OS DESAFIOS E O PAPEL POLÍTICO DO CONSELHO MUNICIPAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SUSTENTÁVEL DE PELOTAS/RS

THE CHALLENGES AND POLITICAL ROLE OF THE MUNICIPAL COUNCIL FOR SUSTAINABLE FOOD AND NUTRITIONAL SECURITY OF PELOTAS/RS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410181403


Gabriel Gonçalves Ribeiro1
Tiago de Garcia Nunes2
Vanessa dos Passos Pereira3


Resumo

Este artigo tem por finalidade compreender os principais desafios e as projeções do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável da cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul. O estudo perpassa a criação deste conselho, as ações em sua gênese, aquelas que estão em execução na atualidade e as projeções dos seus próximos passos. Além disso, o presente trabalho apresenta a estrutura organizacional, a forma em que se dão os encontros periódicos e as frentes em que atuam os grupos de trabalho formados por este conselho para exercício de um controle social democrático. Por fim, se discorre acerca de seu papel político no âmbito local, com sua participação no cenário eleitoral e a ênfase de suas ações em duas políticas centrais: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).   

Palavras-chave: Segurança Alimentar. Conselhos. Controle Social Democrático.

Abstract

This article aims to understand the main challenges and projections of the Municipal Council for Sustainable Food and Nutritional Security in the city of Pelotas, state of Rio Grande do Sul. The study covers the creation of this council, the actions in its genesis, those that are currently underway and projections of its next steps. Furthermore, this work presents the organizational structure, the way in which periodic meetings are held and the fronts on which the working groups formed by this council operate to exercise democratic social control. Finally, it discusses its political role at the local level, with its participation in the electoral scenario and the emphasis of its actions on two central policies: the Food Acquisition Program (PAA) and the National School Meal Program (PNAE).

Keywords: Food Security. Advices. Democratic Social Control.

Introdução

As lutas e as principais reivindicações dos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980 no Brasil foram imprescindíveis para o avanço das políticas sociais. Elas foram validadas pela Constituição Federal de 1988, a qual manifestou o quanto o país necessitava de uma cidadania com participação social para assim alcançar a democracia. Além da Constituição Federal, cabe ressaltar, também, a importância do ano de 1993, quando da promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Estes dois momentos foram fundamentais para que as políticas sociais no território brasileiro deixassem – ou ao menos tentassem deixar – de ser programas de alívio à pobreza para passar a combater as desigualdades existentes.

A sociedade passou então a exercer, mesmo que sem exclusividade, a fiscalização sobre o funcionamento das políticas sociais. Junto dela, segundo Wanderley (2013, p. 25), “o controle social é também exercido por órgãos e instâncias políticas, governamentais e não governamentais, estatais e não estatais”. Está dualidade implica questionamentos diversos sobre se esta é a melhor forma de atuação dos conselhos gestores, visto que cabe a eles “acompanhar, propor, controlar e deliberar sobre políticas de atendimento ao cidadão.” (BONFIM; GUIMARÃES; MUNIZ, 2022, p. 152). Assim sendo e levando em consideração que esta é uma relação ainda muito incipiente, não se pode negar que se trata de um avanço.

Neste sentido o objeto de análise deste trabalho, o Conselho Municipal de Segurança

Alimentar e Nutricional Sustentável (Comsea) de Pelotas enfrenta desde sua gênese desafios para conseguir colocar em prática seus propósitos. Em pouco mais de cinco anos de atuação, diversas ações foram realizadas, porém muitas delas encontraram fortes obstáculos para saírem do papel e/ou serem executadas. Ademais, mesmo com o Comsea de Pelotas tendo uma boa e regular participação da sociedade civil organizada, ocorre uma perda de autonomia considerável que está diretamente relacionada com as políticas públicas e sociais promovidas pela União. Em suma, o Comsea de Pelotas viu na aplicação de diferentes ações a não efetivação de alguns resultados em razão de disputadas político-partidárias. 

