PARADOXO DA SAÚDE DA ATIVIDADE FÍSICA E O RISCO CARDIOVASCULAR: UMA REVISÃO NARRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503101458


Leonardo Emmanuel de Medeiros Lima1
José Garcia de Brito-Neto2
Rodrigo Pereira da Silva3
Lucca Fazan4
Lucas Maceratesi Enjiu5
Vinícius Lauria6
Dilmar Pinto Guedes Júnior7
Carlos Eduardo Rosa8
Yuri de Lucas Xavier Martins9
Wilian de Jesus Santana10
Aylton Figueira Junior11


RESUMO

Introdução: As doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortalidade global, estando associadas a fatores modificáveis e não modificáveis. A inatividade física emerge como um dos principais determinantes da morbimortalidade cardiovascular, agravada por ambientes obesogênicos e pelo declínio da atividade física. O exercício é uma estratégia eficaz para a prevenção e controle da hipertensão arterial, destacando a importância do monitoramento preciso da atividade física e da distinção entre atividade física de lazer e ocupacional, o que se relaciona ao paradoxo da saúde da atividade física. Objetivo: Investigar a relação entre os níveis de atividade física e tipos com o risco de doenças cardiovasculares. Método: Este estudo consiste em uma revisão narrativa da literatura, analisando criticamente a relação entre atividade física de lazer, ocupacional e o risco cardiovascular. A busca foi realizada nas bases PubMed, SciELO e Biblioteca Virtual de Saúde, utilizando os descritores physical activity OR physical activity occupational AND cardiovascular risk. Após critérios de inclusão e exclusão, os artigos foram analisados quanto à relevância, coerência metodológica e impacto científico. Desenvolvimento: De forma geral, a atividade física de lazer reduz significativamente o risco cardiovascular, enquanto a atividade ocupacional pode não conferir os mesmos benefícios e apresentando efeitos inconsistentes sobre o risco cardiovascular, destacando-se uma relação dose-resposta. O comportamento sedentário também associa-se ao aumento do risco cardiovascular, sendo influenciado por fatores socioeconômicos, contexto ocupacional e nível de atividade física. Conclusão: A atividade física de lazer reduz o risco cardiovascular, enquanto a atividade ocupacional apresenta efeitos divergentes, demandando investigações metodologicamente rigorosas.

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares são responsáveis por aproximadamente 17 milhões de óbitos anuais em todo o mundo, configurando-se como um significativo problema de saúde pública. Essas doenças estão associadas à elevada taxa de mortalidade, à redução da qualidade de vida, a limitações nas atividades laborais e de lazer, além de impactos econômicos substanciais para indivíduos, famílias e sociedades (Ezeudu et al., 2018; Li et al., 2020). Atualmente, as doenças cardiovasculares são responsáveis por cerca de 40% dos óbitos mundiais (Yusuf et al., 2001; Jakab et al., 2020).

A etiologia multifatorial das doenças cardiovasculares é amplamente reconhecida, sendo os fatores de risco classificados em duas categorias principais: (i) fatores não modificáveis, como hereditariedade, idade e sexo; e (ii) fatores de risco modificáveis, tais como hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias, tabagismo, sedentarismo, obesidade, diabetes mellitus e fatores psicossociais (Chrysaidou et al., 2020). Entre esses, a inatividade física se destaca como um dos principais determinantes da morbimortalidade cardiovascular, sendo responsável por aproximadamente 1,9 milhão de óbitos anuais. Ademais, estudos apontam que indivíduos moderadamente ativos apresentam uma redução de até 40% no risco de mortalidade (Crichton et al., 2014).

Os ambientes obesogênicos contemporâneos e a crescente inatividade física contribuem para o desenvolvimento de doenças crônicas, constituindo-se como um grave problema de saúde pública. O exercício físico tem sido amplamente reconhecido como uma “polipílula” da saúde, possuindo efeitos benéficos comparáveis ou superiores aos de diversas intervenções farmacológicas, sendo uma estratégia acessível e com mínimos efeitos adversos. Entretanto, as taxas de adesão à prática de exercícios permanecem baixas (Fiuza-Luces et al., 2013).

