REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411141538
Gabriela Cunha Porto Fagundes[1]
Rodrigo dos Santos Caires[2]
João Pedro Marcelino Teixeira[3]
RESUMO
O presente estudo analisa os efeitos que o Código Civil e o Código de Processo Civil brasileiros sofreram após a influência da Lei Maria da Penha e de legislações recentes, com ênfase na lei de n.º 14.713/2023, a qual foi elaborada com o intuito de garantir a proteção e assistência às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Este trabalho tem como objetivo central investigar as interações entre a violência contra a mulher e o Direito Civil, visando compreender como as normas jurídicas, as políticas públicas e as práticas institucionais influenciam a prevenção, o enfrentamento e a proteção das vítimas de violência doméstica e familiar. Este trabalho adota uma abordagem qualitativa, sendo caracterizada como uma pesquisa exploratória. A metodologia abordada, utilizou o método dedutivo, uma vez que, parte de uma ideia mais generalista para encontrar um resultado mais específico e particular. Nesse sentido, os resultados apontam que as mudanças legislativas demonstram a evolução normativa e cultural da sociedade para assegurar maior dignidade e auxílio às mulheres que sofrem pela violência doméstica ou familiar.
Palavras-chave: lei maria da penha; violência; mulher; código civil; código de processo civil.
ABSTRACT
This study analyzes the effects that the Brazilian Civil Code and the Code of Civil Procedure suffered after the influence of the Maria da Penha Law and recent legislation, with emphasis on Law No. 14,713/2023, which was drafted with the aim of guaranteeing protection and assistance to women victims of domestic and family violence. This work has as its main objective to investigate the interactions between violence against women and Civil Law, aiming to understand how legal norms, public policies and institutional practices influence the prevention, confrontation and protection of victims of domestic and family violence. This work adopts a qualitative approach, being characterized as an exploratory research. The methodology used used the deductive method, since it starts from a more generalist idea to find a more specific and particular result. In this sense, the results indicate that legislative changes demonstrate the evolution
Keywords: lei maria da penha; violence; woman; civil code; civil procedure code.
- INTRODUÇÃO
O estudo acerca da violência doméstica e as mudanças legislativas que sofreu o Direito Civil é de fundamental importância para trazer à sociedade e principalmente às mulheres informações relativas aos tipos de violência que elas sofrem no âmbito familiar e quais são os Direitos que são adquiridos diante das circunstâncias em que vivem.
Assim, este artigo tem como propósito investigar as interações entre a violência contra a mulher e o Direito de Família, visando compreender como as normas jurídicas, as políticas públicas e as práticas institucionais influenciam a prevenção, o enfrentamento e a proteção das vítimas de violência doméstica e familiar.
Para tanto, será feita a análise da legislação brasileira relacionada à violência contra a mulher, com foco nas disposições específicas do Direito de Família e nas medidas de proteção e assistência às vítimas, bem como investigar a principal forma de violência contra a mulher no âmbito familiar e suas manifestações dentro das relações familiares e examinar a atuação do judiciário brasileiro na proteção e no acolhimento das vítimas.
Diante disso, ao compreender as interseções entre violência contra a mulher e Direito Civil, é possível desenvolver estratégias mais eficazes de prevenção e combate a esse tipo de violência. Este trabalho busca fornecer subsídios teóricos e práticos para a atuação de profissionais do Direito, assistentes sociais, psicólogos e outros agentes envolvidos na promoção da igualdade de gênero e na proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade.
Ante ao exposto, o estudo da violência contra a mulher no contexto do Direito Civil é de extrema relevância acadêmica e social, pois permite uma reflexão crítica sobre as bases normativas e institucionais que regem as relações familiares e os direitos das mulheres. Por meio desta pesquisa, busca-se contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e livre de violência de gênero.
Dessa maneira, a partir da realização de procedimento bibliográfico documental se faz necessário uma seleção crítica de materiais relevantes, a exemplo de livros, legislações e artigos científicos que abordam o tema. Utilizando-se o método dedutivo e abordagem qualitativa com intuito de expor as mudanças legislativas no Código Civil e no Código de Processo Civil de forma ampla, a partir da Lei Maria da Penha, Lei 13.894/2019 e Lei 14.713/2023, aplicando-se o objetivo exploratório.
Neste viés, diante de tantos casos que afetam as mulheres diariamente e que em muitas às vezes necessitam de proteção não somente na esfera penal, mas também no campo do Direito Civil, questiona-se a viabilidade que as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar encontrem proteção e celeridade na resolução dos conflitos no âmbito do Direito Civil.
A partir disso, este trabalho é dividido em três capítulos. O capítulo dois trata acerca da Lei Maria da Penha, informando qual a sua motivação e a destrinchando para esclarecer as principais medidas que podem ser tomadas em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher para coibi-la. O capítulo três por sua vez, aborda as principais formas de violência e em quais âmbitos elas podem se manifestar.
Por fim, no capítulo quatro serão expostas algumas alterações e os efeitos no Código Civil e Código de Processo Civil a partir da Lei Maria da Penha, sendo feita uma avaliação das mudanças recentes e uma apresentação de algumas novas propostas legislativas que envolvem o tema, além de apontar as consequências jurídicas nos dispositivos supracitados, discutindo a violência doméstica como causa de dissolução do casamento, os impactos no direito de família e a indenização por danos morais às vítimas.
2. A LEI MARIA DA PENHA E A PROTEÇÃO JURÍDICA DA MULHER: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O DIREITO
A Lei Maria da Penha surgiu como uma solução para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher após a grave ocorrência de um crime que chocou não somente a população brasileira, mas também a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil por negligenciar os casos de violência contra a mulher.