É necessário trazer para esta análise a categoria da historicidade, já que a vivência do Comsea de Pelotas até agora perpassou dois governos em nível nacional: Bolsonaro (PSL, depois sem partido) e Lula (PT). Já na esfera local e estadual, a relação se deu com o PSDB da prefeita Paula Mascarenhas e do governador Eduardo Leite. Excetuando o governo do presidente Lula, todos os demais citados se utilizam constantemente de planos e ações atrelados ao neoliberalismo. Esta dualidade, não só partidária, mas da maneira em que os governos das três esferas tendem a se portar junto ao mercado, acaba engessando e muito ao Comsea local. Gohn (2002, pg. 29) enfatiza que:

Por lei, os conselhos devem ser também um espaço de decisão. Mas, a priori, são apenas espaços virtuais. Para que eles tenham eficácia e efetividade na área em que atuam e na sociedade de uma forma geral, é necessário desenvolver algumas condições e articulações; é preciso dar peso político a essa representatividade e consequência à luta dos segmentos sociais que acreditaram e lutaram pela democratização dos espaços públicos.

Dar peso político a um conselho de controle social nem sempre é visto com bons olhos. Gramsci (2000) destaca que não há oposição entre sociedade civil e Estado, mas sim uma relação orgânica, pois a oposição que existe se dá entre as classes sociais. Estas, através de disputas, podem alcançar o controle social. A sentença do teórico italiano aponta que nos próprios conselhos municipais, onde a sociedade civil e o poder público possuem assentos, as disputas são fundamentais para que sejam postas em prática ações de controle social. E assim sendo, este controle social pode e é administrado num momento por uma classe e em um seguinte por outra.

Os conselhos têm importantes funções enquanto instituições participativas e é em cima delas que serão aprofundadas boa parte das análises deste estudo. Conforme Avritzer (2016) e Silva (2018), estas funções são: a) deliberativas, pois permitem aos integrantes com voto no conselho decidirem sobre as estratégias nas políticas públicas de sua competência; b) consultivas, já que mantém relação à emissão de opiniões e sugestões sobre assuntos que lhes são correlatados; c) fiscalizadoras, por realizarem o acompanhamento e o controle dos atos praticados pelos governantes na gestão das políticas públicas; d) mobilizadoras, enquanto estimulam a participação nos processos de decisão da administração pública; e) publicizantes, ao  possibilitar a disseminação de informações sobre os atos executados pelo poder público.

Ao analisar o Comsea de Pelotas perpassando cada uma destas funções, o presente trabalho fez uso de uma revisão bibliográfica contextualizada em obras de autores sobre gestão social e controle de políticas publicadas a partir do ano 2000. Além disso, também foi realizada uma pesquisa documental em matérias jornalísticas, atas e documentos institucionais acerca do Comsea de Pelotas. Por fim, foi aplicada uma pesquisa semiestruturada com dois coordenadores deste conselho para a apuração de dados que pudessem auxiliar na resposta da problematização deste estudo. 

Com este intuito, o de responder quais são os desafios – já realizados e os que estão por vir, assim como o significado do papel político do Comsea de Pelotas no atual momento, este material apresenta seus objetivos em três partes, as quais se conversam e possibilitam algumas considerações. A primeira delas é um breve histórico do Comsea de Pelotas, onde se discorre das lutas até sua criação e seus principais feitos após dada sua implementação no município; a segunda parte apresenta e elucida a estrutura e forma de atuação deste conselho, analisando desde o número de integrantes e coordenadores até a quantidade de encontros para deliberações; por fim, é feito um apanhado das ações do Comsea de Pelotas em duas políticas centrais, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de uma projeção quanto de sua atuação em disputas eleitorais em Pelotas e no estado do Rio Grande do Sul.

Um breve histórico do Comsea de Pelotas

 O Comsea de Pelotas não nasceu da noite para o dia. Sua criação teve início após mais de dez anos de lutas via o Fórum de Segurança e Soberania Alimentar. A iminência por um espaço regulador de combate à fome fez com que ao longo deste período o município de Pelotas pudesse, enfim, ter seu conselho gestor de políticas públicas nesta área. Foi então que, através da lei nº 6.623, de 30 de agosto de 2018, ocorreu a criação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Pelotas. Anteriormente ligado à Secretária Municipal de Saúde, a partir do ano de 2022 o Comsea passou a integrar a Secretária Municipal de Assistência Social.

Ao analisar esta linha do tempo, se faz necessário ressaltar que a criação do Comsea de Pelotas veio meses antes do presidente Jair Bolsonaro assumir a presidência da República.

Fato positivo, pois como recordam Silva e Medeiros (2020), um de seus primeiros atos, ainda dentro dos seus primeiros 100 dias de governo, foi promulgar um decreto que extinguiu todos os conselhos que não foram criados por lei.

