador booleano, foram obtidos 4.687 resultados, dos quais exclui-se de imediato, 4.147 artigos, pelos seguintes critérios: últimos 05 anos, idioma em portugês e texto completo. Restando 540 artigos, dos quais foram selecionados para leitura o total de 64. E, foram utilizados no estudo o total de 12 artigos (descritos na tabela 1), 01 livro do acervo online, 02 conceitos do site Descritores da Ciência em Saúde (DecS) e 04 cadernos/cartilha do Ministério da Saúde do Brasil.

Tabela 1.          Publicações científicas encontradas nas bases de dados BDENF, LILACS e SCIELO.

DESCRITORESNOMEAUTORESANOQUALIS
01“Pré-natal”; “Cuidados de enfermagem”Gestão do Autocuidado de Enfermagem para a qualidade da assistência pré-natal na Atenção Primária à SaúdeAMORIM et al2022B1
02“Violência obstétrica”; “Cuidados de enfermagem”Violência obstétrica e os cuidados de enfermagem: reflexões a partir da literaturaCASTRO et al2020B1
03“Pré-natal”; “Cuidados de enfermagem”Integralidade do cuidado de enfermagem do pré-natal ao puerpérioFERREIRA et al2021B3
04“Violência obstétrica”; “Cuidados de enfermagem”A autonomia da enfermagem obstétrica na assistência no centro de parto normal.JACOB et al2022B1
05“Pré-natal”; “Cuidados de enfermagem”Consulta de enfermagem no pré-natal: representações sociais de gestantes.MELO et al2020B1
06“Violência obstétrica”Violência obstétrica: percepções de enfermeiros obstétricos em uma maternidade de Minas GeraisMIRANDA et al2019B3
07“Violência obstétrica”Cuidados de enfermagem na prevenção da violência obstétricaMOURA et al2018B1
08“Parto humanizado”; “Enfermagem”; “Violência obstétrica”; “Cuidados de enfermagem”;Vivências sobre violência obstétrica: Boas práticas de enfermagem na assistência ao partoNASCIMENTO et al2022B2
09“Enfermagem”; “Violência obstétrica”; “Cuidados de enfermagem”;A assistência do enfermeiro à parturiente no contexto hospitalar: um olhar sobre a violência obstétrica.NASCIMENTO; ROCHA;2022B1
10“Pré-natal”; “Cuidados de enfermagem”Cartão da gestante como instrumento para continuidade da assistência à saúde: revisão integrativa da literatura.RODRIGUES et al2021B2
11“Parto humanizado”; “Enfermagem”;O papel do enfermeiro no parto humanizado: a visão das parturientesSANTANA et al2023B2
12“Violência Obstétrica”Violência obstétrica no Brasil: uma revisão narrativaZANARDO et al2017A2

Fonte: Elaborada pelas autoras

4.DISCUSSÃO
4.1. A assistência de enfermagem no pré-natal

Segundo o inquérito nacional, realizado no Brasil entre 2011 e 2012, notou-se que o país tem ótima cobertura de pré-natal, porém muitas mulheres não realizam o número mínimo de 06 consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde. E, que devido a esse fato citado e também as falhas no atendimento, a descontinuidade do acompanhamento e as desigualdades regionais, geram a inacessibilidade e desqualificação da assistência pré-natal. (AMORIM et al, 2022)

A assistência pré-natal está associada aos níveis de saúde do binômio mãe-filho, cerca de 90% das gestantes brasileiras realizam seu pré-natal na rede pública. Em estudo realizado num APS de Florianópolis-SC, grande parte das gestantes realizaram mais consultas com o enfermeiro e alegam preferência pelo profissional de enfermagem, por julgarem esse profissional mais humanizado e empático. (AMORIM et al, 2022)

Atualmente ainda apresenta-se a necessidade de planejar e oferecer os cuidados de enfermagem e de saúde com qualidade, que busquem a satisfação materna, proporcionando uma gestação com experiência positiva, uma passagem eficaz para o trabalho de parto e parto, incluindo a competência, a autonomia e a autoestima materna. Portanto, é primordial compreender como a gestão de enfermagem contribui para o planejamento, organização, coordenação, avaliação e cuidado para proporcionar uma gestação/parto/maternidade positivas e saudáveis.(AMORIM et al, 2022)

