OS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E OPORTUNIDADE NO PROCESSO PENAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7930370


Gabriel Vassilakis Moura¹
Andréia Alves de Almeida²


RESUMO

O presente artigo visa analisar a relação entre o princípio da legalidade e a manifestação da oportunidade no processo penal, a fim de compreender como esses conceitos se interligam e influenciam a aplicação do Direito Penal no país. O princípio da legalidade é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e exige que todas as medidas tomadas no processo penal sejam estritamente baseadas na lei. Por outro lado, o princípio da oportunidade de se promover a ação penal é um tema que suscita debates entre os operadores do direito. Para tanto, é necessário que haja uma discussão mais aprofundada sobre o tema, levando em conta não apenas os aspectos legais, mas também as consequências práticas da adoção de uma ou outra estratégia. Assim, o presente artigo tem como metodologia descritiva e bibliográfica que busca defender que a legalidade deve ser sempre observada, mas que também é preciso avaliar a oportunidade de se promover a ação penal em cada caso, a fim de garantir que a Justiça seja feita de forma mais efetiva e justa.

Palavras-chave: Legalidade. Princípio da Oportunidade. Processo Penal

ABSTRACT

The present article aims to analyze the relationship between the principle of legality and the manifestation of opportunity in criminal proceedings, in order to understand how these concepts are interconnected and influence the application of Criminal Law in the country. The principle of legality is one of the fundamental pillars of the Rule of Law and requires that all measures taken in criminal proceedings be strictly based on the law. On the other hand, the principle of opportunity to prosecute is a topic that raises debates among legal practitioners. Therefore, it is necessary to have a more in-depth discussion on the topic, taking into account not only the legal aspects but also the practical consequences of adopting one strategy or another. Thus, the present article has a descriptive and bibliographic methodology that seeks to argue that legality must always be observed, but it is also necessary to evaluate the opportunity to prosecute in each case, in order to ensure that justice is done in a more effective and fair manner.

Keywords: Legality. Principle of Opportunity. Criminal Proceedings.

1. INTRODUÇÃO

O processo penal é uma das principais ferramentas do Estado para garantir a proteção dos direitos individuais e coletivos, bem como para reprimir a prática de condutas ilícitas. No entanto, para que esse processo ocorra de forma justa e equilibrada, é fundamental que sejam observados princípios e garantias constitucionais, como o princípio da legalidade e a manifestação da oportunidade.

A partir disso, o problema a ser abordado neste trabalho é: Como a legalidade e a oportunidade são equilibradas no processo penal e como essa relação pode afetar o resultado do julgamento?

Para responder o presente problema de pesquisa definiu-se como objetivo geral: analisar a relação entre o princípio da legalidade e a manifestação da oportunidade no processo penal, a fim de compreender como esses conceitos se interligam e influenciam a aplicação do Direito Penal no país.

Já os objetivos específicos são: apresentar o conceito e o fundamento do princípio da legalidade; abordar a relação entre a legalidade e a propositura da ação penal pública; discutir a manifestação da oportunidade no processo penal e sua relação com o princípio da legalidade; analisar a influência da manifestação da oportunidade na aplicação do Direito Penal.

A justificativa para a realização deste trabalho reside na importância do tema para a compreensão do sistema jurídico brasileiro e para a reflexão acerca da aplicação do Direito Penal no país. Além disso, a análise da relação entre a legalidade e a oportunidade no processo penal pode contribuir para o aprimoramento do sistema de justiça criminal e para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Mediante o que se expõe, o presente artigo será dividido duas partes, no primeiro capítulo será abordado os princípios constitucionais do processo penal, já no segundo capítulo será discutido o princípio da legalidade e o contexto histórico.

