THE NON-RELIGIOUS: DIFFERENCES IN RELIGIOSITY AND SPIRITUALITY AMONG YOUNG ATHEISTS AND THE NON-RELIGIOUS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10543681
Gabriel Antônio Flores Chies
Resumo
Introdução: A religiosidade e espiritualidade são conceitos distintos, sendo a primeira relacionada a crenças religiosas e práticas coletivas, e a segunda envolvendo significado e conexão com o transcendental. O Brasil é um país marcado pela religiosidade, mas o grupo “Sem religião” cresceu nas últimas décadas. Esta pesquisa investiga se há diferenças na religiosidade e espiritualidade entre ateus e “sem religião” em jovens de uma escola de ensino médio. Objetivo: Avaliar a diferença na média de religiosidade e espiritualidade entre ateus e sem religião de uma população não clínica de estudantes de ensino médio em uma escola pública brasileira. Metodologia: Trata-se de um estudo transversal e utiliza uma amostra não clínica de jovens em uma escola de da região metropolitana de Porto Alegre. Foram utilizadas as escala: DUREL-P para religiosidade e a SHALOM para espiritualidade, além de um questionário sócio-demográfico. Resultados: Os resultados revelam diferenças na orientação sexual e renda familiar entre os grupos, possivelmente devido à pressão social e aceitação em contextos religiosos. A religiosidade organizacional não apresentou diferenças, mas a religiosidade não organizacional e intrínseca foram menores nos ateus em comparação com o grupo “sem religião”. Quanto à espiritualidade, os grupos mostraram semelhanças em várias dimensões, exceto na experiência pessoal da dimensão ambiental e transcendental, na qual os ateus pontuaram menos. Conclusão: As descobertas mostram diferenças em algumas dimensões de religiosidade e espiritualidade entre ateus e “sem religião”, apontando para a complexidade desses conceitos e necessidade de considerá-los como grupos diferentes na pesquisa de religiosidade e espiritualidade. No entanto, a pesquisa tem limitações de generalização devido à amostra específica.
Palavras-chave: Espiritualidade, Estudantes, Estudo Transversal, Religião
Abstract
Introduction: Religiosity and spirituality are distinct concepts, with the former being related to religious beliefs and collective practices, and the latter involving meaning and connection with the transcendental. Brazil is a country known for its religiosity, yet the “No religion” group has grown in recent decades. This research investigates whether there are differences in religiosity and spirituality between atheists and those with “No religion” among young high school students. Objective: To assess the difference in the mean levels of religiosity and spirituality between atheists and the “No religion” group within a non-clinical population of high school students in a public school in Brazil. Methodology: This is a cross-sectional study using a non-clinical sample of young individuals from a high school in the metropolitan region of Porto Alegre. The DUREL-P scale was employed to measure religiosity, the SHALOM scale for spirituality, along with a socio-demographic questionnaire. Results: The results reveal differences in sexual orientation and family income between the groups, possibly due to social pressure and acceptance in religious contexts. Organizational religiosity showed no differences, but non-organizational and intrinsic religiosity were lower in atheists compared to the “No religion” group. Concerning spirituality, the groups exhibited similarities in various dimensions, except for the personal experience of the environmental and transcendental dimensions, in which atheists scored lower. Conclusion: The findings demonstrate differences in certain dimensions of religiosity and spirituality between atheists and the “No religion” group, highlighting the complexity of these concepts and the necessity to consider them as distinct groups in religiosity and spirituality research. However, the research has limitations in terms of generalizability due to the specific sample.
Key Words: Spirituality, Students, Cross-sectional Study, Religion
1 INTRODUÇÃO
A religiosidade consiste em um sistema de crenças vinculado a uma doutrina coletivamente compartilhada e/ou praticada (KOENIG, 2012). A espiritualidade, por sua vez, remete a questões de significado e sentido da vida, sem limitação a qualquer prática ou crença religiosa. (OLIVEIRA & JUNGES, 2012). Por religiosidade entende-se um modo de elaboração subjetiva e intersubjetiva na busca de respostas existenciais, ancorando-se em crenças religiosas (DE FREITAS & VILELA, 2017). Já a espiritualidade está relacionada a uma demanda de significado para a vida e de expressão de um estado de conexão do homem consigo mesmo (intrapessoal), com os outros (interpessoal), com a natureza e com o significado do sagrado (transpessoal) (EVANGELISTA et al, 2016).