Com o conselho já criado e estruturado, em 2019 o Comsea de Pelotas realizou o primeiro mapeamento de pessoas que passavam fome no município. Este levantamento apontou o número de 33 mil pessoas que se encontravam naquela situação. O elevado número só não causa mais surpresa do que o fato da Prefeitura Municipal nunca ter realizado um mapeamento como este ou sequer similar. Além disso, em âmbito local, nenhuma ação específica neste sentido foi sequer deliberada quanto menos executada pelo poder público. Acaba que este tipo de ação inovadora por parte do conselho tem seu fim em seu próprio começo. Ela não avança e sua participação é branda, não-crítica. O porquê desta postura do poder público pode ser assim explicado:

justamente porque realizam o novo, inovando os processos e os conteúdos das políticas, ao mesmo tempo em que mantêm limites rígidos ao avanço do diálogo entre públicos e instituições no que respeita à democratização da decisão. Se por um lado elas avançam no aspecto gerencial, estabelecendo a importância do planejamento e monitoramento das ações, submetendo a ação estatal ao controle social, por outro lado elas apresentam um reduzido poder de inovação no que respeita ao centro de formulação das políticas e seus tradicionais percursos e atores. (TATAGIBA, 2005, p. 212).

Somado a este tipo de entrave, logo em seu segundo ano, o Comsea de Pelotas se viu em meio a pandemia de Covid-19. Suas atividades migraram para o remoto, já que o distanciamento se fazia necessário para evitar uma maior propagação do vírus na sociedade. Nesta época, os índices de agravamento da fome pioraram drasticamente em todo território brasileiro. Um estudo realizado em 2022 pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil[1] apontou que no período pandêmico (2020-2022) o país atingiu o número de 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. Isto representou 14 milhões de brasileiros a mais em insegurança alimentar na comparação de 2020 com 2022. 

Com este cenário, o Comsea de Pelotas deliberou por atuar em conjunto com as campanhas de solidariedade neste período. Ações necessárias, porém, que acabaram fazendo com que o Comsea de Pelotas, enquanto órgão de controle social democrático, não obtivesse visibilidade para pôr em prática outras importantes ações, pois como salientam Almeida e

Tatagiba (2012, p. 68) “o cumprimento das expectativas democratizantes das quais os conselhos gestores são portadores depende da ampliação de sua audiência pública na sociedade e no Estado”.

Já o período dos dois anos seguintes, 2021 e 2022, foi o momento do Comsea de Pelotas cobrar a ausência de políticas públicas para o combate à fome. O Estado foi omisso e o número de pessoas que passavam fome à época não parava de aumentar. As cobranças ao poder público local e estadual para que medidas de enfrentamento fossem aplicadas foi onde se deu a principal e mais relevante atuação do Comsea de Pelotas. Neste intervalo de tempo, inserido nos dois últimos anos do governo Bolsonaro, ficou evidenciado a importância dos conselhos democráticos terem peso político. Segundo Gohn (2022), é via a democracia com peso político que os conselhos podem assegurar a cidadania. E foi exatamente isto que se viu nestes dois anos. O Estado e o neoliberalismo descontruíram o sentido do público, retirando sua universalidade, remetendo as políticas sociais ao assistencialismo.

Em 2023, já com um novo governo na presidência da República, este de viés progressista e liderado pelo presidente do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, ocorre um retorno a uma “vida normal” com a retomada de políticas públicas já anunciadas. O Consea (âmbito federal), o Consea-RS (âmbito estadual) e o Comsea de Pelotas (âmbito municipal) participaram ativamente da elaboração e fiscalização destas políticas, evidenciando assim o seu papel híbrido através da participação democrática com toda a rede envolvida: sociedade civil, representantes estatais e prestadores de serviço. (AVRITZER; PEREIRA, 2005).

Por fim, chega o atual momento, 2024, e o Comsea de Pelotas tem uma nova direção eleita, a qual tem como seus principais desafios – em consonância com o Consea nacional e estadual – atualizar o mapeamento realizado em 2019 das pessoas que passam fome no município; acompanhar o desenvolvimento das políticas públicas anunciadas e das que ainda estão no papel; tensionar uma adesão dos municípios e estados a essas políticas públicas, já que vários partidos distintos governam estas localidades e, em boa parte delas, diferenças partidárias fazem com que governantes não façam uso de tais políticas pelo simples fato de não serem oriundas de seus partidos. A arrogância e o ego de alguns políticos prevalecem em detrimento daquelas pessoas que necessitam e fariam bom uso de tais políticas públicas.