A síndrome metabólica (SM) representa um desafio global para a saúde pública, caracterizando-se por um conjunto de condições clínicas que incluem obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, redução dos níveis sanguíneos de lipoproteína de alta densidade (HDL), hipertensão arterial e hiperglicemia em jejum. Esse quadro eleva significativamente o risco de doenças cardiovasculares e de mortalidade por todas as causas (EZEUDU et al., 2018; LI et al., 2020).

A hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco cardiovascular, sendo responsável por aproximadamente 45% das mortes por doenças cardíacas e 51% das mortes por acidente vascular encefálico. A condição é definida pela elevação sustentada da pressão arterial para valores iguais ou superiores a 140 mmHg na pressão sistólica e/ou 90 mmHg na pressão diastólica em repouso, sendo considerada uma das principais causas evitáveis de mortalidade cardiovascular globalmente (Kearney et al., 2005). A incidência de hipertensão arterial tem aumentado progressivamente em escala global (Benetos et al., 2002; Zhou et al., 2017), afetando mais de 1 bilhão de indivíduos em todo o mundo (Zhou et al., 2017). No Brasil, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) acomete aproximadamente 30% da população, conforme relatado pela Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH).

A inatividade física e o sedentarismo são reconhecidos como fatores de risco independentes para doenças cardiovasculares (National Heart Institute, 1996). Em contrapartida, a prática regular de atividade física tem sido amplamente evidenciada como um agente hipotensor eficaz (Arnett et al., 1994; Pescatello et al., 2015). O efeito anti-hipertensivo do exercício físico pode ser observado tanto de forma aguda, após uma única sessão de treinamento, quanto de maneira crônica, após um período prolongado de intervenção. Indivíduos hipertensos que praticam exercícios cardiovasculares regularmente apresentam reduções médias na pressão arterial entre 5 e 7 mmHg (ACSM, 2004).

Estudos recentes demonstram a eficiência do exercício físico como estratégia não farmacológica para o controle da hipertensão arterial, sendo recomendados protocolos específicos de treinamento aeróbio, resistido dinâmico e resistido isométrico (Li; Loerbroks; Angerer, 2013; Holtermann et al., 2010; Holtermann et al., 2012; Pescatello et al., 2015).

Dada a relevância da atividade física na prevenção e controle das doenças cardiovasculares, instrumentos de monitoramento precisos tornam-se essenciais para a avaliação dos padrões de movimento humano. O acelerômetro tem sido amplamente empregado como ferramenta padrão-ouro em pesquisas com seres humanos (Warren et al., 2010). Além disso, o compêndio de atividade física, que classifica atividades por intensidades expressas em equivalentes metabólicos (METs), também é amplamente utilizado (Ainsworth et al., 2000). Entretanto, essa ferramenta pode introduzir vieses na mensuração do gasto energético, pois não considera variáveis individuais, como idade, sexo e composição corporal (Amorim; Gomes, 2003).

Considerando as diretrizes internacionais, o American College of Sports Medicine (ACSM, 2004) recomenda um mínimo de 150 minutos semanais de atividade física moderada ou 75 minutos semanais de atividade vigorosa para a promoção da saúde (Haskell et al., 2007). Estudos indicam que até mesmo volumes menores de atividade física, como 15 minutos diários, podem reduzir significativamente a mortalidade por todas as causas (Wen et al., 2011).

A literatura científica já documentou amplamente que o aumento da atividade física de lazer, a qual inclui os exercícios físicos, está associado a benefícios à saúde (AFL; por exemplo, esportes e recreação). No entanto, a elevação da atividade física de natureza ocupacional (AFO) não apresenta os mesmos efeitos positivos para a saúde (Li; Loerbroks; Angerer, 2013). Na realidade, a AFO tem sido relatada como prejudicial. Essa discrepância entre os impactos da AFL e da AFO sobre a saúde é conhecida como o paradoxo da saúde da atividade física (Holtermann et al, 2012).

Em contrapartida, os avanços tecnológicos também podem tornar o ambiente de trabalho (ocupacional) cada vez mais propício ao consumo de alimentos via serviços de entrega, bem como um aumento na mecanização e informatização das atividades diárias. Como pano de fundo, destacam-se os chamados labor saving devices (mecanismos que reduzem o esforço físico), os quais contribuem para a diminuição da atividade física e da demanda energética no trabalho, no ambiente doméstico, no lazer e nos deslocamentos diários (transporte) entre casa e trabalho. Como consequência, há uma deterioração dos padrões alimentares, um aumento da inatividade física e um crescimento dos níveis de estresse na população (Eaton; Shostak; Konner, 1988).