Em relação a metodologia, em um primeiro momento foi realizado um levantamento bibliográfico para identificar as principais obras, artigos, legislações e jurisprudências relacionadas ao tema de interesse, utilizando bases de dados eletrônicas, bibliotecas, acervos digitais e outras fontes disponíveis, posteriormente, foi feito uma análise e interpretação dos dados que consistiu em: Analisar e interpretar os dados coletados a partir das fontes bibliográficas, identificando as principais tendências, argumentos e posições dos autores.

2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

Os princípios que regem o Direito Processual Penal constituem o fundamento de construção de toda a dogmática jurídica processual, sem desmerecer os princípios gerais do Direito que o antecedem. (MENDONÇA, 2017).

No curso de um processo criminal, as respostas para vários problemas muitas vezes estão nos princípios. No entanto, o aplicador muitas vezes não os vislumbra e acaba fazendo interpretações diversas dos elementos fundamentais de constituição do processo.

O autor Grinove (2006) esclarece alguns aspectos com relação a aplicação dos 1 princípios e exemplificando através do princípio da indisponibilidade, vejamos

Alguns princípios gerais têm aplicação diversa no campo do processo civil e do processo penal, apresentando, à vezes, feições ambivalentes. Assim, p. ex., vige no sistema processual penal a regra da indisponibilidade, ao passo que na maioria dos ordenamentos processuais civis impera a disponibilidade.

Com base no que foi exposto, nota-se que as origens do princípio do devido processo legal remontam à Magna Carta Libertatum de 1215, que é de grande importância no Direito Anglo-saxão, e da mesma forma está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos (LOURENCETTE, 2007).

Assim, entende-se que o devido processo legal, em seu sentido processual, possui como conteúdo certas garantias de natureza processual, conferidas às partes tanto no trâmite do processo quanto no que diz respeito à sua relação com o Poder Judiciário (SOUZA, 2012).

O devido processo legal em seu sentido processual tem como conteúdo certas garantias de natureza processual, conferida as partes tanto no tramite do processo quanto no que diz respeito da sua relação com o Poder Judiciário. Neste sentido Bomfim (2009, p.4) afirma:

A cláusula do devido processo legal estabelece a garantia do acusado de ser processado segundo a forma legalmente prevista, reconhecendo no processo penal, além de sua instrumentalidade, também sua natureza constitucional. O Estado está obrigado, na busca da satisfação de sua pretensão punitiva, a obedecer ao procedimento previamente fixado pelo legislador, vedada a supressão de qualquer fase ou ato processual ou o desrespeito à ordem do processo.

Assim, o caráter instrumental do processo penal afirma que é por meio dele que se efetivam os direitos e garantias individuais assegurados na Constituição e nos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, não sendo possível que ele sirva apenas para a aplicação do direito penal, de forma única e exclusiva. Portanto, assegurados todos os direitos constitucionais, a norma penal somente poderá incidir sobre o indivíduo se, nos autos do processo, as provas não deixarem margem para outra solução ao julgador, uma vez que, no Estado Democrático de Direito, a punição é a exceção, enquanto a regra é a liberdade.

Após tecer considerações a acerca dos princípios constitucionais do processo penal de maneira geral, faz-se necessário abordar cada um deles de maneira mais detalhada.

2.1 Princípio da presunção da inocência

O princípio da presunção da inocência é um dos mais importantes princípios do processo penal, previsto na Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, inciso LVII. Segundo este princípio, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ou seja, toda pessoa acusada de um crime deve ser considerada inocente até que haja uma decisão final que comprove sua culpa.

Este princípio é fundamental para a garantia dos direitos individuais e a proteção contra arbitrariedades do Estado. Ele foi reconhecido internacionalmente e é considerado uma das bases do Estado de Direito. Como afirmou o jurista Luigi Ferrajoli (2010) a presunção de inocência é o princípio mais importante do direito penal, porque é o único que garante a liberdade dos cidadãos em face do poder estatal punitivo.

