REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10201122
Beatriz Araújo Querino¹
Gabriella de Souza Gonçalves Pinto¹
Giovanna Monteiro Vasconcelos¹
Larissa Camargo Gomes de Almeida¹
Thatiana dos Santos Melo¹
Vitória Bozolan Rabadan¹
Aline Alexandrino Antunes²
Larissa de Oliveira Passos Jesus3
RESUMO
A doença de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva ainda sem cura, sendo uma das causas mais comuns de demência, chegando a acometer 70% dos casos, em sua maioria, em idosos. Existem atualmente tratamentos medicamentosos disponíveis que ajudam a retardar e aprimorar a qualidade de vida desses pacientes. Este estudo tem como objetivo abordar o hormônio irisina como uma forma de tratamento complementar aos fármacos já existentes, mostrar como a presença desse hormônio pode aumentar a eficácia do tratamento com fármacos comercializados atualmente para o controle da doença. A irisina é um hormônio que é produzido pelo tecido muscular esquelético em resposta ao exercício físico, liberado na corrente sanguínea para exercer seus efeitos em outros tecidos do corpo, incluindo o aumento do gasto energético, regulação da glicose no sangue, redução da inflamação cerebral, melhora a função cognitiva, além de diminuir a formação de placas beta-amiloides no cérebro, que estão associadas à doença de Alzheimer. O presente estudo foi realizado por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando artigos disponibilizados nos acervos literários PubMed, Nature Medicine, Scientific Electronic Library on Line (SciELO), que visa explorar os benefícios da irisina no auxílio da prevenção e tratamento da doença de Alzheimer.
Palavras chaves: Alzheimer, atividade física, irisina, idoso, efeitos terapêuticos
ABSTRACT
Alzheimer’s disease is a progressive neurodegenerative disease that still has no cure, and is one of the most common causes of dementia, affecting 70% of cases, mostly in the elderly. There are currently available drug treatments that help delay and improve the quality of life of these patients. This study aims to address the hormone irisin as a form of complementary treatment to existing drugs, showing how the presence of this hormone can increase the effectiveness of treatment with drugs currently marketed to control the disease. Irisin is a hormone that is produced by skeletal muscle tissue in response to physical exercise, released into the bloodstream to exert its effects on other tissues, including increasing energy expenditure, regulating blood glucose, reducing brain inflammation, improves cognitive function, in addition to reducing the formation of beta-amyloid plaques in the brain, which are associated to Alzheimer’s disease. The present study was carried out through a bibliographical review, using articles available in the literary collections PubMed, Nature Medicine, Scientific Electronic Library on Line (SciELO), which aims to explore the benefits of irisin in helping to prevent and treat Alzheimer’s disease.
Keywords: Alzheimer’s, physical activity, irisin, elderly, therapeutic effects
INTRODUÇÃO
A doença de Alzheimer (DA) é um transtorno neurodegenerativo que se manifesta clinicamente por dificuldades na recordação de informações recentes, desorientação e uma perda progressiva na capacidade de realizar tarefas cotidianas ou cuidar de si mesmo. Apesar de sua origem não ser completamente compreendida, a DA acomete prevalentemente indivíduos com mais de 65 anos, especialmente em casos de histórico familiar da doença, presença de depressão, perda auditiva e tabagismo, dentre outros fatores1.
O envelhecimento é um processo natural, ocorrendo alterações fisiológicas e neurológicas, que podem afetar significativamente a qualidade de vida dos idosos. O envelhecimento normal pode vir junto de sintomas que vemos em quadros de demência comuns como o Alzheimer 2.
A DA é uma doença progressiva, cujos sintomas vêm relacionados com a perda sináptica e morte neuronal de regiões cerebrais como o córtex cerebral, o hipocampo, o córtex entorrinal e o estriado ventral. Os indícios da fase inicial da doença estão relacionados ao hipocampo, que é responsável por controlar a memória, e o córtex cerebral. Com a progressão da doença podemos encontrar sintomas cada vez mais graves como desorientação, alteração de humor, dificuldade de falar, engolir e andar 3.
