CEREBRAL PALSY: THE RELEVANCE OF EARLY ASSESSMENT AND INTERVENTION.
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7394526
Milene Regina Scheidt1
Nadia Valentini2
RESUMO.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão narrativa e integrativa de literatura sobre a Paralisia Cerebral, suas características e classificações, os fatores de risco associados, e a detecção e intervenção precoces. Método: os dados foram obtidos por meio de busca online nas bases Medline, LILACS, Google Scholar, PubMed e SciELO, com o período de publicações estabelecido entre 2000 e 2022. Foram selecionados 96 artigos, 2 manuais informativos sobre PC e 1 livro de fisioterapia pediátrica. SÍNTESE DOS DADOS: Os temas foram descritos em sequência sobre a Paralisia Cerebral, sua prevalência e incidência, suas características e classificações funcionais, seus fatores de risco, e a intervenção precoce. CONCLUSÃO: Analisar fatores de risco, acompanhar o neurodesenvolvimento, avaliar com frequência tônus postural e reflexos, e ter um exame de imagem, são abordagens essenciais para um diagnóstico precoce, para que assim, a intervenção aconteça o mais cedo possível, aproveitando a melhor plasticidade neural, alcançando um melhor prognóstico da doença.
Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Fatores de risco, Diagnóstico precoce.
ABSTRACT.
OBJECTIVE: The aim of this study was to carry out a narrative and integrative review of the literature on Cerebral Palsy, its characteristics and classifications, associated risk factors, and early detection and intervention. Method: data were obtained through an online search in Medline, LILACS, Google Scholar, PubMed and SciELO, with the publication period established between 2000 and 2022. Ninety six articles, 2 informative manuals on CP and 1 pediatric physical therapy book were selected. DATA SYNTHESIS: The topics were described in sequence on Cerebral Palsy, its prevalence and incidence, its functional characteristics and classifications, its risk factors, and early intervention. CONCLUSION: Analyzing risk factors, monitoring neurodevelopment, frequently assessing postural tone and reflexes, and having an image exam are essential approaches for an early diagnosis, so that intervention takes place as soon as possible, taking advantage of the best plasticity. neural, achieving a better prognosis of the disease.
Keywords: Cerebral Palsy, Risk factors, Early diagnosis.
INTRODUÇÃO
A Paralisia Cerebral (PC) é uma expressão que abrange um grupo de transtornos permanentes do desenvolvimento do cérebro fetal ou infantil, decorrentes de uma lesão cerebral que afeta a capacidade do cérebro de controlar movimentos e funções, prejudicando a manutenção da postura e do equilíbrio (ROSENBAUM, 2007). As causas da PC em geral envolvem hemorragias peri intraventriculares, mal formações cerebrais, leucomalácia periventricular, encefalopatia hipóxico isquêmica, infecções por STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes), sepsemia, enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar, entre outros. Ter atenção no histórico de nascimento do bebê, identificar fatores de risco para a PC e quando for o caso, diagnosticá-la precocemente, é extremamente importante para que se possa dar início a um intervenção especializada o quanto antes, garantindo o gerenciamento de fatores que medeiam os resultados a longo prazo, e auxiliando profissionais e familiares a decidir vias de tratamento mais apropriadas e principalmente tendo a oportunidade de prevenindo sequelas mais graves (NOVAK, 2017; LINSELL, 2016; SILVEIRA, 2015; HENTGES, 2014; OSTRANDER, 2019; GOU, 2018; THYGESEN, 2016; KYRIAKUDOU, 2020).
Se estima uma incidência mundial de crianças diagnosticadas de 1,5 a 5,9/1000 nascidos vivos nos países desenvolvidos, com uma prevalência mundial estimada em 17 milhões de pessoas (GRAHAM, 2016), e de 7/1000 nos países em desenvolvimento. No Brasil, existe insuficiência de estudos que investiguem a prevalência da PC, entretanto, com base nos países em desenvolvimento, estima-se prevalência semelhante de 30 a 40 mil novos casos de PC por ano (SANTOS, 2019; MANDAL, 2019). Caracterizando a PC como um dos transtornos mais comuns na infância.
Diagnosticar precocemente a Paralisia Cerebral, ou os fatores de risco para ela, é extremamente importante para que se possa dar início a intervenção especializada, garantindo o gerenciamento de fatores que mediam os desfechos a longo prazo, e auxiliando profissionais e familiares a decidir as vias de tratamento mais apropriadas, prevenindo sequelas mais graves (NOVAK, 2017; LINSELL, 2016).
O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão narrativa e integrativa de literatura sobre a Paralisia Cerebral, suas características e classificações, os fatores de risco associados, e a detecção e intervenção precoces.
METODOLOGIA
Considerando a complexidade dos tópicos e intervenção, deliberadamente optamos pelo formato de uma revisão narrativa para descrever e interpretar de forma integrativa e crítica o tema ampliando a compreensão de como este corpo de conhecimento tem evoluído e desenvolvido e quais são os desafios atuais para profissionais que atuam na área (Thorne, 2018). Uma descrição ampla dos dois tópicos, destacando as repercussões atuais e futuras para a pesquisa e clinica será propiciada. Os dados foram adquiridos através de uma busca online no período de 2020-2022, realizada nas páginas da Medline, da LILACS, do Google Scholar, do PubMed e do SciELO. Os termos de busca utilizado foram “paralisia cerebral”, “intervenção precoce”, “fatores de risco”, “prematuridade”, “instrumento avaliação neurodesenvolvimento”, “diagnóstico precoce” com o período de publicações estabelecido entre 2000 a 2022; obtendo-se 69 artigos, assim como 2 manuais informativos sobre PC e 1 livro de fisioterapia pediátrica para a construção desta narrativa.
