REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10246240
Vanusa Galvan[1]
Júlia Chiminecki Kissula[2]
RESUMO
Este estudo teve como foco as relações parentais no contexto da separação conjugal, sendo ela litigiosa ou não e objetivou compreender os impactos deste processo baseando-se na perspectiva dos filhos quando adultos. Tratou-se de um estudo de natureza qualitativa e exploratória, em que a pesquisa foi realizada com dez adultos que possuem os pais separados ou divorciados há no mínimo um ano. Os resultados demonstram que, embora atualmente os filhos tenham maior compreensão acerca do que vivenciaram e os motivos que levaram a isso, a maior parte possui pendências relacionadas à forma como os pais conduziram o processo na época. Os pontos em comum dentro da maior parte dos relatos evidenciam que as brigas e discussões vivenciadas por eles, bem como a falta de uma comunicação clara tornaram a situação mais delicada.
Palavras-chave: Dissolução 1. Conjugalidade 2. Terapia Sistêmica Familiar 3. Impactos 4. Filhos
1. INTRODUÇÃO
O divórcio é um processo de alta complexidade que atinge diversas esferas na vida de quem está envolvido. Em decorrência de diversas mudanças sociais, atualmente existem diferentes formas e modelos de casamento em nossa sociedade, naturalmente ocasionado um aumento significativo do número de divórcios no Brasil (Franco, 2019).
Os primeiros estudos voltados para os conflitos conjugais, foram realizados em meados de 1920, os quais expunham efeitos negativos nas vidas dos filhos do casal afetado pela separação. Estudos especificamente sobre o divórcio surgiram por volta de 1940 e através deles foi possível perceber que os efeitos da separação estavam associados a concepções como luto, perda, morte e ausência paterna. Durante as décadas de 60 e 70, o número de divórcios cresceu de forma exponencial em todos os países ocidentais, o que ocasionou mudanças significativas na concepção do que seria o modelo ideal de família.
No Brasil, em pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o ano de 2021 foi o ano em que mais registraram-se divórcios oficiais, se comparado a pesquisas realizadas em anos anteriores. Com isso, percebe-se que há uma demanda muito grande nos atendimentos psicológicos que trazem essa questão à tona, em pacientes das mais diversas idades. Diversos estudos na área da psicologia apontam que esse fenômeno, inevitavelmente, traz consequências psicológicas, emocionais e sociais para a vida dos filhos (Ribeiro, 2023).
Nesse sentido, esses indivíduos podem passar por diversas variações de suas emoções que englobam a ansiedade, a tristeza, a raiva, a confusão e até mesmo a culpa pela separação dos pais. Além disso, é recorrente casos em que os filhos apresentam sintomas que prenunciam transtornos psicológicos, como a depressão, a ansiedade, dificuldades de relacionamento e problemas de autoestima. (Silva; Chapadeiro; Silva, 2020).
Percebe-se que o cenário das pesquisas de psicologia está mais voltado a compreender o impacto da dissolução da conjugalidade em crianças e adolescentes. Por isso, houve o despertar do interesse em perceber como esse fenômeno se dá em pessoas já adultas que, muitas vezes, não conseguiram receber o suporte adequado quando a separação dos pais aconteceu ou que então sequer pararam para pensar esse momento da vida dos pais afetou a sua vida.
Diante destes fatos, entende-se que compreender a perspectiva dos filhos em relação a um processo de dissolução da conjugalidade dos pais, abre portas que tornam possível visualizar como os conflitos interparentais influenciam nas questões psicossociais destes indivíduos ao longo da vida e em suas relações como um todo.
Portanto, o presente trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa e exploratória, e objetivou discutir, analisar e compreender as consequências do processo de divórcio de um casal através da perspectiva das vivências dos filhos adultos. Para isso, foi conceituada a dissolução da conjugalidade através da perspectiva da Terapia Sistêmica Familiar, evidenciou-se aspectos relacionados à saúde mental diante a este processo, buscou-se compreender quais são as principais influências da dissolução da conjugalidade na vida dos filhos quando adultos bem como verificar a perspectiva destes indivíduos sobre os impactos causados pelos conflitos parentais do divórcio.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A dissolução da conjugalidade através da perspectiva da Terapia Sistêmica Familiar
A Terapia Sistêmica Familiar é uma abordagem da psicologia que compreende a família como um sistema, ou seja, os indivíduos que a compõem estabelecem uma relação interdependente que promove o desenvolvimento de cada um. Visualiza o sistema como um todo, isto é, o que acontece com um dos membros provoca impactos em todos os outros (Machado, 2012).
A perspectiva sistêmica, como o próprio nome sugere, entende as relações interpessoais de maneira sistêmica, visto que considera impossível não interagir ou reunir para compreender. Isto é, para que seja possível entender os indivíduos e suas especificidades, é necessário levar em consideração todo o seu contexto familiar. As pessoas se modificam ao mesmo tempo em que os ambientes em que estão inseridas e, nesse sentido, não é vantajoso as isolar destes ambientes para a resolução dos conflitos (Souza et al. 2023).
Nesta abordagem, entende-se a relação conjugal como resultado da construção de uma realidade comum em que cada indivíduo precisa reconstruir sua realidade individual para desenvolver padrões que se encaixem na vida a dois e, desse modo, construam uma identidade de casal. Este processo é complexo, envolve trocas verbais e não verbais e a necessidade de modificações nas ações, visto que a mudança de um dos cônjuges afeta diretamente o outro (Féres-Carneiro; Neto, 2010).
