OS EFEITOS DO ABANDONO AFETIVO SOB O PRISMA DA PSICOLOGIA JURÍDICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7482516


Édila Dantas Cavalcante1
Cristiane de Farias Alves2


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo a discussão a respeito do abandono afetivo parental e suas consequências sob o prisma da psicologia jurídica. A problemática decorre dos infortúnios sofridos por crianças, adolescentes e até mesmo adultos, que convivem com a ausência do amor materno/paterno. Apesar do tema ser relativamente novo, há registros de processos e entendimentos doutrinários por parte do Poder Judiciário brasileiro. O artigo possui a finalidade de demonstrar os danos que uma criança ou adolescente pode sofrer com a falta de afeto, ultrapassando-se a barreira da reparação civil pleiteada na justiça. A metodologia utilizada foi o dedutivo, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, como jurisprudência, doutrina e análise de processos que abordam o tema. Ao final deste processo constatou-se que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário não são suficientes para reparar emocionalmente o abalo sofrido, tendo em vista que o dano pode ocorrer de imediato e/ou a longo prazo.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Psicologia. Sofrimento. Judicialização. Abandono parental.

1. INTRODUÇÃO

A força da evolução da sociedade vem influenciando diversos ramos do direito, em especial o direito de família. O direito é influenciado pelas mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, logo, é de suma importância estabelecer seus limites de atuação e não-intervenção.

Em um mundo cada dia mais evoluído, percebe-se que a todo momento a sociedade está mudando a forma de se relacionar e de se identificar. À vista disso, frisa-se que a terminação família fora constituída a muitos tempos atrás, bem antes do chamado ordenamento jurídico. Com o advento da Constituição Federal de 1988 – CRFB/88, a tipificação de família foi tomando lugar, definindo o que seria e quem estaria no núcleo familiar.

Com a evolução da sociedade e as interpretações implícitas da legislação, abriu-se espaço para a família que se funda em laços de afeto. Na legislação, não há expressa menção de muitas situações afetivas que eram postas para análise do direito, motivo pelo qual as doutrinas e jurisprudências reconheceram direitos que o princípio da afetividade era norteador. Sendo assim, o presente trabalho será dividido em quatro capítulos, no qual o primeiro tratará sobre o conceito e a evolução histórica da psicologia jurídica.

O segundo capítulo analisará a atuação dos tribunais do Brasil em face dos confrontos familiares. Além disso, demonstrará a evolução do conceito de família ao longo dos anos, onde será demonstrado como o afeto ganhou grande espaço na sociedade e no Poder Judiciário.

Já os argumentos críticos estarão presentes nos últimos dois capítulos, que demonstrará como o Poder Judiciário está se portando em face das ações indenizatórias por abandono afetivo parental, e como é imprescindível a atuação do psicólogo forense nos processos. Ademais, o escopo deste artigo traz a análise das acadêmicas da Universidade Federal de Santa Catarina que analisam os laudos elaborados em processos de abandono afetivo acometidos no sul do país.

2. PSICOLOGIA JURÍDICA – CONCEITO E EVOLUÇÃO

Apesar do psicólogo – atualmente – ser um profissional essencial nos tribunais de justiça, nem sempre foi assim. O estudo da psicologia jurídica no Brasil iniciou-se tardiamente, a matéria dentro das universidades era mais um ramo independente, algo facultativo, que aliás, é até os dias de hoje.

Conforme preceitua Rovinski (2009), a psicologia jurídica no país iniciou-se com a vinda dos estrangeiros para o Brasil. Esse estudo jurídico sob o olhar da psicologia, restringia-se basicamente à elaboração de trabalhos esporádicos, como elaboração de laudo, que servia como suporte para as decisões dos magistrados, principalmente na esfera penal.

Ao abordar o tema em seu livro, Miranda Júnior (1998) explica que a primeira demanda que se fez à psicologia jurídica, ocorreu no campo da psicopatologia, onde o diagnóstico do profissional servia para classificar e controlar os indivíduos. Além disso, Antônio de Pádua Serafim (2007) aduz que a contribuição do psicólogo na esfera judicial se restringia à coleta de dados objetivos sobre o periciado, acerca da averiguação da real idade mental do indivíduo e o exame de personalidade.