No entanto, apesar de ser um princípio fundamental, a presunção de inocência muitas vezes é violada na prática, especialmente em casos de grande repercussão na mídia ou de crimes considerados graves pela sociedade. É importante lembrar que a presunção de inocência não significa impunidade, mas sim a garantia de um processo justo e equilibrado, em que o ônus da prova recai sobre a acusação.

Portanto, é imprescindível que o princípio da presunção de inocência seja respeitado em todas as fases do processo penal, desde a investigação até a condenação, sob pena de violação dos direitos fundamentais do acusado. Como afirmou o Supremo Tribunal Federal em um julgamento de 2016: a presunção de inocência constitui uma garantia fundamental e irrenunciável, que visa a assegurar que nenhum indivíduo possa ser condenado senão mediante decisão judicial condenatória, proferida após processo justo e regular (BRASIL, 2016).

2.2 O princípio do favor rei

O Princípio do Favor Rei, também conhecido como princípio in dubio pro reo, favor inocentiae e favor libertatis, é uma regra interpretativa aplicada no âmbito do processo penal que estabelece que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser favorável ao réu. Ou seja, na presença de uma incerteza, o juiz deve decidir em favor do acusado, a fim de evitar a condenação injusta.

Assim de acordo com Rangel (2010) no contexto do Estado Constitucionalmente Democrático, o princípio do favor rei assume uma posição crucial, pois determina que o operador do direito, ao se deparar com normas que possam ter interpretações contraditórias, deve escolher aquela que favoreça a liberdade do acusado. Dessa forma, o princípio do favor rei se conecta com a presunção de inocência, que, por sua vez, inverte o ônus da prova.

Então entende-se que a aplicação do princípio do favor rei tem como objetivo proteger o acusado de uma condenação injusta ou precipitada.

A aplicação desse princípio não significa que o réu não possa ser condenado, mas sim que deve ser feita uma análise rigorosa das provas apresentadas, levando em consideração todos os elementos do processo. Como afirma Pacelli (2016), a dúvida não autoriza uma declaração de inocência, mas impede a condenação.

No entanto, é importante destacar que o princípio do favor rei não pode ser utilizado de forma indiscriminada, a fim de prejudicar a acusação ou de beneficiar o réu de forma injusta. Segundo Lopes Jr. (2018), “o princípio do favor rei não pode ser usado como um álibi para justificar decisões arbitrárias ou ilegítimas”.

Assim, acerca desse princípio apresenta-se a seguinte jurisprudência:

A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII). O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogiain malam partem. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogiain malam parteme dofavor rei (RHC 200.879, rel.min. Edson Fachin, . 21-5- 2021, 2ª T. DJE de 14-6-2021)

A partir dessa jurisprudência verifica-se que o Princípio do Favor Rei é uma importante ferramenta de proteção dos direitos fundamentais do acusado no processo penal, garantindo a presunção de inocência e a justa aplicação da lei. No entanto, sua aplicação deve ser feita de forma criteriosa, a fim de garantir a equidade do processo penal.

2.3 Princípio da imunidade à autoacusação

O princípio da imunidade à autoacusação é uma importante garantia no processo penal, que impede que o acusado seja obrigado a produzir prova contra si mesmo. Esse princípio é baseado na ideia de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, o que se reflete em diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo (NUCCI, 2011).

No Brasil, o princípio da imunidade à autoacusação é previsto no artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, que estabelece que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Além disso, o Código de Processo Penal brasileiro também garante o direito ao silêncio no artigo 186, que prevê que “não será obrigado a prestar depoimento o acusado ou o co-réu que exercer o direito de permanecer calado”.

Esse princípio é fundamental para garantir a justiça no processo penal, uma vez que evita que o acusado seja pressionado a produzir provas que possam prejudicá-lo, ou que sejam usadas de forma arbitrária ou ilegal pela acusação. Além disso, a imunidade à autoacusação também está relacionada ao princípio da presunção de inocência, que garante que o acusado é inocente até que se prove o contrário.

