OS PERIGOS DO USO PROLONGADO DE CORTICOSTEROIDES NO CONTROLE DE DOENÇAS RESPIRATÓRIAS EM CRIANÇAS: Uma revisão integrativa

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10363205


Diego Vieira Furtado,
Orientador: Es. Carlos Augusto Barboza Toledo


RESUMO

Atualmente, as doenças respiratórias representam um dos maiores fatores mundiais de morbimortalidade infantil, e para o seu tratamento, a classe medicamentosa mais utilizada são os corticosteroides, por esse motivo, o objetivo desse estudo é avaliar o que há disponível na literatura, sobre os perigos associados ao uso prolongado de corticosteroides em pediatria. Para isso, foi realizada, uma revisão integrativa nas bases de dados LILACS, MEDLINE e SciELO. Após analisar todos os materiais que compuseram esta pesquisa, pode-se constatar que a maioria das crianças eram asmáticas (N = 06/ 62,5%), do sexo masculino (N = 04/ 50%), com idade entre três a dezessete anos (N = 06/ 75%), tratadas predominantemente com corticosteroides inalatórios (N = 07/ 87,5%), por mais de um ano (N = 06/ 75%). Somente 07 (87,5%) artigos apresentaram resultados satisfatórios, confirmando que o uso a longo prazo de corticosteroides em crianças pode ocasionar alguns eventos adversos, especialmente no sistema nervoso central (SNC) (N = 02/ 25%), sistema ocular (N = 02/ 25%), digestivo (N = 02/ 25%), cardíaco (N = 01/ 12,5%), circulatório (N = 01/ 12,5%) e respiratório (N = 01/ 12,5%). Todos os profissionais de saúde precisam estar cientes dos diversos eventos adversos relacionados ao uso prolongado dos corticoides em pediatria (risco de catarata, glaucoma, sangramento gastrointestinal, transtornos psiquiátricos, entre outros), e a partir dessas informações, desenvolverem e implementarem estratégias que possam minimizar as taxas de risco, para prevenir danos evitáveis decorrentes do uso desses medicamentos a longo prazo em crianças.

Palavras-chave: Corticóides. Doenças respiratórias. Pediatria.

ABSTRACT

Currently, respiratory diseases represent one of the biggest global factors in child morbidity and mortality, and for their treatment, the most used drug class is corticosteroids, for this reason, the objective of this study is to evaluate what is available in the literature about the dangers associated with prolonged use of corticosteroids in pediatrics. To this end, an integrative review was carried out in the LILACS, MEDLINE and SciELO databases. After analyzing all the materials that made up this research, it can be seen that the majority of children were asthmatic (N = 06/ 62.5%), male (N = 04/ 50%), aged between three and seventeen years (N = 06/ 75%), treated predominantly with inhaled corticosteroids (N = 07/ 87.5%), for more than one year (N = 06/ 75%). Only 07 (87.5%) articles presented satisfactory results, confirming that the long-term use of corticosteroids in children can cause some adverse events, especially in the central nervous system (CNS) (N = 02/ 25%), ocular system (N = 02/ 25%), digestive (N = 02/ 25%), cardiac (N = 01/ 12.5%), circulatory (N = 01/ 12.5%) and respiratory (N = 01/ 12, 5%). All health professionals need to be aware of the various adverse events related to the prolonged use of corticosteroids in pediatrics (risk of cataracts, glaucoma, gastrointestinal bleeding, psychiatric disorders, among others), and based on this information, develop and implement strategies that can minimize risk ratios, to prevent avoidable harm from long-term use of these medicines in children.

Keywords: Corticosteroids. Respiratory diseases. Pediatrics.