Considera-se que os enfermeiros na atenção primária devem prestar os seus cuidados, objetivando a autonomia e empoderamento materno. A elaboração do plano de parto pode ser um passo importante para que isso aconteça, em conjunto com a autonomia e protagonismo da mulher. Deve-se trabalhar em benefício de situar a mulher no seu contexto social e familiar, proporcionando uma rede de apoio com a inclusão da família. (AMORIM et al, 2022)

Com o intuito de sistematizar o acompanhamento da gestante e facilitar o fluxo de informações entre as unidades durante o ciclo gravídico-puerperal, foram estabelecidos instrumentos, dentre eles o cartão da gestante, fundado desde a década de 1980, o qual deve permanecer sempre com a gestante e conter todos os dados do acompanhamento da gestação. Tem a finalidade de vincular os serviços ambulatoriais de pré-natal e os demais serviços à mulher durante a gravidez no parto e puerpério. (RODRIGUES et al, 2021)

A assistência pré-natal é incentivada desde 1979, com a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), com o objetivo de reduzir a morbimortalidade do binômio mãe-filho. Foi instituído a partir do ano 2000 pela portaria 569 do Ministério da Saúde, o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), assegurando o acesso, melhoria na cobertura e qualidade da atenção à saúde materna. Já em 2011, houve a implementação da Rede Cegonha, que visa promover a efetivação de um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança, abrangendo o pré-natal e o atendimento de crianças com até 24 meses, além de estruturar a rede de atenção e reduzir a mortalidade materna e infantil, com destaque ao recém nascido. (MELO et al, 2020)

O enfermeiro respaldado pela Resolução do Conselho Federal de Enfermagem/Cofen , nº 627/2020, realiza a assistência pré-natal, ao parto, ao puerpério e assistência neonatal na Atenção Primária (AP), no programa Estratégia de Saúde da Família (ESF) juntamente com o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN). O enfermeiro estrategicamente desenvolve a promoção da saúde, a prevenção e humanização junto a gestante e a família, identificando e cuidando das necessidades da gestante. (FERREIRA et al, 2021)

Tais ações permitem a observação do crescimento e desenvolvimento fetal, reduzindo o risco de intercorrências no período gravídico-puerperal. (MELO et al,2020)

4.2. O que é a violência obstétrica?

Segundo a OMS, violência obstétrica é a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher, por meio de tratamento desumanizado, excesso de medicalização e patologização dos processos naturais e fisiológicos, que resultam na heteronomia da gestante e incapacidade de tomar decisões sobre seu corpo e sexualidade. Incluindo a violência por negligência, quando há negativa de atendimento ou imposições de obstáculos ao cumprimento dos direitos das gestantes. (Organização Mundial de Saúde, 2002)

De acordo com o Ministério da Saúde, a violência obstétrica pode manifestar-se por meio de violência física, verbal ou sexual e também por intervenções e/ou procedimentos desnecessários com ou sem evidências científicas, onde a mulher é desrespeitada de diversas formas, ocasionando traumas que afetam negativamente a qualidade de vida dessas mulheres. (MATO GROSSO DO SUL, 2021)

A violência obstétrica é praticada por quem realiza a assistência obstétrica, ou seja, podem ser médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, obstetrizes ou qualquer profissional que dê assistência em algum momento. A seguir, alguns exemplos de violência obstétrica:(MATO GROSSO DO SUL, 2021; BRASIL, 2021)

  • xingamentos, humilhações, comentários constrangedores em razão da cor, da raça, da etnia, da religião, da orientação sexual, da idade, da classe social, do número de filhos e etc.;
  • episiotomia (“pique” no parto vaginal) sem necessidade, sem anestesia ou sem informar à mulher;
  • ocitocina (“sorinho”) sem necessidade;
  • manobra de Kristeller (pressão sobre a barriga da mulher para empurrar o bebê);
  • lavagem intestinal durante o trabalho de parto;
  • raspagem dos pelos pubianos (tricotomia);
  • amarrar a mulher durante o parto ou impedi-la de movimentar-se;
  • proibir que a mulher escolha a posição do parto;
  • proibir a alimentação e ingestão de água durante o trabalho de parto;
  • negar anestesia, inclusive no parto normal;
  • toques vaginais excessivos, por mais de uma pessoa, sem o esclarecimento e consentimento da parturiente;
  • dificultar o aleitamento materno na primeira hora;
  • Impedir o contato imediato, pele a pele do bebê com a mãe, após o nascimento sem motivo esclarecido à mulher;
  • proibir a presença de um acompanhante, de escolha livre da mulher, inclusive durante o trabalho de parto;
  • cirurgia cesariana desnecessária e sem informar à mulher sobre seus riscos;
  • negar alojamento conjunto à mulher e o bebê, e impedir a amamentação em livre demanda, exceto quando um dos dois necessita de cuidados especiais;
  • realizar          qualquer       procedimento           sem    prévia explicação     e          pedir permissão;