A evolução do papel da mulher na sociedade, acarretou um aumento de mulheres no mercado de trabalho e que, por consequência, conquistaram maior independência financeira. Assim, desenvolveram-se novos arranjos familiares com grandes modificações no relacionamento entre os gêneros, bem como na organização entre as funções parentais e conjugais. Diante das alterações intrafamiliares, surgiram mudanças significativas no padrão do ciclo de vida, como por exemplo, o aumento do índice de separação conjugal (Araújo, 2017).
De acordo com Carneiro (1998), esse aumento não se justifica porque o casamento não é considerado importante, mas sim porque os indivíduos passaram a valorizar tanto as relações conjugais, que não aceitam que um casamento não atenda às suas expectativas.
Segundo Franco (2019), algumas motivações que contribuem para o aumento do número de divórcios, incluem a infidelidade entre os parceiros que buscam outros relacionamentos em concomitância ao casamento, problemas de comunicação, cujo casal não consegue comunicar-se de maneira funcional, resultando em brigas, discussões e ressentimentos devido à não resolução de conflitos, problemas financeiros que exercem uma pressão significativa no relacionamento, entre outras adversidades que causam o desgaste do relacionamento.
Desse modo, a Terapia Sistêmica Familiar compreende a dissolução conjugal como um processo no qual os padrões de manutenção são alterados até um ponto em que a relação não consegue mais ser delineada pelo casal ou por alguma das partes do relacionamento, ocasionando uma ruptura. De acordo com os autores, pode acontecer de maneira catastrófica, pois a transição da conjugalidade para o estado em que não se percebem como um casal, é um processo em que ocorre uma interrupção brusca (Féres-Carneiro; Neto, 2010).
A autora disserta que, para a perspectiva sistêmica, o processo de dissolução da conjugalidade não deve ser classificado como negativo, mas, ao contrário, ser compreendido como uma forma de solucionar positivamente as adversidades causadas pelas relações conflituosas de um casal dentro dessas famílias. O desquite de um relacionamento pode produzir consequências edificantes para um sistema, principalmente quando as tentativas para manter esse casamento causam a autodestruição de ambos os cônjuges, refletindo nos demais membros (Carneiro, 1998).
No entanto, a separação não deixa de ser um caminho doloroso e complexo em que os envolvidos passam por uma espécie de luto. Nesse sentido, é necessário que as pessoas afetadas por este processo o compreendam para que tenham uma escolha sobre como seguir a vida (Prado, 2021). Em conformidade, Carneiro (1998) explica que a separação ocasiona sentimentos intensos de perda e fracasso e o período de elaboração do luto da dissolução costuma ser maior do que o luto por morte.
Nesse sentido, é importante destacar que a dissolução de um casamento, embora seja decisão apenas dos indivíduos que compõem a relação afetiva, influencia de forma direta a vida de seus dependentes, causando diversos impactos e alterando sua realidade de forma geral (Juras e Costa, 2011).
Juras e Costa (2011) explicam que, quando o casal possui dificuldades em diferenciar seus papéis conjugais dos parentais, os filhos podem acabar sendo envolvidos nas brigas dos pais. De acordo com a perspectiva sistêmica, esse processo pode acarretar a triangulação do sistema, ou seja, quando o nível de ansiedade do casal se torna tão elevado, o filho acaba se envolvendo a fim de aliviar o estresse proveniente disso. Embora o processo de triangulação cause efeitos positivos no momento de tensão, a longo prazo pode acarretar prejuízos significativos ao desenvolvimento psicossocial de todos os envolvidos, principalmente aos filhos e suas relações familiares presentes e futuras. Isso é agravado na ocorrência de divórcios destrutivos, em que o sofrimento do filho é colocado em segundo plano.
Diante deste cenário, o processo de dissolução conjugal faz com que todo o sistema tenha que reestruturar seus padrões de relacionamento atuais. Essa reestruturação exige um período de transição, para que seja possível encontrar uma nova forma de organização que se adapte à nova realidade. Em alguns casos, os impactos do divórcio vão surgindo logo no início, em outros é gradativo, vão aumentando durante o primeiro ano e depois desaparecem. Existem casos em que as consequências vão começar a aparecer após dois anos (Carneiro,1998).
Portanto, compreende-se que a dissolução da conjugalidade provoca expressivas modificações dentro de um sistema e, dessa maneira, surge a necessidade de uma reorganização familiar, que tem como objetivo a adaptação de todos os envolvidos a esta nova realidade.
2.2 A necessidade de reorganização familiar, a partir da separação/divórcio dos cônjuges
Um casamento é composto por dois indivíduos que possuem bagagens singulares, com vivências e desejos que vão se unir diante da conjugalidade e assim, serão formados os subsistemas, compostos pelas experiências distintas provenientes da história familiar de cada um. Por conseguinte, o casal vai elaborar regras em comum, partindo dos princípios existentes dentro de suas famílias de origem. Este processo pode ser conflituoso devido às divergências relacionadas às criações e contextos diferentes. Quando o casal passa a exercer a parentalidade, o relacionamento volta-se a este papel e, muitas vezes, torna-se motivo de frustração conjugal (Ponciano; Féres-Carneiro, 2017).
A dissolução conjugal (judicial ou amigável) é o segundo maior fator desestruturante na vida adulta, vindo depois da perda por morte do cônjuge. Os eventos de separação e perda são considerados, do ponto de vista dos adultos, como as duas situações do ciclo da vida com a maior demanda no que se refere à reorganização psicossocial (Lamela, 2010).
