REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202506191246
André Moreira de Araújo
RESUMO
As parasitoses intestinais representam um importante desafio em saúde pública, exigindo métodos diagnósticos precisos e uma interpretação criteriosa dos resultados para garantir um tratamento eficaz e o controle adequado das infecções. O objetivo geral abordar sobre a parasitose intestinal bem como sua epidemiologia, enquanto os objetivos específicos foram discorrer sobre tipos de métodos de diagnóstico e salientar sobre a interpretação de resultados. O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica buscado em bases de dados online com o tempo recorte de 10 anos. As parasitoses intestinais seguem como um desafio relevante à saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento, onde condições socioeconômicas desfavoráveis e infraestrutura sanitária precária favorecem sua persistência. A elevada prevalência em grupos vulneráveis demanda estratégias diagnósticas eficazes, que combinem métodos laboratoriais desde técnicas tradicionais de microscopia até tecnologias avançadas, como testes moleculares e inteligência artificial com uma interpretação clínica criteriosa. Limitações como baixa sensibilidade, influência do estágio parasitário e dificuldades na conservação das amostras exigem preparo técnico e análise crítica dos profissionais envolvidos. Assim, a integração entre diagnóstico laboratorial, dados clínico- epidemiológicos e atualização constante dos protocolos é essencial para aumentar a precisão diagnóstica, orientar o tratamento adequado e fortalecer o controle das parasitoses no âmbito coletivo.
Palavras-chave: Parasitoses intestinais. Diagnóstico laboratorial. Interpretação clínica. Saúde pública. Técnicas moleculares.
Introdução
As parasitoses intestinais são infecções causadas por protozoários e helmintos que colonizam o trato gastrointestinal humano, sendo amplamente distribuídas em regiões com condições sanitárias precárias. Essas infecções representam um dos principais problemas de saúde pública no mundo, com maior impacto em países tropicais e em desenvolvimento, onde a pobreza, a carência de infraestrutura sanitária e a limitação de acesso aos serviços de saúde favorecem sua disseminação (Dąbrowska et al., 2024).
Em comunidades socialmente vulneráveis, como áreas rurais e periferias urbanas, a prevalência dessas infecções é ainda mais acentuada. Crianças estão entre os grupos mais afetados, em razão da exposição constante a ambientes contaminados, práticas de higiene deficientes e sistema imunológico ainda em desenvolvimento. As parasitoses intestinais nessa faixa etária estão associadas a atrasos no crescimento, dificuldades cognitivas, anemia e desnutrição, impactando diretamente o rendimento escolar e a qualidade de vida (Garcia et al., 2023; Silva, 2015).
Apesar da ampla ocorrência dessas infecções, o diagnóstico laboratorial ainda enfrenta desafios, como a baixa sensibilidade de métodos convencionais, variações na excreção dos parasitas e ausência de padronização na coleta e análise das amostras. Métodos modernos como PCR, qPCR e outras técnicas moleculares, além de ferramentas de inteligência artificial, têm sido implementados para aumentar a precisão diagnóstica, especialmente em casos assintomáticos ou de baixa carga parasitária (Dąbrowska et al., 2024; Chen et al., 2020).
A escolha deste tema justifica-se pela relevância clínica, epidemiológica e social das parasitoses intestinais. Além de serem enfermidades evitáveis e tratáveis, elas continuam a representar um desafio para a saúde pública, devido à dificuldade de diagnóstico precoce e eficaz. Compreender as ferramentas laboratoriais disponíveis e seus limites é essencial para melhorar a capacidade de resposta dos profissionais de saúde e contribuir para a formulação de políticas públicas voltadas ao controle dessas infecções.
Mediante ao exposto, levantou-se a seguinte questão norteadora: qual a importância de conhecer os diferentes tipos de diagnóstico e saber interpretar os resultados?
O presente trabalho teve como objetivo geral abordar sobre a parasitose intestinal bem como sua epidemiologia, enquanto os objetivos específicos foram discorrer sobre tipos de métodos de diagnóstico e salientar sobre a interpretação de resultados.
Este trabalho consistiu em uma revisão bibliográfica, na qual foram utilizados artigos científicos disponíveis nas bases de dados online SciELO, PubMed, Google Acadêmico e LILACS. Os artigos selecionados estavam nos idiomas inglês ou português e foram publicados no período de 2015 a 2025, respeitando um recorte temporal de 10 anos.