É caracterizada como a principal causa de demência, que corresponde à degeneração das células nervosas causando mal funcionamento cerebral, como a perda de memória, além de algumas habilidades cognitivas e motoras, como risco de queda e perda da capacidade física, bem como distúrbios na comunicação, que interferem na independência para realizar atividades diárias3. Pacientes portadores da DA possuem algumas individualidades histopatológicas, relacionadas ao decréscimo da função sináptica e maciça perda neuronal, que implicam no acúmulo de placas amilóides, agregados a placas senis; formação de novelos neurofibrilares (NFT) que são consequência do acúmulo da proteína TAU 3.
A irisina é um hormônio que tem sido estudado como um possível agente terapêutico para o auxílio no tratamento da doença de Alzheimer. Produzida pelos músculos, surge como um fator de importância no aprimoramento da performance cognitiva, com foco em indivíduos que apresentam susceptibilidade à DA. Seus potenciais efeitos benéficos podem se estender mesmo a pacientes já diagnosticados com a doença. Sendo assim, a suplementação desse hormônio em pacientes com DA, especialmente naqueles que não são capazes de realizar atividades físicas, apresenta uma probabilidade significativa de proporcionar benefícios. Isso reafirma a importância crucial do exercício físico na prevenção da Doença de Alzheimer 4.
Embora ainda exista a necessidade da realização de muitas pesquisas, alguns estudos sugerem que a irisina pode ajudar a prevenir ou retardar a progressão da doença de Alzheimer 5.
OBJETIVOS
O presente estudo tem como objetivo geral mostrar a eficácia do hormônio irisina como recurso na prevenção da doença de Alzheimer e adjuvante aos tratamentos farmacológicos já utilizados.
Ademais, como objetivos específicos temos:
- Entender como a Doença de Alzheimer ocorre e suas principais características;
- Pontuar os principais fármacos utilizados atualmente no tratamento dos sintomas da DA e suas principais ações farmacológicas;
- Informar sobre o hormônio irisina, sua produção, como ele afeta positivamente o organismo e ajuda na prevenção da DA;
- Mostrar como a irisina pode apresentar uma ação complementar no tratamento da DA.
METODOLOGIA
Este estudo foi organizado diante de uma revisão bibliográfica, levando em pauta os efeitos da Doença de Alzheimer, a importância da irisina e seus efeitos terapêuticos na memória em pacientes diagnosticados com DA, abordando os fármacos já existentes que são utilizados para controle da doença. Sendo assim, foram selecionados artigos que abordassem a fisiopatologia, os fármacos utilizados no controle dos sintomas e estudos com dados obtidos através de testes in vivo realizados em camundongos com material genético modificado para os sintomas de DA.
A revisão bibliográfica foi desenvolvida a partir de bancos de dados atualizados que apresentam informações teóricas e científicas relacionadas ao tema. Foram consultadas as bases de dados PubMed, Nature Medicine, Scientific Electronic Library on Line (SciELO), utilizando palavras-chave: Alzheimer, atividade física, irisina, idoso, efeitos terapêuticos. Ao final da busca, foram selecionadas 24 referências bibliográficas abordando o tema conforme os objetivos pré-definidos do trabalho.
DESENVOLVIMENTO
Como já citado, os pacientes acometidos pela DA mostram uma degeneração, principalmente, de neurônios colinérgicos, ocorrendo redução da atividade da enzima colina acetiltransferase, responsável pela síntese de acetilcolina (ACh) no córtex e hipocampo, importante para o bom funcionamento do sistema nervoso, atuando na regulação da memória e aprendizado6.
Na morfologia do cérebro do idoso é relatada diminuição de tamanho e peso cerebral (Figura 1 A, B), os ventrículos e cavidades acabam ficando mais largos (Figura 1 C, D) e consequentemente regiões corticais diminuem, afetando funções cognitivas. Microscopicamente, são observadas placas senis nos espaços extracelulares, além de novelos neurofibrilares em neurônios (Figura 1 E, F) 7.