O Brasil é um dos países mais religiosos do mundo (Queries & Mooney, 2012). Com uma forte raiz de religiões cristãs, porém dotado de uma grande miscigenação de crenças, o país em 2010 apresentava cerca de 92% de sua população professando alguma religião (ALTMANN, 2012).
Os 8% da população que se disseram “Sem religião” no censo de 2010, pode parecer pouco, porém é muito maior que os 1% do censo de 1980 (MONTERO & DULLO, 2014). Esse crescimento se relaciona com diversos fatores: liquidez da religiosidade pós-moderna, desejo de liberdade para experiências mais diversas (ecletismo), a troca do sagrado e da moral religiosa, por uma escatologia secular e ética afetual (AZEVEDO, 2023). Esse grupo “sem religião” é bastante heterogêneo, desde pessoas que não acreditam em nenhuma transcendência ou força superior até aqueles que não tem uma religião organizada (AZEVEDO, 2023).
1.1 Justificativa
Pesquisas sobre religiosidade/espiritualidade vêm crescendo substancialmente nas últimas décadas (Moreira-Almeida & Lucchetti, 2016; Raddatz, Motta & Alminhana, 2019). Muitas vezes, ateus e sem religião são considerados e analisados nos estudos de religiosidade e espiritualidade como sendo um único grupo (PAULA, 2015), porém a definição e a interpretação sugerem que esses grupos possam ter características diferentes e que deveriam ser avaliados de forma independente (Jahn & Dell’Aglio, 2017; AZEVEDO, 2023). Nesse contexto, surge a questão da presente pesquisa: Existe diferença na religiosidade e espiritualidade de ateus e sem religião em uma amostra de jovens não clínica de uma escola de ensino médio da região metropolitana de Porto Alegre?
1.2 Objetivos
Avaliar a diferença na média de religiosidade e espiritualidade entre ateus e sem religião de uma população não clínica de estudantes de ensino médio em uma escola pública brasileira.
2 MÉTODOS
2.1 Desenho metodológico
Este artigo é um recorte da pesquisa RESAME (Religiosidade/Espiritualidade, Resiliência e Saúde mental em estudantes de ensino médio: um estudo transversal) e foi redigido de acordo com o protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology – STROBE. Trata-se de um estudo observacional quantitativo, com um design transversal. A coleta de dados ocorreu por meio de uma pesquisa de campo, utilizando uma amostra não clínica de conveniência, na região metropolitana de Porto Alegre/RS – Brasil, em uma Instituição Estadual de Ensino Médio.
2.2 Setting
O estudo recebeu avaliação do CONEP com CAAE 61913922.8.0000.5349 e foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Ulbra Canoas (RS) em 2022. Foi conduzido em uma escola estadual de ensino médio localizada em Sapucaia do Sul. O recrutamento dos participantes ocorreu durante o mês de março de 2023, por meio de uma apresentação do pesquisador na própria instituição de ensino, na qual foram abordados os aspectos éticos da pesquisa tanto com os estudantes quanto com seus responsáveis. A coleta de dados foi realizada no mês de abril de 2023, após a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis legais e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) assinado pelos adolescentes. Em maio de 2023, ocorreu a devolutiva aos responsáveis e participantes da pesquisa, na qual foi entregue pessoalmente o “Parecer de sintomatologia compatível com transtornos depressivos/ansiosos”, sugerindo encaminhamentos necessários para acompanhamento dos adolescentes na atenção primária do município.
2.3 Participantes
A amostra do estudo consistiu em jovens com idades entre 15 e 19 anos. Todos os estudantes do ensino médio da instituição foram convidados a participar da pesquisa. Foram considerados elegíveis todos os alunos matriculados na instituição pública de ensino, independentemente de idade, localidade ou religião, abrangendo todos os anos do ensino médio. Os critérios de exclusão foram a falta de autorização dos responsáveis legais por meio do TCLE, a recusa em responder à pesquisa, a ausência no dia da coleta de dados e se autodeclarar pertencente a alguma religião.
2.4 Variáveis
As variáveis sociodemográficas foram levantadas com questionário específico elaborado pelos autores, bem como informações sobre sexualidade e relacionamento.
A religiosidade foi aferida pela escala de Religiosidade da Duke (DUREL-P) e a espiritualidade foi considerada a partir da Medida de orientação de vida e saúde espiritual (SHALOM).