1 INTRODUÇÃO

As doenças respiratórias são patologias que afetam órgãos ou estruturas do sistema respiratório, podendo acometer tanto as vias aéreas superiores quanto as inferiores (alguns exemplos: rinite, bronquite, sinusite, entre outras). É importante destacar, que a partir do século XX, essas doenças tem sido consideradas uma das principais causas de mortalidade infantil, em decorrência de três principais fatores: a falta de conhecimento durante a manifestação dos primeiros sintomas; uma inadequada adoção de medidas de tratamento e até mesmo as más condições básicas de saúde. 1

No que diz respeito a origem dessas infecções, elas podem ser bacterianas ou virais, sendo esta última a mais comum. Alguns dos principais sinais e sintomas de alerta incluem: corrimento e congestionamento nasal, inflamação e irritação na garganta, seguido de tosse. Dados nacionais atuais, mostram que as infecções respiratórias virais, possuem alta incidência em crianças com faixa etária a partir dos 5 anos de idade, correspondendo 16% das internações no Sistema Único de Saúde (SUS). 2

Nessa perspectiva, são considerados alarmantes os dados mundiais associados a consultas e internações hospitalares em pediatria, resultante das doenças respiratórias (representando respectivamente cerca de 12 a 35% e 20 a 40%). Atualmente, essas Infecções representam um dos maiores fatores mundiais de morbimortalidade infantil, e segundo especialistas, existe uma variedade de mecanismos associados à exacerbação dessas infecções em crianças. No caso daquelas de procedência virais, dois agentes em particular, tem desempenhado um significante papel no desencadeamento de episódios de sibilância em lactentes e pré-escolares, estes são o vírus sincicial respiratório e o rinovírus. 2, 3

A classe medicamentosa mais utilizada atualmente no tratamento das doenças respiratórias são os corticosteroides, que podem ser administrados por via oral ou parenteral. A ampla utilização desses fármacos na prática clínica está diretamente relacionada as suas importantes implicações, na sobrevida e melhoria da qualidade de vida de muitos pacientes, especialmente pediátrico – apesar de apresentarem alguns efeitos deletérios proeminentes., 4, 5, 6

Geralmente, os corticosteroides são indicados para pacientes com sintomas graves, que a princípio não responderam a medidas menos drásticas de tratamento. Se tratando de terapias prolongadas, a dose recomendada para se obter um efeito, deve ser sempre a mais baixa necessária. 4 Portanto, é importante mencionar que apesar dos benefícios, o uso exacerbado desses medicamentos pode ocasionar efeitos colaterais graves, e essa compreensão por parte do paciente é crucial, de um modo que ele possa prosseguir com o seu tratamento em segurança, especialmente se tratando do público infantil. 6, 7, 8, 9

É bem verdade, que o uso abusivo de substâncias tem sido uma ação geradora de grandes problemas de saúde pública, chegando a causar sérios riscos, desde os mais simples (ocorrência de efeitos adversos) até os mais graves (intoxicação). Nessa perspectiva, essa pesquisa de revisão integrativa foi elaborada, no intuito de alertar a população a respeito dos problemas associados ao uso prolongado de medicamentos corticosteroides, temática essa bastante relevante para a sociedade, porém pouco abordada na literatura nacional. Desta forma, a seguinte problemática é apresenta: quais os efeitos a longo prazo, do uso de corticosteroides em crianças com doenças respiratórias? Assim, o objetivo desse estudo é avaliar o que há disponível na literatura, a respeito dos perigos associados ao uso prolongado de corticosteroides em pediatria, no tratamento de doenças respiratórias, ressaltando os seus efeitos.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura com enfoque em artigos publicados nos últimos dez anos em língua portuguesa e inglesa, que demonstram os perigos do uso prolongado de corticoides em crianças com problemas respiratórios. As bases de dados selecionadas para a coleta dos materiais foram: LILACS, MEDLINE e SciELO.