Figura 1 – Comparação entre o cérebro de um idoso portador da DA e o normal de um indivíduo da mesma idade.
Fonte: LENT, R., (2010)
Em sua histopatologia, as placas amiloides são constituídas de peptídeos Beta-Amiloides acumulados, produto do catabolismo da Proteína Precursora Amilóide (APP) pela via amiloidogênica, provocando um excesso de sua produção e/ou falha em sua eliminação. Esta proteína é codificada pelo gene localizado no cromossomo 21 em humanos, onde a isoforma APP695 se encontra mais abundante2. As placas bloqueiam as sinapses entre as células, podendo ainda ativar o sistema imunológico causando inflamações. Quando estas placas senis são formadas, podem se ligar ao ferro ou ao zinco, aumentando sua neurotoxicidade8. Outro fator marcante são os emaranhados / novelos neurofibrilares, compostos principalmente de proteína TAU hiperfosforilada, que não se ligam aos microtúbulos dos neurônios prejudicando sua estabilidade, formando filamentos que impedem o transporte de nutrientes através das células, que por fim acabam entrando em processo de morte celular2.
A DA ainda não possui cura efetiva, mas existem medicamentos no mercado com o intuito de aliviar os sintomas e retardar a progressão da patologia9.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Dentre os fármacos aprovados para o tratamento da DA, os utilizados atualmente são: Rivastigmina, Donepezil, Galantamina (Inibidores da acetilcolinesterase) e a Memantina 9.
Os fármacos ajudam a melhorar a qualidade de vida dos indivíduos acometidos pela doença, refletindo em melhor qualidade de vida para os pacientes, o que afeta também seus cuidadores. A eficácia é parcial e temporária, pois os fármacos tratam somente os sintomas e não a causa da doença. São mais efetivos em pacientes cuja DA está em fase inicial, onde não há processo de neurodegeneração 9.
Os tratamentos farmacológicos possuem uma modesta eficácia por alguns fatores, como: problemas na permeabilidade da barreira hematoencefálica na DA, idade do paciente e administração tardia 9.
INIBIDORES DA ACETILCOLINESTERASE
A enzima acetilcolinesterase (AChE) tem a função de hidrolisar o neurotransmissor acetilcolina (ACh). A ACh tem um papel importante na aprendizagem e memória, garantindo um bom funcionamento do sistema nervoso.
No sistema nervoso central (SNC) de pacientes com DA, há uma redução da ACh, e os inibidores da acetilcolinesterase aumentam os níveis dessa molécula 9.
O principal objetivo dos inibidores da AChE é evitar a reação de hidrólise do composto químico colinérgico, a acetilcolina, e elevar a concentração desse importante neurotransmissor no cérebro4. A Figura 2 demonstra como os fármacos rivastigmina, donepezil e galantamina agem na inibição da acetilcolinesterase.
Figura 2 – Biossíntese e degradação da ACh.
Fonte: Adaptado de MIN, L. S. (2022)10
RIVASTIGMINA
Esse fármaco inibe as enzimas AChE e butirilcolinesterase (BChE), que possuem papel na formação de emaranhados fibrilares e placas neuríticas, características da DA11.
Sua indicação é para pacientes com sintomas leves a moderados e sua administração pode ser feita em forma de cápsulas, solução oral e formulação de adesivos. As doses variam de acordo com cada método11.
Este fármaco possui uma boa penetração na barreira hematoencefálica (BHE), é facilmente metabolizado por hidrólise pela colinesterase e depois é excretado por via renal11.
Os efeitos colaterais incluem: vômitos, diarréia, perda de peso, tontura, tremores, convulsão, micção dolorosa, vermelhidão e sensação de desidratação 11.
DONEPEZIL
Donepezil é um inibidor reversível da AChE, aumenta a ACh no sistema nervoso e também melhora a neurotransmissão colinérgica11.