No entanto, é importante destacar que o princípio da imunidade à autoacusação não impede que o acusado produza prova em seu favor, ou que apresente sua versão dos fatos durante o processo. Apenas evita que o acusado seja obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Em resumo, o princípio da imunidade à autoacusação é um importante garantia no processo penal, que protege o acusado de produzir prova contra si mesmo e contribui para a justiça e equidade do processo.

3 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O CONTEXTO HISTÓRICO

Após a análise dos princípios constitucionais que norteiam o processo penal, passamos ao estudo do princípio da legalidade por meio de seus antecedentes históricos, fundamentação política, e de seus efeitos e implicações.

Dessa forma, antes de compreender o princípio da legalidade é necessário ressaltar que questão fundamental no estudo do processo penal é saber a sua importância e a finalidade de sua existência, visto que nosso ordenamento jurídico possui leis infraconstitucionais que datam de 1941, época em que os princípios autoritários vigoravam.

Com relação ao tema assevera claramente Aury Lopes (2010, p.9):

O processo penal não pode mais ser visto como simples instrumento a serviço do poder punitivo ( Direito Penal ), senão que desempenha papel limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito as garantias fundamentais não se confundem com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente a pena. Daí porque se somente se admite sua existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal.

Mediante isso, princípio da legalidade é um dos pilares fundamentais do sistema penal democrático. Ele estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme disposto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988. Em outras palavras, somente uma lei pode definir o que é considerado crime e estabelecer as sanções correspondentes.

Os antecedentes históricos do princípio da legalidade remontam ao Direito Romano e ao Direito de origem germânica. Naquela época, a repressão romana era influenciada tanto pela religião, quanto pela prática da representação do rei, como pode ser observado nas primeiras leis, chamadas de “legesregiae“. Já do ponto de vista penal, havia diferentes respostas aos delitos, sendo eles diferenciados de acordo com seu potencial ofensivo(GIACOMOLLI,2007).

No Direito Romano, a noção de legalidade era aplicada de maneira ampla, uma vez que se exigia que a pena fosse aplicada de acordo com a letra da lei. Parafraseando Fragoso (2016), “era mais importante o cumprimento da letra fria da lei do que a própria justiça material”. Na Idade Média, essa visão se ampliou com a figura do “rei legislador”, que além de governar, estabelecia as leis, no entanto, isso gerou uma série de abusos, pois as normas eram interpretadas de maneira arbitrária.

A consolidação do princípio da legalidade só ocorreu no Iluminismo, quando a Lei passou a ser vista como a única fonte legítima do Direito. Segundo Guerra (2009), na obra “Do Espírito das Leis”, Montesquieu destacou a importância da legalidade como instrumento de proteção do indivíduo contra os excessos do Estado. A partir daí, a ideia de que a Lei deveria ser a única fonte legítima do Direito se fortaleceu e passou a ser aplicada em diversos países.

No Brasil, o princípio da legalidade foi inserido na Constituição Federal de 1891 e, desde então, tem sido considerado um dos pilares do sistema penal democrático do país. Ele está presente também no Código Penal brasileiro, que estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina” (art. 1º) e “a lei só tem efeito prospectivo, salvo quando favorecer o réu” (art. 2º).

Em resumo, o princípio da legalidade é um dos princípios fundamentais do sistema penal democrático, que se originou no Direito Romano e no Direito de origem germânica. Ele estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. No Iluminismo, a ideia de que a Lei deveria ser a única fonte legítima do Direito se consolidou, sendo considerada um instrumento de proteção do indivíduo contra os excessos do Estado. No Brasil, o princípio da legalidade está presente na Constituição Federal de 1988 e no Código Penal (URSO, 2019).

3.1 O princípio da oportunidade no processo penal

A oportunidade no processo penal diz respeito à discricionariedade do Ministério Público em promover ou não a ação penal em determinados casos. Segundo Lopes Jr. (2018), essa discricionariedade encontra fundamento no princípio da oportunidade, que é uma das manifestações do princípio da legalidade.