Os critérios de inclusão utilizados pelo pesquisador foram somente artigos que abordassem exclusivamente o tema e os objetivos estabelecidos, publicados no período de dez anos (2013 a 2023), em língua portuguesa ou inglesa, encontrados utilizados os descritores mencionados anteriormente, com suas combinações. E para os critérios de exclusão foram selecionados artigos incompletos ou de revisão, monografias, dissertações, teses e resumos expandidos que fugissem do tema ou do objetivo proposto, sem exposição do método da pesquisa e fora do período estabelecido (publicações inferiores a 2013).

Para a busca textual, foram utilizados Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH) com suas combinações, eles estão descritos no quadro 1 a seguir, seguido dos resultados encontrados nas bases de dados.

Inicialmente, todos os títulos dos materiais encontrados foram lidos, nas bases de pesquisa selecionadas, usando os descritores e seus idiomas. Esta revisão integrativa foi composta por seis etapas distintas: na primeira foi estabelecida a questão da pesquisa; na segunda etapa foram eleitos os descritores para a busca nas bases de dados; na terceira houve a categorização dos resultados e o preenchimento manual de um formulário para extração das informações referentes às produções, bem como a síntese dessas informações no quadro sinóptico.

Na quarta etapa houve a leitura e avaliação dos estudos selecionados, seleção essa que se deu a partir da leitura inicial dos títulos, depois dos resumos, resultados e depois o trabalho completo; na quinta, realizou-se a interpretação por meio de discussões, contribuições para estudos futuros; e por fim, na sexta etapa a apresentação da revisão integrativa por meio de texto, tabelas, quadros e fluxograma, para a identificação das lacunas no conhecimento.

Oitocentos e oitenta artigos foram encontrados nas bases de dados descritas anteriormente (quadro 1). Desses materiais, 384 foram descartados por serem duplicados e 472 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão estabelecidos. Vinte e quatro artigos foram incluídos, porém, após criteriosa leitura dos resumos e resultados, somente 09 artigos compuseram a amostra final da presente revisão de literatura (Figura 1).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultadosdeste estudo foram compostos por oito (08) artigos descritos no Quadro 2, organizados com ordem de base de dados, títulos, autores, ano de publicação, objetivos, metodologias, local da realização do estudo e a síntese dos principais resultados obtidos por cada pesquisador.

Referentes às bases de dados, (N =05/ 62,5%) das produções científicas foram localizadas no MEDLINE e (N = 03/ 37,5%) provenientes da SCIELO. Destes matérias, (N = 04/ 50%) correspondem a pesquisas internacionais, realizadas na Dinamarca (N = 02/ 25%) e Taiwan (N = 01/ 12,5%). E no referente as pesquisas nacionais (N = 04/ 50%), a maioria delas foram realizadas no Estado de Minas Gerais (N = 03/ 37,5%).

Quanto ao período de publicação, a maior parte é correspondente ao ano de 2019 (N = 02/ 25%) e 2021 (N = 02/ 25%). E sobre a metodologia utilizada, temos 03 (37,5%) estudos descritivos transversais; 01 (12,5%) observacional retrospectivo; 01 (12,5%) estudo de caso; 01 (12,5%) prospectivo de coorte e 01 (12,5%) longitudinal.

Após analisar todos os materiais que compuseram esta pesquisa, pode-se constatar que a maioria das crianças eram asmáticas (N = 06/ 62,5%), do sexo masculino (N = 04/ 50%), com idade entre três a dezessete anos (N = 06/ 75%), tratadas predominantemente com corticosteroides inalatórios (N = 07/ 87,5%), por mais de um ano (N = 06/ 75%). Somente 07 (87,5%) artigos apresentaram resultados satisfatórios, confirmando que o uso a longo prazo de corticosteroides em crianças pode ocasionar alguns eventos adversos, especialmente no sistema nervoso central (SNC) (N = 02/ 25%), sistema ocular (N = 02/ 25%), digestivo (N = 02/ 25%), cardíaco (N = 01/ 12,5%), circulatório (N = 01/ 12,5%) e respiratório (N = 01/ 12,5%).10, 11, 13, 14, 15, 16, 17

Quadro 2: Artigos selecionados para análise dos dados.