Outros benefícios que esse fármaco pode induzir é a melhora da plasticidade neuronal, redução da citocina pró-inflamatória, melhora do fluxo sanguíneo cerebral e principalmente a redução da proteína precursora amilóide e a lesão excitotóxica11.
É o fármaco considerado primeira linha para o tratamento de pacientes acometidos pela DA com sintomas leves a moderados11.
Os efeitos colaterais podem incluir: sensação de tontura, problemas respiratórios, bradicardia, micção dolorosa, convulsão, desconforto gástrico e sinais de sangramento no estômago12.
GALANTAMINA
A Galantamina é um inibidor seletivo, competitivo e reversível da AChE que atua retardando a degradação e aumentando os níveis de ACh no córtex cerebral. Também modula alostericamente os receptores nicotínicos da ACh, fazendo com que os níveis aumentem nos terminais nervosos pré-sinápticos11.
Esse fármaco também aumenta os níveis de glutamato e serotonina11. A administração é feita por via oral, o que dificulta a biodisponibilidade cerebral e também pode causar distúrbios secundários, gastrointestinais principalmente 11.
Os efeitos colaterais incluem: dor no peito, redução da micção, hematúria, problemas de fígado, sintomas de desidratação, sensação de tontura, sinais de sangramento gástrico e reação cutânea grave 12.
MEMANTINA
Ao contrário dos inibidores da AChE, esse fármaco tem como mecanismo de ação regular os níveis d0 neurotransmissor glutamato, por meio do efeito antagonista não competitivo dos receptores NMDA (N-metil-D- aspartato). O glutamato atua nas funções cerebrais de aprendizagem e memória, porém em altos níveis pode causar a morte neuronal 9.
A memantina age, por meio de um bloqueio de receptores do glutamato, na célula pós-sináptica o glutamato vai se ligar ao NMDA abrindo o canal iônico e aumentando o influxo de íons cálcio na célula neuronal 13. A Figura 3 demonstra o mecanismo de ação da memantina ativando canais de cálcio.
Figura 3 – Passagem do íon cálcio, com a abertura do canal iônico, após ligação glutamato-receptor NMDA.
. Fonte: Adaptado de REGE, S. (2022) 14
TRATAMENTOS NÃO FARMACOLÓGICOS DA DOENÇA DE ALZHEIMER
Os fármacos citados anteriormente são eficazes somente no tratamento dos sintomas, sendo necessário que haja outra abordagem com foco na prevenção, com o objetivo de reduzir o processo neurodegenerativo, fazendo com que o risco da manifestação da DA seja diminuído9.
Novas pesquisas sugerem algumas formas de prevenção, sendo elas: aumento da atividade física, alimentação saudável, treinamento cognitivo e desaceleração do declínio cognitivo, funcional e da intensidade dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência 9. Pesquisas sugerem que o hormônio irisina pode ter efeito neuroprotetor contra a doença de Alzheimer 5.
IRISINA
Após realização de atividade física, é liberado pelo tecido muscular esquelético o FNDC 5 / irisina, um hormônio que pode se ligar a receptores indeterminados na superfície de células do tecido adiposo, estimulando seu “escurecimento”, aumentando a expressão de proteína 1 de desacoplamento (UCP-1)15. A Figura 4 ilustra a formação da irisina.
Figura 4 – Representação esquemática da formação de irisina.
Fonte: Adaptado de PANATI, K. (2016) 16
Os principais tipos de UCP no cérebro são:
UCP2: Regula o metabolismo de lipídeos e consumo energético; controle da secreção de insulina; além da redução / limitação do nível de Espécies reativa de oxigênio (Reactive oxygen species – ROS) que causam estresse oxidativo sobre as células, por serem moléculas instáveis altamente reativas, causando diversos danos em mitocôndrias neurais17, que em condições fisiológicas são formadas durante processos inflamatórios ou até mesmo durante respiração aeróbica das células em pequenas quantidades 18.