1. A Paralisia Cerebral
O termo Paralisia Cerebral (PC) foi usado pela primeira vez em 1897 por Sigmund Freud. Em 1946, a expressão PC foi consagrada e generalizada por Phelps, mas por ser para muitos uma expressão pejorativa (mesmo sendo muito utilizada no meio de profissionais da saúde), em 1959 em Oxford, a PC passou a ser conceituada como Encefalopatia Crônica Não Evolutiva da Infância (ECNEI) que, constituindo um grupo heterogêneo, tem como elo comum o fato de apresentar predominantemente sintomatologia motora, à qual se juntam, em diferentes combinações, outros sinais e sintomas (SANTOS, 2014).
A PC não é uma lesão que afeta músculos e/ou nervos, mas sim, a capacidade do cérebro de controlar os movimentos e funções que estas estruturas realizam (CANS, 2007; ROTTA, 2002). A localização e a gravidade da lesão cerebral podem também causar, além dos distúrbios motores, outros distúrbios como deficiência cognitiva e intelectual (CARVALHO, 2020), convulsões (SARMENTO, 2004), distúrbios de linguagem e comunicação (TEIXEIRA, 2012), distúrbios comportamentais e transtornos de aprendizagem (PAVONE, 2015), distúrbios sensoriais e perceptivos (GERALIS, 2007), problemas de visão e audição (CHAPMAN, 2018). Estes distúrbios também podem provir de forma secundária por consequência das limitações de atividades (limitações de movimento) que restringem o aprendizado e o desenvolvimento de experiências sensório-perceptuais e cognitivas. Para definição do diagnóstico é necessária a avaliação clínica caracterizada por alterações de movimento, de tônus, de postura e reflexos, associada a alterações em exames complementares (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
2. As classificações da Paralisia Cerebral
A classificação da PC deve ser feita levando em conta o momento lesional, o local da lesão, a etiologia, a sintomatologia ou a distribuição topográfica. A classificação pelos aspectos anatômicos e clínicos é baseada na característica mais dominante, podendo ser espástica (piramidal), discinética (extrapiramidal), atáxica e/ou mista (ROTTA, 2002; PAKULA, 2009). A forma mais frequente é a espástica ou piramidal (70-80%), onde pelo fato de a lesão afetar o trato córtico-espinal, o indivíduo apresenta espasticidade, sendo esta, uma forma de hipertonia (aumento do tônus muscular). A forma discinética (6%) resulta de lesão na parte da base do cérebro, onde resulta em uma flutuação do tônus muscular, variando de hipotonia para hipertonia de forma involuntária, prejudicando a manutenção da postura. Na forma atáxica (6%) existe importante alteração de equilíbrio e coordenação motora, e estão associados à hipotonia muscular nítida. E, as formas mistas são caracterizadas por diferentes combinações de transtornos motores pirâmido-extrapiramidal, pirâmido-atáxico ou pirâmido-extrapiramidal-atáxico (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; OBESO, 2014; PAKULA, 2009; ROTTA, 2002).
Com relação à topografia, ou seja, a área corporal comprometida pelas lesões, ela depende da localização e da extensão do comprometimento. Manifesta-se por plegia (sem movimento) ou paresia (dificuldade no movimento) nas formas unilateral e bilateral, onde unilateral são a hemiplegia/paresia (um lado do corpo é afetado) e a monoplegia/paresia (apenas um membro é afetado), e a forma bilateral são a diplegia/paresia (os membros inferiores são mais afetados que os membros superiores), a tetraplegia/paresia (os quatro membros são afetados) e a triplegia/paresia (3 membros são afetados), sendo raros a mono e a triplegia/paresia (SCPE, 2000).
Estudos de prevalência da PC, de forma geral, apresentam a classificação por anatômicos e clínicos bem como suas topografias. Por exemplo, em recente estudo realizado em 2020 com uma amostra de 673 crianças com PC na Hungria, revelou que 98% de todos os casos eram espásticos, 7,8% hipotônicos, 1,2% discinéticos e 0,5% atáxicos. Destes 673, 51% tinham topografia de tetraparesia/tetraplegia, 26% diparesia/diplegia e 23% hemiparesia/hemiplegia (BARTA et al., 2020).
Além de classificar os desfechos da Paralisia Cerebral por meio de caraterísticas físicas e de tonicidade muscular, é possível classificar de acordo com a funcionalidade motora grossa das crianças; e um dos instrumentos mais utilizados para esta classificação é o Gross Motor Function Classification System – GMFCS (PALISANO, 2008).
O GMFCS (PALISANO, 2008) permite classificar a funcionalidade da criança com PC em cinco níveis diferentes, variando de I a V, onde nível I retrata uma criança que se desloca sem limitações; nível II, uma criança que se desloca com limitações; nível III, uma criança que se desloca utilizando um dispositivo manual de mobilidade; nível IV, criança com auto mobilidade limitada e pode utilizar mobilidade motorizada; e, nível V, criança em cadeira de rodas manual para se deslocar. (PALISANO, 2008; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014).