Os critérios de inclusão abrangeram artigos científicos nos idiomas mencionados, que abordaram diretamente o tema proposto no resumo e nos objetivos do estudo, e que foram publicados dentro do intervalo temporal estabelecido. Por sua vez, os critérios de exclusão compreenderam artigos duplicados, incompletos, de acesso pago ou que, após leitura completa, não apresentaram os elementos necessários ao desenvolvimento do presente trabalho.
A seleção dos artigos ocorreu em diferentes etapas. Inicialmente, foram eliminadas as duplicações encontradas nas buscas. Em seguida, os artigos restantes foram triados com base nos títulos, nos resumos e, quando necessário, no texto completo. A inclusão foi realizada de acordo com os critérios de elegibilidade previamente definidos. Nos casos em que não foi possível determinar a adequação do artigo apenas pelo título e pelo resumo, procedeu-se à leitura integral do texto para confirmar sua relevância para os objetivos da pesquisa.
Desenvolvimento
Principais parasitas intestinais e epidemiologia
As parasitoses intestinais representam um importante desafio para a saúde pública, afetando milhões de pessoas, sobretudo em regiões tropicais e subtropicais (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015). Entre os protozoários de maior interesse clínico destacam-se Entamoeba histolytica, Giardia lamblia e Cryptosporidium spp., responsáveis por infecções intestinais que podem variar desde quadros assintomáticos até manifestações graves, como diarreia intensa, desnutrição e complicações sistêmicas (Garcia et al., 2023; Pessoa et al., 2018). A Entamoeba histolytica é conhecida por causar amebíase invasiva, que pode levar à formação de úlceras intestinais e abscessos hepáticos, enquanto Giardia lamblia e Cryptosporidium spp. são agentes comuns de diarreia aquosa, principalmente em populações vulneráveis, como crianças e imunocomprometidos (Gheorghe et al., 2021; Silva, 2015).
No que se refere aos helmintos, os principais parasitas intestinais de interesse clínico são Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Ancylostoma spp., Strongyloides stercoralis e Taenia spp. (Pereira, 2015; Dąbrowska et al., 2024). Esses helmintos causam desde obstruções intestinais e anemia até distúrbios nutricionais crônicos, sendo Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura considerados geo-helmintos de alta prevalência em locais com saneamento precário (Pessoa et al., 2018; Silva, 2015). Já Ancylostoma spp. e Strongyloides stercoralis destacam-se pela penetração ativa na pele, podendo provocar infecções mais graves em imunodeprimidos, enquanto Taenia spp., transmitidos pelo consumo de carne malcozida, podem causar manifestações intestinais e extraintestinais, como a cisticercose (Garcia et al., 2023; Pereira, 2015).
A distribuição e prevalência desses parasitas intestinais estão intimamente ligadas a fatores socioeconômicos e ambientais. Condições de pobreza, falta de acesso à água potável e saneamento inadequado favorecem a manutenção dos ciclos de transmissão, sobretudo dos helmintos geo-helmínticos (Dąbrowska et al., 2024; Pessoa et al., 2018). Infecções por protozoários como Giardia lamblia e Cryptosporidium spp. associam-se frequentemente ao consumo de água e alimentos contaminados (Gheorghe et al., 2021). Geograficamente, essas parasitoses são mais prevalentes em regiões tropicais e subtropicais, como América Latina, África e Sudeste Asiático, devido ao clima e condições socioeconômicas que facilitam sua transmissão (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015). No entanto, estudos apontam que populações vulneráveis em países desenvolvidos também são afetadas, especialmente em áreas urbanas periféricas ou entre pessoas com condições imunológicas comprometidas (Gheorghe et al., 2021; Garcia et al., 2023).
Entre os grupos de risco mais significativos estão crianças em idade escolar, pessoas vivendo com HIV/AIDS e residentes em áreas rurais ou periféricas com infraestrutura sanitária precária (Garcia et al., 2023; Pessoa et al., 2018). Em pacientes imunocomprometidos, infecções por protozoários, notadamente Cryptosporidium spp., tendem a ser mais severas e difíceis de tratar, o que reforça a importância do diagnóstico precoce e manejo clínico adequado para reduzir complicações e mortalidade (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015). A literatura recente também ressalta a necessidade de políticas públicas que considerem essas vulnerabilidades para controle eficaz das parasitoses intestinais (Pereira, 2015; Garcia et al., 2023).