Segundo Tourinho Filho (2019, p. 94), “a oportunidade é uma faculdade concedida ao Ministério Público de não oferecer a denúncia ou de promover a desistência do recurso já interposto, desde que estejam presentes certas condições”. Isso significa que o Ministério Público não é obrigado a oferecer denúncia em todos os casos em que houver indícios de autoria e materialidade do crime, podendo avaliar se há elementos suficientes para a condenação e se a ação penal é realmente necessária e adequada.

Dessa forma, o princípio da oportunidade permite ao Ministério Público avaliar, diante das circunstâncias do caso concreto, se a promoção da ação penal é ou não necessária para a realização da justiça. Essa avaliação pode levar em consideração fatores como a gravidade do crime, a conduta do acusado, o interesse da vítima e a disponibilidade de recursos públicos.

Para Faria (2014), a oportunidade no processo penal é uma forma de se evitar a sobrecarga do sistema de justiça criminal, permitindo que recursos sejam direcionados para casos mais relevantes e complexos. Além disso, a discricionariedade conferida ao Ministério Público pode ser uma forma de se garantir que o processo penal não seja utilizado de forma abusiva ou arbitrária.

No entanto, a discricionariedade do Ministério Público em decidir pela promoção ou não da ação penal não é absoluta, devendo ser exercida dentro dos limites legais e constitucionais. De acordo com Pacelli (2016), a decisão de arquivar uma investigação ou não oferecer denúncia deve ser fundamentada e estar em conformidade com os princípios constitucionais, como o da impessoalidade e da moralidade.

A abordagem da oportunidade no processo penal deve ser amplamente discutida, tendo em vista uma possibilidade clara de estabelecer o equilíbrio entre a obrigatoriedade e a conveniência da persecução criminal e neste sentido não podemos deixar de considerar o ensinamento de Eugenio Pacelli de Oliveira (2010, p.10) a respeito das reformas legislativas e o CPP:

A nosso aviso, por exemplo, não há escolha constitucional vinculante quanto a configuração de uma teoria mais geral do processo penal. A questão da iniciativa (da ação) penal pública, em mãos do Ministério Público, como é obvio, não constitui impedimento ou determinação quanto ao sistema de persecução, isto é , quanto a adoção da obrigatoriedade (ou legalidade), fundada na objetividade da atuação do parquet. Globalmente considerado, um sistema de discricionariedade, no qual se permitisse uma política de conveniência da persecução, em mãos do Ministério Público, levantaria, no mínimo, uma grande questão: a quem caberia o controle desta atuação, sabendo-se que a aludida instituição se organiza em carreira, sendo os respectivos membros independentes funcionalmente? No sistema estadunidense o controle é de natureza política (eleição) e os integrantes da função se acham hierarquizados ao Procurador Geral. Seria uma alternativa, mas não uma necessidade.

Os questionamentos levantados por Pacelli são pertinentes, visto que há grande diferença entre os modelos que adotam maior flexibilidade na propositura da ação, como o norte americano, e o sistema pátrio. A análise do controle externo deve ser considerada, pois permitiria maior imparcialidade e transparecia do procedimento em casos que não houvesse a propositura da ação penal, em função de uma antecipação da culpabilidade ou mesmo por critérios discricionários previstos em lei.

Dessa forma, a oportunidade no processo penal se apresenta como uma importante ferramenta para a efetividade do sistema de justiça criminal, desde que utilizada de forma responsável e em conformidade com os princípios legais e constitucionais.

Considerando essa análise, abordar o conceito de equilíbrio e justiça nos casos criminais é primordial.

3.2 O equilíbrio e justiça dos casos criminais

A ideia de Acesso à Justiça tem origens antigas e remotas na história. Embora não seja o objetivo deste estudo analisar de forma detalhada a evolução do conceito ao longo do tempo, é relevante fazer um breve registro histórico para ilustrar a importância do tema e as diferentes formas como foi concebido nas diversas civilizações (SALLES, 2019).

