OS EFEITOS DE JOGOS COGNITIVOS DE COMPUTADORES COMO TRATAMENTO PARA DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES NA MEMÓRIA DE TRABALHO DE CRIANÇAS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

THE EFFECTS OF COGNITIVE COMPUTER GAMES AS A TREATMENT FOR ATTENTION DEFICIT/HYPERACTIVITY AND THEIR IMPLICATIONS ON CHILDREN’S WORKING MEMORY: A SYSTEMATIC REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506112155


Paulo Sérgio Alves Júnior1
Deborah Maria Dantas de Carvalho2
Maria Gislene Santos Silva3
Silmar Silva Teixeira4


Resumo

A prevalência de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças vem crescendo muito nos últimos anos, afetando diretamente a qualidade de vida tanto dos menores quanto da família. Os impactos desta condição podem ser observados em diferentes esferas clínicas, mas uma dentre estas está a memória de trabalho, responsável essencialmente pelo armazenamento e manipulação de informações de forma temporária e limitada, fazendo cálculos, ordenando ideias e solucionando problemas. Nesse ínterim surgiu a perspectiva do auxílio de jogos sérios para o desenvolvimento deste tipo de memória nessas pacientes. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi identificar as implicações de jogos sérios na memória de trabalho em crianças com TDAH. Para isso, foi realizada uma revisão da literatura do tipo sistemática seguindo todas as recomendações do protocolo PRISMA. Inicialmente foram selecionados os descritores através da plataforma Decs/Mesh e construído o mecanismo de busca através da mesclagem com os operadores booleanos. A partir destes, foram buscados artigos primários publicados em qualquer período de tempo na língua inglesa e que cumpriam com o objetivo desta pesquisa através das bases de dados da PubMed e Scopus. Dentre os 265 estudos encontrados inicialmente, sete foram selecionados para comporem a amostra final de resultados da pesquisa. Nestes foram analisadas 512 crianças e foi constatada uma elevação percentual média de 20% dentre as variadas escalas utilizadas para graduar a memória de trabalho nas crianças com TDAH através da aplicação dos jogos utilizados por cada um dos estudos também. Os estudos, assim como outras revisões da literatura, reforçam a positividade da aplicação dos jogos, mas reforçam a necessidade de uma avaliação mais homogênea tanto de escalas quanto de tipos de jogos sérios na realização das pesquisas para trazer conclusões mais sólidas.

 Palavras-chave: Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Crianças. Memória de trabalho. Jogos.

1  INTRODUÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade, que compromete significativamente o funcionamento social, ocupacional ou acadêmico de uma criança. A intensidade dos sintomas pode variar de leve a grave, e as apresentações clínicas podem incluir predominantemente desatenção, hiperatividade/impulsividade ou uma combinação dessas características (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013). 

O TDAH é um transtorno prevalente, afetando aproximadamente 5% das crianças em idade escolar e 2,5% dos adultos (SADOCK, SADOCK, & RUIZ, 2015). Este transtorno é marcado por interrupções na atenção, controle de resposta e regulação emocional. Sintomas como hiperatividade motora, impulsividade, inibição comportamental prejudicada e dificuldade em manter a atenção sustentada são comumente observados em indivíduos diagnosticados com TDAH (DE SOUSA, 2020).

De acordo com Couto, et al. (2010) o TDAH é geralmente considerado de etiologia multifatorial. No entanto, Souza et al (2021), afirma que, concomitantemente com avanços importantes em estudos de neuroimagem, foi descoberta a associação entre o TDAH é uma alteração do volume e nível de ativação em áreas pré-frontais relacionadas às funções executivas e memória de trabalho. Para Wu J. et al., (2012) a sintomatologia do TDAH parece estar correlacionada com a interrupção nos genes transportadores de dopamina e alterações estruturais no corte córtex pré-frontal, corpo estriado, cerebelo e várias vias da substância branca.

O estudo realizado por Pastura & Matos (2004) e publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria mostrou que o tratamento psicofarmacológico não se mostra eficaz em 20–30% dos pacientes, utilizando o metilfenidato, que é o principal fármaco utilizado, podendo ainda causar efeitos adversos que interferem no desenvolvimento da criança e adolescente. (KNECHT, 2024) Levando em consideração o atual cenário sobre os efeitos de jogos cognitivos de computadores como tratamento para déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e suas implicações na memória de trabalho, tratamentos focados em melhorar a memória de trabalho em crianças com TDAH têm recebido atenção considerável nos últimos na os (DE CARVALHO et al, 2022). 