Nota-se, assim, que o trabalho do psicólogo era considerado indispensável no ramo penal. No entanto, após o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criaram-se as equipes interdisciplinares para atuação nos Tribunais de Justiça. Nesse primeiro momento, além da atuação do psicólogo na esfera penal, tornou-se expressamente obrigatória a sua atuação nos Juizados da Infância e Juventude, observe:

Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.

Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

[…]

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico. (BRASIL, 1990).

Sobre mais, a atuação do profissional da psicologia nas varas de família só iniciou, de fato, em meados de 1990, onde o psicólogo desenvolvia suas atividades nos processos de adoção, abandono e ilegalidades cometidas contra crianças. Nesse ponto, o psicólogo, diferente da esfera penal, atuava mais como um orientador do que um perito.

Na seara do direito de família, o psicólogo esbarra com diversas dificuldades, tendo em vista que a todo momento as relações familiares vão se transformando, emergindo situações conflitantes que, muitas vezes, não conseguem ser solucionadas no âmbito individual. Diferente do direito penal, no ramo da família o profissional trabalha com emoções, considerando que cada indivíduo possui uma visão completamente diferente em relação ao mesmo caso. Na opinião abalizada de Cláudia Amaral Mello Suannes, dispõe que:

O encontro com a (s) pessoa (s) que faz (em) parte de um processo de Vara de Família não é mera condição de aplicação de instrumentos de avaliação que é demandada por um terceiro. Supõe considerar que essas pessoas procuram o Judiciário para resolver conflitos de família porque não encontraram outra forma de lidar com o sofrimento que advém deles (SUANNES, 2008, p. 29).

Nesse ponto, o Conselho Federal de Psicologia (2019) discorre que a função do psicólogo seria lançar luz sobre os fatores psicológicos em jogo, e não responder à questão final sobre o julgamento: “se o processo judicial é o de guarda, a avaliação psicológica buscará as potencialidades e as dificuldades de cada um dos genitores à luz do relacionamento e das necessidades específicas do (a) filho (a) em questão” (SHINE, 2017).

Constata-se então que, ainda que o judiciário tenha demorado para integrar a psicologia nos tribunais, hoje em dia vislumbra-se a importância da psicologia jurídica mais do que nunca, onde a matéria está presente em várias áreas do direito, como: direito penal, direito de família, direito da criança e do adolescente e direito do trabalho.

Portanto, as varas de família passaram a conceder maior atenção ao trabalho do psicólogo, onde a sua mediação no processo pode proporcionar a melhor decisão judicial que acarretará no desenvolvimento positivo da criança.

3. A FUNÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DAS FAMÍLIAS

3.1. FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Mediante a tese de Pereira e Fachin (2021, p. 3), família é a célula básica de toda e qualquer sociedade, desde as mais primitivas até as mais contemporâneas. Como se sabe, a entidade familiar é considerada a base das relações sociais, sendo a unidade social mais antiga que o ser humano possui.

No contexto do direito romano, a família era diretamente ligada ao pater famílias, isto é, a família romana era organizada de forma patriarcal, da qual era desenhada de forma simples e objetiva: o chefe da família administrava tudo. Importante destacar ainda que, os indivíduos só eram considerados família se fossem derivados da mesma linhagem sanguínea do pater família.

Nesse sentido, o doutrinador Orlando Gomes explica o funcionamento das famílias no período romano:

A família romana assentava no poder incontrastável do pater familias, “sacerdote, senhor e magistrado” em sua casa – que exercia sobre os filhos, a mulher e os escravos […]. A figura singular do pater famílias absorve inteiramente a dos outros membros do grupo. A esposa está in manu, perdurando o vínculo conjugal enquanto existe a affectio maritatis. Os filhos são incapazes. […] a família romana traduz o patriarcado na sua expressão mais alta (2002, p. 19).

Já nos tempos da sociedade grega, a religião e os ancestrais eram os núcleos das famílias, ou seja, baseava-se em uma relação de poder, onde a religião e os bens definiam os chefes das famílias. Tradicionalmente, o chefe costumava ser o mais velho, que repassava suas experiências e ensinamentos de forma hierárquica.