Assim, esclarece Teles (2012):
Foi a denúncia de Maria da Penha Maia Fernandes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), que resultou na condenação do Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica, que levou à revisão das políticas públicas atinentes à violência contra a mulher e, por consequência, ao surgimento da Lei 11.340/2006.
Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica brasileira que se tornou uma importante ativista na luta pelos direitos de proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar após sofrer durantes anos agressões de seu ex-marido, o qual por duas vezes tentou atentar contra a sua vida. Na primeira ocasião, o agressor forjou um assalto utilizando uma espingarda, resultando na paraplegia de Maria da Penha. Na segunda oportunidade, alguns dias após a vítima retornar para a sua residência após o crime, o agressor novamente tentou matá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto a mulher tomava banho (Barbosa; Noleto apud Dias, 2019).
O caso ganhou grande repercussão jurídica em razão da impunidade quanto à condenação do agressor, principalmente diante da escassez de legislações efetivas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, motivo pelo qual em 07 de agosto de 2006 foi sancionada pelo então Presidente da República a Lei n.º 11.340.
Ante ao exposto, a Lei n.º 11.340/2006 foi promulgada com a finalidade de criar mecanismos de prevenção e repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente de qualquer característica física, cultural, social ou econômica destas, nos termos dos artigos 1º e 2º da lei supracitada (Brasil, 2006).
Outrossim, a Lei Maria da Penha assegura às mulheres vítimas de violência a manutenção de seus direitos fundamentais, como à vida, à segurança, ao acesso à justiça e dignidade, conforme dispõe o art. 3º do dispositivo. Frisa-se que a referida lei tem sua base constitucional no art. 226, §8º da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988).
Assim, na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) de n.º 19, tendo como relator o ministro Marco Aurélio, a ministra Rosa Weber, em seu voto, esclareceu acerca da importância da Lei Maria da Penha, visto que é um marco histórico na luta dos direitos das mulheres. Vejamos:
[…] A Lei 11.340/2006, batizada em homenagem a Maria da Penha, traduz a luta das mulheres por reconhecimento, constituindo marco histórico com peso efetivo, mas também com dimensão simbólica, e que não pode ser amesquinhada, ensombrecida, desfigurada, desconsiderada. Sinaliza Mudança de compreensão em cultura e sociedade de violência que, de tão comum e aceita, se tornou invisível – “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, pacto de silêncio para o qual a mulher contribui, seja pela vergonha, seja pelo medo.
[ADC 19, rel. min. Marco Aurélio, voto da min. Rosa Weber, j. 9-2-2012, P, DJE de 29-4-2014.]
Apesar de ter sido um marco nas relações legislativas e jurídicas no Brasil, visto que a Lei Maria da Penha se tornou uma das maiores defensoras dos direitos das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, a constitucionalidade desta lei perpetua como motivo de discussões nos tribunais, em que se debate até onde ela ofende o princípio da isonomia.
Nesses moldes, para inibir a violência doméstica e familiar, não é desproporcional o uso da condição do sexo feminino como meio de diferenciação, haja vista que a mulher é a parte vulnerável quando se trata de questões relativas à violência, seja física, moral ou psicológica.
À vista do que foi exposto, a Lei Maria da Penha visa proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, dessa forma, traz no Título I, nos artigos 1º ao 4º as disposições preliminares, o qual estabelece formas para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, com base na Constituição Federal e também em tratados internacionais, objetivando que todas as mulheres tenham o direito de viver em um ambiente livre de violência, além do mais, assegura a todas as mulheres os direitos fundamentais à vida, segurança, educação, saúde, moradia, liberdade e dignidade (Brasil, 2006).
Quanto ao Título II, da violência doméstica e familiar contra a mulher, o capítulo I expõe as disposições gerais, elencadas nos artigos 5º e 6º, definindo como violência doméstica e familiar contra a mulher toda ação ou omissão que se baseie no gênero e lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial. Podendo ocorrer no âmbito doméstico, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Sendo a violência contra a mulher uma forma de violação dos direitos humanos (Brasil, 2006).
O capítulo II, artigo 7º, por sua vez, elenca as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (Brasil, 2006).
O título III elucida quais os meios utilizados para garantir a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para tanto, é dividido em três capítulos, os quais demonstram respectivamente as medidas integradas de prevenção, a assistência à mulher e o atendimento pela autoridade policial (Brasil, 2006).
O capítulo I é composto pelo art. 8º e seus incisos, determinando que a política pública para reduzir a violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser efetivada com a partição de todos os entes federativos, seja por meio da integração do poder judiciário com as áreas de segurança pública ou por meio do incentivo a estudos e pesquisas, promoção de campanhas educativas, entre outros (Brasil, 2006).
Ademais, o capítulo II é constituído pelo art. 9º e determina a prioridade que deve ser destinada para a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, devendo esta ter caráter prioritário em atendimentos voltados à saúde e segurança. Os parágrafos deste artigo elucidam ainda os benefícios que devem ser destinados a essas mulheres, como por exemplo, serviços de contracepção (Brasil, 2006).
O capítulo III abrange do art. 10 ao art. 12-C e discorre acerca do atendimento que as autoridades policiais prestam às vítimas de violência doméstica e familiar, o qual deve ser imediato e prezar sempre pela proteção da mulher, sendo esta acolhida preferencialmente por servidoras do sexo feminino e não forçada à revitimização. Este capítulo destrincha ainda qual o procedimento a ser seguido na oitiva de testemunhas e as providências que a polícia deve seguir após receber uma denúncia (Brasil, 2006).
