REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504251530
Deise Cristina Silva de Oliveira Campos Nogueira
Resumo
O artigo discute a paisagem e a geografia como elementos fundamentais para o desenvolvimento urbano, visando conciliar interesses sociais e econômicos. O objetivo central é analisar detalhadamente a paisagem natural em sua condição original e seu contexto frente às alterações antrópicas, com foco nas implicações para o desenvolvimento social na cidade de Guaratinguetá. O método adotado caracteriza-se como exploratório-descritivo, com coleta de dados primários. Como resultado, obteve-se uma visão abrangente da história de Guaratinguetá, articulando seu desenvolvimento demográfico e econômico à paisagem natural local, além de explorar a relação entre turismo religioso/rural e o progresso socioeconômico da região.
Palavras-chave: Paisagem. Geografia. Desenvolvimento Urbano. Guaratinguetá.
Abstract
This paper discusses landscape and geography as fundamental elements for urban development, aiming to reconcile social and economic interests. The main objective is to thoroughly analyze the natural landscape without human interference and its context amid anthropogenic changes, focusing on implications for social development. The study method is characterized as exploratory-descriptive, with the collection of primary data. The results provided a comprehensive overview of Guaratinguetá’s history, linking its demographic and economic development to the natural landscape, as well as exploring the relationship between religious/rural tourism and local socioeconomic progress.
Keywords: Landscape. Geography. Urban Development. Guaratinguetá.
1. INTRODUÇÃO
A análise histórica das paisagens constitui um campo consolidado, uma vez que, já no início do século XX, a relação entre geografia humana e história agrária era fundamental para os estudos de desenvolvimento. Contudo, o termo “paisagem” tem sido frequentemente associado a abordagens tradicionalistas (RAZABONI, 2008). Recentemente, a disciplina histórica tem ampliado seu escopo na literatura, reinterpretando a paisagem por meio de perspectivas interdisciplinares, como antropologia, estudos culturais e desenvolvimento local.
A paisagem, nesse contexto, configura-se como um constructo teórico multifacetado. Sua análise transcende a geografia (física ou humana), ecologia (movimento ambientalista), história e turismo, incorporando abordagens variadas – desde a pintura paisagística (história da arte) até relatos de viajantes e guias turísticos (RAZABONI, 2008). Diante dessa amplitude, o objetivo deste artigo é contrastar a paisagem natural com a paisagem antropizada, destacando fatores positivos como beleza cênica, religiosidade, turismo e geografia como pilares para o desenvolvimento urbano equilibrado. Para tanto, o trabalho sintetiza teorias contemporâneas sobre paisagem, geografia e desenvolvimento urbano.
2. METODOLOGIA
A pesquisa priorizou a relação entre produtividade e desenvolvimento econômico-social, adotando uma abordagem exploratória-descritiva. Conforme Lakatos e Marconi (2010, p. 15), a pesquisa exploratória “proporciona informações sobre o contexto investigado, delimitando o campo de trabalho por meio de revisão bibliográfica e contato com publicações prévias”. Já a pesquisa descritiva baseia-se na observação, registro, análise e interpretação de fenômenos, sem intervenção direta do pesquisador (LAKATOS; MARCONI, 2010).
3. PAISAGEM E GEOGRAFIA
Os conceitos de paisagem e geografia são definidos por HOLT-JENSEN (1988, p. 34) no século XX como influenciados pela geografia alemã, que as compreende como um conjunto de fatores naturais e humanos integrados em uma concepção regional, dissolvendo as fronteiras entre geografia física e humana. Stirnimann (1996), por sua vez, associa a estética grega à geografia, vinculando-a à descrição de formas e à busca pela síntese entre arte e ciência – esferas que, no mundo moderno, entraram em crescente tensão, especialmente entre intelectuais burgueses que abandonaram posições radicais para reconciliar-se com a aristocracia e a Igreja, mediados pela organização da classe trabalhadora.
No século XIX, Passos (1998, p. 30) ressalta que a paisagem era empregada na geografia como um “conjunto de ‘formas’ que caracterizam um setor específico da superfície terrestre”. Humboldt (1952), por outro lado, defende uma visão holística da paisagem, integrando elementos naturais e antrópicos para sistematizar a ciência geográfica. Seus estudos foram consolidados por meio de expedições realizadas no final do século XVIII. Lynch (2011) complementa que a conexão humana com a paisagem deriva tanto de legados históricos quanto de experiências individuais. Calvino (1990, p. 71) metaforiza essa relação: “a memória abriga dirigíveis que voam em todas as direções, à altura de janelas, ruas comerciais e formas arquitetônicas”.
A prática das viagens, associada à complexidade do conhecimento, remonta ao Renascimento e ao Iluminismo, quando se desenvolveu uma geografia cosmográfica na Alemanha e na Suíça (HUMBOLDT, 1952). Posteriormente, geógrafos aproximaram-se do positivismo humboldtiano, reconhecendo a paisagem como um sistema de relações naturais, porém negligenciando sua dimensão estética e emancipatória. Para Claval (1999, p. 22), a geografia transformou-se em “uma ciência organizada do conhecimento sobre países e regiões”, transcendendo o positivismo histórico. A paisagem, nesse contexto, não era o objeto central, mas um complemento às análises regionais, como evidenciado em sua obra “A Geografia Comparada”. O autor ainda destaca que a cultura transforma a natureza, sendo a região um “reservatório de energias latentes”. Ao intervir no meio para construir o espaço geográfico, o ser humano recria paisagens, processo que Claval (1999, p. 31) vincula a metodologias que exigem “formação naturalista sólida, abrangendo fauna, agricultura, migrações e ecossistemas”.
Cabral (2000, p. 35) observa que a paisagem varia temporalmente conforme a ênfase em região, espaço, território ou lugar. Contudo, na contemporaneidade, retoma-se seu conceito pela relevância da análise geográfica na compreensão ambiental. Lynch (2011, p. 91) reforça que “o ambiente visual integra-se à vida cotidiana dos habitantes”, evidenciando a valorização da paisagem desde o século XVIII.
A representação pictórica também ilustra essa evolução: a Figura 1, de Caspar David Friedrich, simboliza o ideal romântico de aproximação entre homem e natureza intocada (SIEWERDT, 2007). Já a Figura 2, que retrata o pôr do sol em Guaratinguetá (PREFEITURA, 2013), contrasta temporalidades – uma mulher imersa na contemplação versus um sujeito anônimo fascinado pela paisagem urbana. Dollfus (1942) categoriza essas dualidades como paisagem natural (virgem) e organizada (antropizada).