Além disso, deficiências na memória de trabalho têm sido associadas a padrões de baixo desempenho acadêmico (Swanson e Jerman, 2007; Swanson, Jerman e Zheng, 2008), problema que frequentemente ocorrem simultaneamente em crianças com TDAH. Dadas essas descobertas, foi postulado que os esforços para atingir e melhorar a memória de trabalho pode ter um impacto significativo e duradouro nos sintomas de TDAH e nas principais deficiências associadas (Klingberg, 2010).

Ainda que a literatura abrigue revisões e outros tipos de estudo como, por exemplo, os métodos de treinamento com jogos computadorizados que são opções de tratamento não invasivas (Goode et al., 2018; Hodgson et al., 2014), o treinamento, com o passar do tempo, pode levar a alterações neurofisiológicas no cérebro (DE CARVALHO et al., 2022), que por sua vez podem levar à melhora de diferentes funções da memória de trabalho (Hasslinger et al., 2022). Tais trabalhos analisam o tema de forma geral, sem uma análise distinta entre os feitos do treinamento de jogos computadorizados como tratamento para TDAH e seus possíveis impactos a memória de trabalho.

Dessa forma, o objetivo principal deste estudo foi identificar as implicações de jogos sérios no déficit de atenção e hiperatividade e na memória de trabalho em crianças. A investigação busca explorar como esses jogos podem ser utilizados como ferramentas terapêuticas para melhorar a memória de trabalho e, consequentemente, reduzir os sintomas de TDAH. A análise detalhada dos efeitos dos jogos cognitivos pode fornecer insights valiosos para o desenvolvimento de novas abordagens de tratamento que possam beneficiar um número significativo de indivíduos afetados por este transtorno.

2    MÉTODOS 

Processo de busca e definição da pergunta de pesquisa

          A  revisão sistemática foi norteada de acordo com a declaração Preferred Reporting Items for SystematicReviews and Meta-Analyses (PRISMA). (GALVÃO, TIGUMAN, SARKIS-ONOFRE, 2022).

Verificou-se a existência prévia de revisões sistemáticas sobre o tema proposto no  PROSPERO ( International Prospective Register of Systematic Reviews ) (www.crd.york.ac.uk/prospero), onde foram encontradas revisões relacionadas ao tema em questão, porém com algumas características de estudo diferentes como população, idade, doenças entre outras. Dessa forma, a pesquisa foi cadastrada na PROSPERO (ID CRD420251069101).

Este estudo consiste em uma revisão qualitativa com abordagem descritiva e exploratória de artigos de pesquisa em inglês. A estratégia de busca, incluindo as palavras-chave, operadores booleanos “AND” e “OR”, foi criteriosamente elaborada e o quadro abaixo reflete o mecanismo de busca utilizado:

Quadro 1: Mecanismo de busca

Fonte: Elaborado pelos autores (2024)

Posteriormente, foi realizada a busca na literatura pelos estudos, selecionando-os de forma exaustiva. As buscas on-line nas bases de dados PubMed, Medline, SCOPUS, EMBASE, IEEE, Portal ACM e cochranelibrar, abrangendo o período de 1991 a 2024, foram realizadas inicialmente em julho de 2024 e repetidas dezembro de 2024. A fim de garantir uma maior abrangência de estudos relevantes.

A análise dos resultados contemplou exclusivamente os artigos que atenderam aos critérios de relevância e qualidade, seguindo a questão de pesquisa:

“Quais os efeitos do uso dos jogos cognitivos de computadores no desenvolvimento da memória de trabalho e tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade?”, que foi elaborada por meio da estratégia PICo, sintetizada pelo acrômio P.I.Co. Sendo “P” corresponde à população (crianças), “I” ao fenômeno de interesse (efeitos no tratamento do TDAH e na memória de trabalho) e “Co” ao contexto do estudo (uso de jogos cognitivos de computador). (Joanna Briggs Institute, 2008), tendo como resultado os estudos mais aderentes à pesquisa incluídos.