Métodos de diagnóstico
O diagnóstico preciso das parasitoses intestinais é fundamental para o tratamento adequado e controle epidemiológico dessas infecções, cuja prevalência permanece alta em muitas regiões do mundo (Santos et al., 2017; Santos et al., 2019). Diversos métodos diagnósticos são empregados na prática clínica e laboratorial, cada um com suas indicações, vantagens e limitações (Arantes; Shimizu; Merchán-Hamann, 2016). Entre eles, destacam-se os exames coprológicos, o diagnóstico sorológico, molecular e outros métodos complementares que incluem testes rápidos e exames endoscópicos (Silva; De Almeida, 2022).
Os exames coprológicos, ou análise de fezes, constituem a base para o diagnóstico das parasitoses intestinais. São métodos diretos e indiretos que visam identificar ovos, cistos, larvas ou formas adultas dos parasitas em amostras fecais (Vieira et al., 2019). Os métodos diretos consistem, primeiramente, no exame a fresco, no qual a amostra fecal é analisada imediatamente após a coleta, permitindo a visualização de formas móveis, como trofozoítos e larvas. Este exame, embora simples, é limitado pela necessidade de rapidez na análise e pela baixa sensibilidade para parasitas em estágios menos móveis (Santos et al., 2017). Para melhorar a visualização, utiliza-se frequentemente o exame corado com solução de Lugol, que tinge os componentes celulares, facilitando a identificação morfológica de cistos de protozoários como Giardia lamblia e Entamoeba histolytica (Almeida; Barbosa, 2021).
Para aumentar a sensibilidade, especialmente na detecção de ovos e cistos em amostras com baixa carga parasitária, os métodos de concentração são largamente empregados. A técnica de sedimentação, descrita por Hoffman, Pons e Janer, baseia-se na separação dos parasitas pelo peso específico, sedimentando-os para posterior observação microscópica (Pereira, 2015). Esta técnica é amplamente utilizada por sua simplicidade e capacidade de recuperar uma grande variedade de ovos e cistos, embora possa apresentar interferências por detritos fecais. Já a técnica de flotação, exemplificada pelo método de Faust, explora o princípio da diferença de densidade, onde os ovos e cistos flutuam em soluções saturadas (como sulfato de zinco), sendo então coletados na superfície para análise. A flotação é particularmente eficaz na recuperação de ovos de helmintos com baixa densidade, aumentando a sensibilidade diagnóstica em comparação ao exame direto (Garcia et al., 2023).
Além dos métodos gerais, existem técnicas específicas para determinados parasitas ou situações clínicas. O método Kato-Katz é um exame padronizado que permite a quantificação dos ovos de helmintos em fezes, sendo amplamente utilizado em programas de vigilância e controle das geo-helmintíases, como ascaridíase e tricuríase (Pessoa et al., 2018). Sua sensibilidade é maior para cargas parasitárias moderadas a altas, mas apresenta limitações em amostras com baixa infestação. As técnicas Baermann-Moraes e Harada-Mori são empregadas para a detecção de larvas de nematódeos, especialmente Strongyloides stercoralis. A técnica Baermann baseia-se na migração ativa das larvas para um meio aquoso, enquanto a Harada-Mori utiliza um papel de filtro para estimular a eclosão e migração das larvas, facilitando sua visualização microscópica (Santos et al., 2019). Essas técnicas são importantes para detectar infecções que muitas vezes passam despercebidas em métodos tradicionais.
O diagnóstico sorológico constitui outra ferramenta importante, especialmente quando a detecção direta dos parasitas em fezes é difícil ou insuficiente, como em casos de infecções extraintestinais ou em fases iniciais da doença. Entre os testes sorológicos mais utilizados estão o ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), que detecta anticorpos específicos contra antígenos parasitários, e os testes de imunofluorescência indireta, que utilizam anticorpos marcados para visualização por microscopia (Panch et al., 2018). O ELISA apresenta alta sensibilidade e especificidade, sendo aplicável para o diagnóstico de amebíase, cisticercose e outras parasitoses, além de possibilitar o monitoramento da resposta imunológica ao tratamento, testes imunoenzimáticos diversos vêm sendo desenvolvidos e aprimorados, contribuindo para a detecção precoce e diferenciada entre infecção ativa e exposição anterior (Pereira, 2015).
