PANCREATITE PÓS-TRAUMÁTICA COM EVOLUÇÃO PARA PSEUDOCISTO EM FAIXA ETÁRIA PEDIÁTRICA, UM CASO RARO: RELATO DE CASO

POST-TRAMATIC PANCRETHATITIS WITH EVOLUTION TO A PSEUDOCYST IN A PEDIATRIC GROUP, A RARE CASE: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7708357


Rafael Ruggeri Magalhães1
Jessica Lima Carvalhido Antônio2
Klícia Magalhães Pereira2
Stefanie Larrhiuo Viana3
Vanessa Condori Leandro4
Flávia Medeiros Lima4
Nicolly Larrhiuo Viana4
Lucineide Martins de Oliveira Maia5


RESUMO

Introdução: Trauma de pâncreas em abdome fechado é pouco comum. Pancreatite na infância é menos comum ainda. Mas no caso apresentado a lesão foi única e o tratamento indicado foi cirurgia. Objetivo: Relatar um caso de pancreatite aguda após trauma de abdome fechado em criança e a abordagem cirúrgica. Relato de caso: Paciente de 11 anos de idade com trauma de abdome fechado atendida no pronto socorro infantil, causando uma pancreatite aguda.  Conclusão: A laparotomia exploradora foi a melhor opção para o caso. Um diagnóstico precoce e o manejo podem trazer um excelente desfecho para o caso de pancreatite em crianças.

PALAVRAS-CHAVE: pancreatite, pseudo-cisto, criança.

ABSTRACT

Introduction: Pancreatic trauma in a closed abdomen is uncommon. Childhood pancreatitis is even less common. But in the case presented, the lesion was unique and the indicated treatment was surgery. Objective: To report a case of acute pancreatitis after blunt abdominal trauma in a child and the surgical approach. Case report: An 11-year-old patient with blunt abdominal trauma attended at the children’s emergency room, whose injury progressed to pancreatitis. Conclusion: Exploratory laparotomic surgery was the best option for the case. An early diagnosis and management can bring an excellent outcome for the case of pancreatitis in children.

KEYWORDS: pancreatitis, pseudocysts; kid.

1 INTRODUÇÃO

A pancreatite aguda é uma condição inflamatória que provoca destruição do parênquima pancreático e dos tecidos peripancreáticos sendo desencadeada por ativação intracelular e extravasamento inapropriado de enzimas proteolíticas.

Relativamente raro em idade pediátrica, o trauma pancreático (TP) ocorre em 3% a 12% dos doentes sujeitos a traumatismo abdominal fechado. A contusão abdominal é o mecanismo usual de lesão, mas ocasionalmente pode ser observada lesão penetrante.

Devido a localização retroperitoneal do órgão, a sintomatologia é frustre e inespecífica, e a sensibilidade dos exames de imagem é menor, dificultando o diagnóstico precoce.

O TP isoladamente em crianças é incomum, ocorre em menos de 2% de todas as lesões viscerais intraperitoneais e em 50% a 90% dos casos, está associada a outras lesões intraperitoneais. A morbidade pode atingir 60% e a mortalidade varia entre 3% e 17%.

As complicações atreladas ao TP se desenvolvem majoritariamente quando existe uma lesão do ducto pancreático, sendo elas: pancreatite necrotizante, pseudo-cisto, hemorragia, abcessos, fístula entérica e a falência de órgão que leva a uma limitação da reserva fisiológica e requerem tratamentos específicos.

2 RELATO DE CASO

Paciente M.E.C.L, 11 anos, feminino, vítima de trauma abdominal fechado, por queda de bicicleta. Procurou o PS infantil do Hospital Escola de Valença, após 4 dias do trauma, com febre persistente, anorexia, diarreia e dor intensa em andar superior do abdome refratária a analgesia.

 Foram solicitados exames laboratoriais (evidenciando leucocitose, PCR 24, Amilase 1102 u/l), e uma tomografia computadorizada de tórax e abdome, onde observou-se um pequeno derrame pleural à esquerda, líquido livre na cavidade abdominal e pélvica, presença de laceração em pâncreas, com acometimento extenso e possível lesão ductal. Foi mantido o tratamento conservador e antibioticoterapia empírica venosa (Ceftriaxone e Metronidazol). No entanto, a paciente manteve-se febril, com dor intensa e vômitos incoercíveis com elevação de amilase sérica para 1146, levantando a hipótese de pancreatite aguda complicada.

Realizada nova TC após 7 dias de evolução, foi evidenciado maior espessamento parietal de uma grande coleção localizada na retro-cavidade dos epíplons, intimamente relacionada com o pâncreas, exercendo compressão sobre estômago e medindo 12,5×7,8×6,3cm, sugerindo pseudo-cisto pós-traumático infectado ou abscesso. Presença de grande quantidade de líquido livre na cavidade peritoneal, pâncreas difusamente espessado, hipocaptante ao contraste por alterações inflamatórias. (Imagem 2 e 3) 

Com a hipótese diagnóstica, optou-se por iniciar dieta líquida restrita após introdução de sonda nasoenteral com intuito de evitar uma abordagem cirúrgica.  Porém a paciente se manteve febril, hipocorada (2+/4+), desidratada (1+/4+), abdome distendido, com massa palpável em hipocôndrio esquerdo e evoluindo com piora da dor e sinais de irritação peritoneal. Em avaliação conjunta da cirurgia com a pediatria, optou-se pela realização da laparotomia exploradora de urgência para drenagem da coleção peri-pancreática (Imagem 3).