Seleção de estudos e análise de dados

Um revisor independente (PA) executou a seleção preliminar dos títulos e resumos. Dois revisores independentes (DC e PA) realizaram uma análise completa dos textos. As discordâncias foram resolvidas por revisor especialista em texto completo (ST). Os critérios de inclusão foram estudos publicados entre 1991 e 2024 que atendiam aos requisitos: (a) serem ensaios clínicos randomizados (RCTs), (b) ter uma idade média dos participantes entre 6 e 12 anos, (c) incluir crianças com diagnóstico primário de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), (d) receber treinamento cognitivo comportamental computadorizado. Ademais, os critérios de exclusão foram: (a) estudos focados em grupos de participantes adolescentes e adultos, onde a idade média dos participantes é superior a 12 anos, respectivamente; (b) estudos de revisão que não apresentam relatos de descobertas originais; (c) ensaios não controlados que não fornecem um relato de resultados em nível de grupo; (d) estudos cujo foco principal é uma condição, doença ou comportamento; (e) publicações que se referissem a terapia cognitiva computadorizada como tratamento, mas não como intervenção principal do estudo.

A extração de dados foi realizada utilizando uma planilha do Excel. O autor (PA) foi responsável pela extração de todos os dados, enquanto o segundo autor (DD) extraiu uma amostra dos estudos. As variáveis foram coletadas e tabuladas com a finalidade de incluir as principais características bibliométricas do estudo (autores, ano de publicação, periódico, país de origem dos autores), descrição dos participantes do estudo (tamanho da amostra, faixa etária e distribuição por gênero), além de aspectos metodológicos do estudo (desenho do estudo, número de sessões e duração da intervenção, e instrumentos de avaliação) e os principais resultados relacionados ao tratamento cognitivo computadorizado.

Os resultados englobaram as tarefas projetadas para avaliar a memória de trabalho (WM). Foram consideradas as metodologias que avaliaram a habilidade ou o conhecimento do participante na realização da tarefa e que reportaram medidas de precisão, velocidade ou outras pontuações que refletissem o nível de habilidade do participante. 

Outras variáveis analisadas incluíram categorias de resultados, o nome do programa utilizado para testes cognitivos computadorizados, o tipo de supervisão, o tempo total de treinamento em semanas, a dose total de treinamento em horas, a duração de cada sessão em minutos, o número de sessões recebidas por semana e o número total de sessões recebidas.

A partir da identificação inicial dos estudos nas bases de dados pelos mecanismos de busca foram selecionados somente aqueles que cumpriam com os critérios de inclusão. Após isso, foram excluídos os estudos em duplicidade e realizada uma análise, por meio de informações extraídas do título e resumo, dos artigos que sobraram.  Logo após, foi realizada uma leitura crítica dos artigos selecionados na etapa anterior para estabelecer aqueles que iriam compor a amostra final de resultados da pesquisa, permitindo avaliar se os estudos estavam relacionados ao tema da pesquisa e, assim, excluir aqueles que não respondiam aos objetivos do trabalho, não retratavam a temática em questão ou eram irrelevantes para a pesquisa (Sobral; Campos, 2012).

A busca inicial resultou em 1.563 estudos, reduzidos a 853 após a remoção de 710 duplicatas. Após a triagem de títulos e resumos, 725 artigos foram eliminados por não estarem relacionados com às variáveis do estudo. Resultando em 128 artigos para a leitura do texto completo e avaliação dos critérios de elegibilidade, durante esta fase 118 estudos foram excluídos por não serem aderentes aos critérios de inclusão, principalmente pela idade, porque apresentavam amostras mistas de crianças e adolescentes, mas não traziam resultados individuais por grupo. Diante do exposto, 10 estudos foram selecionados, eles foram analisados integralmente e após uma interpretação detalhada, mais 2 artigos foram excluídos, porque associavam TDAH com alguma comorbidade. Por fim 8 estudos foram contemplados para a fase de inclusão da revisão sistemática, conforme o fluxograma abaixo que reflete a quantidade de estudos e os processos envolvidos em cada etapa:

Fluxograma 1: Fluxograma das buscas e dos artigos incluídos no estudo, com base nos critérios do PRISMA