As concepções sociais, econômicas e ambientais acabam se complementando, mesmo que por inúmeros momentos se contraponham. Por isso, o campo de disputa perpassado pelo Comsea de Pelotas é um ponto comum no que diz respeito a Segurança Alimentar e Nutricional, afinal:

Quanto à temática da segurança alimentar e nutricional, sua inserção na agenda governamental, tanto em nível internacional quanto nacional, sempre se viu permeada por inúmeros interesses e pelo envolvimento de diferentes atores sociais com maior ou menor poder de influência em termos de decisão política. (SILVA, 2014, p. 7).  

Estrutura e forma de atuação

O Comsea de Pelotas conta em sua atual estrutura com seis coordenadores elencados entre a sociedade civil e o poder público. Além desta coordenação, existem dois grupos de trabalho. Um deles é responsável pelo mapeamento do número de pessoas que passam fome na cidade e pelo acompanhamento das políticas públicas que estão sendo executadas. Este mesmo grupo de trabalho é responsável pelo levantamento relacionado à compra de merenda, indicando o número de pessoas que passam fome e quantas são as escolas que oferecem alimento a estas pessoas. Através destes dois grupos de trabalho o Comsea de Pelotas busca o seu fortalecimento, fugindo, assim, da lógica perversa em que os conselhos são enfraquecidos pelo jogo político, que faz com que as disputas travadas em seu interior não extrapolam suas fronteiras e limita seu poder (ALMEIDA; TATAGIBA, 2012).

Cabe salientar que o Comsea de Pelotas não tem uma presidência. Ele optou por um comando de uma coordenação. Esta coordenação tem a seguinte distribuição: duas pessoas responsáveis pela comunicação; duas pessoas responsáveis pela secretaria; um coordenador; um vice-coordenador.  Estes dois últimos citados, compõem um segundo grupo de trabalho, que tem como atribuição o permanente diálogo com o Consea-RS e junto ao Fórum dos Conselhos[2].

Seus encontros são mensais, sendo um deles uma reunião com os seus seis coordenadores e o outro uma plenária geral com todos os representantes. Fazem parte desta lista: Movimento do Pequenos Agricultores (MPA), Fórum de Segurança e Soberania Alimentar, Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direito (MTD), Cáritas Arquidiocesana e o Fórum da Agricultura Familiar. Do município ainda participam nutricionistas, Secretaria de Assistência Social, Secretaria de Educação, Universidade Federal de Pelotas e Universidade Católica de Pelotas. Assim, a rotina do Comsea de Pelotas vai ao encontro de uma maior expressão no caráter político e dialoga diretamente com a expectativa de que:

Precisamos de mudanças na prática cotidiana dos conselhos que confiram maior centralidade ao exercício da política, em lugar da rotina burocrática da gestão. Estamos entendendo política como a ação que traz para a arena pública demandas por justiça que interpelam consensos e regras instituídas. (ALMEIDA; TATAGIBA, 2012, p. 71).

Por isso, o Comsea de Pelotas consegue se distanciar do imobilismo político, já que tem participação atuante não só nas deliberações das políticas, mas também em suas aplicações. Seus coordenadores atuam como agentes políticos, abrindo espaço na temática de atuação com articulações e estreitamento de relações que possam viabilizar ou acrescentar a agenda do conselho.

Para a otimização de suas ações é imprescindível que o Comsea de Pelotas possa estabelecer conexões com os poderes Executivo e Legislativo. Existe um atropelo vindo destas duas instâncias, geralmente, por recursos advindos de emendas parlamentares. Estes aportes chegam à cidade com muitos dos seus destinos de contemplação eleitos sem qualquer tipo de discussão e participação dos conselhos. Portanto, estes laços com os gabinetes dos vereadores, assim como com as secretarias envolvidas no processo – Assistência Social e Educação – precisam sistematicamente e permanentemente serem preservados e fortalecidos.