UCP4: Regula principalmente a morte celular, regula o pH em astrócitos promovendo a atividade neuronal e algumas funções cognitivas; além de melhorar a sensibilidade à insulina e a oxidação de ácidos graxos 19.
UCP5: Previne a apoptose celular; regula a produção de ATP; preserva a membrana mitocondrial.
Estudos revelam que a prática regular de exercícios físicos promove saúde e bem-estar, e que, durante sua prática, surgem vantagens positivas para o sistema neurofisiológico, aprimorando as funções cognitivas, e a redução do risco de doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer, que afeta principalmente indivíduos de idade avançada. A irisina, um hormônio descoberto em 2012 e gerado principalmente nos músculos esqueléticos em resposta às contrações musculares, especialmente em exercícios aeróbicos de alta resistência, apresenta efeitos benéficos na redução de peso e controle da obesidade. Ativa a expressão de UCP-1 nas mitocôndrias do tecido adiposo, promovendo a transformação do tecido adiposo branco em tecido adiposo marrom, estimulando a termogênese e o gasto energético total. Pesquisas mostram uma ação anti-inflamatória no organismo, pois o tecido adiposo marrom é bem menos inflamatório que o branco. Também auxilia na homeostase e aumenta a captação de glicose e lipídios no sangue, favorecendo o metabolismo 20.
A regulação desse hormônio é conduzida pela proteína co-ativadora PGC-1, que atua na transcrição de vários genes. No tecido muscular, essa proteína ativa o gene FNDC5, responsável pela produção da irisina durante a contração muscular, processo induzido pelo receptor Y. O FNDC5 passa por um processo de clivagem na membrana plasmática, liberando um peptídeo de ligação à glicose que sintetiza a irisina. Esta substância, ao entrar na corrente sanguínea, estabelece uma comunicação vital entre células e tecidos 21.
As proteínas desacopladoras, conhecidas como UCPs, constituem um subgrupo das proteínas carreadoras mitocondriais localizadas na membrana mitocondrial interna. Desempenham um papel crucial na regulação de diversos processos metabólicos, proporcionando uma extensa lista de benefícios para o organismo. Destacam-se a UCP2, UCP4 e UCP5, que regulam atividades neuronais e reduzem o risco de morte celular, incluindo a de neurônios. A irisina influencia essa expressão, promovendo uma melhoria na função cerebral 19.
Além disso, com a geração da irisina há uma inibição da agregação da proteína beta-amiloide, a principal característica do Alzheimer. Isso é crucial, pois níveis elevados dessa proteína aumentam o estresse oxidativo, tornando as células mais suscetíveis à apoptose. Esse hormônio vai além da contribuição para a aptidão física e o enegrecimento da gordura, protegendo o hipocampo ao estimular a expressão de fatores neurotróficos, como o BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro). Dado que o hipocampo desempenha um papel central no aprendizado e na memória, essa ação positiva da irisina pode impedir ou atrasar o surgimento de doenças neurodegenerativas, incluindo a DA22. A Figura 5 representa as regiões do cérebro afetadas pelo Alzheimer.
Figura 5 – Diferentes regiões do cérebro, com as áreas mais afetadas pela DA destacadas em vermelho.
Fonte: FALCO, A. (2015) 23
O BDNF, uma neurotrofina, desempenha um papel crucial nas melhorias cognitivas promovidas pelo exercício físico. Envolve-se na neuroplasticidade, neurogênese, sobrevivência neuronal, sinaptogênese e cognição. Portanto, níveis baixos deste fator no sangue estão relacionados a doenças neurodegenerativas, enquanto níveis elevados foram associados ao aumento do volume do hipocampo. As neurotrofinas, uma classe de proteínas chamadas fatores de crescimento, estão diretamente envolvidas na diferenciação, proliferação e sobrevivência dos neurônios24. A Figura 6 demonstra diferenças fisiológicas entre um neurônio saudável e um neurônio acometido pela DA.