 Análise do risco de viés

Dois revisores independentes avaliaram a qualidade metodológica dos estudos incluídos utilizando a escala Therapy Evidence Database (PEDro), que consiste em 11 itens. (SHIWA, et al., 2011) As pontuações na escala variam de 0 a 11 pontos, que avaliam (1. critérios de inclusão; 2. Alocação aleatória; 3. alocação secreta; 4. Grupo semelhante no início do estudo; 5. cegamento dos participantes; cegamento dos terapeutas; 7. Cegamento da avaliação; 8. Análise de 85% da amostra; 9. Análise de intenção de tratamento; 10. Comparação entre grupos e 11. Medidas de tendência central e dispersão) onde pontuações mais altas indicam melhor qualidade metodológica. Posteriormente, os mesmos revisores reuniram-se para discutir suas avaliações independentes e, em casos de discordância, um terceiro revisor foi consultado para alcançar um consenso. Por fim, os revisores compararam os escores de qualidade metodológica que realizaram com os escores dos estudos e anexaram ao estudo. 

A tabela abaixo descreve o desempenho de cada estudo avaliado, individualmente, acerca do seu rigor metodológico, para fins de interpretação do risco de viés.

Tabela 1: Avaliação da qualidade metodológica dos artigos conforme a escala PEDRo.

  Fonte: Elaborada pelos autores      Legenda: V = pontuou //X = não pontuou

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos evidenciou que o estudo de Bigorra et al. (2015)obteve a pontuação máxima (10/10), demonstrando alta qualidade metodológica e minimização de viés em todos os critérios. Outros estudos, como Dovis et al. (2015), Klingberg et al. (2005) e Medina et al. (2021), também apresentaram boa qualidade, alcançando 9/10 e 8/10, respectivamente, com pequenas limitações, especialmente no uso de alocação aleatória e cegamento dos participantes.

Por outro lado, estudos como van der Donk et al. (2015), Chacko et al. (2014) e Luo et al. (2020) tiveram uma pontuação moderada (6/10), demonstrando falhas consistentes na alocação secreta e cegamento de participantes, terapeutas e avaliadores. 

Portanto, os itens 5, 6 e 7 foram os critérios mais frequentemente comprometidos, indicando que muitos estudos não adotaram medidas suficientes para evitar vieses relacionados a esses fatores. Ademais, o item 3, correspondente a alocação secreta foi ausente em metade dos estudos, o que compromete a aleatoriedade nos grupos de intervenção. 

Ao final, verificou-se a existência prévia de revisões sistemáticas sobre o tema proposto no  PROSPERO ( International Prospective Register of Systematic Reviews ) (www.crd.york.ac.uk/prospero), onde foram encontradas revisões relacionadas ao tema em questão, porém com algumas características de estudo diferentes como população, idade, doenças entre outras. Dessa forma, a pesquisa foi cadastrada na PROSPERO (ID CRD420251069101).

3    RESULTADOS E DISCUSSÃO

Principais dados extraídos dos artigos selecionados

A revisão sistemática incluiu oito estudos que avaliaram os efeitos do treinamento cognitivo computadorizado (TCC) em crianças com TDAH. Nesse contexto, os trabalhos selecionados abordaram diferentes tipos de intervenções, amostras e métodos de avaliação. Assim, contribuíram para uma análise ampla e detalhada do impacto dessas intervenções na memória de trabalho e no manejo dos sintomas do TDAH.

Em primeiro lugar, Van der Donk et al. (2015) realizou um ensaio clínico randomizado com 102 participantes, divididos igualmente em grupos controle e experimental. A intervenção utilizou o programa Cogmed Working Memory Training (CWMT), e os desfechos foram avaliados por meio de diversas escalas, incluindo avaliações neurocognitivas, desempenho acadêmico, comportamento em sala de aula e qualidade de vida. Portanto, este estudo destaca-se pela abrangência da análise, integrando diferentes aspectos cognitivos e comportamentais.