O título IV é dividido em quatro capítulos e aborda os procedimentos atinentes a violência contra a mulher, abordando as disposições gerais, as medidas protetivas de urgência, a atuação do ministério público e a assistência judiciária (Brasil, 2006).
Quanto ao capítulo I, os artigos 13 ao 17, estabelece o uso do Código de Processo Penal e Civil nos casos de violência doméstica, além de estabelecer a competência jurisdicional aos Juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, podendo os atos processuais serem realizados também em horário noturno, bem como, a vítima pode propor a ação de divórcio ou dissolução de união estável no próprio Juizado, com exclusão de disputas patrimoniais. Dispõe também acerca da renúncia da representação penal, que só pode ser feita em audiência com finalidade própria e com a presença do ministério público, além de proibir a substituição da pena por prestação pecuniária (Brasil, 2006) .
O capítulo II, é subdividido em quatro seções e discorre acerca das medidas protetivas de urgência. Nesses moldes, a seção I, compreendida nos artigos 18 ao 21, aborda as disposições gerais, estabelecendo que o juiz deve se manifestar acerca das medidas protetivas no prazo de 48 horas, além de permitir que sejam concedidas imediatamente sem audiência prévia, autoriza a decretação da prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito ou processo e assegura que a vítima seja informada sobre os atos processuais relativos ao agressor, principalmente quando a informação for acerca da prisão ou liberação do autor (Brasil, 2006).
A seção II, compreende o artigo 22, que discorre sobre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, estabelecendo que ao constatar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher o magistrado pode impor, diversas medidas protetivas ao agressor, podendo ser aplicadas isoladamente ou em conjunto. A seção III, por sua vez contém os artigos 23 e 24, e determina as medidas protetivas de urgência à ofendida, autorizando o Juiz a tomar medidas para proteger a vítima e seus dependentes. (Brasil, 2006)
A seção IV, no artigo 24-A, traz a hipótese do crime de descumprimento das medidas protetivas de urgência, com uma pena de reclusão de 02 a 05 anos e independe da competência civil ou criminal do juiz, além do mais, somente a autoridade judicial pode conceder fiança, quando há uma prisão em flagrante (Brasil, 2006).
Os capítulos III e IV exibem a atuação do Ministério Público (MP) e da assistência judiciária, seja aos serviços de advogado ou da defensoria pública, entre os arts. 25 e 28 da Lei n.º 11.340/2006, detalhando as atribuições destes órgãos, mediante atendimento específico e humanizado em prol das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (Brasil, 2006).
Por fim, os títulos V, VI e VII da Lei Maria da Penha, contemplam os arts. 29 a 46, e esclarecem que a equipe de atendimento multidisciplinar será formada por profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde e quais as competências a eles atribuídas. Tratam também de disposições transitórias e finais, principalmente para determinar a adaptação dos órgãos assistenciais destinados a prestar assistência às mulheres vítimas de violência e a sua competência funcional e jurídica (Brasil, 2006).
Ante ao exposto, a partir das disposições da Lei Maria da Penha, o presente estudo busca esclarecer os efeitos que o Código Civil e o Código de Processo Civil sofreram a partir da Lei n.º 11.340/2006. Contudo, a priori serão analisados os âmbitos e as formas de violência doméstica e familiar, dada a sua importância para a compreensão das noções gerais nas quais essas mulheres podem ser inseridas.
3 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTEXTO FAMILIAR: ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS
A violência doméstica e familiar contra a mulher toma grande proporção, ao passo que a população brasileira vive em uma sociedade tomada pelo machismo estrutural, que gera consequências negativas às mulheres, colocando-as em situações de vulnerabilidade, acarretando diversos tipos de violência. Assim, Dias (2021, p 146) esclarece que “Sempre que se fala em mulher, impositivo render homenagem ao movimento feminista. Apesar de ridicularizado pelos homens, ao seguiu o que todas as mulheres sempre ansiavam: a liberdade e a igualdade”
Dessa forma, partindo da Constituição Federal em seu artigo 226, §8º que visa garantir a assistência e mecanismos que coíbem a violência contra a mulher na esfera familiar, alterando dispositivos do Código de Processo Civil e Código Civil, garantindo às mulheres que as suas vidas sejam respeitadas. Nesse sentido, Dias (2021, p. 155), destaca que:
Para dar cumprimento ao comando constitucional que impõe a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (CR 226 § 8.º), a chamada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, visando assegurar sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial.
Assim, a Lei Maria da Penha enquadra os âmbitos em que a violência doméstica e familiar se configura, quais sejam, o âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto.
Ademais, é necessário expor também o que elenca o artigo 2º, alínea “a” da Convenção de Belém do Pará, que compreende que a violência contra a mulher é entendida como toda violência que ocorre dentro da família ou na unidade doméstica, tornando-se irrelevante o fato do agressor ter convivido ou não na mesma residência com a vítima
Artigo 2º. Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
Diante dessa perspectiva, os autores Sanches e Pinto (2023, p. 72) discorrem acerca da violência na esfera da unidade doméstica, a qual é compreendia como sendo aquela “praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança (insere-se, na hipótese, a agressão do patrão em face da funcionária doméstica)”.
A vista disso, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (2011, p. 11) demonstra:
Enquanto os homens tendem a ser vítimas de uma violência predominantemente praticada no espaço público, as mulheres sofrem cotidianamente com um fenômeno que se manifesta dentro de seus próprios lares, na grande parte das vezes praticado por seus companheiros e familiares.
Para mais, Sanches e Pinto (2023, p. 75) complementam a respeito da violência doméstica no contexto da família, de modo que é aquela “praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo ser conjugal, em razão de parentesco (em linha reta e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção)”.