2.5 Escalas utilizadas
A escala de Religiosidade da Duke é composta por cinco itens que representam três dimensões da religiosidade: organizacional (RO), não-organizacional (RNO) e intrínseca (RI). Cada item das duas primeiras dimensões é avaliado em uma escala de Likert de 6 pontos. Originalmente, as pontuações mais altas indicam menor religiosidade. A religiosidade intrínseca é medida por três itens em uma escala de Likert de 5 pontos. É importante ressaltar que as pontuações das três dimensões devem ser analisadas separadamente, sem a soma de seus escores. (MOREIRA-ALMEIDA et al, 2008). Apresenta propriedades psicométricas adequadas quando aplicada à população brasileira de 12 a 17 anos (STRELHOW & SARRIERA, 2018). Com vistas a transformá-la em uma escala direta, a likert foi invertida.
A Medida de Orientação de Vida e Saúde Espiritual (SHALOM), originalmente desenvolvida por Fischer (2010), foi adaptada para a língua portuguesa e apresenta boas propriedades psicométricas na população-alvo deste estudo (VALDIVIA, ALVES & ROCHA, 2020). A escala é composta por dois questionários, totalizando 40 itens, os quais são avaliados em uma escala de Likert de 5 pontos (1 = muito pouco, 2 = pouco, 3 = moderadamente, 4 = muito, 5 = muito alto). O primeiro questionário aborda o ideal de saúde espiritual, enquanto o segundo reflete a vivência espiritual na vida do respondente, sendo este último entendido como o próprio construto de espiritualidade (VALDIVIA, ALVES & ROCHA, 2020). A saúde espiritual é calculada a partir da diferença entre as respostas nos dois questionários.
2.4 Coleta de dados
A coleta de dados ocorreu em abril de 2023, utilizando um questionário online. O questionário foi aplicado nas turmas, por meio de chamada nominal dos alunos autorizados pelos responsáveis legais através do TCLE. Para garantir o acesso equitativo ao formulário, foram fornecidos meios eletrônicos e acesso à internet para aqueles que não os possuíam. Todos os alunos do ensino médio da escola foram convidados a participar, e os responsáveis foram notificados por e-mail, mensagem telefônica, reunião na escola e um vídeo explicativo enviado por grupo de mensagem eletrônica, a fim de reduzir viés de seleção.
Considerando uma população de 500 alunos na instituição, distribuídos em 16 turmas, foi utilizada uma amostragem por conveniência, levando em consideração uma população homogênea. Com um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%, o tamanho amostral previsto foi de 160 respondentes.
2.5 Métodos Estatísticos
A tabulação de dados foi realizada através do Google Planilhas e as análises estatísticas foram realizadas pelo GNU PSPP 1.6.2, software de licença livre, mantido pela Free Software Foundation. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão.
Os dados foram analisados a partir da estatística descritiva com análise de distribuições e frequência. Para verificar a diferença entre os grupos, os resultados obtidos foram analisados por meio do Teste U de Mann-Whitney, que é adequado para comparar medianas entre grupos independentes. O nível de significância estabelecido foi de 5%.
3 RESULTADOS
No início do estudo eram elegíveis a participar do estudo, 500 alunos matriculados no ensino médio da instituição. Destes, 41 foram incluídos neste estudo. A figura 1 mostra os motivos da não inclusão a cada etapa.
Figura 1- Comparação de medianas entre Grupos
A amostra foi predominantemente composta por indivíduos do sexo feminino, heterossexuais e cisgêneros, pertencentes ao primeiro ano do ensino médio. A média de idade foi de 16,12 anos (DP 1,02 anos). A caracterização sócio-demográfica completa pode ser vista na tabela 1.
Tabela 1- Comparação de medianas entre Grupos
Não foram encontradas diferenças significativas em relação ao sexo, identidade de gênero, raça/cor, ano do ensino médio e relacionamento amoroso entre ateus e sem religião (p > 0,05). No entanto, diferenças significativas foram observadas na orientação sexual e na renda familiar. Os ateus apresentaram uma maior proporção de participantes com orientação sexual bissexual (66,67%) em comparação com os sem religião (34,5%) (p < 0,05). Além disso, os ateus mostraram uma maior proporção de participantes com renda familiar na faixa de 3 a 5 salários mínimos (50,0%) em comparação com os sem religião (6,9%) (p < 0,05).
Referente a religião, 29,3% do escopo se diz ateu e 70,7% sem religião. Observou-se diferenças significativas entre as medianas de Religiosidade Intrínseca e no Domínio Espiritualidade entre os ateus e os sem religião que podem ser observadas na tabela 2.