Além disso, Chacko et al. (2014) também conduziu um ensaio clínico randomizado com 85 participantes. Neste caso, a intervenção utilizou o CWMT, e os resultados foram analisados com base em avaliações de sintomas de TDAH realizadas por pais e professores, além de medidas objetivas de atenção, memória de trabalho e desempenho acadêmico. Dessa forma, o estudo reforça o impacto positivo do CWMT no desenvolvimento da memória de trabalho em crianças com TDAH.

De maneira similar, Bigorra et al. (2015) realizou um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, com 66 participantes. A intervenção com o CWMT avaliou funções executivas, desempenho acadêmico e sintomas clínicos. Por essa razão, este estudo é particularmente relevante por sua abordagem metodológica rigorosa, incluindo controle por placebo, o que garante maior robustez aos resultados obtidos.

No caso do estudo de Dovis et al. (2015), o programa Braingame Brian (BGB) foi utilizado em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, com 89 participantes distribuídos em grupos full-active, partially-active e placebo. Os resultados foram avaliados com escalas como BRIEF e PedsQL, além de tarefas neurocognitivas como Stroop e Stop Task. Dessa maneira, o estudo contribui significativamente ao explorar intervenções digitais inovadoras e personalizadas para o público infantil.

Seguindo essa linha, Bul et al. (2016) conduziu um estudo randomizado cruzado (crossover) com 137 homens e 33 mulheres, utilizando o programa PlanIt Commander, que combina treinamento cognitivo e desenvolvimento de habilidades sociais. As escalas BRIEF, DBRS e SSRS foram empregadas para avaliar comportamentos disruptivos, habilidades sociais e funções executivas. Portanto, este trabalho enfatiza a relevância de abordagens integrativas no manejo dos sintomas do TDAH.

Por outro lado, Medina et al. (2021) investigou o impacto do programa KAD_SCL_01, um jogo de estimulação cognitiva digital, em um estudo randomizado e controlado com 29 participantes. Nesta investigação, a intervenção foi comparada com videogames comerciais, e os resultados foram medidos por escalas como Conners CPT-III e BRIEF. Assim, este estudo evidencia os benefícios potenciais de jogos digitais específicos na melhoria de funções executivas.

Adicionalmente, Luo et al. (2020) conduziu um estudo com 121 participantes, dos quais 80 completaram o treinamento. Neste caso, foram comparadas três abordagens: CCT (ComputerizedCognitive Training), neurofeedback (NFT) e uma terapia combinada (NFT/CCT). As avaliações incluíram escalas como ADHD-RS e BRIEF, além de EEG. Desse modo, o trabalho demonstra a eficácia da combinação de métodos, ressaltando o potencial de intervenções complementares.

Por fim, Klingberg et al. (2005) realizou um estudo multicêntrico randomizado e duplo-cego com 44 participantes. A intervenção utilizou o programa RoboMemo®, comparando-o a um programa controle. Foram avaliadas memória de trabalho visuoespacial e verbal, inibição de resposta e sintomas de

TDAH, com o uso de escalas como DSM-IV ADHD e Conners Rating Scale. Portanto, este estudo é pioneiro na aplicação do TCC em crianças com TDAH e abriu caminhos para futuras investigações na área. A tabela a seguir sintetiza os principais dados extraídos dos artigos:

Tabela 2.1: Resumo dos trabalhos selecionados para revisão

Fonte: Elaborada pelos autores (2025)

Tabela 2.2: Escalas de avaliação utilizadas

Fonte: Elaborada pelos autores (2025) 

Os tipos de metodologia e suas principais aplicações

Os estudos incluídos na revisão sistemática analisaram diferentes programas de treinamento cognitivo computadorizado (TCC) direcionados para crianças com TDAH. Esses programas apresentaram variações significativas quanto à dose total de treinamento, duração das sessões, frequência semanal, número total de sessões e o tempo total de tratamento.

Primeiramente, Van der Donk et al. (2015), Chackoet al. (2014) e Bigorra et al. (2015) utilizaram o programa CWMT (Cogmed Working Memory Training), que teve uma dose total de 18 horas e 45 minutos. As sessões variaram entre 30 e 45 minutos, realizadas cinco vezes por semana, totalizando 25 sessões ao longo de 5 semanas. Esses parâmetros indicam um tratamento intensivo e de curta duração.