A passagem de um relacionamento conjugal para uma separação requer a elaboração do divórcio emocional. É necessário que os envolvidos passem pelo período de luto por essa perda, que envolve sentimentos e emoções frustrantes como a mágoa, a vergonha, a culpa e a raiva, para que assim compreendam o processo e possam recuperar seus sonhos, expectativas, esperanças e os planos que, até então, estavam atribuídos ao casamento (Carter, et al. 1995).
O período de transição em decorrência da dissolução de um casamento afeta todos os membros de um sistema, visto que, a mudança que ocorre em um de seus subsistemas – no caso da separação, o conjugal – modifica também todos os outros subsistemas que o compõem, já que estão interligados. Nesse sentido, é necessário que todos os membros busquem uma readaptação de suas vidas a partir dessa nova realidade, pois a família permanece, porém com uma nova estrutura (Franco, 2019).
Segundo Silva, Chapadeiro e Assumpção (2019), as vivências relacionadas à dissolução da conjugalidade são de grande complexidade em decorrência dos conflitos existentes neste processo e, deste modo, atingem diretamente o sistema familiar por completo. Diante desses eventos, novas configurações familiares vão sendo constituídas, e estas ultrapassam o modelo de família nuclear, como por exemplo as famílias recompostas, monoparentais etc.
A separação associada ao exercício da parentalidade tem como consequência intensas transformações dentro de um sistema familiar, fazendo com que os subsistemas que o compõem precisem tomar medidas para reorganizar suas estruturas. A maneira como o sistema vai se adaptar aos impactos causados pela dissolução está diretamente ligada às características da família durante o casamento, isto é, aos aspectos relacionados à comunicação, como os papéis eram desempenhados, os laços afetivos, dentre outros. Ademais, a dinâmica da relação coparental após o divórcio também exerce significativa influência sobre como o sistema vai lidar com este processo (Lamela, 2010).
Após o processo de separação, na maioria dos casos, a guarda dos filhos fica com a mãe e há um distanciamento significativo na relação com os pais e, nos raros casos em que a guarda fica com o pai, o mesmo ocorre no relacionamento materno. Evidencia-se um significativo afastamento daquele que não obteve a guarda e, por consequência, com a família deste também (Brito, 2007).
Em conformidade, Brito (2007) explica que o modo como esse evento é conduzido, bem como as expectativas sociais e os trâmites legais relacionados à guarda dos filhos, também são aspectos que interferem fortemente. Quando os aspectos emocionais relacionados ao divórcio não são resolvidos de forma saudável, o sistema pode se manter paralisado por um longo período.
Em contextos em que ocorre um recasamento, essa transição pode ser ainda mais complexa em decorrência do medo associado ao investimento de um novo relacionamento e uma nova família. Os envolvidos precisam lidar com as reações negativas vindas do ex-cônjuge, dos filhos e das famílias, além de compreender as divergências relacionadas à nova estrutura sistêmica, aos papéis e aos relacionamentos que se desenvolvem diante disso (Carter, et al. 1995).
Assim, as maiores modificações na vida dos envolvidos em um processo de divórcio acontecem logo nos primeiros momentos, visto que existem mudanças de moradia, cidade, escola e de toda a rotina e, desse modo, a reorganização desta nova família pode levar anos, dependendo de cada caso (Cano, et al. 2009).
Um fator que interfere fortemente no processo de reestruturação é a maneira e o período em que a notícia da dissolução é repassada aos demais envolvidos, principalmente aos filhos. É de suma importância que os pais expliquem a eles não apenas os motivos que levaram à separação, como também esclareçam sobre as diversas e significativas mudanças que este processo implica em suas vidas. Além disso, estas informações devem ser explicadas mais de uma vez, levando em consideração as fases que decorrem após a separação em si (Souza, 2000).
Dentro do processo de reorganização os indivíduos precisam aprender a exercer a parentalidade de uma forma diferente do que estavam habituados. A partir da separação, é necessário que os ex-cônjuges exerçam suas funções como pais em prol do desenvolvimento dos filhos, o que exige que mantenham um contato minimamente saudável, função que se torna um desafio maior diante de um divórcio destrutivo (Lamela, 2010).
Assim, compreende-se que o rompimento de um relacionamento conjugal provoca expansivas modificações em todo um sistema familiar. Evidencia-se, então, que a maneira como este processo é manejado interfere sobre como todos os componentes vão lidar e como vai atingi-los (Brito, 2007).
Portanto, a dissolução da conjugalidade sendo um processo de alta complexidade, altera o ritmo de vida de todos os indivíduos que compõem a família, afetando a saúde mental dos membros deste sistema, podendo causar diversas consequências em seu bem-estar psicológico. Diante disso, urge a necessidade de averiguar sobre como isso ocorre e quais os resultados de uma separação conjugal na saúde psicológica de quem vivencia este processo, principalmente na vida dos filhos.
2.3 Os aspectos relacionados à saúde mental dos membros da família diante do processo de dissolução conjugal
De acordo com Souza e Baptista (2008), o conceito de saúde mental não é definido de maneira concreta, pois apresenta divergências associadas a cada cultura e varia de acordo com o momento histórico estabelecido. No entanto, é válido salientar que as características biológicas e os aspectos sociopsicológicos interferem na construção da saúde mental, visto que, certas patologias estão ligadas a uma predisposição genética e, a qualidade das relações interpessoais também exerce influência.
Os autores argumentam que o sistema familiar é o primeiro responsável pelo desenvolvimento e manutenção do bem-estar físico e psicológico de seus membros. Isso decorre do fato que é nesse contexto em que se estabelecem as primeiras interações afetivas e sociais necessárias para a formação da identidade pessoal de seus componentes.