Base de dadosTítulosAutoresAnoObjetivosLocalMetodologiaSíntese dos resultados
MEDLINETratamento medicamentoso da asma em crianças e suas principais reações adversasMeireles 102013Avaliar o tratamento medicamentoso da asma e suas principais reações adversas em crianças atendidas pela Policlínica Carlos José do Espírito Santo em Montes Claros-MGMinas geraisPesquisa descritiva, transversal, bibliográfica, documental e de levantamento, com abordagem quantitativaSegundo os dados obtidos pelos autores, a maioria das crianças asmáticas eram do sexo masculino, com predomínio de idade entre 8 e 10 anos. Nos casos persistentes de asma, os corticosteroides foram os medicamentos mais utilizados na prevenção e urgência da crise asmática (não houve especificação em si, de qual medicamento dessa classe foi utilizado). Principais reações adversas observadas nas crianças foram: aumento dos batimentos cardíacos (24,7%) e tremores (14,3%).
MEDLINEOrganic Changes in the Central Nervous System in Children on Chronic Inhaled Corticosteroid TherapyMichalczuk 112015Analisar o impacto dos esteroides inalatórios crônicos em crianças com asma sobre alterações no SNC            —Estudo observacional retrospectivoUm total de 11 crianças asmáticas, com faixa etária entre 8 e 17 anos, controladas com terapia crônica com corticosteroides inalatórios por quatro anos, participaram desta análise. Todos os participantes foram submetidos a exames pediátricos e neurológicos, com avaliação do desenvolvimento psicomotor, e ainda exame de espirometria. Os pacientes em tratamento crônico corticosteróides inalados apresentavam pequenos focos hiperintensos subcorticais e características de atrofia cortical supratentorial leve. Esses achados sugerem que a exposição aos corticosteroides pode estar associada ao desenvolvimento de alterações orgânicas no SNC.
SCIELOInfluência do corticosteroide nasal na estatura e no cortisol basal em crianças e adolescentes em tratamento da asmaJentzsch 122019Avaliar as variáveis estatura e níveis de cortisol plasmático basal em crianças e adolescentes classificados com asma persistente moderada, comparando as que utilizaram CI+CN às que usaram apenas CI.Minas GeraisEstudo transversalPesquisa realizada com 81 crianças classificadas com asma persistente moderada, atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS), no Serviço de Pneumologia Pediátrica da Unidade de Referência Secundária Campos Sales em Belo Horizonte. As crianças incluídas no estudo possuíam faixa etária de 4 a 18 anos, e fazem uso de corticoides por no mínimo um ano. O presente estudo não demonstrou associação entre o uso de corticosteroide inalatório isolado ou associado ao corticosteroide nasal e os percentis de altura. Vários fatores podem ter contribuído para a diferença de respostas, dentre eles as propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas dos diferentes tipos de corticosteroides utilizados nos diferentes estudos.
SCIELOEfeitos colaterais da corticoterapia prolongada no tratamento da asmaJentzsch 132019Avaliar os efeitos colaterais (EC) decorrentes do uso prolongado de costicosteroides para tratamento da asma em crianças e adolescentes.Minas GeraisEstudo transversalEsse estudo foi realizado com 79 pacientes, em sua maioria do sexo masculino de uma unidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), com idade entre 4 a 18 anos. O corticoide mais utilizado durante todo o período da pesquisa foi o Beclometasona. No geral, os eventos adversos mais declarados foram tosse (24,0%) e rouquidão (17,7%). Em menores proporções, dois pacientes apresentaram catarata e alteração da pressão ocular cada um. Apesar da amostra ser pequena, seus resultados estão alinhados com os de estudos maiores já realizados na mesma área, exceto a hipertensão ocular limítrofe.