O uso da classificação da PC por funcionalidade é reconhecido mundialmente e adotado em diferentes países. Por exemplo, um estudo realizado por Novak em 2014 com uma população australiana e canadense, relacionou a topografia à funcionalidade da pessoa com PC. O estudo mostrou que dentre os indivíduos tetraplégicos/paréticos (23% dos indivíduos com PC), dentre os espásticos, 76% tinham níveis GMFCS IV ou V, e 24% eram GMFCS I, II ou III; dentre os discinéticos, 75% eram nível IV ou V e 25% eram níveis I, II ou III; e, dentre os atáxicos, 77% eram nível IV e V e 23% eram níveis I, II ou III. Entre os diplégicos/paréticos (38% dos indivíduos com PC), 98% eram níveis I, II ou III, e apenas 2% eram GMFCS IV ou V. E, entre os hemiplégicos/paréticos (39% dos indivíduos com PC), 99% eram níveis I, II ou III, e destes apenas 1% dos indivíduos tinham o GMFCS IV ou V (NOVAK, 2014).
No Brasil, a confiabilidade da versão ampliada e revisada do GMFCS foi estabelecido para crianças brasileiras (Silva, 2013; 2016), sendo a confiabilidade estabelecida com profissionais da saúde de diferentes áreas e níveis de experiência profissional, inclusive por estudantes de graduação. O GMFCS tem sido utilizado em muitos casos para relacionar o desenvolvimento motor, cognitivo (STANDSKLEIV, 2020) e de funcionalidade ao quadro físico do paciente, como um estudo realizado com pacientes, como por exemplo na marcha de pacientes com paralisia cerebral e marcha rígida do joelho (BLUMETTI, 2015).
A funcionalidade da criança com PC é relevante para à participação na sociedade, pois quanto maior a funcionalidade, mais integrada ela poderá estar nas atividades infantis escolares, de autocuidado, recreação e esporte adaptado. Consequentemente, a busca pela melhor funcionalidade se inicia na avaliação global e na intervenção precoce.
3. Os fatores de risco para Paralisia Cerebral
Diversos fatores de risco para a PC podem ocorrer no pré-natal, perinatal ou pós-natal. Dentre estes fatores encontram-se a prematuridade extrema (<28 semanas) (SILVEIRA, 2015), o extremo baixo peso ao nascer (<1000g) (SILVEIRA, 2015), o nascer pequeno para a idade gestacional (FREIRE, 2015), a leucomalácia periventricular (GUZMÁN, 2017), hemorragias peri intraventriculares (BROUWER, 2014), a encefalopatia hipóxico-isquêmica (SILVEIRA, 2015), a pré-eclâmpsia da mãe (YONEDA, 2021), as sepses precoce ou tardia (HENTGES, 2014), as meningites pelas sepses (RODRIGUES, 2021), as infecções por STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes) (OSTRANDER, 2019), o uso excessivo de ventilação mecânica invasiva e de oxigenioterapia (POWELL, 2006), a displasia broncopulmonar (GOU, 2018; THYGESEN, 2016) e a enterocolite necrosante (KYRIAKUDOU, 2020). Interessante ressaltar que alguns fatores de risco estão relacionados com a idade gestacional (IG), como por exemplo a leucomalácia periventricular que ocorre principalmente em prematuros com IG menor que 35 semanas, ou as hemorragias que ocorrem mais entre as 26 e 34 semanas por ter as paredes vasculares mais fragilizadas nesta IG (SILVEIRA, 2005).
A prematuridade é o principal fator de risco para a PC. Pelo fato de os tecidos estarem imaturos e a proteção do cérebro e dos pulmões estar afetada pelo recém-nascido estar fora do útero materno, várias alterações no SNC e nos pulmões podem ocorrer. Dentre elas estão: HPIV (grau I até IV), EHI, LPV, a necessidade do uso de VMI e de oxigenioterapia, desenvolver a DBP e a enterocolite necrosante. (SÉVÈRE, 2020; PANCERI, 2020; VALENTINI, 2021; SILVEIRA, 2015); soma-se a estes fatores o extremo baixo peso dos prematuros (FREIRE, 2015; JÖUD, 2020; GOTARDO, 2019).
Em um estudo de revisão sistemática e meta-análise, reportou-se uma prevalência de PC entre os 5,91% nascidos vivos com peso entre 1000 e 1499g ao nascer e de 11,18% nascidos vivos antes da 28ª semana de gestação (OSKOUI, 2013). Outro estudo, este de coorte, também foi detectado a maior prevalência de PC na menor idade gestacional e menor peso ao nascimento (PASCAL, 2018).
Os desfechos clínicos adversos decorrentes da prematuridade são também são fatores de risco para a PC. Em relação as hemorragias, aproximadamente 26% dos recém-nascidos de muito baixo peso (entre 501g e 750g) e 12% daqueles entre 751g e 1000g desenvolverão formas graves de HPIV (SHALAK, 2002). A HPIV se classifica em 4 graus de intensidade de extravasamento sanguíneo, onde no grau I, a hemorragia ocorre somente na matriz germinativa e no grau IV tem maior gravidade, afetando o parênquima adjacente ao ventrículo lateral. Graus III e IV apresentam pior prognóstico, aumentando as chances de sequelas motoras, e graus I e II apresentam menor chance de sequelas, porém elas não são descartadas, principalmente se associadas ao baixo peso ao nascer (BROUWER, 2014). Um estudo de coorte encontrou uma incidência geral de 36,2% de qualquer HPIV, sendo grau III e IV 7,1% dos recém-nascidos avaliados (GUZMÁN, 2017). Há evidências que sustentam a hipótese de que crianças com HPIV e LPV apresentam risco aumentado de desenvolver PC, principalmente quando associados ao nascimento com peso abaixo de 1000g (GOTARDO, 2019). A HPIV com evolução para EHI, a LPV e a lesão difusa da substância branca cerebral são as lesões isquêmicas mais frequentes em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso. Todas são doenças de causas multifatoriais, em que podem estar envolvidos fatores vasculares, hemodinâmicos, inflamatórios e infecciosos (SILVEIRA, 2005).