Nessa perspectiva, a Súmula 600 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispõe que não se exige coabitação entre as partes envolvidas para que se configure a violência doméstica: “para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”.
Outrossim, o Enunciado 2 do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), reafirma o disposto na súmula supracitada, ao dispor que “inexistindo coabitação ou vínculo de afeto entre agressor(a) e ofendida, deve ser observado o limite de parentesco estabelecido pelos artigos 1.591 a 1.595 do Código Civil, quando a invocação da proteção conferida pela Lei 11.340/2006 decorrer exclusivamente das relações de parentesco” (Brasil, 2021).
Assim, Sanches e Pinto (2023) esclarecem que a violência em qualquer relação íntima de afeto ocorre quando o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, sem que necessariamente residam no mesmo domicílio.
Ante ao exposto, a mulher vítima de violência doméstica e familiar é compreendida no espaço familiar e independe de coabitação, podendo também ser vítima, a empregada doméstica, assim para o STJ, existindo relação hierárquica e de hipossuficiência entre a vítima e o autor, configura a aplicação do que dispõe a Lei Maria da Penha.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ASSÉDIO SEXUAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME COMETIDO CONTRA EMPREGADA DOMÉSTICA. CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE COMPROVADA. COABITAÇÃO ENTRE AGRESSOR E VÍTIMA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. REQUISITOS ATENDIDOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESPECIALIZADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de revisão criminal. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. A Lei Maria da Penha dispõe que a violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. O inciso I do art. 5º estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher estará configurada quando praticada no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. 3. Neste caso, o suposto agressor e a vítima partilhavam, em caráter diário e permanente, a unidade doméstica onde os fatos teriam ocorrido. Além disso, há inegável relação hierárquica e hipossuficiência entre a vítima e o suposto agressor, o que enseja a aplicação do art. 5º, inciso I, da Lei n. 11.340/2003. 4. Eventual acolhimento da tese de falta de motivação de gênero depende de exame aprofundado de fatos e provas, providência não comportada pelos estreitos limites cognitivos do habeas corpus. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 500.314/PE, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 1º/7/2019)
À vista disso, é evidente que a Lei Maria da Penha assegura às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar a possibilidade de buscar mecanismos para coibir os atos de violência que são praticados contra elas, abrangendo tanto o âmbito da unidade doméstica quanto das relações íntimas e familiares, não necessitando de coabitação entre o agressor e a vítima.
3.2 FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A Lei Maria da Penha elenca no artigo 7º quais as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, distribuindo estas em cinco modalidades, sendo elas: a violência física, violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral.
Nessa perspectiva, a Secretaria de Política para as mulheres (2011, p. 11) esclarece que “a violência contra as mulheres se constitui em uma das principais formas de violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física.”
Nos termos do artigo 5º da Lei 11340/2006, a violência doméstica contra mulher pode ser compreendida como:
Art.5º – Para efeitos dessa lei, configura violência doméstica e familiar contra mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, social ou psicológico e dano moral ou patrimonial (Brasil, 2006).
Logo, a violência física é tipificada no Art. 7º, inciso I da Lei Maria da Penha é compreendida como toda “conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal” (Brasil, 2006).
Já o inciso II determina a violência psicológica. Vejamos:
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
A violência sexual, conforme o inciso III, é classificada como qualquer ação que obrigue a mulher a manter ou participar de uma relação sexual indesejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso de força. Outrossim, também é caracterizada pela conduta que impeça a vítima de exercer seus direitos sexuais e reprodutivos (Brasil, 2006).
Sob tal concepção, esse tipo de violência enquadra qualquer atitude em que o homem obrigue a mulher a ter relações sexuais contra a sua vontade, através de violência física ou grave ameaça, abrangendo especialmente o “estupro marital”, que ocorre no seio familiar e é marcado principalmente pelo machismo estrutural.
Além do mais, ocorre também quando a mulher é impedida de utilizar métodos contraceptivos ou a força a engravidar e até mesmo coagir a vítima a manter ou interromper gravidez contra a sua vontade.
Segundo o inciso IV, a violência patrimonial é aquela em que o agressor busca controlar ou limitar a autonomia financeira da mulher, impedindo que esta consiga se sustentar de forma independente.
IV – A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
Esse tipo de violência inclui, por exemplo, o controle do dinheiro ou acesso aos bens da mulher, ou impede que ela trabalhe.
Por fim, no inciso V, a Lei Maria da Penha discorre acerca da violência moral, a caracterizando como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, crimes elencados no Código Penal que ofendem a honra e reputação dos indivíduos.
Outrossim, é importante ressaltar a existência do crime de feminicídio, tipo penal que está disposto no art. 121-A do Código Penal, sendo definido como o assassinato de uma mulher em razão de seu gênero. Esse crime reflete a brutalidade gerada pela desigualdade de gênero e pela cultura machista enraizada na sociedade, resultando em mais uma forma de violência contra a mulher, nesse sentido, Dias (2021. p 153) esclarece que elas não são vítimas somente da violência física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial. É terrível o número de mortes de mulheres levadas a efeito por seus pares ou ex-parceiros.
4. IMPACTOS DA LEI MARIA DA PENHA NO DIREITO CIVIL E NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
4.1 AVALIAÇÃO DAS MUDANÇAS RECENTES
A Lei Maria da Penha é considerada um grande avanço na legislação brasileira para proteger os direitos das mulheres, tendo em vista que se tornou um dispositivo que atua na prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, na sua segurança e na sua dignidade. Ademais, a referida lei atribui uma função específica e importante ao Poder Judiciário em casos cíveis e criminais relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme esclarece Messa e Calheiros (2023, p. 102).