À vista disso, percebe-se que a constituição de família esteve sempre estritamente ligada ao poder. Com o passar dos anos e com a consequente evolução da sociedade, instituiu-se o Código Civil de 1916 que tratou em seu rol o direito de família com viés patriarcal, patrimonial e que somente se constituía através do casamento.

Como bem explica Pereira e Fachin (2021, p. 3), a ideia de família, para o Direito brasileiro, sempre foi a de que ela é constituída de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado, logo, não havia brechas legais para a estruturação de família seguindo parâmetros diversos.

Assim, seguindo os pressupostos antigos do direito romano, a evolução da família no ordenamento jurídico brasileiro possuiu como base o princípio da ligação sanguínea, sobretudo entre as sociedades ocidentais.

Entretanto, em meados do final do século XX, os relacionamentos entre os indivíduos passaram a ter como fator principal a subjetividade, permitindo aos indivíduos mais possibilidades a fim de que alcançassem a sua realização pessoal (OLIVEIRA, 2008, p. 101). Diante disso, os indivíduos tomaram um novo rumo na constituição das famílias, marco inicial da liberdade de se relacionar da forma que escolhessem, sem que tenha um chefe familiar.

Com o advento da modernidade, as famílias não possuíam mais o mesmo padrão estabelecido na antiguidade, não havia mais pater famílias, bem como os bens e a religião não ditavam mais as regras. Agora, o afeto estava presente na constituição das famílias, conforme bem explicita a doutrinadora Solange Regina Matzenbacher:

A dinâmica social exigia mudanças urgentes, pois não se poderia continuar na contramão do contexto social que se apresentava, vivendo sob a égide de uma lei infraconstitucional, como o Código Civil de 1916, reguladora de relações privadas, de maneira ultrapassada, não conseguindo tutelar novas relações sociais (2009, 61-69).

Sendo assim, o direito brasileiro se viu pressionado a caminhar com a evolução da sociedade e da afetividade, devendo atualizar-se ao contexto moderno de definição de família.

Saltando para o ordenamento jurídico atual, tem-se no capítulo I, do livro IV do Código Civil de 2002 o primeiro tipo de família constituída, qual seja: matrimônio. O art. 1.511 dispõe expressamente a forma principal de constituir família, o casamento, ora, percebe-se que tal dispositivo foi influenciado pelos costumes antigos, na qual o casamento era a única forma de reconhecer uma família.

No mesmo diapasão, tem-se o art. 1.723 que reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (BRASIL, 2002). O presente dispositivo faz menção implícita ao laço afetivo que, antigamente, não era “valorizado”.

A partir disso, diversos tipos de famílias foram legalmente reconhecidas pelo judiciário brasileiro, como por exemplo: família monoparental, família anaparental, família homoafetiva e entre outros.

4. A PROGRESSÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA COM O ADVENTO DA AFETIVIDADE

O princípio da afetividade, apesar de não estar expresso no Código Civil de 2002, é um princípio fundamental que norteia não só o direito de família, mas também o direito sucessório. Apesar de ainda haver algumas críticas no âmbito dos juristas, não resta dúvidas que a afetividade é um princípio aplicado no direito familiar.

Como já elencado no tópico acima, a afetividade é pauta recente no mundo jurídico, motivo pelo qual não há menção expressa do princípio na legislação brasileira. No entanto, o advento da afetividade está implícito no Código Civil atual, veja-se alguns exemplos:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

[…]

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

[…]

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação. (BRASIL, 2002).

Dos artigos supracitados, percebe-se que a socioafetividade está presente na lei. O art. 1.593 remete à igualdade, princípio basilar, não importando qual seja a origem da paternidade, a mesma deve ser digna, inclusive se for socioafetiva.

O art. 1.596 versa acerca da diferenciação de filhos biológicos e socioafetivos, dos quais não devem, em hipótese alguma, serem tratados de formas diferentes. O art. 1.597 aduz sobre a socioafetividade com consentimento, isto é, a possibilidade de a mãe conceber um filho por inseminação artificial, da qual esse filho terá um pai socioafetivo. E por fim, a possibilidade do filho maior não reconhecer a paternidade, mesmo esse sendo biológico.