Muitas mulheres vivenciam uma violência obstétrica sem nem mesmo conseguirem perceber tal ato, pela simples falta de conhecimento, o que causa traumas e até mesmo a morte da mulher e/ou do bebê. Muitas vezes não recebem informações sobre as possibilidades de intercorrências durante a gravidez, não são instruídas quanto à fisiologia do parto, e dessa forma são expostas a violência obstétrica. (NASCIMENTO et al, 2022)

O enfermeiro deve orientar e esclarecer para a gestante desde o pré-natal sobre os métodos não farmacológicos e seus benefícios. A mulher deve também receber através da educação em saúde, orientações sobre quais ações são consideradas violência obstétrica, para que essa falta de informação não deixe que a mulher pense ser rotina tal violência. (CASTRO; ROCHA, 2020)

Aos profissionais de saúde, muitas vezes, é depositada total confiança aos seus atos por parte da mulher e com isso os profissionais são colocados como protagonistas do parto, ficando a parturiente sem autonomia e tendo seu direito negligenciado. (NASCIMENTO; SOUZA, 2022)

No Brasil, os atos de violência obstétrica, que muito prejudicam e traumatizam mulheres, podem ser tipificados como injúria, maus-tratos, ameaça, constrangimento ilegal e lesão corporal, os quais estão descritos no Código Penal Brasileiro. Todavia, ainda não há lei que legisle e puna, incisivamente, os profissionais que praticam a violência obstétrica. (NASCIMENTO; SOUZA, 2022)

Segundo Aguiar et al, se considerarmos que no campo da maternidade é onde se exerce não só a função biológica do corpo feminino, mas também uma função social conferida à mulher, regulado por uma construção simbólica, toda e qualquer violência nesse contexto é originalmente uma violência de gênero.(MIRANDA et al, 2019)

4.3. A humanização do parto e os cuidados de enfermagem

O termo humanização do parto refere-se a uma multiplicidade de interpretações com abordagens que se baseiam em evidências científicas, em direitos, entre outras. São recriadas pelos diversos atores sociais, que as utilizam como instrumento para a mudança, que vem ocorrendo muito lentamente e com enorme resistência. Apesar do termo humanização vir se incorporando nas políticas de saúde, inclusive com a criação da Política Nacional de Humanização, seus sentidos, percepções e significados, dependem das diferentes posições ou papéis que ocupam aqueles que a ele se referem, sejam dirigentes, tomadores de decisão, profissionais de saúde, movimentos organizados da sociedade ou usuários (DINIZ, 2005; BOARETTO, 2003; apud BRASIL, 2014).

Jones (2002) refere que cada profissional se apropriou do termo humanização do parto com um entendimento diferente. Para anestesiologistas é sinônimo de parto sem dor, para outros profissionais é o parto vertical, alguns defendem a presença do acompanhante e para outros é um parto com maior suporte físico e emocional. Porém, nenhuma dessas intervenções será verdadeiramente humanizada se a parturiente não for acolhida e respeitada, isso dado ao fato de que ela, o recém-nascido e a família são os únicos protagonistas do momento vivenciado. (BRASIL, 2014)

A humanização da assistência ao parto almeja que o profissional respeite os aspectos fisiológicos da mulher, sem intervenções desnecessárias, com reconhecimento dos aspectos sociais e culturais do parto e do nascimento, oferecimento adequado de suporte emocional à mulher e sua família, incentivando e facilitando a formação dos laços afetivos familiares e o vínculo mãe-bebê. Outros aspectos referem-se à autonomia da mulher durante todo o processo, com elaboração de um plano de parto que seja respeitado pelos profissionais que a assistirem; de ter um acompanhante de sua escolha; de serem informadas sobre todos os procedimentos a que serão submetidas; e de ter os seus direitos de cidadania respeitados. (DIAS; DOMINGUES, 2005 apud BRASIL, 2014)