Diante do exposto, a Lei 11.340/2006 estabelece vários mecanismos legais e institucionais para a proteção não apenas imediata das mulheres que se encontram na relação de violência, como também promovendo políticas de assistência e prevenção, conforme se verifica no rol trazido pelo seu art. 9º, destrinchado por Messa e Calheiros (2023, p. 102):
- Inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal (§ 1º);
- Acesso prioritário à remoção quando servidora pública (§ 2º, I);
- Manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses (§ 2º, II);
- Encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente. (§2º, III)
Nesse sentido, não restam dúvidas de que a aplicação da Lei Maria da Penha não é restritiva, visto que expande seus preceitos à diversas áreas do direito brasileiro trazendo, recentemente, reflexos no Código Civil e Código de Processo Civil, os quais tiveram suas redações alteradas a partir da Lei n.º 14.713/2023, dispositivo que encontra amparo na Lei 11.340/2006, visto que dispõe acerca de situações que envolvam violência doméstica ou familiar.
Historicamente, o Direito Civil brasileiro sempre teve caráter patriarcal, tendo em vista que, desde o Código Civil de 1916, refletia uma sociedade em que as mulheres eram frequentemente vistas como subordinadas aos homens. Com o avanço das lutas sociais e a busca por igualdade de gênero, o Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações, como a igualdade entre cônjuges.
A partir de então, o atual Código Civil brasileiro tem sofrido alterações com intuito de garantir a dignidade de todos os indivíduos, inclusive a mulher vítima de violência doméstica ou familiar.
A Lei nº 13.715/2018 modificou a norma supracitada ao tratar sobre hipóteses de perda do poder familiar, incluindo o art. 1.638, parágrafo único, inciso I, alínea “a”, o qual dispõe que a perderá o poder familiar o pai ou mãe que praticar crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O objetivo é proteger a parte afetada e garantir sua segurança e dignidade, facilitando o processo de separação em situações de abuso (Brasil, 2018).
Outrossim, recentemente a Lei n.º 14.713/2023 alterou o Código Civil (CC) e o Código de Processo Civil (CPC) brasileiros. No Código Civil, o §2º do art. 1.584 teve sua redação modificada para estabelecer o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, a fim assegurar que a violência não afete a decisão sobre a guarda, priorizando a segurança e o bem-estar das crianças envolvidas (Brasil, 2023).
Os pais, como detentores do poder familiar, têm o direito de manter os filhos menores sob sua guarda, pois assim podem direcionar a formação e a educação de sua prole em toda a sua amplitude (Madaleno, p. 271). Na eventual dissolução do vínculo conjugal por meio do divórcio não consensual, em que não há acordo entre os genitores, e ainda houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar, será aplicada a guarda unilateral (Brasil, 2023).
Já no Código de Processo Civil, houve acréscimo do art. 699-A, o qual foi criado para impor ao juiz o dever de indagar previamente o Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam o casal ou os filhos. Assim, Dias (2021, p.120) aponta:
Em sede de violência doméstica, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) determina a participação do Ministério Público tanto nas ações cíveis como nas criminais (LMP 25). Atua como parte, na condição de substituto processual (LMP 19, §3.º e 37) e como fiscal da lei (LMP 25 e 26 II).
O art. 699-A do CPC demonstra certo protagonismo dos magistrados e o quanto eles estão envolvidos com as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, assumindo papel de extrema importância para efetivar a prevenção, a assistência, a garantia de direitos e a repressão da violência doméstica e familiar (Messa e Calheiros, 2023).
Outrossim, pretende-se por meio da inovação do art. 699-A do CPC determinar que a intervenção obrigatória do Ministério Público tipificada pela Lei 13.394/2019 nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar seja efetivada, ante o incontroverso fato de que violência doméstica e familiar é praticada mediante diversas formas, como agressão patrimonial, não se restringindo necessariamente à física, cuja circunstância termina convocando a intervenção do Ministério Público, ainda que se trate de direitos disponíveis (Madaleno, p. 267).
É notório que a Lei Maria da Penha inova ao buscar uma mudança não apenas legislativa, mas também cultural, sensibilizando a sociedade sobre a questão da violência de gênero e da importância de prestar assistência à mulher vítima.
4.2 NOVAS PROPOSTAS LEGISLATIVAS
A Lei Maria da Penha visa, além de proteger as mulheres de sofrerem qualquer forma de violência, promover uma transformação social que permita a igualdade de gênero e o respeito aos direitos humanos, além de uma cultura não-sexista e antidiscriminatória. Para tanto, a efetividade de tal lei depende da mobilização do sistema de Justiça, dos poderes instituídos e de toda a Sociedade, para desta forma construir ambientes seguros que respeitam todas as mulheres (Bohana e Santos, 2024).
Diante disso, a todo momento novas propostas legislativas são apresentadas pelos legisladores brasileiros que, ao analisarem os problemas que a sociedade atualmente enfrenta, como a violência doméstica e familiar contra a mulher e a sua manutenção, buscam criar, modificar ou revogar normas jurídicas para atender o melhor interesse do povo.
Por isso, projetos de lei são apresentados perante as casas legislativas, principalmente para incluir novas disposições que visam a efetivação da segurança e dignidade de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. O rol exemplificativo de projetos de lei a seguir expostos são criados com o intuito de complementar tanto a legislação cível quanto criminal:
- PL 977/2024: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para impedir a prestação de alimentos ou a partilha de bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, em favor do cônjuge ou companheiro agressor;
- PL 5705/2023: Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para instituir o apoio psicológico entre as medidas de amparo à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
- PL 3880/2024: Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para incluir a violência vicária dentre as definições de violência doméstica e familiar contra a mulher de que trata o respectivo art. 7º;
- PL 996, de 2023: Altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, para garantir o abastecimento de cestas básicas à rede de acolhimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar;
- PL 1168/2024: Altera o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal –, para tornar inafiançável o crime de lesões corporais praticado em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher.