Diante do exposto, a presente revisão narrativa da literatura tem por objetivo investigar a relação entre os níveis de atividade física e tipos (lazer ou ocupacional) com o risco de doenças cardiovasculares.

METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura, cujo objetivo é analisar criticamente a produção científica disponível sobre o impacto da atividade física lazer, ocupacional ou a ausência dela sobre o risco cardiovascular. A revisão narrativa caracteriza-se pela ampla exploração de literatura relevante, permitindo uma síntese interpretativa dos dados, sem restrições metodológicas, como ocorrem nas revisões sistemáticas (RIBEIRO, 2014).

A busca bibliográfica foi realizada nas bases de dados PubMed, SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), sem delimitação temporal. Foram utilizados os descritores physical activity OR physical activity occupational AND cardiovascular risk, combinados por operadores booleanos ( AND, OR ), conforme a estratégia de busca definida.

Os critérios de inclusão adotados foram: (i) artigos completos, (ii) estudos redigidos em português ou inglês, e (iii) pesquisas que abordassem diretamente o nível de atividade física relacionado ao risco cardiovascular, presença de doença cardiovascular ou seus fatores de risco (hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, circunferência abdominal) . Por outro lado, foram excluídos estudos duplicados, editoriais, cartas ao editor, teses e dissertações, bem como artigos que não apresentavam metodologia clara.

Após a seleção inicial, os artigos foram analisados criticamente, considerando a relevância das descobertas, coerência metodológica e impacto na área. A discussão foi estruturada a partir da categorização dos principais temas emergentes na literatura selecionada.

Toda a condução deste estudo respeitando os princípios éticos da pesquisa científica, baseando-se exclusivamente em fontes secundárias de acesso público, não envolvendo experimentação com seres humanos ou animais.

RISCO CARDIOVASCULAR E SUA RELAÇÃO COM A ATIVIDADE FÍSICA

ATIVIDADE FÍSICA LAZER E RISCO CARDIOVASCULAR

A associação entre atividade física de lazer (AFL) e a redução do risco cardiovascular tem sido amplamente documentada na literatura. Estudos indicam que a AFL apresenta efeitos protetores contra doenças cardiovasculares (DCV), enquanto a atividade física ocupacional (AFO) nem sempre confere os mesmos benefícios, podendo inclusive estar relacionada a efeitos adversos.

Em uma meta-análise de estudos de coorte prospectivos, foi demonstrado que a AFL está associada a uma redução significativa no risco de DCV total, doença cardíaca coronária (DCC) e acidente vascular cerebral (AVC), embora não tenha sido encontrada relação significativa com fibrilação atrial (FA). A análise dose-resposta indicou que o aumento da AFL promove uma redução progressiva no risco de DCV (Kazemi et al., 2024).

Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo transversal realizado com trabalhadores de uma fábrica de borracha no Irã, onde a AFL foi significativamente correlacionada à redução de fatores de risco cardiovascular, mesmo após ajuste para idade e tabagismo. Ademais, observou-se que os níveis globais de atividade física estavam inversamente associados à glicemia de jejum e ao índice de massa corporal (IMC), reforçando o papel preponderante da AFL na prevenção de DCV (Aminian et al., 2021).

Estudos também indicam que a AFL exerce um efeito protetor contra mortalidade por todas as causas, eventos cardiovasculares e risco de diabetes tipo 2. Em uma investigação sobre os impactos da atividade física em pacientes com DCV, verificou-se que a AFL está fortemente associada à redução de desfechos negativos (Bonekamp et al., 2023).

A influência do tipo de atividade física sobre a saúde cardiovascular também foi analisada em um estudo transversal com policiais, onde a AFL demonstrou atenuar o impacto do estresse ocupacional sobre os fatores de risco cardiovascular. Policiais fisicamente inativos apresentaram maior probabilidade de exibir fatores de risco para DCV, e o estresse ocupacional potencializou essa relação. No entanto, a AFL mostrou-se capaz de mitigar esses efeitos negativos, reforçando sua relevância na proteção contra doenças cardiovasculares (Poirier et al., 2023).