Tabela 2- Comparação de medianas entre Grupos
a Teste U de Mann-Whitney; c Tamanho de efeito: r > 0,5 Grande efeito.
4 CONCLUSÕES
Sobre as características demográficas, pode-se observar uma diferença significativa na prevalência da orientação sexual de ateus e sem religião. Isso pode ser um indicativo da dificuldade de representatividade e aceitação da população LGBTQIA+ nos conceitos e práticas religiosas, gerando uma pressão social em relação à orientação sexual, uma vez que qualquer prática não-heterossexual muitas vezes é interpretada como “pecado” . Uma revisão integrativa de Estrázulas & Morais (2019), aponta que uma das estratégias de integração à comunidade religiosa que a população LGBTQIA+ é perceber as instituições religiosas como falhas. Isso pode desestimular a aproximação e o sentimento de pertencimento a uma crença religiosa, a ponto dessa população citar que a religião e homossexualidade são dois mundos difíceis ou mesmo impossíveis de conciliar (Estrázulas & Morais, 2019).
Em relação à religiosidade, os resultados indicam que não houve diferença significativa na religiosidade organizacional entre ateus e sem religião (p > 0,05). Isso sugere que ambos os grupos têm uma postura similar em relação à participação em instituições religiosas ou organizadas. No entanto, foi observada uma diferença significativa na religiosidade não organizacional (p < 0,05), indicando que os ateus apresentaram uma menor tendência a adotar práticas religiosas fora de uma estrutura organizacional, o que não necessariamente significa menos envolvimento comunitário (Speed & Edgell, 2023).
No que diz respeito à religiosidade intrínseca, os ateus apresentaram uma pontuação significativamente mais baixa do que os sem religião (p < 0,01). Isso sugere que os ateus tendem a ter uma menor orientação interna para a religião em comparação com os sem religião, achado consistente com estudo de Jahn & Dell’Aglio (2017) que encontrou uma média maior de religiosidade entre os sem religião quando comparados aos ateus.
No contexto da espiritualidade, os resultados mostram que não houve diferenças significativas entre ateus e sem religião em relação ao ideal da dimensão pessoal, comunitária, ambiental e transcendental de espiritualidade (p > 0,05). Isso indica que ambos os grupos possuem um nível similar de idealização em relação a essas dimensões espirituais. Além disso, não foram observadas diferenças significativas na experiência pessoal da dimensão pessoal, comunitária, ambiental (p > 0,05), indicando que tanto ateus quanto sem religião relataram experiências espirituais semelhantes nessas dimensões.
No entanto, foi encontrada uma diferença significativa na experiência pessoal da dimensão ambiental de espiritualidade e na dimensão transcendental de espiritualidade (p < 0,05), com os ateus apresentando uma pontuação mais baixa em comparação com os sem religião. Isso sugere que os ateus podem ter uma menor conexão ou envolvimento com o ambiente natural em termos de experiências espirituais.
Quanto à saúde das dimensões de espiritualidade, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos de ateus e sem religião na saúde das dimensões pessoal, comunitária, ambiental e transcendental de espiritualidade (p > 0,05). Isso indica que ambos os grupos relataram um nível similar de bem-estar nessas dimensões espirituais.
No geral, os resultados sugerem que, embora ateus e sem religião possam diferir em algumas dimensões específicas de religiosidade e espiritualidade, como a religiosidade intrínseca e a experiência pessoal da dimensão ambiental de espiritualidade, eles compartilham algumas semelhanças em outras dimensões. Essas descobertas estão alinhadas com estudos anteriores que destacam a diversidade e complexidade das crenças e práticas espirituais entre ateus e sem religião.
É importante ressaltar que este estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, a amostra foi composta por jovens não clínicos de uma escola de ensino médio em uma região metropolitana específica, o que pode limitar a generalização dos resultados para outras populações. Além disso, as medidas de religiosidade (DUREL-P) e espiritualidade (SHALOM) utilizadas podem ter suas limitações, uma vez que são baseadas em autorrelato.
Em suma, este estudo fornece insights sobre as diferenças em algumas dimensões de religiosidade e espiritualidade entre ateus e “sem religião”, apontando para a complexidade desses conceitos e iniciando o debate da necessidade de considerá-los como grupos diferentes na pesquisa de religiosidade e espiritualidade.
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