Todos esses institutos são exemplos de como a afetividade sempre esteve presente nas relações familiares, a ponto do ordenamento jurídico acompanhar tal evolução. Nesse diapasão, importante citar que o novo princípio da afetividade não só trouxe mudanças dentro das famílias, mas também dentro dos tribunais.

4.1. A AFETIVIDADE NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

Com o decorrer dos anos, em muitos momentos do dia a dia, é possível vislumbrar a afetividade como elemento propulsor dos comportamentos e das condutas humanas. Como bem define o doutrinador Romualdo Santos, a afetividade é o conjunto de afetos, isto é, das emoções, das paixões e dos sentimentos que estruturam a esfera instintivo-afetiva do psiquismo.

No ramo do direito, a afetividade não traz influência apenas nas relações entre os indivíduos, atualmente, o princípio da afetividade foi o norteador da formação de núcleos familiares, de modo que questões relacionadas ao gênero passaram a influenciar menos a caracterização de família. Já destaca Nunes que, o afeto adquire um aspecto intrínseco e inerente ao ser humano, que possibilita a formação da instituição familiar, bem como ressalta a sua relevância como um princípio implícito que compõe a dignidade da pessoa humana.

Hodiernamente, é possível verificar diversas formas de instituir a família brasileira por meio da afetividade. Inclusive, houve grande avanço nos tribunais do país acerca do princípio da afetividade, cita-se a análise da relatora Ministra Nancy Andrighi cujo reconhece o dever de reparação por danos em decorrência do abandono afetivo:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desíniências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ – REsp: 1159242 SP 2009/0193701-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 24/04/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2012 RDDP vol. 112 p. 137 RDTJRJ vol. 100 p. 167 RSTJ vol. 226 p. 435). (Grifa-se).

Logo, percebe-se que a afetividade não só atingiu os núcleos familiares, como ajudou o direito brasileiro a construir o novo panorama do direito de família contemporâneo. Dito isto, constata-se que a afetividade é de suma importância para se determinar a existência de um núcleo familiar (TARTUCE, 2012), razão pela qual, os tribunais, desde o ano de 2016, reconhecem a parentalidade socioafetiva como uma nova forma de construção familiar.

5. O ABANDONO AFETIVO PARENTAL

5.1. OS EFEITOS PSICOLÓGICOS DO ABANDONO AFETIVO

Embora ainda não exista uma lei ou artigo específico que verse sobre o abandono afetivo, é inegável que essa problemática está presente em grande parte das famílias brasileiras.

Sobre esse tema, pretende-se demonstrar neste capítulo como a ausência de amor e convivência dos pais podem afetar negativamente o desenvolvimento dos filhos.

Tem-se o ideal que o amor paternal, para os filhos, é visto como um amor de responsabilidade e disciplina, enquanto o amor maternal é a língua da união e do protecionismo. Todavia, para a psiquiatra infantil Melvin Lewis (1995, p. 392):

Os pais como modelos e guias, possuem um papel central de contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade sadia, controladora de seus impulsos e comportamentos, cuja ausência ou disfunção severa acarreta abalo na personalidade.

Dessa forma, ambos os pais possuem consigo a tarefa de contribuir positivamente no desenvolvimento dos seus filhos. O ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana (PEREIRA, 2008).

No entanto, quando essa tarefa de cuidar não é cumprida por um dos pais, surge a possibilidade de danos na construção e evolução da personalidade do filho. Nas palavras de HIRONAKA (2021):

O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada.

Observando os casos que serão explanados a seguir, tem-se que o abandono afetivo – normalmente – ocorre após a separação conjugal. O comportamento de ambos os pais, após a separação, reflete no tratamento com os filhos. Onde um pai que era presente em todos os eventos e diariamente na vida do (a) filho (a), se torna ausente de um dia para o outro.