SCIELOCatarata infantil adquirida pelo uso de corticoide: um relado de casoMontanari 142020Apresentar um caso de uma paciente que teve o diagnóstico precoce de catarata adquirida após uso de corticoide sistêmicoBrasilEstudo de casoPaciente autista do sexo feminino, com faixa etária de um ano e oito meses, sem histórico de antecedentes familiares oftalmológicos, chega no oftalmologista com história de piscar intensamente os olhos com movimentos involuntários há cerca de 15 dias. Anteriormente ao ocorrido, a mesma tinha sido internada por 23 dias, diagnosticada com pneumonia, sendo então submetida a pulso de corticoterapia na dose de 6,3mg/dia, há 3 meses. A partir da realização de alguns exames, ambos os olhos da paciente apresentavam catarata, o direito a sutural e o esquerdo a catarata branca. Foi indicado a cirurgia de catarata para o olho esquerdo da paciente, com retorno de um para os exames pré-operatórios.
MEDLINEAssociations between Inhaled Corticosteroid Use in the First 6 Years of Life and Obesity-related TraitsKunøe 152021Determinar a associação entre exposição a corticosteroides nos primeiros 6 anos de vida e o IMC, adipocidade rebote (AR), composição corporal e concentrações lipídicas no sangue.DinamarcaEstudo Prospectivo de coorteNeste estudo, inicialmente 411 crianças nascidas de mães que apresentavam históricos de asma, foram acompanhadas por meio de consultas clínicas desde o primeiro mês de vida, durante seis anos, até o termino do estudo houve um aumento no quantitativo amostral (total: 1111 crianças que participaram da pesquisa até o 6º ano de vida). Registros diários foram usados para monitorar sintomas pulmonares e o uso dos corticóides, entre eles: Budesonida e Fluticasona, ambos inalatórios. Sobre os índices antropométricos, o comprimento foi medido até os dois anos de idade, o IMC até os seis anos, e por volta dos 5 anos de idade foram investigados para idade em AR. Por fim, pode ser constatado que o uso de corticoterapia na primeira infância está associado a um aumento do escore z do IMC aos 6 anos, uma RA mais precoce e uma tendência de associação com um aumento do percentual de gordura corporal andróide.
MEDLINEAssociation of Oral Corticosteroid Bursts With Severe Adverse Events in ChildrenYao 162021Quantificar as associações de surtos de corticosteroides com eventos adversos gravesTaiwanEstudo nacional longitudinal de base populacionalParticiparam da pesquisa um total de 4.542.623 crianças menores de 18 anos, a maioria do sexo masculino, com idade média de 9,7 anos, que receberam pelo menos uma explosão de corticosteroide durante o período de estudo de 30 a 90 dias. As indicações mais comuns de uso de corticoide foram: infecções agudas do trato respiratório superior, seguido doenças alérgicas, entre outras. As cinco principais especialidades médicas associadas às prescrições foram pediatria, dermatologia, otorrinolaringologia, prática familiar e medicina interna. E os eventos adversos graves observados após o uso prolongado de corticoterapia foram sangramento gastrointestinal, sepse e pneumonia
MEDLINEBehavioural side effects of inhaled corticosteroids among children and adolescents with asthmaBodum 172022Investigar a extensão dos eventos adversos a medicamentos comportamentais em crianças asmáticas tratadas com Corticosteróides inalatórios, conforme vivenciado pelos médicos especialistas responsáveis pelo tratamento.Dinamarca          —Segundo os depoimentos dos médicos especialistas pediatras, em duas regiões geográficas dinamarquesas, uma quantidade significativa de crianças e adolescentes asmáticos atendidos por eles (a maioria do sexo masculino, com idade entre três e onze anos), que faziam uso de corticosteroides por um longo período, especialmente o Fluticasona (48%), Beclometasona (28%) e Budesonide apresentaram eventos adversos comportamentais (psiquiátricos), incluindo ansiedade, humor deprimido, transtornos e perturbações.