As novas propostas legislativas revelam um esforço contínuo para garantir a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. Percebe-se, desta forma, que a Lei Maria da Penha é uma grande referência na luta pela igualdade de gênero e direitos das mulheres, tornando-se um pilar para novos projetos que buscam fortalecer a legislação existente e salvaguardar recursos essenciais para a manutenção da dignidade das vítimas.
Ante ao exposto, constata-se que a transformação social que a Lei Maria da Penha busca depende, portanto, da perpetuação de novas propostas legislativas e da conscientização coletiva sobre a importância de erradicar a violência doméstica e familiar.
4.3 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS NO DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL
4.3.1 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO CAUSA DE DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
Como consequência da grande quantidade de casos de violência familiar contra a mulher que assola o nosso país, a legislação precisou ser adepta a realidade atual, criando mecanismos para auxiliar as mulheres que vivem em ambientes marcados pela violência.
Grande parte dessas mulheres estão inseridas em relacionamentos matrimoniais, necessitando de instrumentos que tornem o processo de divórcio mais célere, permitindo, assim, que elas possam sair da situação de violência com mais rapidez e segurança.
Nesse diapasão, a Lei 13.394/2019, alterou o artigo 1048 do Código de Processo Civil, garantindo prioridade na tramitação dos processos judiciais em que figure como parte a mulher vítima de violência doméstica, nos moldes da Lei Maria da Penha.
Para além disso, a Lei Maria da Penha criou formas de tornar o processo de divórcio mais rápido, quando existe o contexto de violência familiar. Assim, o artigo 14 e 14-A da referida lei, traz a possibilidade de a vítima propor a ação de divórcio ou de dissolução de união estável, no juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando o processo mais ágil (Brasil, 2006).
Também é válido destacar que para que seja de competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar contra a mulher, nas ações de natureza cível, principalmente quando relacionadas ao Direito de Família, é essencial que a ação tenha como causa a prática de violência contra a mulher, no âmbito familiar. Não restringindo somente às medidas protetivas de urgência, contudo, necessita que a situação de violência seja atual no momento do ajuizamento da ação. Caso contrário, a competência das varas especializadas, podem ser banalizadas.
Ademais, em sede de Recurso Especial em ação de divórcio, o STJ entendeu que a extinção da medida protetiva de urgência não é relevante para alterar a competência, determinando que o caso continue tramitando na vara especializada. Vejamos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA À MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). 1. COMPETÊNCIA HÍBRIDA E CUMULATIVA (CRIMINAL E CIVIL) DO “JUIZADO” ESPECIALIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AÇÃO CIVIL ADVINDA DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO E MORAL SUPORTADO PELA MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E DOMÉSTICO. 2. POSTERIOR EXTINÇÃO DA MEDIDA PROTETIVA. IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DE MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 preconiza a competência cumulativa (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento e execução das causas advindas do constrangimento físico ou moral suportado pela mulher no âmbito doméstico e familiar.
1.1 A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.
1.2. Para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), imprescindível que a correlata ação decorra (tenha por fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, por conseguinte, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Tem-se, por relevante, ainda, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas.
2. Na espécie, a ação de divórcio foi promovida em 16/6/2013, em meio à plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante se encontrava submetida, a ensejar a pretensão de dissolução do casamento. Por consectário, a posterior extinção daquela (em 8/10/2013), decorrente de acordo entabulado entre as partes, homologado pelo respectivo Juízo, afigura-se irrelevante para o efeito de se modificar a competência.
3. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.496.030/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/10/2015, DJe de 19/10/2015.)
Logo, a decisão do STJ reafirma a competência híbrida descrita no artigo 14 da Lei Maria da Penha, acerca das Varas especializadas, que julgam e processam as ações cíveis que são decorrentes de violência doméstica, abrangendo os casos de divórcio, tornando todo o processo mais ágil (Brasil, 2006).
Para Dias (2021, p. 157), a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi uma decisão acertada do legislador, considerando os vários benefícios que esses juizados proporcionam às mulheres.
Certamente o maior de todos os avanços foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDEM), com competência cível e criminal (LMP 14). Para a plena aplicação da lei, o ideal seria que todas as comarcas instalassem um JVDEM. O juiz, o promotor, o defensor e os servidores devem ser capacitados para atuar nesses juizados, que precisam contar com equipe de atendimento multidisciplinar, integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde (LMP 29), além de curadorias e serviço de assistência judiciária (LMP 34).
É válido registrar que nas comarcas que não possuem varas especializadas, as varas criminais acumularão as competências civis e criminais, para conhecer e julgar as causas derivadas da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme elenca o artigo 33, da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006).
4.3.2 IMPACTOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
Os direitos conquistados pelas mulheres ao longo dos anos foram essenciais para garantir sua proteção e dos seus filhos. Assim, as medidas protetivas de urgência, pensão alimentícia e guarda dos filhos têm um papel fundamental na redução do sofrimento enfrentado por essas mulheres com o objetivo claro de criar um ambiente livre de violência e seguro.
Sob esse olhar, os artigos 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha tratam as medidas protetivas de urgência como consequências diretas no Direito de Família, sobretudo em casos de violência doméstica (Brasil, 2006).