Secundariamente, Bul et al. (2016) implementou o programa PlanIt Commander, com aproximadamente 12,56 horas de treinamento. Nesse caso, as sessões foram mais longas, com 65 minutos cada, realizadas três vezes por semana. O programa totalizou 60 sessões distribuídas em 20 semanas, o que demonstra uma abordagem mais prolongada, mas com menor frequência semanal.

Seguindo a análise percebe-se que, Dovis et al. (2015) adotou o programa Braingame Brian (BGB), cuja dose total variou entre 14,58 e 20,83 horas. As sessões, com duração de 35 a 50 minutos, também foram realizadas cinco vezes por semana, totalizando 25 sessões em 5 semanas. Esse formato reflete uma abordagem intensiva similar à do CWMT.

De forma complementar, Medina et al. (2021) e Luo et al. (2020) aplicaram programas de estimulação cognitiva digital denominados, respectivamente, KAD_SCL_01 e Focus Pocus. Ambos tiveram uma dose total de 9 horas, com sessões curtas de 15 a 20 minutos, realizadas três vezes por semana. Os programas envolveram um total de 36 sessões ao longo de 12 semanas, evidenciando um enfoque em sessões breves, porém com continuidade por um período moderado.

Por fim, Klingberg et al. (2005) utilizou o programa RoboMemo®, cuja dose total foi de 16 horas e 40 minutos. As sessões tiveram duração de 40 minutos, realizadas cinco vezes por semana, totalizando 25 sessões em 5 semanas, apresentando características semelhantes ao CWMT.

Desse modo, os estudos demonstram uma ampla diversidade na aplicação de programas de TCC para crianças com TDAH. Protocolos mais curtos e intensivos, como CWMT e RoboMemo®, podem ser vantajosos para quem busca intervenções rápidas e focadas, enquanto abordagens mais longas, como PlanIt Commander, oferecem um suporte distribuído ao longo do tempo. 

A tabela a seguir permite resumir cada artigo e sua respectiva metodologia de tratamento:

Tabela 3: variáveis metodológicas na aplicação das terapias no tratamento

Fonte: Autores (2025)

A diversidade de modalidades de tratamento reflete a adaptação dos protocolos às características das crianças com TDAH, como a dificuldade de manter a atenção por longos períodos. Programas como KAD_SCL_01 e Focus Pocus se destacam por sessões curtas e regulares, que podem ser mais adequadas para crianças com dificuldades em sustentar o foco.

Concomitante a isso, programas como CWMT eRoboMemo®, que apresentam sessões frequentes e de duração moderada, enfatizam a prática repetitiva e intensiva, um fator crucial para o desenvolvimento da memória de trabalho. Já programas com maior duração total, como o Plan-It Commander, distribuem as sessões ao longo de várias semanas, proporcionando um estímulo mais prolongado e consistente. Essa continuidade pode favorecer a manutenção dos ganhos na memória de trabalho ao longo do tempo, promovendo efeitos sustentáveis.

Desse modo, como o TDAH envolve déficits nas funções executivas, especialmente na memória de trabalho, o uso de jogos cognitivos digitais, estruturados para desafiar e estimular essas habilidades, apresenta uma abordagem promissora. A variedade de programas analisados, todos voltados para o treinamento de habilidades cognitivas, reforça a importância de jogos bem projetados para ajudar a reduzir os sintomas do TDAH e melhorar a capacidade de atenção e memória.

Em contrapartida, apesar das vantagens potenciais, o efeito dos jogos cognitivos na memória de trabalho e no controle dos sintomas do TDAH pode depender de outros fatores, como o nível inicial do déficit de atenção, a idade e o engajamento da criança durante o treinamento. Portanto, protocolos que incluem motivação, feedback positivo e recompensas, como os oferecidos por alguns jogos, podem ser mais eficazes.

4  DISCUSSÃO

Cada intervenção focou em aspectos específicos das funções executivas, como memória de trabalho, inibição de respostas e habilidades sociais. Isso demonstra que os jogos cognitivos podem ser adaptados para atender a necessidades específicas das crianças, oferecendo uma abordagem personalizada para o TDAH, da mesma forma como conclui Santos et al (2024) em sua pesquisa sobre o estímulo com jogos e cores no processo terapêutico do TDAH.