Fonte: Próprio autor, 2023.

As doenças respiratórias tendem a ser mais prevalentes no gênero masculino, devido à conformação anatômica das suas vias aéreas, relação essa que tende a ser invertida à medida que as crianças atingem a adolescência. Meireles10 complementa esta afirmativa, declarando que uma das características predominantes da asma especificamente, é que em 50% dos casos, ela tem maior incidência sobre crianças do sexo masculino e aparece antes dos dez anos de idade., característica essa que tende a ser invertida na idade adulta. outro dado importante presente em sua pesquisa, são os fatores que desencadeiam essa doença: mudanças climáticas e poluentes ambientais. 18

Por ter sido a doença respiratória de maior prevalência nesse estudo, vale a pena mencionar a descrição de Meireles10 e Jentzsch13 a respeito da asma persistente. De acordo com os autores, ela é uma síndrome complexa, caracterizada por uma hiper-responsividade das vias aéreas em sucessão de reação inflamatória multicelular, que consequentemente acaba ocasionando uma obstrução da passagem do ar. Por esta razão, os corticoides inalatórios constituem a classe medicamentosa de primeira escolha para o tratamento desta doença, pois eles são altamente efetivos na redução da inflamação das vias aéreas, melhorando a função pulmonar e os seus sintomas, reduzindo assim, as exacerbações provenientes desta patologia respiratória. Nem todas as pesquisas pontuaram os corticosteroides que foram utilizados para o controle das doenças respiratórias, em pacientes pediátricos. Somente 37,5% (N = 03) dos artigos selecionados fizeram essa menção,13, 15, 17 e conforme está descrito na tabela 01, os corticosteroides de maior prevalência foram: Propionato de Fluticasona (N = 03/ 37,5%), seguido de Dipropionato de Beclometasona (N = 02/ 25%) e Budesonida (N = 02/ 25%).

O propionato de fluticasona é um corticosteroide trifluorado sintético, com potente ação antiinflamatória, exercendo atividade pulmonar, reduzindo os sintomas e as exacerbações da asma em pacientes que foram previamente tratados com broncodilatadores isolados ou com outra terapia profilática. Embora seja desconhecido o seu mecanismo de ação exato, os corticóides em si, possuem atividade inibitória de mastócitos, eosinófilos, basófilos, linfócitos, macrófagos e neutrófilos, impedindo a produção ou secreção de mediadores celulares (histamina, leucotrienos, citocinas e eicosanóides). 19

Apesar dos corticoides serem medicamentos eficazes para o controle de uma variedade de doenças pulmonares, de acordo com Jentzsch12 e Jentzsch13 o seu uso prolongado, pode acarretar efeitos colaterais indesejáveis. No caso do tratamento para asma, esses efeitos estão relacionados a passagem sistêmica dos corticoides durante a sua inalação – parte da dose passa a ser deglutida (deposição na boca e faringe), depois é absorvida pelo trato gastrointestinal até chegar à circulação, desencadeando assim, os eventos adversos. Sendo esse o foco central dessa pesquisa, a tabela 02 mostra justamente os principais perigos associados ao uso prolongado desses medicamentos, apresentados por 07 (87,5%) pesquisadores. Dentre esses eventos adversos temos: pneumonia (N = 01/ 12,5%), catarata (N = 02/ 25%), eventos comportamentais/ psiquiátricos (N = 01/ 12,5%), sangramento gastrointestinal (N = 01/ 12,5%), sepse (N = 01/ 12,5%), glaucoma (N = 01/ 12,5%), aumento do IMC, do percentual de gordura androide e RA mais precoce (N = 01/ 12,5%), alteração da pressão ocular (N = 01/ 12,5%), tosse (N = 01/ 12,5%), aumento dos batimentos cardíacos (N = 01/ 12,5%) e tremores (N = 01/ 12,5%).