A partir disso, no Brasil, o direito de Acesso ao Poder Judiciário, antes implícito, foi expressamente previsto, pela primeira vez, na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946 sob a redação de que “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual” (BRASIL, 1996).

Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante o acesso à justiça como direito fundamental, estipulando que “a lei não impedirá o Judiciário de apreciar lesões ou ameaças a direitos”. A previsão, literalmente dirigida aos legisladores para evitar que determinadas matérias sejam pré-excluídas por lei da avaliação judicial preventiva ou corretiva, tem sido interpretada de forma mais ampla da doutrina e da jurisprudência, estendendo-a ao máximo e incluindo todas as instituições estatais, judiciárias e a sociedade como destinatários de mandamentos (SALLES, 2019).

No entanto, o sistema penal brasileiro é cruel, causa pavor naqueles que são submetidos aos seus domínios. E, por mais que se clame por um Direito Penal mais rigoroso e efetivo, a realidade evidencia o caráter seletivo desse ramo do ordenamento jurídico (SILVA, 2016).

Nas palavras de Greco (2015,): Aqueles que militam nessa seara podem testemunhar, com segurança, que o Direito Penal tem cor, cheiro, aparência, classe social, enfim, o Direito Penal, também como regra, foi feito para um grupo determinado de pessoas, pré-escolhidas para fazer parte do “show”.

Outro ponto importante, para entender o equilíbrio e justiça nos casos criminais, é que por exemplo: A população é frequentemente exposta à ideia de que a pena de morte e a diminuição das proteções penais são soluções adequadas. Entretanto, essa perspectiva é inadequada desde o início, já que o Direito Penal também tem o propósito de restringir o poder punitivo. A proposta de aplicar a pena de morte, exceto em casos excepcionais previstos pela Constituição, não está em conformidade com a atual situação democrática e humanitária (SILVA, 2016).

Nesse passo, o princípio da oportunidade dá a possibilidade do ministério público como dominus litis, confrontado com fatos teoricamente típicos, antijurídicos e condenáveis, mas que têm pouca relevância social, a culpabilidade é irrelevante, e não prejudicam graves interesse público, não para instaurar processos penais, mas para promover a compensação por comportamentos antissociais por outros meios, uma vez que os processos penais são considerados um último recurso no exercício do direito de punir (MUBARK;COSTA, 2011).

Embora seja comum a afirmação de que o princípio da oportunidade apenas poderia ser aplicado às ações penais de iniciativa privada e às ações penais de iniciativa pública condicionadas à representação, parece correto que tal princípio seja estendido aos casos em que, em tese, caberia ação penal de iniciativa pública incondicionada. O princípio da obrigatoriedade não pode ser óbice a esta extensão, pois, como afirmam alguns autores, a obrigatoriedade não mais se coaduna com a ideia de um processo penal democrático (MUBARK;COSTA, 2011, p.4).

Dessa forma, entende-se que o princípio da legalidade não é absoluto, pois, ele já foi mitigado pela do Lei do Juizado que permite o acordo de não persecução penal. Então, observa-se que esse é o princípio da oportunidade prevalecendo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da complexidade do processo penal que em tese, através do princípio da legalidade , preconiza que ao Ministério Público, presentes os requisitos legais, a obrigação de apresentar a acusação temos a confrontação com o princípio da oportunidade ao permitir que baseado em critérios objetivos o órgão acusador apresente ou não a ação penal , utilizando seus critérios discricionários aplicado ao caso concreto. Por essa razão o presente artigo buscou entender o equilíbrio existente entre os dois princípios do processo penal , a partir de uma revisão bibliográfica com método dedutivo.

No primeiro capítulo tecemos as considerações acerca dos princípios constitucionais do processo penal , abordando de forma geral, detalhada e individualizada de forma a permitir um debate sobre as garantias individuais previstas em nosso ordenamento jurídico.