Figura 6 – Diferenças esquemáticas entre um neurônio saudável (A) e um neurônio de um paciente com DA (B).
Fonte: FALCO, A. (2015) 23
Contudo, a prática de exercício físico contribui para prevenir a doença de Alzheimer, como um recurso não medicamentoso, conforme evidenciado em estudos recentes. A combinação de exercício físico com atividades cognitivas promove proteção ao intelecto, reduzindo os sintomas característicos da doença 20.
IRISINA COMO FORMA DE PREVENÇÃO
A prática diária de exercício físico beneficia a saúde dos pacientes com DA (incluindo sua forma de acometimento precoce), sendo assim utilizada como terapia complementar, facilitando o aumento da autonomia do paciente, reduzindo a sobrecarga dos cuidadores e o risco de institucionalização precoce 20.
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) primeiramente demonstraram que a irisina se encontra em níveis consideravelmente reduzidos nos cérebros de pacientes afetados pela doença de Alzheimer, bem como nos cérebros de camundongos utilizados como modelos experimentais da doença5. A Figura 7 demonstra os experimentos realizados em camundongos para teste de memória.
Figura 7 – Testes realizados pela UFRJ em camundongos com DA.
Fonte: Adaptado de Revista O TEMPO (2019)
No estudo foi considerado que a ausência de irisina no cérebro poderia ser danosa para as sinapses, potencialmente afetando negativamente a memória 5.
Ao confirmar essa hipótese, foi constatado que a reposição dos níveis de irisina no cérebro, por meio de diferentes métodos, como exercício físico, conseguiu reverter a perda de memória nos camundongos afetados pela sintomatologia da DA. Além disso, pesquisadores observaram que a irisina desempenha o papel de responsável pelos efeitos positivos do exercício físico no cérebro e na memória dos camundongos, através de uma pesquisa liderada por Fernanda de Felice e Sérgio Ferreira, da UFRJ, juntamente com outros pesquisadores do Canadá e Estados Unidos, publicada no Nature Medicine5.
O primeiro teste foi realizado com o objetivo de verificar a perda de memória de acordo com o tempo. Os camundongos foram colocados numa caixa e tiveram a oportunidade de explorar livremente dois objetos. Depois, os animais foram retirados da caixa e um dos objetos foi substituído. Em seguida, os camundongos foram novamente inseridos na caixa para explorar os objetos.5
Enquanto os animais que não foram receberam irisina dedicavam mais tempo explorando o objeto antigo, devido à sua incapacidade de recordar que já o conheciam, os animais submetidos ao hormônio ou que realizavam atividade física readquiriam a habilidade de lembrar, da mesma forma que os camundongos comuns.5 No segundo teste, os camundongos foram inseridos em uma estrutura parecida com um labirinto aquático, com o objetivo de encontrarem uma plataforma que os auxiliavam durante a prática do exercício em questão (natação). Porém essas plataformas eram escondidas com a ajuda de pistas que tinham como intenção de “dificultarem” o percurso dos animais. Camundongos normais conseguiram lembrar suas rotas. No entanto, os animais doentes demoraram mais para encontrar a plataforma e muitas vezes não conseguiram encontrá-la.5
No terceiro teste os animais em estudo recebiam um breve estímulo de choque, após um período de 24 horas, e eram analisados os comportamentos dos camundongos, onde, os que lembravam que haviam recebido o choque permaneciam imóveis (com medo) por mais tempo, enquanto os que desenvolveram Alzheimer apresentavam um comportamento oposto.5
Ao final do estudo foi possível perceber que os camundongos tratados com a irisina, ou que haviam praticado exercício físico anteriormente, conseguiam reter a memória da mesma forma que camundongos normais5.
A IRISINA E O ALZHEIMER
O tratamento medicamentoso e a prática de atividade física desempenham papéis cruciais no manejo da doença de Alzheimer. Fármacos, como inibidores da colinesterase, podem desacelerar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida, estabilizando a função cognitiva e o comportamento. Embora não haja cura definitiva, esses fármacos desempenham um papel importante 13.