De um modo geral, a neuropatologia das lesões na PC difere de acordo com o grau de maturação cerebral à época da lesão, desencadeando diferentes formas de apresentação clínica. Lesões antes da 20ª semana de idade gestacional podem levar a malformações cerebrais (MARCONDES, 2003), entre a 26ª e a 32ª semana geram alterações principalmente em substância branca como LPV e HPIV e, lesões que ocorre no terceiro trimestre ou no recém-nascido de termo podem gerar lesões em córtex e núcleos da base (MARCONDES, 2003).
Outras alterações associadas à prematuridade são as doenças respiratórias, como displasia broncopulmonar (DBP) e pneumonia, além das doenças gastrointestinais como a enterocolite necrosante. As infecções em prematuros aumentam as chances da necessidade do uso de suporte ventilatório nos bebês por consequência da imaturidade pulmonar. Estudos destacam que a chance de ocorrer a LPV aumenta 1,02% para cada dia de VMI (FELICIO, 2010), e que o tempo de uso de ventilação mecânica invasiva (VMI) está associado ao aumento da frequência de PC (POWELL et al, 2006). O uso em excesso de VMI ou oxigenioterapia e a persistência em doenças que causam desconforto respiratório podem desenvolver a DBP (LIMA, 2011).
Outro fator de risco é à enterocolite necrosante, doença gastrointestinal que afeta aproximadamente 10% dos bebês prematuros nascidos com extremo baixo peso, e que leva à significantes consequências em seu neurodesenvolvimento (HICKEYA, 2018). Um estudo realizado na Grécia, com 49 crianças prematuras (4 tinham PC), mostrou a relação direta da doença com atraso no desenvolvimento motor (KYRIAKUDOU, 2020).
Destaca-se ainda que uma disfunção do SNC pode ser representada por convulsões, as quais são alterações súbitas nas funções neurológicas. Estima-se uma incidência entre 0,15 a 3,5% nos bebês recém nascidos e entre eles a maioria das convulsões não necessariamente correspondem à quadros epilépticos, mas sim, crises resultantes de distúrbios funcionais, metabólicos ou orgânicos. Em um estudo realizado em Portugal, as maiores causas de convulsões na UTI neonatal foram: EHI (52 %), HPIV (4%), meningite (4%), enfarte cerebral (4%) e malformação cerebral (4%) (SARMENTO, 2004). Convulsões secundárias à HPIV apresentam mau prognóstico e, geralmente, são associadas a quadros graves de hemorragia cerebral, com complicações parenquimatosas ou infarto hemorrágico periventricular. Ocorrem nos primeiros 3 dias de vida, em prematuros extremos muito doentes (SILVEIRA, 2015).
Outro fator, as infecções congênitas e perinatais representam as principais causas de incapacidade permanente em crianças em todo o mundo. Associados pelo acrônimo STORCH, denotando sífilis, toxoplasma gondii, vírus da rubéola, citomegalovírus e vírus do herpes, as infecções congênitas podem cruzar a placenta, infectar o feto e lesionar seu cérebro, podendo ser causas importantes de PC, epilepsia e deficiência intelectual (OSTRANDER, 2019). Em um estudo recente com 147 crianças com PC, mostrou que a infecção pelo citomegalovírus é um fator de risco para a ocorrência de PC em crianças e que o nível de infecção foi positivamente relacionado com a probabilidade de ocorrência de tetraplegia espástica (XU, 2020). As condições infecciosas intrauterinas estão presentes em mais de 25% dos nascimentos prematuros, portanto associada à ocorrência de PC. A administração de antibioticoterapia para as mães em trabalho de parto prematuro pode trazer benefícios indiretos, reduzindo a resposta inflamatória fetal e, com isso, diminuindo a chance de LPV (SILVEIRA, 2015).
A sepse pode apresentar riscos ao neurodesenvolvimento (VALENTINI, et al., 2021). Quanto menor o peso de nascimento e a idade gestacional, maior o risco de desenvolver sepse neonatal (SILVA, 2015). Além disso, a infecção precoce é mais comum em recém-nascidos prematuros de parto normal e inversamente proporcional à idade gestacional (POLIN, 2008), aumentando os riscos de PC. Consequentemente estudos mostram que bebês prematuros que tiveram sepse neonatal têm maior risco de PC, atraso no neurodesenvolvimento, dificuldades no aprendizado, déficit auditivo e visual aos dois anos de idade corrigida (HENTGES et al, 2014).
Outros fatores como as cesáreas eletivas e de emergência e o baixo escore no APGAR estão associados a PC. O APGAR é um índice de vitalidade que varia de 0-10 pontos, ao primeiro minuto de vida, no 5º minuto e no 10º minuto. Segundo um estudo de coorte realizado na Suécia (PERSSON, 2018), e outro estudo de 2020 realizado na Turquia (BULBUL,2020), o risco de PC está inversamente relacionado ao APGAR 5º minuto e este risco aumenta significativamente quando a nota é menor ou igual à 7. Em outro estudo de coorte realizado na Suécia em 2020, com 215.217 crianças nascidas à termo, onde 381 (0,2%) receberam o diagnóstico de PC, dentre essas muitas delas tinham APGAR < 7 no 5o minuto (JÖUD, 2020). Entretanto, embora casos de PC estejam associadas à cesáreas eletivas e de emergência (JÖUD, 2020), apenas 10% deles se devem à problemas perinatais, sendo as causas restantes atribuídas a eventos pré- ou pós-natais. Destaca-se que as taxas de PC se mantiveram constantes ao longo das cinco últimas décadas nos países desenvolvidos, apesar de um aumento de seis vezes da taxa de partos cesáreas. Em uma revisão sistemática foi relatado que a cesariana não garante a prevenção da PC (O’CALLAGHAN, 2013).