Os métodos de diagnóstico molecular representam um avanço significativo no campo parasitológico, trazendo maior sensibilidade, especificidade e rapidez (Chielle et al., 2020). A reação em cadeia da polimerase (PCR) convencional permite a amplificação de segmentos específicos do DNA parasitário, possibilitando a identificação precisa da espécie infectante, mesmo em amostras com baixa carga parasitária. A PCR em tempo real (qPCR) aprimora essa técnica ao quantificar o material genético amplificado em tempo real, proporcionando informações sobre a carga parasitária e dinâmica da infecção (Chen et al., 2020). Esses métodos são particularmente úteis para a detecção de protozoários como Cryptosporidium spp. e Giardia lamblia, e helmintos cujas formas em fezes são difíceis de diferenciar morfologicamente. O avanço contínuo das técnicas moleculares tem aumentado a sensibilidade diagnóstica, possibilitando a aplicação em rotina clínica, vigilância epidemiológica e estudos populacionais (Chen et al., 2020).
Além dessas abordagens, outros métodos complementares também são utilizados para diagnóstico em situações específicas. Testes rápidos, baseados em detecção imunocromatográfica de antígenos parasitários em fezes ou soro, têm ganhado espaço por sua praticidade, rapidez e facilidade de uso em campo, mesmo que sua sensibilidade possa variar conforme a carga parasitária (Almeida; De Souza, 2020). Em casos mais complexos, onde há suspeita de lesões invasivas ou complicações extraintestinais, exames endoscópicos podem ser indicados. A endoscopia permite a visualização direta da mucosa intestinal e a coleta de biópsias para análise histopatológica e parasitológica, importante para o diagnóstico diferencial de amebíase invasiva, giardíase crônica e infecções por Strongyloides stercoralis (Silva, 2015).
Por conseguinte, a escolha do método diagnóstico mais adequado depende do tipo de parasita suspeito, da fase clínica da infecção, da disponibilidade tecnológica e do contexto epidemiológico (Arantes; Shimizu; Merchán-Hamann, 2016). Métodos coprológicos permanecem essenciais pela sua acessibilidade e custo-benefício, enquanto o diagnóstico sorológico e molecular amplia as possibilidades de identificação e monitoramento das infecções, sobretudo em pacientes imunocomprometidos ou com cargas parasitárias baixas (Gheorghe et al., 2021). A incorporação de novas tecnologias, como inteligência artificial e dispositivos portáteis, promete revolucionar a detecção precoce e a triagem, contribuindo para a redução da morbidade e transmissão das parasitoses intestinais em populações vulneráveis (Chaudhry et al., 2021; Osaku et al., 2021).
A inteligência artificial (IA) tem se destacado como uma ferramenta inovadora no campo da saúde, especialmente no diagnóstico clínico, ao oferecer soluções para as limitações técnicas e estruturais dos sistemas de saúde, principalmente em regiões menos desenvolvidas (Gunkel, 2017). No caso das parasitoses intestinais, essa tecnologia é ainda mais relevante, dado que os métodos tradicionais permanecem baseados na análise manual e microscópica de amostras fecais, um processo trabalhoso, suscetível a erros humanos e dependente da experiência do profissional (Chielle et al., 2020).
Para enfrentar esses desafios, foi criado o sistema parasitai, que utiliza técnicas avançadas de deep learning para analisar automaticamente imagens parasitológicas (Chielle et al., 2020). Baseado em redes neurais convolucionais, o sistema foi treinado com um banco de dados robusto contendo mais de quatro mil imagens classificadas de ovos e larvas de diferentes parasitas, como Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e Strongyloides stercoralis. Dois modelos de rede neural, MobileNet e Inception, foram testados, alcançando sensibilidades acima de 80% e desempenho promissor em testes externos com imagens de exames reais (Krizhevsky et al., 2017).
Os resultados indicam que o ParasitAI pode diferenciar com alta precisão imagens contendo parasitas das que não apresentam estruturas parasitárias, alcançando índices comparáveis aos métodos laboratoriais convencionais. Essa capacidade não só reduz a dependência da análise humana, evitando erros por fadiga ou inexperiência, como também permite a padronização, aceleração do diagnóstico e acesso remoto, beneficiando especialmente áreas rurais e com escassez de profissionais capacitados (Chielle et al., 2020).