O sentimento de abandono e falta de afeto pode acarretar traumas e marcas no comportamento da criança/adolescente. É a espera por alguém que nunca vem, a ausência nos aniversários, a indiferença no comparecimento de datas comemorativas. Feridas que se criam e nunca cicatrizam!

Em vista disso, cita-se a primeira ação de dano moral por abandono afetivo que foi julgada no Brasil, no ano de 2005. Nessa ação, o poder judiciário entendeu que o caso fugia da sua expertise, razão pela qual foi julgada improcedente. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, em fevereiro de 2022, através da terceira turma, determinou que um pai pagasse indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 mil reais à sua filha, em razão do rompimento abrupto da relação entre os dois quando a garota tinha apenas seis anos de idade (STJ, 2022).

Embora o valor estipulado seja razoável, não há nenhuma quantia que preencha anos de ausência. Para isso, trago à baila a pesquisa realizada pelas acadêmicas da Universidade Federal de Santa Catarina que avaliam o laudo psicológico elaborado em um processo de abandono afetivo.

Para proteção da identidade das partes envolvidas, as acadêmicas informam que criaram nomes fictícios para a explanação do caso:

Alice é parte autora no processo de Indenização por Abandono Afetivo. Residia com sua mãe, Regina, e com o padrasto. A jovem tem outro irmão mais novo, fruto do segundo casamento de seu pai, Eduardo. Sobre seu histórico familiar, Alice relatou que é fruto de uma gravidez não planejada que levou à breve convivência conjugal de seus pais. Ainda em seu primeiro ano de idade, Regina e Eduardo se separaram, e ela e sua mãe passaram a viver com os avós maternos. Em relação à sua convivência com o pai, Alice afirmou tê-lo visto somente em algumas ocasiões ao longo de toda sua vida, sendo que o incentivo para os encontros partia sempre de si mesma ou de sua mãe. Retomou que seu pai não esteve presente em momentos importantes de sua vida, como em festas de aniversário. Alice relatou que depois que seu pai se casou novamente, a distância entre os dois aumentou.

[…] Alice contou sentir ciúmes do relacionamento que seu pai tinha com o filho mais novo, apontando que o mesmo oferecia cuidados a ele que não havia oferecido a ela. Relembrou diversas ocasiões em que sentiu falta da presença do pai, momentos em que ele não apareceu para buscá-la ou visitá-la e em que não teria demonstrado interesse em vê-la.

[…] Explicou, ainda, que desejava que após o término do processo o pai pudesse ser um “pai de verdade”, e que ele percebesse o sofrimento pelo qual ela estava passando (PIRES COLTRO, 2017, p. 290-291).

Conforme se denota da narração dos acontecimentos pela visão da filha, percebe-se que por muitos anos esteve magoada com a ausência do pai em sua vida, e que, aliás, percebia a diferença da criação dela com o irmão mais novo. Nota-se que a discrepância de tratamento com um dos filhos tem como fator principal o cônjuge, onde o filho mais novo possui mais atenção e carinho devido ao núcleo familiar está estável, isto é, ambos os pais ainda se relacionam.

No depoimento do Eduardo, o mesmo afirma que não sabia que Alice se sentia assim, veja:

Eduardo afirmou que a separação foi um momento difícil e de muito sofrimento.

[…] Apesar de tudo, contou que quando Alice era um bebê ele a buscava a cada quinze dias e sua mãe, avó paterna de Alice, ajudava nos cuidados com ela, uma vez que ele era jovem e inexperiente. Afirmou que também a visitava na creche e, durante a infância de Alice, os dois mantinham contato frequente, mas que foi diminuindo ao longo do tempo. Eduardo relembrou das festas de aniversário que fez para a filha na escola dela e dos eventos de Dia dos Pais que frequentava. Relatou que sempre esteve disponível para sua filha, tendo fornecido tudo que tinha condições de fornecer.

[…] Eduardo reconheceu, na entrevista, que seu relacionamento com o filho mais novo era diferente e justificou com o fato de que esteve casado com a mãe dele por 12 anos, sendo que esteve muito mais próximo dele ao longo do seu crescimento.