Assim, esclarece Madaleno (2020, p. 314 e 315):
Dentre o conjunto de medidas protetivas de urgência na defesa da mulher vítima de agressão doméstica, consta do inciso II do artigo 22 o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, consistente no alheamento do ofensor do local onde ele convivia com a vítima de sua agressão, com o evidente propósito de prevenir novas ofensas físicas, verbais, morais ou materiais e garantir a segurança da pessoa agredida.
Logo, afastar o agressor da residência é uma medida crucial para o enfrentamento a violência doméstica, com a clara intenção de cessar as agressões.
Assim, o artigo 23 da lei supramencionada reforça o argumento sobre o afastamento do agressor do lar, além de limitar o contato do agressor com a vítima, o artigo 24 por sua vez, permite que o juiz imponha obrigações em relação à suspensão de visitas do agressor com os filhos (Brasil, 2006).
Nesse sentido, as medidas trazidas no rol dos artigos supracitados, têm um impacto direto nas questões relativas à guarda, visitas e pensão alimentícia com o intuito de colocar a mulher em um espaço de prioridade, diante das situações de violência, objetivando promover segurança e estabilidade familiar durante o processo judicial.
Além do mais, pode haver a fixação de alimentos entre o agressor e a vítima, conforme prever o artigo 1.702 do Código Civil, o que estabelece que, após o divórcio, existe a possibilidade de prestar alimentos, com base no princípio da proporcionalidade, ou seja, a necessidade de quem precisa e a capacidade de quem deve prestar.
Logo, no contexto de violência doméstica e familiar, o direito de prestar alimentos tem grande importância, visto que por várias vezes a vítima enfrenta diversos tipos de violência tanto físicos e psicológicos além da situação de dependência econômica, por isso, ao fixar alimentos às vítimas de violência, lhes garante meios de subsistência e preserva a dignidade enquanto pessoa humana.
Assim, o Tribunal de Justiça da Bahia, em sede de Agravo de Instrumento, decidiu pela fixação de alimentos provisórios, para a vítima de violência doméstica e familiar, considerando o princípio da proporcionalidade. Vejamos:
Agravo de Instrumento em Medida Protetiva de Urgência fundada em violência doméstica e familiar. Lei Federal nº 11.340/2006. Por versarem sobre a mesma matéria, julga-se o presente agravo de instrumento em conjunto com os agravos de n.º 8011639-34.2018.8.05.0000, 8016275-43.2018.8.05.0000 e 8007274-34.2018.8.05.0000. A fixação de alimentos deve-se levar em consideração as condições tanto do alimentante quanto da alimentanda, que se traduz no binômio necessidade-possibilidade. O Juízo a quo, reduziu os alimentos provisionais, fixados para a Agravada, de R$ 8.000,00 (oito mil reais), para R$ 3.000,00 (três mil reais). Em face da interposição do Agravo de Instrumento nº 8011639-34.2018.8.05.0000, pela ora Agravada, os alimentos provisórios foram fixados no montante correspondente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que se mostra suficiente, adequado e proporcional para este momento processual, de modo a atender às necessidades da alimentanda, com base no conjunto fático probatório e em atenção às peculiaridades apresentadas. O Agravado que não se desincumbiu, nessa fase processual, do ônus de comprovar sua impossibilidade financeira de arcar com o quantum realinhado. Os alimentos provisionais fixados como medida protetiva possuem caráter de urgência, são concedidos no curso da lide e devem valer até que cesse a situação de violência doméstica e familiar relatada nos autos. Portanto, considerando, ainda, a natureza da lide originária e a necessidade de garantir a dignidade e a segurança da Agravada, então ofendida, as medidas protetivas devem ter validade enquanto perdurar a situação de violência doméstica e familiar relatada nos autos, circunstância que mantém a competência do juízo de origem para processar e julgar o feito até que sobrevenha decisão fundamentada sobre a cessação da violência. Ressalte-se, por relevante, que os alimentos provisórios fixados nos autos da Ação de Alimentos, para os filhos menores, possuem natureza jurídica, bem como, beneficiários diversos, assim, não há que se falar em revogação dos alimentos em favor da Agravada. A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do recurso. Agravo de Instrumento improvido. (Classe: Agravo de Instrumento, Número do Processo: 0025015-97.2016.8.05.0000, Relator(a): JOSE CICERO LANDIN NETO, Publicado em: 24/09/2019).
Quanto a guarda dos filhos menores, Madaleno (2024, p. 386) esclarece que a guarda é atributo do poder familiar, e se refere à convivência propriamente dita, constituído do direito de conviver com o filho menor ou incapaz na mesma habitação, com o correlato dever de assumir a responsabilidade direta de velar pelos interesses do filho.
Diante de tantos casos que envolvem violência doméstica e familiar no Brasil, o legislador também se preocupou em atender os interesses das crianças e adolescentes, que também são vítimas, tendo em vista que, a vivência em um ambiente violento, tem o potencial de causar danos irreparáveis ao desenvolvimento desses menores.
Nesses moldes, o artigo 1.634 do Código Civil, afirma que é dever dos pais exercerem o pleno exercício do poder familiar dos filhos, contudo, em casos de violência doméstica e familiar, este dever pode ser retirado, com o objetivo de preservar o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente.
Nessa perspectiva, a Lei n.º 13.715/2018, trouxe alterações no Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, provocando novas formas de perda do poder familiar por ato judicial, a exemplo do artigo 4º, parágrafo único, inciso I, alínea “a” e inciso II, alínea “a”:
Art. 4º O art. 1.638 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:
I – Praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
[…]
II – Praticar contra filho, filha ou outro descendente:
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;
Assim, é evidente que as medidas protetivas de urgência, afastamento do agressor do lar, a fixação de pensão alimentícia e guarda dos filhos, impactam diretamente na proteção da mulher e dos seus filhos, onde existem medidas que são fundamentais para garantir a segurança e dignidade da mulher vítima de violência doméstica, bem como, assegurar um ambiente adequado para desenvolvimento saudável dos seus filhos.