Embora ainda haja limitações, como a exclusão de cistos de protozoários e o foco em parasitas com morfologia bem definida, o sistema pode ser aprimorado com a inclusão de novos dados e o uso de arquiteturas de redes neurais mais avançadas (Panch et al., 2018). É importante destacar que a IA não substitui o profissional de saúde, mas atua como suporte ao diagnóstico, aumentando a confiabilidade e eficiência. Assim, a aplicação da inteligência artificial no diagnóstico parasitológico representa um avanço significativo, democratizando o acesso e promovendo melhor resultados na saúde pública (Mar; Soyer, 2018).
Interpretação de resultados
A interpretação dos resultados em exames parasitológicos é um processo complexo que exige conhecimento técnico, atenção aos detalhes e a integração entre dados laboratoriais e clínicos. Diversos fatores podem influenciar diretamente a precisão e confiabilidade do diagnóstico das parasitoses intestinais, o que torna essencial a padronização de procedimentos e o uso criterioso das informações obtidas (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015).
Entre os fatores mais relevantes está o número de amostras fecais coletadas. Diversos estudos apontam que a análise de apenas uma amostra pode não ser suficiente para identificar infecções, especialmente aquelas de baixa carga parasitária. Assim, recomenda-se a coleta de pelo menos três amostras em dias alternados, o que aumenta significativamente a sensibilidade dos métodos de detecção. Essa recomendação é baseada na natureza intermitente da eliminação de ovos, cistos ou larvas por parte dos parasitas, o que pode gerar resultados falsamente negativos se o exame for realizado em momento inoportuno (Pessoa et al., 2018; Dąbrowska et al., 2024).
A forma como a amostra é coletada, armazenada e transportada até o laboratório também exerce influência direta sobre o resultado. A deterioração dos parasitas ocorre rapidamente após a evacuação, especialmente em ambientes quentes e úmidos, o que compromete a integridade morfológica de estruturas sensíveis como trofozoítos. Para mitigar esse risco, é imprescindível que a amostra seja acondicionada em frascos limpos e secos, sem contaminação por urina ou água, e preferencialmente analisada em até uma hora após a evacuação. Caso isso não seja possível, recomenda-se o uso de conservantes apropriados, como o álcool polivinílico ou formalina, que ajudam a preservar os elementos parasitários por períodos mais longos (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015). A negligência nesse processo compromete não apenas a qualidade do exame, mas também a confiança nos dados obtidos.
Outro aspecto essencial diz respeito ao estágio de desenvolvimento do parasita no momento do exame. Muitas espécies apresentam ciclos de vida complexos, e a detecção laboratorial depende da identificação de formas específicas, como ovos, cistos, larvas ou mesmo trofozoítos. Em alguns casos, como o da Strongyloides stercoralis, que elimina larvas em vez de ovos, o método padrão baseado em sedimentos fecais pode não ser eficaz, sendo necessária a adoção de técnicas específicas, como o método de Baermann-Moraes. De modo semelhante, parasitas como Enterobius vermicularis depositam seus ovos na região perianal, e não nas fezes, o que requer o uso da fita gomada para coleta, evidenciando que a escolha do método diagnóstico deve considerar a biologia do agente etiológico suspeito (Dąbrowska et al., 2024).
Apesar do uso de protocolos e técnicas recomendadas, os exames parasitológicos estão sujeitos a limitações que comprometem sua confiabilidade, destacando-se os resultados falsos negativos e falsos positivos. Os falsos negativos são mais frequentes e geralmente estão associados à baixa intensidade da infecção, à coleta inadequada ou à degradação das estruturas parasitárias. A intermitência na eliminação dos parasitas também contribui para esses erros, assim como a utilização de técnicas inapropriadas para o tipo de parasita em questão. Já os falsos positivos, embora menos comuns, podem ocorrer devido à interpretação errônea de artefatos microscópicos que se assemelham a formas parasitárias, como grãos de amido, fibras vegetais ou detritos celulares (Dąbrowska et al., 2024; Silva, 2015). A capacitação do profissional que realiza a análise é, portanto, essencial para minimizar equívocos e garantir a precisão dos laudos.