O provimento e o recebimento do suporte familiar influem diretamente no bem-estar físico, psíquico e social do indivíduo, sendo que a falta desse suporte é um dos fatores que traduz predisposições à doença mental. A percepção e o recebimento de suporte pelos membros da família, constituem fontes fundamentais para a manutenção da saúde mental, no que tange à promoção de benefícios nos processos fisiológicos (sistema endócrino, cardiovascular e imunológico), ao enfrentamento de situações estressantes, e no alívio dos estresses físico e mental (SOUZA; BAPTISTA, 2008, p. 210).
Segundo Palhares et. al (2018) as consequências associadas a um processo de dissolução conjugal refletem nos aspectos comportamentais e psíquicos de todos os envolvidos. Evidencia-se nos casos em que os filhos vivenciaram o divórcio dos pais, uma maior propensão ao uso e abuso de drogas e à evasão escolar, chances menores de ingresso ao ensino superior, e durante a vida adulta a necessidade de tratamento psicológico e, muitas vezes, o uso de psicofármacos.
Embora os fatores de risco para a depressão estejam associados a aspectos psicológicos, sociais e biológicos, as transformações sistêmicas que acontecem de maneira abrupta e causam diversas alterações no que se refere às dinâmicas familiares, podem ser percebidas como significativos fatores que influenciam e favorecem o desenvolvimento da depressão nos componentes da família envolvida, principalmente nos adolescentes (Souza; Baptista, 2008).
Nos processos de divórcio, nota-se que as modificações que decorrem causam diversas consequências para os adolescentes, que costumam ter que amadurecer de forma prematura, visto que precisam lidar com os problemas dos pais desde cedo e estes, não conseguem desempenhar seus papéis parentais de maneira efetiva (Hack; Ramires, 2010).
Os autores dissertam que a separação pode significar um fator de risco, principalmente nos casos em que ocorre a alienação parental e os conflitos que norteiam acabam por causar o distanciamento dos filhos com os pais. A falta de apoio e presença de figuras para impor limites e manter os cuidados, são fatores que favorecem no desenvolvimento de vulnerabilidades que tendem a ser responsáveis por dificuldades na vida destes os prejudicando significativamente.
Com base nessas informações, percebe-se que a separação conjugal produz diversos efeitos no que se refere aos aspectos psicológicos, muitas vezes, negativos no sistema como um todo. O casal precisa passar pelo processo do luto, lidar com uma realidade, deveras conflituosa e aprender a viver uma nova vida. Tratando-se de dissolução parental, o processo torna-se ainda mais complexo e através disso, decorrem inúmeras consequências também para os filhos, afetando seu comportamento e sua saúde mental.
3. METODOLOGIA
Os tipos de pesquisas utilizados para o desenvolvimento deste trabalho foram a pesquisa qualitativa a qual possui um caráter mais subjetivo, a pesquisa narrativa, e a pesquisa de campo para coletar informações diretamente com o público-alvo. Na pesquisa qualitativa, segundo Lakatos e Marconi (2003), busca-se compreender de uma forma mais aprofundada um determinado fenômeno social.
Entende-se a pesquisa narrativa como uma forma de compreender uma experiência através de uma relação colaborativa entre o pesquisador e o pesquisado. Ela consiste na coleta de experiências e histórias em que o pesquisador encontra informações sobre determinado assunto ou fenômeno (Paiva, 2008).
A pesquisa de campo é uma abordagem que, como o próprio nome sugere, visa a coleta de dados através do contato entre o pesquisador e o participante da pesquisa, por meio de instrumentos como a entrevista, aplicação de questionários, observação direta, entre outros (Lakatos; Marconi, 2003).
Posteriormente, foi utilizada a pesquisa exploratória, a fim de relacionar os dados coletados com materiais bibliográficos e teorias existentes sobre o assunto pesquisado com o objetivo de compreender e obter mais informações além das já existentes.
3.1 Participantes
A pesquisa foi realizada com 10 (dez) indivíduos acima de 18 anos de idade que possuem pais divorciados legalmente ou não, separados há no mínimo 1 (um) ano, sem tempo máximo predefinido.
Dos dez participantes que aceitaram participar da pesquisa, nove são do sexo feminino e um do sexo masculino, com idades entre 19 e 25 anos. Destes, sete vivenciaram a experiência da dissolução conjugal dos pais ainda durante a infância ou adolescência, e três passaram por este processo já na vida adulta.
3.2 Procedimento
Como instrumento foi utilizada a entrevista semiestruturada que, segundo Lakatos e Marconi (2003) trata-se de uma técnica de coleta de dados utilizada na pesquisa qualitativa, na qual o pesquisador tem um roteiro de questões pré-determinadas, porém, também tem flexibilidade para explorar tópicos relevantes que surjam durante a entrevista. Ademais, foi utilizada a gravação das narrativas orais, a fim de coletar o máximo de informações através da explicação narrada pelos pesquisados sobre suas experiências diante do fenômeno de estudo.
A entrevista consistiu basicamente em um roteiro contendo 8 (oito) perguntas abertas previamente elaboradas pela pesquisadora, com base nos objetivos que pretendiam ser alcançados. O questionário foi desenvolvido de modo a estabelecer uma ordem cronológica dos fatos, isto é, iniciou-se com perguntas sobre o momento da notícia da dissolução e finalizou-se com questões referentes às percepções atuais dos participantes sobre todo o processo.