A maioria dos estudos avaliou diretamente a memória de trabalho, uma função cognitiva frequentemente comprometida em crianças com TDAH. Intervenções como CWMT, RoboMemo® e BraingameBrian mostraram efeitos positivos na melhora dessa habilidade, utilizando tarefas baseadas em repetição e desafio cognitivo. Esses resultados, reafirmam o que fala DE CARVALHO (2022) e sugerem que jogos bem projetados podem fortalecer a memória de trabalho e reduzir sintomas relacionados ao TDAH.

A comparação com videogames comerciais, como no estudo de Medina et al. (2021), também evidencia que programas desenvolvidos especificamente para fins terapêuticos são mais eficazes do que jogos genéricos em termos de impacto no tratamento do TDAH. Tal conclusão também está presente em um estudo mais atual, relatado na JAMA Pediatrics por BRYANT et al (2024) deixando ainda mais forte as evidências encontradas nesta revisão

Além da memória de trabalho, os estudos incluíram escalas que avaliaram o comportamento, habilidades sociais e qualidade de vida das crianças. Por exemplo, o programa Plan-It Commander (Bul et al., 2016) mostrou benefícios não apenas nas funções executivas, mas também na interação social, sugerindo que jogos cognitivos podem oferecer uma abordagem holística para o tratamento.

A inclusão de estudos randomizados, duplo-cego e controlados por placebo, como os de Bigorra et al. (2015) e Dovis et al. (2015), fortalece as evidências sobre a eficácia dos jogos cognitivos. Esses desenhos experimentais reduzem vieses e aumentam a confiabilidade dos resultados, o que também é encontrado no artigo de LOPES et al (2023), abordando o mesmo desenho de estudo e avaliando as medidas terapêuticas no TDAH.

Em caráter limitante, é visto a necessidade de estudos mais duradouros, com intervenções mais prolongadas, como o de Medina et al. (2021), que utilizou medidas neurofisiológicas (MEG), e que apontam para a importância de avaliar a sustentabilidade dos ganhos no longo prazo. Isso reforça a necessidade de estudos longitudinais, capazes de investigar se os benefícios obtidos durante o tratamento são mantidos após sua conclusão.

5  CONCLUSÕES

Conclui-se, portanto, que os estudos analisados demonstram que os jogos cognitivos de computador têm efeitos promissores no desenvolvimento da memória de trabalho e no tratamento de crianças com TDAH. A diversidade de intervenções e métodos reforça a viabilidade e a importância dessas estratégias no manejo dos sintomas e na promoção do desenvolvimento cognitivo e comportamental.

A inclusão de múltiplos estudos com intervenções diversas permitiu inferir que esses programas não apenas tratam os déficits cognitivos do TDAH, mas também melhoram o comportamento e a qualidade de vida das crianças. Além disso, a diversidade metodológica fornece insights valiosos sobre quais características de design de jogos são mais eficazes, como repetição, desafio progressivo e feedback imediato.

Os dados obtidos fornecem uma base sólida para relacionar a estrutura dos jogos cognitivos com os seus potenciais efeitos no desenvolvimento da memória de trabalho. Ao integrar a frequência e intensidade do treinamento com a natureza dos déficits no TDAH, é possível concluir que os jogos cognitivos não apenas atendem às necessidades específicas dessas crianças, mas também representam uma estratégia viável e eficaz para apoiar o tratamento e melhorar habilidades cognitivas essenciais.

Essas considerações reforçam que os jogos cognitivos representam uma estratégia promissora, prática e acessível para o manejo do TDAH, integrando aspectos terapêuticos e educativos em um formato envolvente e adaptado ao público infantil.

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1Discente do Curso Superior de Bacharelado em Fisioterapia da Universidade Federal Delta do Parnaíba e-mail:
paulosergioalvesjr@gmail.com
2Discente do Curso Superior de Bacharelado em Fisioterapia da Universidade Federal Delta do Parnaíba e-mail: deborahmdantas@hotmail.com
3Doutoranda em Biotecnologia da Universidade Federal Delta do Parnaíba. e-mail: santosgislene12@gmail.com
4Docente do Curso Superior de Bacharelado em Fisioterapia da Universidade Federal Delta do Parnaíba. Doutor em Saúde Mental IPUB/UFRJ.