[…] Eduardo contou que quando descobriu sobre o processo judicial ficou muito surpreso, pois não sabia que Alice estava tão insatisfeita com o relacionamento que mantinham. […] O pai não se recordava de nenhum momento de conflito com Alice que tenha marcado a relação entre os dois, apontando que a filha sempre foi uma menina muito amável. Eduardo relatou em sua avaliação que acreditava estar exercendo seu papel de pai, mas percebe que não foi o suficiente (PIRES COLTRO, 2017, p. 291-292).

Através da narrativa de Eduardo, verifica-se que não há “remorso” da sua ausência na vida de Alice. Aliás, justifica ainda o tratamento diferente pela duração do matrimônio. Logo, tem-se que para o pai que os fatos do processo são fantasiosos, pois a filha nunca se queixou da ausência, então – em tese – não teria como Eduardo “adivinhar” que estava ausente.

O laudo psicológico elaborado pela equipe interdisciplinar concluiu que apesar do abandono afetivo, não há nenhuma consequência psicológica decorrente do abandono, visto que sua rede de apoio familiar supriu suas necessidades. Logo, o processo foi julgado improcedente.

No segundo caso abordado pelas acadêmicas da UFSC, conta-se do caso de João e Lorena (nome fictício):

Sobre sua infância, João contou que os pais trabalhavam muito e que sua mãe brigava com frequência com ele e seus irmãos, sendo que o pai era quem oferecia mais cuidados e atenção. Sobre a separação de seus pais, relembrou que sua mãe pediu que ele e os irmãos escolhessem com quem queriam viver, sendo que ele optou por permanecer na casa onde cresceu, com seu pai. Segundo João, após a separação a mãe abandonou a ele e seus irmãos, tendo ajudado financeiramente somente com a alimentação.

[…] João contou que após seus pais terem se separado, aos seus dez anos de idade, passou por um momento difícil, tendo desenvolvido depressão. Disse que já na época da separação seu pai buscou tratamento psicológico para ele e que continuava o tratamento até a época da ação judicial (PIRES COLTRO, 2017, p. 292-293).

Passemos agora ao depoimento de Lorena, Mãe do João:

Lorena relatou que ajudou no cuidado com os filhos quando eram mais novos, tendo pago escola particular e parte da alimentação deles.

[…] Sobre João, Lorena conta que percebeu mudanças em seu comportamento durante a adolescência e que teria ficado sabendo que o filho estava usando drogas ilícitas e praticando furtos. Afirmou ter tentado conversar com ele, mas não ficou sabendo de tudo que acontecia por falta de comunicação com seu ex-marido. Lorena relatou ter presenciado atitudes características de um surto psicótico em João apenas no ano anterior, durante um encontro familiar no qual o filho corria e afirmava que alguém o estava perseguindo. Nesse momento contou que ficou sabendo que o filho tinha diagnóstico de Esquizofrenia e que tomava medicação controlada. Contou perceber que João estava inchado, apático, sem expressão e que não se comunicava mais como anteriormente, atribuindo esses sinais ao uso dos remédios (PIRES COLTRO, 2017, p. 293-294).

O laudo elaborado pela equipe interdisciplinar concluiu que a mãe de João não possuía condições de criá-lo, e que apesar de toda a situação, João não possuía pensamentos negativos sobre a mãe.

Em ambos os casos relatados, resta claro que há o abandono afetivo paterno-filial, contudo, o abandono nos casos supracitados não possui elementos suficientes para serem indenizados. Ainda assim, mesmo sem a procedência da ação, percebe-se o dano emocional que ambos os filhos passaram.

Alice, apesar de ter um núcleo familiar estável, carrega consigo grande mágoa da ausência de seu pai, tanto é que ingressou com a ação judicial para chamar atenção dele. Já João, possui um trauma mais grave, como a separação dos pais ocorreu na sua pré-adolescência, o seu desenvolvimento foi gravemente afetado, a instabilidade do núcleo familiar e a ausência materna trouxe consigo consequências psíquicas que carrega até hoje.