As perguntas foram desenvolvidas a fim de coletar conteúdos referentes a: (a) memórias do momento da separação; (b) sentimentos e percepções diante a notícia; (c) relação dos pais atualmente; (d) mudanças identificadas por eles no
relacionamento com seus pais; (e) a quem a guarda foi atribuída; (f) o que acham que poderia ter sido diferente no processo; (g) impactos causados pelo processo em suas vidas no geral, até os dias atuais.
Das 10 (dez) entrevistas, 9 (nove) foram realizadas pela plataforma Google Meet e uma de forma presencial, todas em ambientes tranquilos sem qualquer interferência externa, concluídas em um único encontro que durou de 10 a 15 minutos.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Por meio das divulgações realizadas através das redes sociais, 10 (dez) pessoas que atendiam aos critérios de inclusão da pesquisa manifestaram interesse em participar, sendo que destas, 9 (nove) são mulheres. Assim sendo, a entrevista foi realizada tendo como base a entrevista semiestruturada, com perguntas voltadas às memórias e percepções dos participantes em relação à separação de seus pais.
Diante da pergunta sobre como a notícia foi repassada a eles, 8 (oito) dos 10 (dez) participantes relataram lembrar do momento em que aconteceu e, em todos os casos, quem noticiou foi a mãe. Dos que se recordam, 4 (quatro) explicaram que, antes mesmo de serem informados sobre a separação, já imaginavam que isso aconteceria pois vivenciavam diariamente as discussões dos pais e, por muitas vezes, tinham que agir como intermediadores. Os outros 4 (quatro) disseram que a notícia foi um choque, demonstrando não associar os conflitos do casal a uma possível separação.
Os participantes relataram também que não houve uma comunicação esclarecedora a respeito do processo, em grande parte dos casos essa transição foi feita de maneira brusca sem um diálogo necessário com os filhos, apenas a informação da separação, e como foi repassado pela mãe, não houve entendimento dos filhos sobre a perspectiva do pai diante da situação:
“Sim, eu lembro. Mas quando a minha mãe falou de se separar, o casamento deles já havia acabado há muito tempo, então eu concordei, mas isso não anulou a dor do momento. Mas eu tive empatia por ela e entendi que era o melhor para os dois… dentro do casamento já havia um rompimento de relações, eles nem conversavam mais dentro de casa” (Y., 24 anos).
“Eu tinha 5 anos, eu lembro como foi a transição do divórcio, mas a minha mãe não comunicou sobre, apenas chegou e falou que íamos sair de casa. Eu lembro do momento em que aconteceu, mas não houve uma comunicação sobre o que estava acontecendo, apenas a mudança de casa.” (E., 24 anos).
Diante de tais informações, percebe-se que a forma como o processo de separação é repassado aos filhos, torna-se um evento bastante significativo, visto que marca uma grande e difícil transição, causando modificações expressivas em diversos aspectos de suas vidas. Quando os pais trabalham em conjunto e repassam as informações de forma clara, facilitam para que os filhos consigam lidar de forma mais saudável com a notícia da separação, além de que diminuem os sentimentos negativos que tendem a surgir, como culpa ou raiva.
Segundo Lamela (2010), a adaptação à realidade da separação conjugal, associa-se diretamente com os processos comunicativos existentes dentro do sistema familiar, antes mesmo da dissolução acontecer, pois quanto menos funcional a comunicação for, maiores serão as dificuldades para compreender e lidar com as adversidades que norteiam essa transição.
Tais resultados se aproximam aos de Souza (2000) no que se refere a identificação de conflitos e associação a um rompimento, visto que, mesmo presenciando problemas e tensões conjugais, em parte significativa dos casos os filhos não relacionavam essas situações com uma possível separação dos pais.
Assim sendo, dos dez entrevistados, quatro vivenciaram os conflitos dos pais e conseguiram visualizar um rompimento diante do cenário, sendo que destes, dois já eram maiores de idade quando receberam a notícia. Dois deles identificaram as brigas, porém não consideravam que pudesse chegar a uma separação, outros dois não identificaram conflitos, como no caso destes dois entrevistados:
“Eu fiquei bem em choque, eu não esperava que eles fossem se separar porque a gente não via muito o meu pai porque ele trabalhava fora, então não víamos muitas brigas. Quando eles contaram, foi bem chocante pois não esperávamos.” (N., 22 anos).
“Mesmo eles brigando já havia um tempo, eu pensei que era briga normal de casal, não achei que eles realmente iam se separar. Já tinham acontecido outras vezes de ter crise, e quando a minha mãe contou foi um choque, eu não queria acreditar. Eu pensei muito que eles iam se resolver, que talvez ficassem um tempo separados, mas que iam voltar.” (R., 23 anos).
Neste sentido, os que relataram apoiar a decisão, também explicaram que acabaram se envolvendo nos conflitos dos pais, servindo muitas vezes como mediadores nas brigas, ouvindo e, por vezes até aconselhando os pais a respeito do que estavam vivendo. Percebe-se, então, que o processo de triangulação explicado pela Terapia Sistêmica Familiar, evidenciou-se nesses casos, visto que as tensões provenientes das adversidades do casal se tornaram tão intensas que os filhos foram envolvidos de forma direta. De maneira geral, o processo de triangulação refere-se ao momento em que o desconforto e conflitos entre duas pessoas dentro de um sistema aumentam a ponto de que uma terceira pessoa seja envolvida para dentro dessa situação a fim de aliviar os estresses e ansiedades presentes nesta relação (Juras e Costa, 2011).