O estabelecimento de consistência entre os registros de PC permite uma construção de conhecimento específico em relação de fatores de risco predisponentes para o diagnóstico. Os bebês que apresentarem em seu histórico de nascimento fatores de risco para a PC, devem ser acompanhados de perto, e caso se perceba algum atraso em seu desenvolvimento motor (área de maior prejuízo na PC), já deverão ser encaminhados para intervenção, antes mesmo do diagnóstico se consolidar.
4. O diagnóstico da Paralisia Cerebral
É importante que a criança de risco para PC, com uma demanda neuromotora, cognitiva e de linguagem, receba tratamento precocemente com a intervenção de profissionais especializados. Não se deve esperar a criança receber o diagnóstico para iniciar as estimulações. Infelizmente, o diagnóstico de PC muitas vezes é consolidado somente por volta dos 18 ou 24 meses de idade, principalmente em casos de gravidade leve, devido ao aparecimento de distonias transitórias (sinais neurológicos que aparecem e não se mantêm) (MINISTERIO DA SAÚDE, 2014).
O diagnóstico é definido em bases clínicas, caracterizadas por alterações do movimento, postura e reflexos, sendo os exames complementares utilizados para diagnóstico diferencial com encefalopatias progressivas (ROSENBAUM et al., 2007). Em 2017 diretrizes internacionais mostraram algumas ferramentas específicas para que um diagnóstico de PC possa ser concluído antes mesmo dos 12 meses de idade: a avaliação General Moviments Assessment (GMA), sendo utilizada até os 5 meses de idade (PRECHTL, 1990), e a avaliação de Hammersmith Infant Neurologic Exame (HINE), utilizada dos 2 aos 24 meses de idade (DUBOWITZ, 1981). Com estes instrumentos associados ao resultado de uma Ressonância Magnética, têm-se um alto nível de precisão (97%) para diagnosticar a PC a partir dos 9 meses de idade (MAITRE, 2020).
O GMA é uma ferramenta observacional utilizada do nascimento até as 15 semanas pós-termo. O GMA avalia movimentos gerais espontâneos do bebê. A normalidade é observável quando os movimentos envolvem todo o corpo (braços, pernas, pescoço e tronco) em padrões complexo e variáveis de flexão, extensão e rotação em fluência, com sequências variáveis com início e fim graduais definidos, e com a alternância entre amplitude e velocidade (EINSPIELER & PRECHTL, 2005; NUNES et al, 2020).
A HINE, ou Avaliação neurológica de Hammersmith é utilizada dos 2 aos 24 meses de idade de cronológica ou corrigida. Consiste em itens avaliativos neurológicos, itens avaliativos das funções motoras e itens que avaliam o estado comportamental. Nos itens neurológicos são avaliadas as funções dos nervos cranianos, as posturas do bebê, a avaliação qualitativa e quantitativa dos movimentos, avaliação do tônus muscular e dos reflexos e reações. As avaliações dos marcos motores e do estado comportamental são utilizadas como forma complementar informativa para a parte clínica, mas não são pontuadas e somadas para o resultado do escore global do teste (SOUZA, 2021).
Infelizmente nem sempre os bebês de risco recebem acompanhamento de profissionais que utilizem estes instrumentos de avaliações neurológicas precoces. Porém, existem outros instrumentos utilizados por profissionais da saúde, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, educadores físicos, psicólogos, médicos e psicopedagogos, que avaliam o neurodesenvolvimento infantil de forma global e permitem a triagem de crianças com atrasos no neurodesenvolvimento. Estes instrumentos, que são sensíveis na detecção de atrasos no neurodesenvolvimento, podem talvez sinalizar possíveis alterações neurológicas, aumentando a chance destes bebês serem encaminhados o mais cedo possível à um profissional da área de neurologia.
Um destes instrumentos é o Bayley Scale of Infant and Toddler Development– 3ª edition (BSITD-III), o qual avalia o neurodesenvolvimento e é reconhecido mundialmente como padrão ouro para avaliação (BAYLEY, 2006). Além disso, os dados normativos do BSITD-III incluíram aproximadamente 10% de crianças com diagnósticos clínicos específicos como Síndrome de Down, Paralisia Cerebral, Transtorno Global no desenvolvimento, nascimento prematuro, asfixia durante o nascimento e PIG, e a escalas mostraram-se sensíveis na detecção das diferenças no neurodesenvolvimento (WEISS, 2017); estudos com crianças prematuras e a termo evidenciam a capacidade deste instrumento de detectar atrasos no primeiro ano de vida (PANCERI, 2022; HASS, 2022; VALENTINI, 2021; PANCERI, 2020; MACHADO, 2017; BORBA et al, 2017; PEREIRA 2016a , 2016b; BORBA & VALENTINI, 2015)
Outra ferramenta que tem sido frequentemente utilizada por profissionais treinados, é a Alberta Infant Motor Scale (AIMS). A AIMS é uma ferramenta observacional, validada no Brasil (SACCANI & VALENTINI, 2016; VALENTINI & SACCANI, 2011; VALENTINI & SACCANI, 2012), em que o desenvolvimento motor do bebê até 18 meses é avaliado focando seus movimentos espontâneos a partir da integração do controle muscular antigravitacional em 4 posições: prona, supina, sentado e em ortostase. Pelo fato de a observação ser referente aos movimentos espontâneos do bebê, crianças com Paralisia Cerebral terão dificuldades em se manterem ou alcançarem as posturas, por este motivo, a escala também pode ser utilizada como instrumento de suporte a detecção de sinais de atrasos no neurodesenvolvimento (HERMES, 2021; VALENTINI, 2020; VALENTINI & PEREIRA, 2019; SACCANI et al, 2018a; SACCANI, et al 2018b; SACCANI, 2017; SACCANI, 2016; SACCANI & VALENTINI, 2013; BORBA et al, 2013; SACCANI & VALENTINI, 2010) e PC (VALENTINI & SACCANI, 2012; WANG, 2013).