Os efeitos adversos relacionados ao uso de corticosteroides apesar de serem raros em crianças, ainda assim podem acontecer, Meireles10 afirma que o perigo está associado a idade do paciente, a potência do medicamento, o tipo de dispositivo inalatório utilizado, tempo de tratamento e dose utilizada, bem como a sua biodisponibilidade sistêmica.

Na pesquisa de Jentzsch13 os eventos adversos encontrados pelo autor foram tosse, rouquidão, alteração da pressão ocular e catarata. Este último também foi um resultado encontrado por Montanari14, de acordo com deste autor, apesar das complicações oculares decorrentes do uso prolongado de corticosteroides serem conhecidas desde 1960, o mecanismo pelo qual isso acontece ainda não está totalmente elucidado. O sugerido por alguns pesquisadores é que o aparecimento desta complicação é concernente a dose cumulativa total com o tempo de uso, sendo esses os elementos determinantes.

Define-se a catarata infantil como opacidade do cristalino em indivíduos de até quinze anos, sendo ela uma significante causa de baixa visual e de cegueira. Essa lesão ocular tem acometido um grande número de crianças no Brasil, resultante de uma variedade de motivos (malformações oculares congênitas, hereditariedade, infecções intrauterinas, síndromes genéticas etc.), dentre eles, o uso de medicamentos, nesse grupo destacam-se os corticoides.14

Esse resultado é semelhante ao apresentado por Barros20 a partir de sua pesquisa, este autor percebeu que o uso de corticoides, independentemente de sua, pode provocar o aumento da pressão intraocular, efeito iniciado geralmente após quatro a seis semanas de uso do medicamento, que tende a diminuir pouco tempo após a sua interrupção. Os maiores riscos para o desenvolvimento desse evento adverso são no público infantil, pois possuem membranas mais finas nos olhos. Esse aumento da pressão intraocular é a principal causa da catarata secundária ao uso de corticoides, independente do seu tipo (posterior subcapsular, nuclear ou cortical).

No entanto, alguns questionamentos relacionados a essa temática permanecem sem respostas, como por exemplo o impacto da dose e da duração do tratamento com corticoides em relação ao desenvolvimento de catarata e glaucoma.20

Jentzsch13 afirma que atribuir a tosse manifestada em 24% dos seus participantes ao uso prolongado dos corticoides não é uma tarefa fácil, afinal de contas, este é um sintoma comum da asma, porém, o que o autor destaca é que esse sintoma em especial surgia e desaparecia em poucos minutos após o uso do fármaco. Da mesma a rouquidão, quando o tratamento cessava, ela desaparecia.

O resultado apresentado por Bodum17 mostra que crianças e adolescentes ao fazerem uso de corticosteroides a longo prazo, podem apresentar alguns transtornos comportamentais como ansiedade e depressão. Esse resultado corrobora com o descrito por Alheira21, segundo o pesquisador, sintomas depressivos estão associados à sua administração prolongada, e geralmente eles tendem a aparecer nas primeiras duas semanas de tratamento. A intensidade dos sintomas e seu curso longitudinal são diretamente proporcionais à dose.

De acordo com os resultados apresentados por Yao16, no primeiro mês após o início da terapia de explosões com corticoide, houve um aumento de sangramento gastrointestinal, sepse e pneumonia nos pacientes pediátricos, demonstrando assim, os potenciais danos de uma exorbitante prescrição dessa classe medicamentosa para as crianças.

Esse achado corrobora com o encontrado por Swift22 onde em um estudo populacional recente, realizado com mais de 2,6 milhões de pessoas, a pesquisadora descobriu que o uso de corticosteroides por até 14 dias, foi associado a maiores riscos de sangramento gastrointestinal, sepse e até insuficiência cardíaca, particularmente nos 30 dias consecutivos ao tratamento. Por esse motivo, tanto Yao16 quanto Swift22,ressaltam a importância de os médicos ponderarem os riscos de ocorrência de complicações com os benefícios ao prescreverem esses medicamentos.