A assistência humanizada não se restringe apenas ao parto vaginal, mas também ao parto cesariana, seja o parto domiciliar ou intra-hospitalar. A mulher deve ter o direito de participar de todas as decisões sobre intervenções às quais poderá ser submetida. (MATO GROSSO DO SUL, 2021)

Diniz (2005) reitera que as propostas de humanização do parto, seja no Sistema Único de Saúde (SUS) ou no setor privado, têm o mérito de criar novas possibilidades de exercício de direitos, de viver a maternidade, a sexualidade, a paternidade e a vida corporal. Enfim, um novo olhar do parto como experiência humana, onde só havia a escolha entre a cesariana como parto ideal e a vitimização do parto violento. (BRASIL, 2014)

O parto humanizado vai além da concepção na banheira no conforto do lar e rodeada por familiares/amigos. É o resgate do contato humano, um verdadeiro acolhimento, criação de vínculo com a cliente e família, promover o protagonismo da parturiente, sem exclusão da presença de profissionais qualificados e comprometidos com a assistência humanizada. (NASCIMENTO; SOUZA, 2022)

Em 1998, o Ministério da Saúde reconheceu a assistência humanizada prestada pelo enfermeiro obstetra nos hospitais públicos, incluindo na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do SUS o procedimento parto normal sem distocia realizado por este profissional. E, em 1999, propôs a criação dos Centros de Parto Normal (CPN) para os partos de baixo risco fora das instituições de saúde, coordenados por enfermeira(o) obstetra(o), que presta todos os cuidados às mulheres e aos recém-nascidos. (DIAS; DOMINGUES, 2005 apud BRASIL, 2014)

O CPN compõe o movimento de humanização, focado no resgate da mulher e a enfermagem obstétrica como moderadora dessa assistência. E valoriza a autonomia da enfermagem obstétrica de acordo com a Lei do Exercício do Profissional de Enfermagem, que atua no trabalho de parto normal sem distocia e também na renovação da assistência obstétrica pautados na humanização. (JACOB et al, 2022)

A enfermagem na obstetrícia visa diminuir a incidência de intervenções desnecessárias, e assim diminuir os casos de violência. E, para uma assistência qualificada, os profissionais devem utilizar os conhecimentos científicos sistematizados de acordo com as necessidades e particularidades de cada parturiente, exercendo o cuidado holístico. Os profissionais de enfermagem devem sempre estar se atualizando, se qualificando quanto a assistência humanizado ao parto para proporcionar uma assistência segura e eficaz.(NASCIMENTO et al, 2022)

Como parte integrante da equipe de saúde na assistência integral prestada à mulher, a equipe de Enfermagem deve usar o seu conhecimento técnico-científico atrelado aos preceitos éticos de compromisso com a profissão e com a vida humana, proporcionando assistência digna e de qualidade. (MARQUE; DIAS; AZEVEDO, 2006; apud BRASIL, 2014)

Pelo fato de apresentar vantagens na redução de intervenções e maior satisfação das parturientes, é recomendado aos gestores de saúde que proporcionem condições para a implementação do modelo de assistência pela enfermeira obstétrica ou obstetriz na assistência ao parto de baixo risco. (BRASIL, 2017)

O acolhimento pelo enfermeiro no parto, também inclui auxílio às mulheres na tolerância da dor durante as contrações em todo o período do trabalho de parto, intervindo com massagens, compressas quentes, óleos aromáticos e orientações sobre a importância de posturas verticais que aumentam o diâmetro pélvico, utilização da bola suíça e o cavalinho, para favorecer a postura e proporcionar o alívio da tensão muscular. Devem exercer a escuta ativa, promover a extinção de procedimentos invasivos, contraindicados que provoquem dor e/ou desconforto físico e moral; medidas não farmacológicas para analgesia; primeiro contato pele a pele do binômio mãe-filho; corte tardio do cordão umbilical; garantia de escolha da parturiente quanto a via e forma de parto, dentre outros; (BRASIL, 2014;NASCIMENTO et al, 2022)