Por fim, a literatura também sugere uma relação inversa entre AFL e risco de DCC, incluindo infarto agudo do miocárdio (IAM), com evidências indicando uma relação dose-resposta entre a intensidade da AFL e a redução do risco de DCC (Altieri et al., 2004). Esses achados são corroborados por meta-análises que indicam que a AFL durante o tempo livre está associada a um menor risco de DCC, enquanto a AFO nem sempre apresenta o mesmo efeito protetor (Wang et al., 2019; Harari et al., 2015).

ATIVIDADE FÍSICA OCUPACIONAL E RISCO CARDIOVASCULAR

A relação entre atividade física ocupacional (AFO) e risco cardiovascular tem sido amplamente investigada na literatura, com resultados que apontam para efeitos distintos em comparação à atividade física de lazer (AFL).

Al-Zoughool (2018) realizou um estudo transversal com 146 casos de doença cardíaca coronária (DCC) e 157 controles, no qual a AFO foi avaliada através de um questionário da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os resultados indicaram que a atividade ocupacional moderada esteve associada a um risco significativamente menor de DCC (OR ajustado de 0,31), enquanto a atividade física de lazer vigorosa não apresentou essa associação. O estudo destaca que a intensidade e o contexto da atividade física são fatores determinantes para os seus efeitos sobre a saúde cardiovascular.

Aminian (2021) conduziu um estudo transversal com 415 trabalhadores de uma fábrica de borracha no Irã, avaliando os níveis de atividade física com o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ). Os resultados mostraram que a AFO não esteve significativamente associada à redução dos fatores de risco cardiovascular.

Em outro estudo, Ferrario (2018) analisou 3.574 trabalhadores do sexo masculino para avaliar as associações independentes e interativas entre AFO e atividade física esportiva (AFE) com a incidência de DCC e doenças cardiovasculares (DCV). Os resultados indicaram que tanto baixos quanto altos níveis de AFO estiveram associados a um maior risco de DCC. Ademais, o efeito protetor da AFE foi mais evidente em trabalhadores sedentários, enquanto os indivíduos com alta AFO e níveis intermediários/recomendados de AFE apresentaram taxas elevadas de DCC e DCV, reforçando a existência do chamado “paradoxo da saúde” da AFO.

Probert e Tremblay (2008) utilizaram dados da Enquete sobre a Saúde nas Comunidades Canadenses para calcular a força despendida na atividade física no trabalho (APT) e sua relação com doenças crônicas. Os resultados indicaram que uma APT elevada esteve associada a uma menor probabilidade de doenças crônicas, independentemente do nível de AFL. Foram observadas associações significativas para doenças coronárias e diabetes, sugerindo a necessidade de uma avaliação abrangente dos diferentes tipos de atividade física nos estudos epidemiológicos.

Uma meta-análise de 103 estudos de coorte prospectivos para investigar a associação entre AFO e a incidência de DCV. Os achados revelaram que, ao contrário da AFL, a AFO não foi associada a uma redução do risco de DCV, DCC, AVC ou fibrilação atrial. O estudo ressalta a necessidade de pesquisas adicionais para compreender o impacto da AFO na saúde cardiovascular (Kazemi et al., 2024).

Corroborando com a meta-análise, outra revisão sobre a influência da atividade física no contexto ocupacional e no tempo livre sobre as doenças cardiovasculares, apresentou resultados reforçando que a AFL está consistentemente associada a uma redução do risco de DCV, enquanto a AFO não apresenta uma relação consistente com melhor saúde. Alguns estudos sugerem, inclusive, um risco aumentado de mortalidade por todas as causas entre indivíduos com alta AFO, destacando a importância de diferenciar os efeitos da atividade física ocupacional e de lazer (Holtermann et al., 2021).

Em seu estudo, Krause (2007) investigou a relação entre alta demanda energética no trabalho e a progressão da aterosclerose carotídea. Os achados demonstraram que trabalhadores mais velhos, especialmente aqueles com doença cardíaca isquêmica preexistente e estenose carotídea, são mais vulneráveis aos efeitos aterogênicos do aumento do gasto energético ocupacional.