Um terceiro instrumento avaliativo do desenvolvimento motor, domínio importante de ser avaliado na suspeita da Paralisia Cerebral, é o Test of Infant Motor Performance (TIMP). Foi validado no Brasil (CHIQUETTI, VALENTINI & SACCANI, 2020; CHIQUETTI & VALENTINI, 2020) e pode ser utilizado para predição da PC (PIETRUSZEWSKI, 2022; CHIQUETTI, VALENTINI & SACCANI, 2020) ou como forma de acompanhar o desenvolvimento motor da criança de risco uma vez que tem demonstrado sensibilidade para detectar atrasos no neurodesenvolvimento. Pode ser aplicado em lactentes a partir de 32 semanas de idade gestacional, e consiste em itens de avaliação de habilidades tarefa-específicas que exigem controle postural envolvidos nos movimentos realizados durante o cuidado diário dos lactentes por seus cuidadores (LIMA-ALVARES, NEVES & TUDELLA, 2021).
E ainda, entre os instrumentos avaliativos está o Peabody Developmental Motor Scales (PDMS-2), utilizado para avaliar o desempenho motor grosso e fino de crianças de zero a 71 meses. O PDMS-2 foi validado no Brasil (ZANELLA & VALENTINI, et al, 2021) e tem como objetivo identificar desvios ou atrasos no desenvolvimento motor, analisar a capacidade de movimento dos membros de uma criança, detectar déficits de movimentos e dificuldade em controlar a coordenação fina e global, propor no tratamento clínico metas e objetivos para cada criança, e acompanhar o desenvolvimento da criança (ZANELLA et al, 2021; VALENTINI, ZANELLA & COPETTI, 2021; VALENTINI & ZANELLA, 2022).
Atrasos no neurodesenvolvimento cognitivo, de linguagem e principalmente motor também podem ser preditores à PC. Estudos mostraram que crianças com PC podem apresentar escores extremamente baixos em suas avaliações do neurodesenvolvimento (CARVALHO, 2020; CHAPMAN, 2018; YONEDA, 2021, STANDSKLEIV, 2020). Por isto, é de extrema importância realizar avaliações frequentes com estas crianças um acompanhamento de seu neurodesenvolvimento.
5. Os atrasos no neurodesenvolvimento associados à Paralisia Cerebral
A PC é principalmente um distúrbio neuromotor que afeta os movimentos, o equilíbrio, o tônus muscular e postural (ROSENBAUM, 2007; FLEMING, 2002). Na avaliação do neurodesenvolvimento, predominam estudos que examinam as repercussões da PC no desenvolvimento motor amplo, por consequência de condições fisicamente incapacitantes para movimentos como rolar, sentar-se, ficar me pé e se deslocar ((ROSENBAUM, 2007; FLEMING, 2002; GERALIS, 2007). Em avaliações de habilidades motoras amplas, onde é necessário realizar atividades antigravitacionais, posturais e de equilíbrio, a criança com PC apresenta dificuldade expressiva (WEISS, 2017; GERALIS, 2007). Por exemplo, um estudo americano realizado em 2018 com 2113 crianças prematuras, onde 247 tinham PC (11,7%) corrobora com estas colocações apresentando uma média de categorização Extremamente Baixa nas crianças com PC moderado (GMFCS II e III) e grave (GMFCS IV e V), e classificação Limítrofe nas crianças com PC leve (GMFCS I) (CHAPMAN, 2018). Outro estudo realizado em 2021, onde tinham crianças com PC, mostrou um desenvolvimento motor de categorização Extremamente Baixa ou Limítrofe da média (YONEDA, 2021).
Possíveis déficits cognitivos e de linguagem, além dos déficits motores, são reportados em crianças com PC (CHAPMAN, 2018; CARVALHO, 2020; ROSENBAUM, 2007; STANDSKLEIV, 2020). O processo cognitivo global e específico pode ser afetado tanto por distúrbios primários, quanto em consequência secundária às limitações neuromotoras que restringem as experiências da criança nos contextos de referência e o processo de aprendizagem (ROSENBAUM, 2007). As habilidades cognitivas são avaliadas através da capacidade da criança de processar informações, do quão rápida ela é para esse processamento e pela solução de problemas criados nas atividades propostas. Por existir uma interação entre os sistemas, estas habilidades estão fortemente associadas às habilidades motoras finas, que podem ser deficitárias em pacientes com PC, prejudicando o desenvolvimento cognitivo (CARVALHO, 2020; BODIMEADE, 2013; STANDSKLEIV, 2020). Essa associação pode ser pequena em alguns conjuntos de habilidades, como padrões de pegada e habilidades oculomotoras, e grande em outros, principalmente naqueles que requerem uma integração de sistemas como coordenação visual motora e planejamento motor (WEISS, 2017; CHAPMAN, 2018).