Devem oferecer à parturiente condições onde ela se sinta à vontade, garantir sua autonomia e privacidade, orientá-la a deambular nos momentos de dor, quando possível. E, considerando que o ambiente é fator determinante para a existência de boas práticas, torna-se essencial que seja um local limpo, confortável e iluminado.(NASCIMENTO et al, 2022)

A equipe de enfermagem deve sempre atentar-se às necessidades da parturiente, promover a humanização, valorizando e respeitando as emoções da parturiente, sanar dúvidas, orientá-la quanto a possíveis preocupações e medos sobre o parto. Mantendo a parturiente informada sobre sinais e sintomas do trabalho de parto e fornecer orientações para o alívio dos sintomas, acompanhar a evolução do trabalho de parto (intensidade e frequência das contrações, tempo e intervalo para cada exame/ausculta fetal) e também aconselhar sobre as possíveis posições para o parto, além de cuidados imediatos com o recém-nascido. (MOURA et al, 2018)

Contudo, a enfermagem tem o dever de contribuir para que toda gestante tenha atendimento digno e com qualidade durante toda gestação, parto e puerpério, atentar-se aos fatores de risco e saber detectar mulheres mais vulneráveis a sofrer violência obstétrica e assegurar a ela o direito ao acesso à maternidade e que todo recém-nascido receba assistência segura e humanizada. (MOURA et al, 2018)

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estudo podemos perceber que a desinformação das parturientes em conjunto com o despreparo dos profissionais resultam na violência obstétrica, que é mais ampla do que se imagina, e vai além do que somente a violência física, pois traz malefícios a longo prazo para a mulher, o bebê e a família.

Para mudar esse cenário é imprescindível a conscientização dos profissionais, que devem rever e reformular suas condutas, para que dominem a assistência pautada na humanização e acolhimento da mulher, proporcionando o bem-estar por todo o seu ciclo gravídico-puerperal. Que sejam acolhedores os locais de assistência à mulher, pois o ambiente mal estruturado também causa males, influenciando negativamente na experiência da mulher e também na assistência prestada.

Importante ressaltar que desde a atenção primária no pré-natal deve-se orientar, informar e preparar a mulher sobre cada etapa da gravidez, inclusive fisiologicamente, para o trabalho de parto e parto. Que ela seja munida de informações sobre os seus direitos em todo o processo gravídico-puerperal, incluindo também a sua família, e que essa conduta a estimule a sair da passividade e tornar-se protagonista do seu momento.

Com o estudo percebemos o quão frágil e vulnerável fica a mulher quando não é assistida corretamente desde o pré-natal, e como até hoje se perpetua atos de violência obstétrica que são aceitos como rotina. Mas, os profissionais de enfermagem são convocados a mudar essa realidade, e junto com a mulher buscar melhorias e instruí-la a usufruir dos seus direitos plenamente, proporcionando que possam vivenciar uma experiência incrível da gestação até o puerpério em sua totalidade, com respeito às suas crenças e vontades.

O enfermeiro deve estabelecer vínculo com o trinômio durante todo o processo, pois está diretamente responsável pelo cuidado holístico. A enfermagem no enfrentamento da violência obstétrica torna-se essencial, pois é o profissional que terá mais contato com a paciente e família durante todas as etapas, desde o pré-natal.

REFERÊNCIAS

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  2. BORGES DE MACEDO, Thaís Scuissiatto. Com dor dará a luz. 2018. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/43475/Com-dor-daras-a-luz.pdf?se quence=2&isAllowed=y
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  6. BRASIL, Ministério da Saúde. Violência obstétrica. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sul/hu-ufsc/saude/mate rnidade/violencia-obstetrica
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  9. JACOB, T.N.O., RODRIGUES, D.P., ALVES, V.H., REIS, L.C., FERREIRA, E.S., CARNEIRO, M.S., VIEIRA, B.D.G., FERREIRA, E.A. A autonomia da enfermagem obstétrica na assistência no centro de parto normal. 2022. Disponível em: https://revistas.unal.edu.co/index.php/avenferm/article/view/93559/84469
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[1] Graduandos do curso de Bacharel em Enfermagem, Centro Universitário LS – Brasília/DF.

[2] Professor orientador ,Esp. Auditoria, Gestão e planejamento em saúde. Esp. Oncologia. Esp. Docência do Ensino Superior.