A diferença entre os efeitos da AFL e da AFO sobre a saúde cardiovascular também foi destacada em uma revisão que abordou a relação entre atividade física e mortalidade cardiovascular. Evidenciou-se que a AFL está diretamente associada à redução da mortalidade por DCV, enquanto a AFO pode não conferir os mesmos benefícios, sendo fundamental a diferenciação entre os dois tipos de atividade para um entendimento mais preciso do impacto na saúde cardiovascular (Wang et al., 2016).

Tentando compreender melhor este paradoxo, Korshøj (2023) apontou para uma relação complexa entre AFO e DCC, com alguns estudos sugerindo um aumento do risco em indivíduos expostos a altos níveis de atividade física ocupacional. DeLucena (2023) encontrou associações inversas entre AFO e níveis mais baixos de triglicerídeos em homens, sugerindo um efeito potencialmente benéfico da AFO em marcadores metabólicos específicos.

Finalizando com Johnsen (2016) que relatou em seu estudo que a AFO não foi associada a um maior risco de infarto do miocárdio em homens, mas mulheres com alta AFO apresentaram um risco aumentado em comparação com aquelas com baixa AFO.

COMPORTAMENTO SEDENTÁRIO E RISCO CARDIOVASCULAR

O comportamento sedentário tem sido amplamente investigado devido à sua associação com o aumento do risco de doenças cardiovasculares (DCV). Diferentes abordagens metodológicas apontam para a complexidade dessa relação, destacando a necessidade de considerar variáveis como tipo de sedentarismo (ocupacional, recreativo ou relacionado ao transporte), intensidade da inatividade e fatores socioeconômicos.

Al-Zoughool (2018) demonstrou, em um estudo transversal, que o comportamento sedentário está significativamente associado a um risco de doença cardíaca coronária (DCC). Analisando 146 casos de DCC e 157 controles, os pesquisadores observaram que indivíduos com maior tempo sedentário apresentavam maior probabilidade de desenvolver a doença. Em contrapartida, a caminhada e a atividade física ocupacional moderada foram fatores protetores, enquanto a atividade física vigorosa no lazer não mostrou impacto significativo.

A influência do nível socioeconômico (NSE) no comportamento sedentário e no risco cardiometabólico foi explorada por Lin (2023) em uma análise com mais de 3.400 participantes. O estudo revelou que indivíduos de NSE mais baixo apresentaram maior tempo assistindo televisão e menor envolvimento em caminhadas para transporte, fatores que se associaram a um aumento no escore de risco cardiometabólico (CCR). Curiosamente, as pessoas da NSE mais alta, apesar de praticarem mais atividade física recreativa, também experimentaram mais tempos sentados durante o transporte, o que igualmente elevava o risco cardiometabólico. Esses resultados sugerem que uma inatividade prolongada, independentemente do contexto socioeconômico, pode impactar níveis de saúde cardiovascular.

No contexto ocupacional, Møller (2016) analisou a relação entre o tempo sentado no trabalho e a incidência de doença cardíaca isquêmica (DCI) ao longo de 15 anos de acompanhamento. Os resultados indicaram que não houve diferença significativa no risco de DCI entre trabalhadores sedentários e não sedentários, mesmo após ajuste para idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e status socioeconômico. Além disso, não foi observada uma relação dose-resposta entre tempo sentado no trabalho e risco cardiovascular. Esses achados sugerem que a associação entre sedentarismo e DCV pode depender de fatores além do tempo sentado no ambiente ocupacional, reforçando a necessidade de investigações futuras com medidas objetivas desse comportamento.

Uma perspectiva mais ampla foi abordada por Kazemi (2024) em uma meta-análise de estudos prospectivos avaliando a relação entre atividade física no lazer, atividade física ocupacional e incidência de DCV. A análise incluiu 95 estudos sobre atividade física no lazer e 24 sobre atividade ocupacional. Enquanto a atividade física no lazer declarou uma associação clara com a redução do risco de DCC, acidente vascular cerebral (AVC) e fibrilação atrial (FA), a atividade ocupacional e os períodos prolongados de inatividade não trouxeram os mesmos benefícios. Esse estudo reforça a crescente evidência de que uma simples movimentação no trabalho não substitui a necessidade de atividade física estruturada e planejada.