A atividade física regular é fundamental na prevenção a longo prazo. Durante o exercício, principalmente o aeróbico, como correr, nadar e andar de bicicleta, o hormônio irisina é liberado, estimulando a produção de fatores neurotróficos, promovendo o crescimento e a saúde das células nervosas no cérebro. Isso ajuda a proteger contra o declínio cognitivo e a degeneração relacionada ao Alzheimer. A atividade física também otimiza a circulação sanguínea, reduz a inflamação crônica e melhora a plasticidade neuronal 20.
No entanto, é importante ressaltar que à medida que envelhecemos, a capacidade do corpo em realizar exercícios vigorosos e de alto impacto podem diminuir. Portanto, é crucial adotar uma abordagem que leve em consideração a saúde e a história médica individual 21.
Ainda assim, a combinação da irisina, estimulada pela atividade física, com os medicamentos existentes, oferece uma abordagem abrangente e eficaz. Enquanto os medicamentos tratam os sintomas e retardam a progressão, a irisina fortalece a saúde cerebral e reduz os fatores de risco, tornando-se uma aliada valiosa na luta contra o Alzheimer 26.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doença de Alzheimer vem sendo há bastante tempo um dos problemas de saúde que mais afetam idosos por conta da maciça perda sináptica e pela morte neuronal que se observa nas regiões cerebrais que são responsáveis pelas funções cognitivas decorrentes da idade.
Em resumo, esta revisão teve como objetivo explorar a intrincada relação entre a irisina, uma miocina, e seus efeitos potenciais no contexto da doença de Alzheimer. Considerando que DA é uma patologia neurodegenerativa caracterizada por acúmulo de placas de β-amilóides e emaranhados neurofibrilares, juntamente com neuroinflamação crônica e estresse oxidativo, há uma necessidade premente de abordagens terapêuticas inovadoras.
Com a liberação da irisina por expressão do gene FNDC5, por meio do exercício físico obtemos ajuda no controle da obesidade e atuação no sistema nervoso, principalmente protegendo o hipocampo, promovendo a sobrevivência dos neurônios.
Identificamos que a irisina também induz mudanças químicas neuronais, oferecendo proteção ao cérebro contra a deterioração da capacidade de armazenar informações. Além disso, ela desempenha um papel na restauração da memória perdida durante a progressão da doença.
Os resultados aqui apresentados sugerem que a irisina, comumente associada à regulação metabólica e à biogênese mitocondrial, exerce um impacto além do sistema muscular. Demonstrou-se a influência desta miocina no sistema nervoso central por meio de vias reguladoras do processo neuroinflamatório. Além disso, a irisina exibiu propriedades antioxidantes, abordando a perspectiva crítica do estresse oxidativo no contexto da DA.
Os estudos revisados indicam que a irisina pode funcionar de maneira sinérgica com terapias farmacológicas existentes, em parte mitigando a resposta inflamatória exacerbada e a produção de espécies reativas de oxigênio. Os achados sugerem que a irisina pode ter um papel adjuvante na desaceleração do declínio cognitivo na DA.
Concluindo, é irrefutável que existem vários métodos para o controle dos sintomas da Doença de Alzheimer como a utilização dos inibidores da acetilcolinesterase, sendo eles a rivastigmina, galantamina, donepezil e memantina, mas esse estudo e outros artigos publicados atualmente comprovam a eficácia do hormônio irisina no controle dos sintomas da doença, trazendo benefícios não apenas na memória, mas também na saúde e bem estar. A continuidade das investigações nesse campo é essencial para estabelecer seu papel definitivo como agente terapêutico e seu potencial em melhorar a qualidade de vida dos pacientes que enfrentam esta doença debilitante.
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1Discente da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo / SP, Brasil
2Docente da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo / SP, Brasil
3Docente da Universidade de Ribeirão Preto, Guarujá / SP, Brasil