Abordamos o princípio da presunção de inocência, assim como o princípio do favor rei ou mais conhecido como princípio in dúbio pro reo, e também o princípio da imunidade a autoacusação.

Ambos se destacam, pois, formam uma importante garantia constitucional dentro processo penal, atribuindo o caráter instrumental no qual por meio dele se efetivam os direitos e garantias assegurados na Constituição.

No segundo capítulo abordamos o princípio da legalidade e seu contexto histórico e o princípio da oportunidade , sendo que a legalidade tem suas origens no Direito Romano e no Direito de origem germânica. O referido princípio e um dos pilares fundamentais , sendo que estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal.

O princípio da oportunidade surge como o aspecto discricionário que possui o Ministério Público em promover ou não a ação penal em determinados caso, sendo que essa discricionariedade está delimitada por limites legais e constitucionais , e deve ser debatida para que o processo penal não seja de todo arbitrário e abusivo.

Sendo assim definiu se como objetivo geral analisar a relação entre o princípio da legalidade e a manifestação da oportunidade no processo penal , a fim de compreender como esses conceitos se interligam e influenciam a aplicação do Direito Penal no país.

Os objetivos específicos do presente artigo foram apresentar o conceito e o fundamento do princípio da legalidade , abordar a propositura da ação penal e sua relação com o princípio da oportunidade , de forma a analisar a influência da manifestação da oportunidade na aplicação do Direito Penal.

Por essa razão o presente artigo buscou entender como a legalidade e a oportunidade são equilibradas no processo penal e como essa relação pode afetar o resultado do julgamento.

No último capítulo, intitulado: “O equilíbrio e a justiça nos casos criminais” verificou se que o princípio da oportunidade dá a possibilidade do Ministério Público como dominus litis , confrontando com fatos teoricamente típicos , antijurídicos e condenáveis , mas que tem pouca relevância social , não instaurar processos penais, assim para promover a compensação por comportamentos antissociais por outros meios.

Assim ambos os objetivos foram alcançados no decorrer do presente artigo, restando esclarecido que no processo penal a legalidade não deve ser utilizada como pretexto para o excesso de formalismo ou para a aplicação mecânica da lei, sem levar em conta as particularidades do caso concreto. Da mesma forma, a oportunidade não pode ser utilizada de forma arbitrária, em detrimento do direito do acusado à ampla defesa e ao devido processo legal.

Em conclusão, a legalidade e a oportunidade são princípios fundamentais no processo penal, pois garantem o equilíbrio e a justiça no trato dos casos criminais. A legalidade impõe que toda ação do Estado no processo penal esteja de acordo com a lei, evitando abusos e arbitrariedades que possam prejudicar o acusado. Já a oportunidade permite a avaliação do interesse público na persecução penal, levando em conta fatores como a gravidade do delito, a possibilidade de reparação do dano e a necessidade de proteção social.

Assim, a busca pela efetividade da justiça no processo penal passa pela correta aplicação dos princípios da legalidade e da oportunidade, de forma a garantir a tutela dos direitos das partes envolvidas e a preservação da ordem jurídica.

Portanto em relação a pesquisas futuras, pode se indicar a realização de estudos que encontrem princípios com conformidade constitucional aplicados ao processo penal , e que também possibilitem e estejam harmonizados com a aplicação do caráter discricionário do órgão acusador , de forma a esclarecer os limites legais objetivos e subjetivos aplicados ao caso concreto.

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1 Acadêmico de Direito. Artigo apresentado à (Faculdade de Direito de Porto Velho-Uniron) como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2023. E- mail:gabrielvmoura1@hotmail.com
2 Professora Orientadora. Doutora em Ciência Jurídica DINTER entre FCR e UNIVALI. Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Penal UNITOLEDO/SP. Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico/RJ. E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com.