Observa-se, portanto, que a comunicação esclarecedora é de suma importância para lidar com essa realidade, e que ainda mais importante, é que ela seja feita tanto pela mãe quanto pelo pai, para que o filho consiga compreender todos os lados. Quando isso não ocorre, surgem muitas dúvidas que podem prolongar-se e dificultar a aceitação do processo, aumentando o nível de sofrimento dos filhos. Em sua maioria, os participantes relataram sentimentos negativos em decorrência da falta de informações, e que só conseguiram compreender melhor quando mais velhos.
No que se refere a sentimentos e percepções, para todos os entrevistados houve o consenso de que lidar com este processo foi extremamente doloroso e difícil, sendo que a maioria teve dificuldade em entender exatamente o que estava acontecendo, o que se justifica pela falta de comunicação:
“Foi extremamente horrível, eu não conseguia aceitar que o meu pai tinha outra pessoa. A minha mãe também, logo depois encontrou alguém e eu não conseguia aceitar que eles estavam dando a mão para outra pessoa, beijando outra pessoa, pra mim não fazia sentido. Minha mãe sofreu muito comigo no início.” (M., 22 anos).
Além disso, os relatos demonstram que a maior insatisfação no relacionamento partia da figura materna. Desse modo, 3 (três) dos participantes explicaram que apoiaram a decisão pois percebiam que a mãe estava infeliz, como nos casos em questão:
“No início, quando eu recebi a notícia, foi como um alívio de basta, porque era uma relação difícil. Era difícil porque eu via a minha mãe sofrer e presa num relacionamento em que só ela fazia de tudo para dar certo, mas o meu pai não.” (Y., 24 anos).
“Por um lado, eu fiquei feliz porque a nossa família desde que éramos criança nós esperávamos que os nossos pais se separassem, mas eles postergaram esse momento durante muitos anos. Foi um alívio porque eu sabia que aquilo ia fazer bem, na época eu pensava na minha mãe porque eu sabia que aquilo faria bem para ela.” (G. 21 anos).
Esses casos evidenciam as afirmações dos estudos sobre divórcio feitos por Carneiro (1998), em que ele explica que o aumento no número de divórcios tem como principal motivo o fato de que os indivíduos valorizam cada vez mais os relacionamentos conjugais e aceitam cada vez menos relações que consideram mal-sucedidas.
Em concomitância aos de Souza (2000), estes resultados também demonstram que, embora alguns dos entrevistados tenham reconhecido a separação como uma solução ou até mesmo tenham sentido alívio, todos eles passaram por momentos de expressivo sofrimento em decorrência da situação, vivenciando sentimentos de culpa, raiva, angústia e medo.
É possível verificar a partir das informações obtidas aqui que, apesar de bastante comum, a dissolução de um casamento quando envolve filhos é um processo significativamente difícil e delicado, que provoca dores e deixa marcas que perduram durante toda uma vida. Todos os participantes demonstraram lembrar exatamente das emoções vivenciadas e do momento em que receberam a notícia, mesmo após anos do acontecimento.
Tratando-se do relacionamento dos pais atualmente, 8 (oito) dos participantes explicaram que a comunicação entre eles é bem limitada, em alguns casos praticamente nula. Os relatos demonstram que isso decorre dos conflitos que existiram durante o processo de divórcio, visto que os motivos para a separação e a postura dos cônjuges diante dela, geraram diversas mágoas e diferenças entre eles, tornando o processo ainda mais delicado, como nos casos em questão:
“A relação deles é bem limitada, a minha mãe estava tentando fazer a separação na igreja e tinha que ficar indo atrás, porque eles não têm muito contato, só para o que é extremamente necessário. O que puderem evitar, eles evitam.” (K., 25 anos).
“É uma relação péssima. Eles mantêm o contato por causa dos filhos, mas eles não mantêm uma relação pois ambos guardam muito rancor um do outro. Algumas atitudes do meu pai depois da separação, fizeram com que a minha mãe desenvolvesse uma raiva muito grande dele.” (G. 21 anos).
De acordo com Silva, Chapadeiro e Assumpção (2019), casais que passam pela dissolução da conjugalidade comumente cultivam sentimentos como raiva, ódio, mágoa e decepção, refletindo diretamente em seus papéis parentais, o que fica evidente através das informações coletadas. Para que seja estabelecida uma boa relação parental, é necessário que haja diálogo, a fim de compreender de forma ampla tudo o que ocorre na vida dos filhos. Quando não há diálogo, o ex-casal pode negligenciar questões importantes, os afetando significativamente.
As modificações e dificuldades apresentadas na relação entre os ex-cônjuges reflete também no relacionamento dos pais com os filhos. Diante disso, nos casos em que a separação ocorreu ainda na infância ou adolescência, a guarda dos participantes foi atribuída à mãe, visto que não houve tentativa de disputa por parte da figura paterna. Os participantes que vivenciaram a dissolução após os 18 anos de idade optaram por permanecer morando com a mãe também.
Portanto, 5 dos entrevistados explicaram que a principal mudança identificada em decorrência do processo foi um afastamento em relação ao pai, principalmente nos primeiros anos. Os relatos demonstram que os principais fatores que justificam tal afirmação são: a) mudança de residência ou cidade/estado, dificultando a comunicação; b) mágoa do filho em relação ao genitor devido aos motivos que levaram à separação; c) a relação com o pai não era próxima mesmo durante o casamento:
“Acabei me aproximando mais da minha mãe e me afastando mais do meu pai, apesar de nunca ter sido próxima dele. Todo ano eu visitava o meu pai nas férias, e eu gostava porque sentia saudade dele, mas não gostava tanto pois nós não nos conhecíamos direito, então era um pouco estranho. Ele tentava me agradar, mas era estranho porque ele não sabia do que eu gostava.” (G. 19 anos).