Outra questão fundamental é a de se estabelecer uma comunicação que aumente a audiência pública do Comsea de Pelotas. Pois outro entrave muito comum se dá no fato das pessoas não saberem que determinadas ações são criadas e aplicadas pelos conselhos. Estudos apontam que os conselhos são poucos conhecidos além das organizações da sociedade civil da mesma temática e que existe uma baixa conexão entre conselheiros e movimentos populares. (ALMEIDA; TATAGIBA, 2012). Afinal, no que diz respeito à relação dos conselhos com a sociedade, eles são a representação oficial da sociedade civil com a qual o Estado tem que lidar. (AVRITZER, 2007).

Por fim, um aspecto também importante e com o qual o Comsea de Pelotas resiste fortemente para que não cair em seu uso é o dos conselhos estarem mais preocupados e perderem mais tempo com suas agendas sobre suas dinâmicas internas, ou seja, o principal a ser debatido são seus próprios regimentos, suas eleições de nova gestão e a manutenção de suas sedes. Deixando, assim, totalmente de lado aquilo que realmente importa, que é a deliberação, fiscalização e mobilização das políticas públicas para execução em seus territórios. A fuga de agir apenas em função de análises burocráticas também é salutar, pois cria um vínculo forte e a possiblidade de ampliar sua audiência perante a sociedade é maior, afinal, como já mencionado, é necessário publicizar aquilo que o conselho está fazendo e acompanhando. 

Desafios e projeções

Atualmente, duas são as políticas centrais do Comsea de Pelotas. Uma delas é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a outra é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Porém, além destes dois programas, por este ser um ano de eleições municipais, o Comsea de Pelotas também dá destaque ao seu papel político. Uma participação horizontal com os pretendentes ao cargo de prefeito municipal, assim como com aqueles que irão pleitear uma cadeira no legislativo pelotense está nos planos de ação do conselho.

Em resumo, sobre o PAA, a atuação do Comsea de Pelotas se dá no acompanhamento da formação de estoque e das doações simultâneas, aquelas que levam alimento onde o poder público não chega. Isto configura a prioridade dada pelo conselho em um dos seus principais objetivos, pois como afirma Raichelis (2008) o controle social não é neutro e nem isento de interesses privados de grupos hegemônicos. Por isso, foi necessário que o Comsea de Pelotas tomasse a dianteira desse processo, inclusive, com engajamento e forte participação em outros programas inseridos no PAA, como Cozinhas Solidárias, Doação Simultânea e do convênio entre o estado do Rio Grande do Sul e o município de Pelotas.

Quanto ao PNAE, o papel do Comsea de Pelotas é de fiscalizar o tipo de merenda escolar servida, seu valor nutricional e se possui relação com a agricultura familiar. Apesar da existência do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), a relevância desta atuação se dá pois ela acontece desde o plantio de determinado alimento, sua origem – se é oriundo da reforma agrária, por exemplo -, o modelo de agricultura no processo e a qualidade final daquele alimento que vai às mesas nas escolas.

A postura do Comsea de Pelotas em suas participações nestes dois programas, busca o enfrentamento das dificuldades recorrentes no cotidiano dos conselhos gestores. Como afirma, Santos (2015, p. 82):

No que tange ao exercício do controle social, na visão dos defensores dos conselhos gestores de políticas públicas enquanto instrumento de inovação política e de efetivação de democracia participativa. Pode-se verificar que este mecanismo não é tão novo, e mesmo estando inscrito na Constituição Federal há 26 anos, ainda, enfrentem inúmeras dificuldades no cumprimento do seu papel. […] No que concerne ao papel dos conselhos gestores de políticas públicas pôde-se concluir que estes têm capacidade de desenvolver uma sociabilidade política de forma plural, entretanto se faz necessário refletir acerca dos entraves à sua operacionalização por meio de estudos nessa área com ênfase no mapeamento das experiências conselhistas, tendo em vista não somente identificá-los, mas sobretudo problematizá-los.

Esta reflexão, além de destacar os entraves pelos quais passam os conselhos gestores, demonstram que desde a criação do Comsea no município de Pelotas ele não está associado à lógica do mero cumprimento formal para acesso à repasses de recursos, sem o mínimo de debate político qualificado. Pelo contrário, o Comsea de Pelotas, mesmo lutando contra diversas adversidades, tem se engajado nas pautas que atendem aos dois programas que estão no cerne da atual gestão, o PAA e o PNAE.