Salgueiro (2001) associa o surgimento da paisagem à ruptura com a visão medieval, destacando sua representação estética como reflexo do espaço geográfico visível. Santos (1994) amplia o conceito: “tudo que a visão alcança constitui paisagem”, incluindo cores, movimentos e sons. Paradoxalmente, em por uma Geografia Nova, Santos (1977) minimiza a paisagem, alinhando-se à crítica francesa à geografia tradicional, que privilegiava formas em detrimento de processos.
Por fim, Lynch (2011, p. 91) sintetiza: “cada cena evoca um turbilhão de associações harmoniosas”, enquanto Ferreira (2011) define paisagem como espaço abrangido num olhar ou representação artística.
4. DISCUSSÃO
A influência da geografia alemã persiste no pensamento de diversos geógrafos, que compreendem a paisagem como síntese de fatores naturais e humanos, integrados em uma concepção regional que transcende a dicotomia entre geografia física e humana.
Correia (2008) associa paisagem e geografia à arquitetura moderna, destacando a fachada como elemento central vinculado à ornamentação art déco. Em certas construções, essa linguagem manifesta-se no uso de materiais inovadores, assimetria ou na simplificação de elementos clássicos (colunas, frontões). O autor ressalta ainda que edifícios contemporâneos com tendências déco podem remeter a estilos diversos, como arquitetura colonial (em residências unifamiliares), clássica (em prédios institucionais) ou moderna (em empreendimentos comerciais). A inovação do art déco reside na geometria dinâmica e na influência ornamental, conforme ilustrado na Figura 3.
Figura 3 – Igreja São Pedro – Guaratinguetá.
Fonte: Prefeitura, 2023
A cidade de Guaratinguetá, fundada em 13 de junho de 1630 – cujo nome tupi-guarani significa “Muitas Garças Brancas” (QUEIROZ, 2014) –, exemplifica a dinâmica paisagística descrita por Santos (1994, p. 64): “a paisagem não é estática, mas sujeita a mudanças contínuas, marcadas por adições e subtrações históricas”. Essa heterogeneidade, articulando elementos naturais e artificiais, é evidenciada na Figura 4, que retrata a Praça das Três Garças.
Figura 04. Praça das Três Garças.
Fonte: Prefeitura, 2023
O desenvolvimento econômico local está intrinsecamente ligado à geografia e à paisagem. Desde 1914, com a fundação da Fábrica de Cobertores e Companhia de Fiação de Tecidos, Guaratinguetá iniciou sua industrialização, consolidada na década de 1950 com a abertura da Rodovia Presidente Dutra (PREFEITURA, 2023). A migração de famílias mineiras transformou propriedades rurais em fazendas de pecuária e turísticas, enquanto indústrias de laticínios, tecelagem e química impulsionaram a economia.
Na esfera educacional e cultural, destacam-se a criação do SENAC, da FATEC, do Museu Frei Galvão e do Museu Rodrigues Alves, além da Escola de Especialistas de Aeronáutica. O turismo religioso, porém, emerge como âncora socioeconômica, com destaque para o Mosteiro de Frei Galvão, a Catedral de Santo Antônio, Gruta de Nossa Senhora de Lourdes e mal soleis (túmulos) que reúnem arquitetura, arte, beleza e fé que desde o século XVIII tem recebido muitos turistas como, por exemplo, o Túmulo da Maria Augusta, além dos templos religiosos – locais que atraem peregrinos desde o século XVIII (PREFEITURA, 2023), conforme Figuras 5 a 12.



A expansão do turismo rural e religioso deve-se à beleza das encostas da Serra da Mantiqueira e à fusão entre arquitetura urbana e patrimônio histórico (Figuras 13 e 14). Nesse contexto, conceitos como espaço geográfico, paisagem, lugar e zoneamento urbano permitiram uma leitura crítica da dinâmica territorial, articulando teoria e vivência prática.

5. CONCLUSÃO
A sociedade moderna, moldada pela Revolução Industrial a partir do século XVIII, interferiu intensamente na natureza, reordenando paisagens em escala global. A urbanização, inerente à industrialização, tornou-se um vetor de transformação ambiental, convertendo municípios em espaços privilegiados de interação e alteração humana.
As paisagens urbanas, resultantes da apropriação socioambiental, representam desafios contemporâneos, pois estão diretamente ligadas à qualidade de vida populacional. Nelas, a geografia e a paisagem transcendem a mera representação visual, refletindo contextos econômicos, históricos, sociais e tecnológicos.
Conclui-se que a educação ambiental é instrumento fundamental para harmonizar ocupação humana e preservação natural em Guaratinguetá. Essa abordagem promove uma gestão equilibrada, onde desenvolvimento urbano e identidade paisagística coexistem, garantindo sustentabilidade para futuras gerações.
6. REFERÊNCIAS
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