Um estudo recente, evidencia claramente essas relações, o déficit cognitivo foi associado com as topografias das crianças com PC, mostrando 81% a 89% das crianças com hemiparesia (PC espástico unilateral) apresentam o desenvolvimento cognitivo normal (QI maior que 70), sem diferenças entre crianças a termo ou prematuras e do lado da paresia (direito ou esquerdo). Na diparesia (PC espástica bilateral), 67% a 78% das crianças apresentaram QI normal. Quando a causa da diparesia foi a leucomalácia periventricular (PVL), o QI é semelhante em crianças nascidas pré-termo e a termo. No entanto, em crianças nascidas a termo e com etiologia variada, apenas 39% têm QI superior a 70. Especificamente, as crianças com diplegia apresentaram um perfil distorcido com compreensão verbal normal e raciocínio visuoespacial e inteligência não verbal prejudicados, essas diferenças começam a ser observadas aos 3 anos tornando-se mais acentuada na idade escolar (STANDSKLEIV, 2020). Destaca-se ainda que a LPV afeta a conectividade cerebral no córtex temporal-parietal, é particularmente frequente em crianças nascidas pré-termo, e leva a deficiências viso-perceptivas. Standskleiv (2020), destaca também que que 90% a 100% das crianças com quadriparesia (PC espástica bilateral) tiveram o QI inferior a 70. No entanto, como o teste formal é frequentemente relatado como sendo inacessíveis para crianças com tetraplegia, isso pode representar uma superestimativa do comprometimento; documentar as capacidades de crianças com tetraplegia requer testes adaptados. No Brasil, em um estudo que avaliou bebês com PC usando a BSITD-III, os resultados foram de categorização Extremamente Baixa para os domínios cognitivo, de linguagem e motor (CARVALHO, 2020), corroborando com outro estudo onde crianças com PC apresentaram pontuações muito abaixo da média no domínio cognitivo (BODIMEADE, 2013). E, outro estudo com 30 crianças hemiparéticas, com uma média de idade de 10 anos, obteve um resultado significativo da relação do desempenho motor fino com o desempenho cognitivo, porém não teve significância a relação do motor grosso com o cognitivo (GUSMÃO, 2021).
Com relação à comunicação, é estimado que os distúrbios na PC possam variar de 31% a 88% (HEIDECKER, 2011). A variação de dificuldades também pode estar relacionada com a gravidade da lesão e à área específica afetada, podendo afetar tanto a área da compreensão da linguagem, quanto a área neuromotora responsável pela produção e a articulação da linguagem, assim como a variabilidade dos fatores interferentes no desenvolvimento da linguagem e da aquisição de habilidades comunicativas (TEIXEIRA, 2012). O desenvolvimento da linguagem envolve a integridade sensorial e do SNC, o processo maturacional, as habilidades cognitivas e intelectuais, o processamento das informações ou aspectos perceptivos, os fatores emocionais e as influências do ambiente, controle da musculatura orofacial, na respiração e na coordenação pneumofonoarticulatória (WEISS, 2017; TEIXEIRA, 2012; HIDECKER, 2011). Em um estudo alterações na linguagem em crianças com PC, onde 83% tiveram produção de fala atrasada ou desordenada, sendo que dentre os participantes verbais, 78% apresentaram disartria, 54% apresentaram atraso ou distúrbio na articulação, 43% atraso ou distúrbio fonológico e 17% características de apraxia da fala (MEI, 2020). Outro estudo sobre o crescimento longitudinal da linguagem receptiva em crianças com PC mostrou que as crianças com deficiência motora da fala apresentaram pequenos atrasos na linguagem receptiva ao longo do tempo. Crianças sem comprometimento motor da fala apresentaram linguagem receptiva apropriada para a idade ao longo do tempo (HUSTAD, 2018).
Crianças com PC podem também exibirem baixo desempenho motor, e suas habilidades cognitivas e de comunicação serem medianas (WEISS, 2017). Um estudo realizado na Korea em 2003 mostrou que a cognição e o motor atrasaram semelhantemente em crianças com atraso global, porém, em crianças com PC o atraso cognitivo foi menor do que o atraso motor, pois neste estudo estavam participando crianças com hemiplegia, ou seja, déficit motor apenas em um lado do corpo e maior probabilidade de não ter atraso cognitivo, fazendo com que o índice de habilidade cognitiva fosse maior (LEE, 2013). Por fim, a criança com PC apresenta uma demanda neuromotora e conforme a gravidade e o tipo de lesão, demandas cognitivas e de linguagem também podem ser apresentadas (WEISS, 2017), sendo de extrema importância o encaminhamento para tratamento neuropsicomotor precoce e especializado, para que consequentemente se possa ter um melhor prognóstico.
6. A intervenção precoce e a neuroplasticidade na Paralisia Cerebral
A intervenção deve ser especializada com o uso de abordagens específicas da tarefa, além do enriquecimento ambiental, otimizando o potencial interventivo no desenvolvimento das crianças em decorrência da alta plasticidade neural na idade precoce. Neuroplasticidade é a capacidade dos neurônios de alterar suas funções, seu perfil químico e sua estrutura, sendo fundamental para a facilitação da recuperação da lesão ocorrida no sistema nervoso central (BITTEL, 2008). Quanto mais cedo iniciar a intervenção com estas crianças, melhor, pois quanto menor a idade, maior é a plasticidade neural pois no cérebro em desenvolvimento há maior potencial de plasticidade, pois há maior controle sobre o crescimento dos dendritos e axônios e sobrevivência neuronal (ROSEMBAUM, 2007). Iniciar os estímulos até os 4 meses de idade, seria justificado por ser este um período de alta plasticidade neural.