Para Silva, Chapadeiro e Assumpção (2019) em sua grande maioria, as mulheres tendem a se responsabilizar exclusivamente pela criação dos filhos e, como consequência, há uma restrição do papel paterno nessa função que se intensifica após a dissolução. Em consonância a isso, Hack & Ramires (2010) destacam que quando existem adversidades nas relações entre pais e filhos, elas costumam estar presentes antes mesmo do divórcio acontecer, e evidenciam-se com o processo.
Além disso, os sentimentos negativos que advêm dos conflitos dos pais costumam influenciar também sobre como os filhos se sentem em relação a um deles:
“Na infância meu pai era tudo pra mim, e eu peguei uma mágoa muito grande dele. Só agora eu consegui perdoar, e sinto que posso me aproximar dele. Me aproximei muito mais da minha mãe, mas na adolescência a gente brigava muito por conta do meu estresse e ela falava que ia me mandar morar com ele, aquilo era um pesadelo. Mas agora estamos muito bem.” (M. 22 anos).
Já os outros 5 entrevistados relataram que o relacionamento com o pai melhorou após o processo de divórcio. Alguns deles justificaram que o fato de não estarem mais juntos no dia a dia, fez com que genitor valorizasse mais os momentos juntos, outros explicaram que conseguiram visualizar a figura paterna de uma maneira mais compreensiva e ampla fora do casamento.
“Na relação com o meu pai, eu aprendi que ele não era tudo o que a minha mãe falava, porque quando eles eram casados ela falava dele pra mim de uma maneira muito ruim. Então quando eu tive que aprender a conviver com o meu pai em outras circunstâncias, eu também tive que aprender quem o meu pai era, para além da relação dele com a minha mãe. Eu não tinha tanto contato com ele quando eles ainda eram casados, passei a ter depois da separação.” (G. 21 anos).
Com todas as mudanças e conflitos no pré e pós divórcio, os filhos muitas vezes são forçados, mesmo que de forma indireta, a se envolver. Isso pode gerar sentimentos negativos direcionado à um dos pais, pelo fato de não conseguirem se desvincular das brigas e visualizarem de forma clara e ampla todos os fatores que norteiam o processo.
A Terapia Sistêmica Familiar entende esse processo como um conflito de lealdade, movimento bastante comum que um filho pode fazer durante a separação de se vincular a um dos lados e pensar que pode o estar prejudicando caso dê abertura para o outro genitor. Quanto mais intensa essa lealdade, maiores serão os problemas comunicativos do sistema e mais desajustado o triângulo familiar (pai, mãe e filho) se torna, gerando problemas emocionais significativos para o filho que podem perdurar até a vida adulta (Silva; Chapadeiro e Assumpção, 2019).
Quando questionados sobre o que consideram que poderia ter sido diferente durante a separação, nove dos dez participantes evidenciaram que a forma como tudo foi conduzido pelos pais deveria ter sido feito de maneira mais saudável, priorizando o diálogo a fim de esclarecer a situação. Eles explicaram que acreditam que se não tivessem sido envolvidos de forma direta nos conflitos, as coisas teriam sido mais fáceis e o processo menos doloroso:
“Foi um processo muito longo, foram 3 anos desse processo de separação… a minha mãe me obrigava a escutar os desabafos dela, eu tinha que tirar prints para ela guardar. Eu tive que me envolver diretamente, não tive opção, e isso me custou muito emocionalmente. Esse processo foi bem difícil de sentir as dores e não se deixar abalar.” (Y., 24 anos).
“Meu pai não precisava ter tido certas atitudes que aumentaram as dificuldades provenientes desse processo. E houveram muitas brigas e discussões entre todos, inclusive os meus irmãos, que tomaram as dores do meu pai, assim como eu havia tomado as da minha mãe. Tudo isso poderia ter sido diferente se houvessem mais diálogos, se tivéssemos conversado e acertado as coisas, atualmente as coisas estariam melhores.” (G., 21 anos).
Além disso, as respostas destacaram que o distanciamento em relação à figura paterna também foi motivo de danos emocionais e tornou a transição ainda mais delicada, como no caso da participante que mudou de estado com a mãe após a separação:
“Eu acho que poderia não ter tido discussões na minha frente, acho que a distância também deveria ter sido conversada e não ter sido uma mudança pra tão longe, foi para outro estado… Meu pai nunca foi me ver, eu que sempre ia o visitar nas férias, acredito que não deveria ter tido essa ruptura tão grande, que deveria ter sido feito de outra maneira.” (E., 24 anos).
Destaca-se, portanto, a importância de verificar as necessidades dos filhos perante a essa nova realidade, pois independente do tempo que passe, as angústias e medos sentidos por eles no momento em que aconteceu, refletem sobre suas vidas até mesmo na vida adulta, como observado nos relatos destes entrevistados.
As informações coletadas a partir deste tópico se apresentam de forma similar a pesquisa de Brito (2007), em que os participantes não receberam esclarecimentos acerca do acontecimento e entendiam que os pais não estavam dispostos a conversar sobre independente do tempo passado. Além disso, neste mesmo estudo a autora disserta que os filhos tiveram que agir como mediadores das brigas mesmo após a separação, se envolvendo diretamente nas brigas e discussões do casal, fato que também se apresentou nesta pesquisa.