Diferente das decisões proferidas acima, o STJ vem analisando os casos de abandono de uma forma diferente. Na decisão da terceira turma no processo de abandono afetivo, a ministra Nancy Andrighi dispôs que “O recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho” (STJ, 2022). Logo, vislumbra-se cada vez mais a evolução das decisões acerca do tema, onde está sendo reconhecida a gravidade do abandono parental e ainda a possibilidade de tentar repará-lo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme já suscitado anteriormente, a finalidade desta pesquisa é produzir uma análise acerca dos efeitos psicológicos que o abandono afetivo pode acarretar. É relevante para o psicólogo forense, na função de equipe interdisciplinar, não só demonstrar para o juiz que há dano a ser reparado, é necessário que o profissional atue de forma a prestar esclarecimentos claros que demonstrem o sofrimento, dano ou traumas que se originaram em decorrência do abandono afetivo.

Foi delineado no decorrer do trabalho como a família evoluiu, tanto socialmente, como no ordenamento jurídico. Nessa evolução, ficou cada vez mais delineado o dever dos pais em proporcionar uma vida digna ao filho, dever este que ficou expresso após o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Pois bem, de acordo com a pesquisa realizada, verificou-se que a psicologia forense ainda não é tão reconhecida – como deveria ser – nas universidades. Essa falta de reconhecimento, aliás, traz consigo a ausência de interesse no estudo sobre o abandono afetivo parental, padecendo o tema no ramo jurídico.

Pode-se notar que o abandono afetivo é mais discutido no âmbito civil da reparação jurídica, do que na esfera emocional. Um dos maiores obstáculos que se encontra em processos de abandono afetivo diz respeito à impossibilidade de comprovar o efetivo dano decorrente do abandono. Tal dificuldade se demonstra nos laudos proferidos nos casos explanados no tópico cinco. Apesar da filha (Alice) se sentir magoada e lesada pela ausência paterna, tal fato não se demonstra suficiente para concluir pela procedência do processo.

O que de fato o Poder Judiciário vem buscando em suas decisões é a possibilidade de compensar o filho pelo sofrimento decorrente do abandono. Contudo, resta claro que apenas a reparação – quando ocorre – não é suficiente. Tem-se como exemplo o caso de João que desenvolveu sérios problemas após o divórcio dos pais, problemas estes que perduram até o dia de hoje.

Embora o caso de João não verse exclusivamente sobre o abandono afetivo, o laudo é conclusivo que os traumas se acenderam após a separação conjugal dos pais e a partida da mãe. Dessa forma, percebe-se que o problema do abandono parental está ligado diretamente a casais que se separam e possuem filhos, onde negligenciam o dever de pais, abandonando afetivamente aqueles que deveriam ser assistidos.

Logo, conclui-se que a justiça brasileira ainda possui muito trabalho à frente para melhorar a atuação nesses processos, todavia, registra-se o grande avanço da possibilidade de os pais serem responsabilizados pela negligência perante seus filhos. Lembrando, sempre, que a atuação do psicólogo forense deve ser o principal foco nesses processos, devendo, portanto, centralizar-se nas tentativas de conciliação terapêuticas entre as famílias.

7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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ABSTRACT

This article aims to discuss parental affective abandonment and its consequences from the perspective of legal psychology. The problem stems from the misfortunes suffered by children, adolescents and even adults, who live with the absence of maternal/paternal love. Although the theme is relatively new, there are records of doctrinal processes and understandings by the Brazilian judiciary. The article has the purpose of demonstrating the damage that a child or adolescent can suffer from the lack of affection, overcoming the barrier of civil reparation pleaded in court. The methodology used was deductive, through bibliographic and documentary research, such as jurisprudence, doctrine and analysis of processes that address the theme. At the end of this process it was found that the decisions given by the Judiciary are not sufficient to emotionally repair the concussion suffered, given that the damage can occur immediately and/or in the long term.

Keywords: Affective abandonment. Psychology. Suffering. Judicialization. Parental abandonment.


1 Acadêmica do curso de Psicologia pela Faculdade São Lucas Porto Velho, 2022. Email: edila.cavalcante@hotmail.com.

2 Acadêmica do curso de Psicologia pela Faculdade São Lucas Porto Velho, 2022. Email: crisfarias@crisfariassolucoes.com.br