Para Kunøe15 os corticoides inalatórios são os mais utilizados em terapia de controle a longo prazo em crianças asmáticas. No entanto, em seu estudo, essa exposição durante os primeiros 6 anos de vida foi associada a um índice elevado de IMC, sendo a faixa etária de 6 anos, uma idade mais precoce em AR, e uma tendência maior em direção a um aumento de gordura corporal androide percentagem. Resultados esses que não se reverteram ao normal após a interrupção do tratamento, e não foi encontrada nenhuma dose-resposta relação.

Confirmando o que fora mostrado anteriormente, Maciel23 afirma que o uso constante de corticosteroides tende a promover o aumento de peso (decorrente do aumento de apetite), e prejudicar a função da insulina, permitindo o aumento da taxa de açúcar no sangue, gerando consequentemente um acúmulo de gordura, inchaço, retenção líquida e possíveis alterações hepáticas e renais.

Apesar de algumas limitações no estudo de Michalczuk11 (limitada quantidade de pacientes e uma falta de grupo controle), os seus resultados mostraram que a longo prazo a corticoterapia inalatória em crianças, tende a favorecer a formação de substância branca cerebral hiperintensidades, sugerindo assim, possíveis associações a um risco aumentado de Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou demência com o passar dos anos. Apesar de sua pesquisa ser um relatório preliminar, ela deve ser interpretada como uma introdução ao assunto para que avaliações mais precisas possam acontecer.

Foi observado pelo pesquisador Santos24 em um determinado estudo de caso conduzido pelo mesmo, a piora do quadro clínico de uma paciente asmática de 72 anos, que fazia uso crônico de corticosteroide inalatório como forma de tratamento para a sua condição respiratória. Esta, que além de apresentar quadro demencial, possuía também outras comorbidades (diabetes e hipertireoidismo), teve uma acelerada evolução no seu quadro de demência, no qual o autor atribuiu modestamente esse efeito, as altas doses de corticoterapia É pontuado por Michalczuk11 que as alterações cerebrais (na psicomotricidade, desenvolvimento e funcionamento), decorrentes do uso prolongado de corticoides em pacientes infantis, tendem a ser assintomáticos na infância, porém, na fase idade adulta, ocorre um impacto retardado no contexto do desenvolvimento de doenças cerebrovasculares e demência. No entanto, seriam necessários mais estudos para a resolução deste problema, sendo essa uma questão de suma importância, uma vez que medidas preventivas adequadas poderiam ser tomadas para neutralizar as sequelas na idade adulta.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Baseando-se nos artigos analisados para a construção dessa revisão, pode-se constatar a existência de poucas pesquisas abordando esse tema. No que se refere ao campo científico nacional, a maior parte das publicações disponíveis que foram encontradas, eram referentes a estudos de revisão. Assim, esse estudo ressalta a importância de temáticas como essa serem cada vez mais abordadas.

Os corticosteroides são medicamentos bastante prescritos pela comunidade médica devido a sua potente ação no tratamento de diversos problemas respiratórios, especialmente em crianças, porém existem algumas restrições de risco que muitos desconhecem. Por esta razão, esse tema requer urgente atenção do campo de pesquisa, em especial por que ainda existem lacunas que precisam ser preenchidas.

Todos os profissionais de saúde precisam estar cientes dos diversos eventos adversos relacionados ao uso prolongado dos corticoides em pediatria (risco de catarata, glaucoma, sangramento gastrointestinal, transtornos psiquiátricos, entre outros), e a partir dessas informações, desenvolverem e implementarem estratégias que possam minimizar as taxas de risco, para prevenir danos evitáveis decorrentes do uso desses medicamentos a longo prazo em crianças.

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