Por fim, no tópico sobre os impactos nas aprendizagens escolares e nos relacionamentos interpessoais, oito dos entrevistados trouxeram falas demonstrando que entendem que isso os afetou de alguma maneira:
“Em relação às amizades, eu não queria me relacionar muito com as minhas amigas, eu fiquei muito nervosa e muito fechada, não conseguia estar alegre nos momentos em que deveria estar alegre, nos momentos de comemoração e de estar junto” (Y., 24 anos).
“Foi um momento em que eu me senti muito sozinha, não encontrei apoio em lugar nenhum, nem nos meus próprios amigos e isso me impactou muito porque eu percebi que era só eu por mim. E na faculdade eu não conseguia me relacionar direito com as pessoas, me concentrar nas aulas.” (G. 21 anos).
“Teve muito impacto na minha vida, logo após a separação eu entrei numa depressão muito forte, não queria mais ir pra escola, eu entrei em negação. Fiquei muito doente, até cheguei em pensar em suicídio no ano seguinte porque eu ainda tinha esperança de que eles se resolveriam e, quando eu fui percebendo que não, e que tava um clima meio tenso, minha mãe ainda estava muito magoada, eu fui ficando pior.” (R., 23 anos).
Uma das participantes, jovem que se mudou de estado com a mãe após a separação, identifica dificuldades atualmente em seus relacionamentos e associa com a falta que sentiu do pai em decorrência do processo:
“Eu acho que afeta muito como eu lido com a saudade nos meus relacionamentos, principalmente nos amorosos, sinto que isso sempre foi uma questão pra mim, a saudade. Quando eu começava a sentir saudade, eu me sentia incomodada, sentia que aquele relacionamento não valia a pena, por conta da saudade.” (E., 24 anos).
No caso de outra entrevistada, que passou vivenciou o divórcio dos pais na adolescência, explicou que o ressentimento e as mágoas cultivadas em relação ao pai prejudicaram sua vida no geral, principalmente na relação com outras pessoas de sua família, e sente culpa por isso:
“Por conta da mágoa que eu fiquei em relação ao meu pai, eu evitava de ir visitá-lo, mas ele morava com os meus avós, com quem eu vivi durante muito tempo. Então eu deixei de aproveitar momentos com os meus avós, porque eu não queria ver o meu pai. Alguns anos depois eles faleceram, e senti que esse ressentimento prejudicou a relação com os meus avós”. (C. 22 anos).
Esse relato em questão salienta os estudos feitos por Brito (2007), que revelam que a saída do pai de casa resulta no distanciamento em relação à família paterna também, visto que a convivência pode tornar-se delicada.
Assim como na pesquisa desta mesma autora, estes dados demonstram que embora um processo bastante comum, a dissolução da conjugalidade deve ser compreendida como algo complexo que, quando mal estabelecida, acarreta diversas consequências para os filhos. Tal afirmação fica clara ao relacionarmos com os relatos trazidos pelos participantes desta pesquisa, haja vista que, embora em muitos casos a separação tenha acontecido há muitos anos, todos os sentimentos vivenciados no momento do fato, ainda são muito nítidos para eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações obtidas através desta pesquisa confirmaram que a dissolução conjugal, seja ela litigiosa ou não, produz inúmeras consequências na vida dos envolvidos e se agrava nos casos em que o ex-casal possui filhos. O estudo em questão utilizou-se da metodologia qualitativa e exploratória para compreender através de relatos espontâneos as experiências e perspectivas de indivíduos adultos que passaram pelo processo de separação dos pais
Objetivou-se, através disso, apresentar e descrever as memórias, sentimentos e percepções em relação aos possíveis impactos que este fenômeno produz na vida dos filhos. Portanto, nossos resultados vão de encontro aos estudos de Nascimento (2023), que evidenciam que a dissolução da conjugalidade é um evento estressor e, muitas vezes, conflituoso, que causa uma extensa e significativa mudança na estrutura familiar e em seu padrão relacional.
Para Oliveira e Crepaldi (2018) é fundamental que os ex-parceiros estabeleçam uma relação minimamente saudável em prol do bem-estar dos filhos, prezando pela comunicação esclarecedora e evitando conflitos. Quando os pais não sabem separar o relacionamento conjugal do relacionamento parental, a vivência dos filhos perante a esta nova realidade tende a ser mais dolorosa, como demonstram os resultados em questão.
Dessa maneira, foi possível visualizar de maneira clara que, a dissolução da conjugalidade envolvendo filhos é um evento extremamente delicado e doloroso. Os relatos trazidos aqui corroboram esta afirmação, visto que a maioria dos participantes evidenciou grande sofrimento diante dessa realidade, mesmo após anos do fato. Embora tenham aprendido a viver de forma diferente, nota-se que as novas configurações familiares continuam sendo algo delicado para eles, visto que em alguns casos a relação com algum dos genitores é distante ou até mesmo indiferente.
Outrossim, percebe-se que embora os conflitos diminuam com o passar do tempo, as marcas adquiridas dentro desse processo perduram por toda uma vida, haja vista que os entrevistados que passaram pela separação dos pais quando crianças ou adolescentes, demonstraram na vida adulta ter memórias significativas dos sentimentos e emoções vivenciados por eles durante o período em que a separação aconteceu.
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[1] Acadêmica de Curso de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL – Cascavel/PR. Contato: vanusagalvan@gmail.com
[2] Especialista em Relações Familiares e Intervenções Psicossociais e Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário UNIVEL – Cascavel/PR. Contato: julia.kissula@univel.br