Além disso, existem períodos sensíveis críticos para a aprendizagem, chamados de “janelas de oportunidade’, onde o cérebro está especialmente suscetível aos estímulos sensoriais, para a maturação dos sistemas neurais (SÁ, 2021). Os períodos sensíveis são os momentos em que o máximo de expressão de capacidades sensoriais, motoras, motivacionais e psicológicas se apresentam pela primeira vez, quando há maior prontidão e elevada sensibilidade aos estímulos para aquisição/treino e instrução (LOPES, 2000). Ou seja, períodos importantes para serem estimulados da maneira conivente com a aprendizagem, que serão realmente aproveitados se o profissional tiver conhecimento sobre o assunto.
Diversos são as áreas profissionais essenciais para a terapia global da criança com PC. Dentre elas estão a fisioterapia (solo, água, equestre), a terapia ocupacional (motora ou integração sensorial), a fonoaudiologia, a psicologia, a pedagogia e a neuropsicologia, além da neurologia, da ortopedia e, em alguns casos, também a psiquiatria. A intervenção fisioterapêutica no tratamento da criança com Paralisia Cerebral tem como objetivos específicos a busca pela modulação do tônus postural, oportunizando o alcance e o aprendizado do movimento mais próximo da normalidade, resultando em ganhos na flexibilidade, força muscular, amplitude de movimento e na melhora progressiva da realização de atividades de vida diária, sempre em busca a otimização da funcionalidade.
Diversos conceitos e técnicas podem ser utilizadas para o tratamento na PC. Um deles, conhecido inicialmente como Conceito Neuroevolutivo Bobath, e atualmente como Neuro Developmental Therapy (NDT) – no Brasil conhecido como “Tratamento Neuroevolutivo” – é um modelo holístico e interdisciplinar de prática clínica que enfatiza o manuseio terapêutico individualizado tendo como suporte a análise do movimento para habilitação e reabilitação de indivíduos com disfunções neurológicas. Um conhecimento aprofundado do sistema de movimento humano, incluindo a compreensão do desenvolvimento típico e atípico, e experiência na análise do controle postural, movimento, atividade e participação ao longo da vida, formam a base para o exame, avaliação e intervenção. O manuseio terapêutico, usado durante a avaliação e intervenção, consiste em uma interação recíproca dinâmica entre o cliente e o terapeuta para ativar o processamento sensório-motor ideal, o desempenho da tarefa e a aquisição de habilidades para permitir a participação em atividades significativas (NDTA, 2022).
Outro tratamento fisioterapêutico reconhecido e utilizado com crianças com PC, é o Cuevas Medek Exercices® (CME). É uma terapia psicomotora baseada em exercícios dinâmicos desafiadores, aplicados manualmente para crianças com disfunções motoras. Esta terapia pode ser aplicada desde os 2 meses de idade até anos após o nascimento (CUEVAS, 2022).
Além destes citados, é possível ressaltar outros diversos tratamentos como Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva (FNP), Terapia por Neurônio Espelho (TNE), “Objetivo orientado à tarefa” (Goal-Directed Task), psicomotricidade, treino de marcha com suporte parcial de peso, treinamento bimanual, cinesioterapia, plataforma vibratória, equoterapia, hidroterapia, acupuntura, osteopatia e microfisioterapia, além dos tratamentos intensivos, como Terapia por Contensão Induzida® (TCI), Terapia Neuromotora Intensiva (TNMI), PenguimSuit®, AdeliSuit®, PediaSuit®, TheraSuit® e Treini®. Ademais, é possível utilizar-se de recursos auxiliares para favorecer os tratamentos citados, como bandagem neuromuscular, walkaid, órteses neurofuncionais, estimulação elétrica funcional, biofeedback, estimulação elétrica transcraniana, gameterapia e as vestes terapêuticas, como theratogs, flexcorp, benik e panda (ARAUJO & ISRAEL, 2017).
Por fim, cada profissional confia e segue linhas de tratamento especializadas para seu paciente, porém, o mais importante é que sejam tratamentos cientificamente estabelecidos como eficientes e realizados de forma interdisciplinar, dando segurança à família e gerando maiores benefícios à criança com Paralisia Cerebral.
CONCLUSÃO
Conclui-se que, diversos são os fatores de risco para um diagnóstico de Paralisia Cerebral, principalmente entre crianças prematuras. Estes recém-nascidos têm tido maior sobrevida e podem vir a apresentar desfechos adversos que prejudicariam o desenvolvimento cerebral, e por consequência, o desenvolvimento neuropsicomotor.
É de grande importância o acompanhamento das crianças com fatores de risco ao neurodesenvolvimento. Acompanhar seu neurodesenvolvimento através de instrumentos avaliativos, e avaliar características importantes como tônus, reflexos e neuroimagem através da utilização de instrumentos que possam mensurar a probabilidade da PC, é necessário para que possa diagnosticar o mais precocemente a patologia.
O diagnóstico precoce é essencial para que estas crianças possam ser encaminhadas à intervenção precoce. Esta intervenção deverá ser realizada por profissionais especializados, com conhecimento sobre o neurodesenvolvimento, para que possam escolher a melhor técnica ou método de tratamento para aquela criança, intervindo e oportunizando estímulos adequados ao cérebro, aproveitando com maestria a plasticidade cerebral e contribuindo para o desenvolvimento de habilidades subsequentes de maior complexidade e funcionalidade.
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(1) Fisioterapeuta Especialista em Motricidade Infantil e mestranda em Ciências do Movimento Humano na Escola Superior de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2) Ph.D. em Health and Human Performance. Professora adjunta da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.