Nesse contexto, torna-se evidente a importância de uma interpretação cuidadosa e integrada dos resultados laboratoriais com os dados clínicos do paciente. A presença ou ausência de sintomas, o histórico epidemiológico, os hábitos de higiene e as condições sanitárias do local onde o indivíduo vive ou trabalha devem ser levados em consideração na hora de interpretar os achados do exame (Garcia et al., 2023). Por exemplo, a detecção de formas comensais, como Entamoeba coli, não implica em tratamento obrigatório, a menos que haja associação com um quadro clínico compatível. Inversamente, a ausência de elementos parasitários nas fezes não exclui completamente a possibilidade de infecção, sobretudo em pacientes imunocomprometidos, como os portadores de HIV, nos quais a eliminação de parasitas pode ser intermitente ou reduzida a níveis subdetectáveis (Garcia et al., 2023).
Dessa forma, a correlação clínico-laboratorial é fundamental para a confirmação do diagnóstico, sendo a anamnese detalhada uma das ferramentas mais importantes nesse processo. Avaliar sintomas como dor abdominal, diarreia, perda de peso, náuseas, entre outros, ajuda a orientar a conduta médica e definir a necessidade de exames complementares ou repetição do exame parasitológico. A repetição é especialmente indicada em casos de suspeita clínica persistente após resultado negativo, em campanhas de vigilância epidemiológica, na confirmação de cura pós-tratamento ou quando existe suspeita de reinfecção (Pessoa et al., 2018; Garcia et al., 2023). A decisão de repetir o exame deve ser feita com base em critérios técnicos e clínicos, evitando-se tanto o excesso de exames desnecessários quanto a negligência de diagnósticos relevantes.
Além da repetição, a escolha de métodos complementares pode ser indicada. Testes imunológicos, como ELISA ou imunofluorescência, auxiliam na detecção de antígenos específicos, mesmo na ausência de parasitas visíveis no exame direto. Técnicas moleculares, como PCR e qPCR, oferecem elevada sensibilidade e especificidade, possibilitando a identificação de espécies morfologicamente semelhantes, como Entamoeba histolytica e E. dispar (Dąbrowska et al., 2024). Mais recentemente, o uso de inteligência artificial na análise de imagens microscópicas tem se mostrado promissor, com acurácia superior a 97% em estudos laboratoriais, permitindo automatizar e padronizar o diagnóstico parasitológico com menor dependência da experiência individual do analista (Chen et al., 2020; Chaudhry et al., 2021; Osaku et al., 2021).
Conclusão
As parasitoses intestinais continuam a representar um relevante desafio para a saúde pública, especialmente em países em desenvolvimento, onde fatores como desigualdade social, saneamento básico precário e acesso limitado a serviços de saúde favorecem sua persistência e disseminação. A elevada prevalência dessas infecções, particularmente entre populações vulneráveis como crianças, moradores de rua e pacientes imunocomprometidos, reforça a necessidade de estratégias diagnósticas eficazes, que permitam uma abordagem precisa e direcionada para o tratamento e controle epidemiológico.
A análise dos métodos de diagnóstico revelou uma ampla variedade de técnicas laboratoriais, que vão desde métodos convencionais de microscopia direta até ferramentas mais modernas, como testes moleculares e recursos baseados em inteligência artificial. Apesar dos avanços, ainda existem limitações importantes associadas aos métodos tradicionais, como baixa sensibilidade em infecções de baixa carga parasitária, dificuldade de preservação de amostras e influência do estágio evolutivo do parasita no momento da coleta. Esses fatores exigem não apenas domínio técnico, mas também uma compreensão crítica por parte dos profissionais responsáveis pela coleta, análise e interpretação dos resultados.
Além disso, a interpretação correta dos achados laboratoriais não deve ocorrer de forma isolada, mas sim em estreita correlação com os dados clínicos e epidemiológicos do paciente. A anamnese detalhada, o exame físico e o contexto socioambiental são fundamentais para confirmar ou excluir um diagnóstico parasitológico, orientar condutas terapêuticas e decidir pela repetição de exames quando necessário. Falsos negativos e falsos positivos continuam sendo uma realidade, e sua ocorrência reforça a importância da análise criteriosa dos dados disponíveis.
Diante disso, este trabalho reafirmou a importância da formação continuada dos profissionais de saúde e da adoção de protocolos padronizados e atualizados, capazes de integrar a realidade laboratorial com os avanços tecnológicos. A utilização de ferramentas diagnósticas modernas, aliada a uma abordagem clínica integrada, pode promover não apenas maior acurácia na detecção dos parasitas, mas também uma resposta mais rápida e eficiente no enfrentamento das doenças parasitárias, contribuindo significativamente para a melhoria da saúde coletiva.
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