4.3.3 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS PARA AS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, é possível a reparação dos danos morais, desde que haja um pedido expresso da parte ofendida ou da acusação. Nesse sentido, o tema repetitivo 983 do STJ trata da reparação de natureza cível no momento da prolação da sentença condenatória em casos de violência cometida contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, garantindo a indenização por dano moral. Conforme pode ser observado a seguir:
RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça – sob a influência dos princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e das liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), e em razão da determinação de que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º) – tem avançado na maximização dos princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso ordenamento com a Lei nº 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica no reproche à violência doméstica e familiar contra a mulher, como deixam claro os verbetes sumulares n. 542, 588, 589 e 600. 2. Refutar, com veemência, a violência contra as mulheres implica defender sua liberdade (para amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou atenuem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher.
3. A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da vítima, particularmente a mulher, no processo penal. 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano – o material e o moral -, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa.
5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio.
6. No âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único – o criminal – possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada.
7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa.
8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos.
9. O que se há de exigir como prova, mediante o respeito ao devido processo penal, de que são expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa – sob a regra, derivada da presunção de inocência, de que o ônus probandi é integralmente do órgão de acusação -, porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
10. Recurso especial provido para restabelecer a indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência doméstica.
TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
(REsp n. 1.675.874/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018.)
Segundo Madaleno (2024, p 295, apud Marmitt),
na área jurídico-familiar a dinâmica da vida leva a constantes ataques de um cônjuge contra o outro, que agravam ainda mais as relações já deterioradas. O esposo ou convivente que espanca, lesiona e mutila a esposa ou companheira prática repulsivo dano moral. (…) Semelhantes acusações, com o objetivo único de ofender e ferir, extrapolam da normalidade e levam a indenizar por dano moral.
Assim, o direito a indenização por danos morais é uma importante ferramenta de justiça para as mulheres, sendo reforçada pelo tema repetitivo 983 do STJ, onde existe a necessidade nos casos de violência cometida no âmbito doméstico e familiar, seja reconhecida a reparação moral, independentemente da produção de provas específicas para comprovação de danos psíquicos ou emocionais.
Portanto, a fixação de um valor indenizatório mínimo, quando requerido expressamente, é uma medida que busca não só compensar a vítima, mas também atenuar os sofrimentos decorrentes da violência sofrida, respeitando a dignidade da mulher e combatendo sua revitimização.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 2006, com intuito de proteger as mulheres contra a violência doméstica e familiar, estabelecendo direitos e medidas de proteção às vítimas. A referida lei conceitua cinco tipos de violência, quais sejam, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, além do mais estabelece que o poder público deve garantir a assistência prioritária à saúde, segurança e dignidade das vítimas.
A Constituição da República Federativa do Brasil e a Lei Maria da Penha estabelecem mecanismos de proteção à mulher, abrangendo a ocorrência da violência em âmbitos doméstico, familiar e em relações íntimas de afeto, sem necessidade de coabitação entre agressor e vítima.
Outrossim, este trabalho aborda os aspectos jurídicos e sociais da violência contra a mulher no contexto familiar, destacando o impacto do machismo estrutural e a vulnerabilidade feminina.
Ante a análise das legislações pertinentes, especialmente a Lei Maria da Penha e as recentes alterações introduzidas no Código Civil e no Código de Processo Civil a partir das leis n.º 13.715/2018, 13.394/2019 e 14.713/2023, é possível notar um importante avanço nas políticas de proteção a dignidade das mulheres, corroborando com o compromisso de uma sociedade mais justa e igualitária.
As reflexões feitas ao longo do artigo, mostram que apesar dos grandes avanços legislativos a aplicação de forma prática das leis ainda enfrenta desafios, deixando claro, que é necessária uma atuação conjunta entre a justiça e a sociedade civil, para garantir que as vítimas tenham acesso aos mecanismos de proteção e todo o suporte necessário.
Além do mais, a pesquisa demonstra que a violência doméstica não se limita a um caso isolado, pois está extremamente enraizada nas questões sociais e culturais que mantêm a desigualdade de gênero. Por isso, é vital que as estratégias de combate à violência sejam acompanhadas de campanhas de conscientização e educação, com o intuito de transformar os comportamentos machistas.
Diante dos fatos expostos, conclui-se que o presente trabalho sobre a violência doméstica e as suas implicações no Direito Civil brasileiro mostra a urgência e a importância de compreender as intersecções entre a proteção legal e a realidade enfrentada pelas mulheres vítimas de violência.
Logo, este trabalho não apenas contribui para o entendimento das mudanças legislativas no contexto do Direito Civil, mas também oferece subsídios para a atuação de profissionais que lidam com a temática da violência de gênero. Desta forma, a busca por um ambiente seguro e respeitoso para todas as mulheres deve ser uma prioridade, assim como a continuidade das discussões e ações em torno deste tema é essencial para a erradicação da violência doméstica e a promoção da igualdade de direitos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Lei nº 13.894, de 29 de outubro de 2019.. Brasília, DF. 29 out. 2019. Disponível em: L13894 (planalto.gov.br). Acesso em: 23 out. 2024.
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[1] Graduanda no curso de direito da FAINOR.
[2] Graduando no curso de direito da FAINOR.
[3] Mestre em Direito pela UniFG, especialista em Relações Sociais e Novos Direitos pela UESB, professor de cursos de graduação e pós-graduação.