Além disso, Korshøj (2023) mencionou que, embora o sedentarismo seja um fator de risco cardiovascular bem documentado, a relação com a atividade física ocupacional é mais complexa. Alguns estudos sugerem que níveis elevados de atividade física no trabalho podem aumentar o risco de DCC, especialmente quando combinados com períodos prolongados de inatividade fora do expediente. Esses achados enfatizam a importância de estratégias que reduzam o tempo sedentário e promovam a prática de exercícios físicos fora do ambiente ocupacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível concluir que a maioria das evidências concorda que a atividade física de lazer (AFL) tem um papel protetor contra doenças cardiovasculares e mortalidade. A intensidade e duração da AFL são fatores importantes a serem considerados.

As evidências apontam resultados mistos sobre a relação entre AFO e DCV, com algumas pesquisas indicando um aumento no risco e outras não, a depender do sexo, diferentes níveis de aptidão física, histórico de DCV e do tipo de atividade.

É importante constatar que alguns estudos apontam para um “paradoxo da saúde da atividade física”, onde a atividade física ocupacional (AFO), especialmente a de alta intensidade, pode ser prejudicial à saúde, enquanto a atividade física de lazer (AFL) é geralmente benéfica. Isso pode ser devido a fatores como estresse físico e mental no trabalho, nível socioeconômico, hábitos de saúde e falta de recuperação adequada.

O stress ocupacional parece aumentar o risco de hipertensão e outros fatores de risco cardiovascular, e a AFL pode ajudar a moderar o impacto do estresse na saúde. As evidências sugerem que o contexto da atividade física (seja no trabalho ou no lazer) pode ter diferentes implicações para a saúde, também exploram o efeito da atividade física no deslocamento para o trabalho. Sendo o nível de sedentarismo, um fator de risco importante para doenças cardiovasculares.

Há uma necessidade de mais pesquisas com metodologias mais rigorosas para entender os efeitos da AFO, e da interação entre AFO e AFL, usando medidas objetivas de atividade física e considerando outros fatores de confusão. Pois muitos estudos destacam a importância de ajustar os resultados por fatores de confusão como idade, sexo, nível socioeconômico, tabagismo e outros hábitos de saúde, além de limitações como o uso de questionários auto-aplicados para medir a atividade física e a dificuldade de capturar mudanças na atividade ao longo do tempo.

Desta forma, diante das evidências, torna-se fundamental adotar abordagens que minimizem o tempo sedentário e incentivem a prática regular de atividade física de forma equilibrada. Estratégias como a inclusão de pausas ativas no trabalho, incentivo ao transporte ativo e redução do tempo de tela no lazer podem desempenhar um papel crucial na prevenção de DCV e na promoção da saúde cardiovascular.

Esses achados sugerem que a AFO pode ter impactos distintos sobre a saúde cardiovascular, muitas vezes não conferindo os mesmos benefícios observados para a AFL. Assim, torna-se essencial uma investigação mais aprofundada sobre os mecanismos subjacentes a esses efeitos divergentes, bem como o desenvolvimento de diretrizes que diferenciem os impactos da atividade física no contexto ocupacional e recreativo.

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1Universidade São Judas Tadeu (USJT), São Paulo, Brasil
2Faculdade de Enfermagem Nova Esperança
3Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade de Educação Física de Santos(FEFIS) Santos, São Paulo, Brasil. Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Física e Esportes – GEMEFE- FEFIS
4Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade de Educação Física de Santos(FEFIS) Santos, São Paulo, Brasil. Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Física e Esportes – GEMEFE- FEFIS
5Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade de Educação Física de Santos(FEFIS) Santos, São Paulo, Brasil. Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Física e Esportes – GEMEFE- FEFIS
6Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade de Educação Física de Santos(FEFIS) Santos, São Paulo, Brasil. Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Física e Esportes – GEMEFE- FEFIS
7Universidade Metropolitana de Santos, Faculdade de Educação Física de Santos(FEFIS) Santos, São Paulo, Brasil. Grupo de Estudos Multidisciplinar em Educação Física e Esportes – GEMEFE- FEFIS
8Universidade São Judas Tadeu (USJT), São Paulo, Brasil
9Universidade São Judas Tadeu (USJT) Centro Universitário FAEMA – UNIFAEMA
10Universidade São Judas Tadeu Centro Universitário Piaget
11Universidade São Judas Tadeu (USJT) (USJT), São Paulo, Brasil