Após a abordagem, no primeiro dia de pós-operatório, a paciente já apresentou melhora no quadro clínico e nos exames laboratoriais, sendo mantida em UTI para observação da evolução do quadro. Como a unidade não possuía UTI pediátrica, optou-se por transferir a paciente para o hospital de referência, sendo iniciado Nutrição Parenteral Total (NPT) e observação rigorosa, onde teve boa evolução do quadro, não necessitando de uma nova abordagem cirúrgica.

Figura 1 :

Figura 2 :

Figura 3 :

3 DISCUSSÃO

O diagnóstico da lesão pancreática é um desafio por conta de sua localização. É especialmente complicado em casos de lesão isolada, sendo necessário uma boa anamnese, exame físico, exames laboratoriais e um exame de imagem sugestivo para se fechar algum diagnóstico.

A Tomografia Computadorizada (TC) abdominal com contraste é um dos métodos mais comumente utilizados, e o melhor, para o diagnóstico da pancreatite aguda, mas a ultrassonografia também é pode ser utilizada, juntamente com exames laboratoriais de rotina. Na tomografia utiliza-se os critérios de “BALTHAZAR”.

O diagnóstico precoce é importante para o tratamento da doença, principalmente quando comparado após 48h de evolução, acarretando numa abordagem médica menos arriscada. Uma das possíveis complicações agudas é a formação de uma coleção peri-pancreática, podendo futuramente tornar-se um pseudo-cisto, no entanto a maioria poderá regredir de forma espontânea e o tratamento do mesmo poderá ser uma drenagem percutânea evitando assim abordagem cirúrgica. Maeda et al.,2013, colocam que alguns autores corroboram que a formação do pseudo-cisto não tem de ser vista como uma complicação do tratamento, mas como um alerta que pode trazer um bom prognóstico da história natural de uma lesão pancreática traumática.

As complicações mais comuns num trauma pancreático são, a formação de fístulas, a pancreatite pós-traumática e o desenvolvimento de pseudo-cistos, que nesses casos são detectados normalmente após a lesão pancreática.

Quando há evidencia de hemorragia intra-abdominal acende-se um alerta de risco de morte por lesão traumática, quando ocorre este quadro o mais indicado é a cirurgia imediata, afim de controlar a hemorragia. A escolha da intervenção cirúrgica necessária deve ser analisada caso a caso.

Os pseudo-cistos, quando pouco sintomáticos e sem evidências de complicações (como infecção e sangramentos), podem ser manejados sem necessidade de intervenção cirúrgica e essa, quando indicada, é de preferência a videolaparoscopia.

A gravidade das lesões pancreáticas se classifica em graus de acordo com a anatomia do órgão, e está diretamente ligada a lesão ou não do ducto pancreático. A classificação do trauma pancreático segundo a tabela AAST-OIS (American Association for the Surgery of Trauma-Organ Injury Scale), tal tabela (Tabela 1) serve para nortear eu criar um padrão para que os cirurgiões de trauma e os radiologistas possam determinar o grau da lesão. Nesta classificação existem cinco graus (I-V) de lesão pancreática, sendo eles:

Tabela 1 :

Grau IContusão ou laceração menor, sem envolver ducto principal;
Grau IIContusão ou laceração maior, sem envolver ducto principal ou perda tecidual;
Grau IIITransecção distal ou lesão do parênquima com provável lesão ductal;
Grau IVTransecção distal do pâncreas ou lesão do parênquima envolvendo papila;
Grau VLesão maciça com lesão da papila e desvascularização.

4 CONCLUSÃO

O trauma pancreático é um desafio tanto no diagnóstico, quanto na sua complexidade terapêutica. Para a escolha da melhor opção de tratamento deve-se levar em conta o estado do paciente e o grau de lesão.

Sendo assim podemos concluir que a pancreatite traumática mesmo sendo um evento raro, é muito grave e pode acarretar várias complicações, podendo levar a óbito. Assim o diagnóstico e tratamento precoce são essenciais.

O acompanhamento nutricional dos pacientes com a pancreatite pós-traumática deve ser específico e individualizado, otimizando assim a absorção dos nutrientes oferecidos. Como um diagnóstico é difícil devido aos sintomas serem muito inespecíficos, a definição e elaboração de protocolos para se definir qual a melhor abordagem terapêutica são mais complicados. Entretanto, na prática clínica deve-se analisar cada caso de maneira individual e específica, para se determinar a melhor abordagem terapêutica para tratamento da lesão pancreática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Médico e residente do serviço de Cirurgia Geral do Hospital Escola de Valença – Autor principal.
2Médica e residente do serviço de Cirurgia Geral do Hospital Escola de Valença – Coautores.
3Médica graduada pela UNIFAA.
4Acadêmica de medicina da UNIFAA – Coautores.
5Médica, Cirurgiã Geral e Preceptora do Programa de Residência Médica de Cirurgia do Hospital Escola de Valença. – Orientador.