No início do mês de março do presente ano, foi realizada a 1ª Reunião Plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no Palácio do Planalto[3]. O teor dos assuntos tratados no evento mostra o quanto o Comsea de Pelotas está engajado e tem como prioridade o mesmo objetivo que o atual governo Lula tem se debruçado: o combate à fome. Na ocasião desta reunião em Brasília, o presidente Lula salientou que pretende, até o final de seu mandato em 31 de dezembro de 2026, que o Brasil não tenha mais ninguém passando fome por falta de comida.

Ainda, enquanto seu papel político, o Comsea de Pelotas percebe nas eleições do segundo semestre deste ano um espaço para cobrar dos futuros governantes que as pautas da área, principalmente o combate à fome, seja tratado como prioridade. Nesta mesma linha de raciocínio, Santos (2015) destaca que a democracia participativa, neste caso representada pelo Comsea de Pelotas, e a democracia representativa, através dos futuros governantes, devem andar juntos, sem um excluir o outro.

Nas eleições de 2020, assim como fez o Consea-RS em algumas cidades, o Comsea de Pelotas propôs um debate com todos os candidatos a prefeito. Naquela época nem todos os candidatos participaram. Para as eleições deste ano um novo debate como este está na pauta do Comsea de Pelotas. Entre os assuntos que serão abordados estão as questões voltadas ao combate à fome e à soberania e segurança alimentar.

Desta maneira, a democracia participativa segue enraizada no Comsea de Pelotas e em constante aperfeiçoamento. Em seu sexto ano de atuação em pautas e políticas da sua temática, o Comsea de Pelotas pode ser entendido como um ambiente político de afirmação de um controle social democrático. 

Considerações finais

A trajetória do Comsea de Pelotas, oriunda de dez anos de lutas junto ao Fórum de Segurança e Soberania Alimentar é similar a da maioria dos movimentos sociais das décadas de 70 e 80, os quais só com a Constituição Federal de 1988 tiveram validadas suas ações de democracia e controle social por meio da participação popular. Portanto, mesmo incipiente, com apenas seis anos de existência, o Comsea de Pelotas reflete em sua criação as reivindicações de uma década, o que por si já demonstra a força popular e democrática deste conselho. A luta contra fome foi e continua sendo o norteador de suas ações. O primeiro mapeamento de pessoas com fome em Pelotas foi realizado em 2019 pelo conselho, o qual pretende em 2024 atualizar estes dados. Além deste importante levantamento, o Comsea está em permanente cobrança para que as políticas públicas já anunciadas sejam executadas e aquelas que ainda estão no papel enfim se tornem realidade.

Enquanto sua estrutura e organização, a opção por não ser gerido por uma pessoa no cargo da presidência, mas sim por uma coordenação já mostra o quão democrático o Comsea de Pelotas busca ser. A participação de mais pessoas tanto na deliberação quando na efetividade das políticas públicas é alcançada – ou atinge uma maior satisfação – com mais agentes envolvidos. Agentes estes que no Comsea de Pelotas são atores políticos, com suas funções e atribuições pautadas pelas relações e conexões que cada um deles estabelece, seja com os demais movimentos que participam de suas plenárias, seja com os interlocutores que representam o poder público do município.

Quanto aos seus desafios e projeções, o papel político desempenhado pelo Comsea de Pelotas abarca das ações em consonância com o governo federal às eleições de outubro de 2024 e como deve ser a relação para com os futuros detentores de cargos na prefeitura e no legislativo pelotense. Conforme Gohn (2011) dos quatro modelos teóricos apresentados, dois deles, o de poder local e o de esfera pública são os que melhores trabalham a democracia participativa com sua vasta gama de atores nos mais diversos espaços públicos participativos.

Em suma, é verdade que os conselhos têm muito a melhorar na questão do controle social democrático como um todo, não só o Comsea de Pelotas. Porém, nele se enxerga avanços e posicionamentos coerentes em relação a suas lutas históricas; sua organização, mesmo que pouco numerosa, primando pela democracia e participação popular; e o envolvimento como ator político no processo dos programas que executam as políticas públicas que atendem suas demandas, assim como seu papel no cenário eleitoral de ontem e hoje.

Referências

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[1] Estudo desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

[2] O Fórum dos Conselhos Municipais foi criado em 1995 a partir do trabalho de extensão e assessoria técnica desenvolvida pela Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), e instituído em 1997, por um projeto executado através do grupo de apoio ao exercício da cidadania desta Escola. Está constituído por prazo indeterminado, não tem fins lucrativos, foi oficializado pela Lei Municipal nº 5.908 de 13 de junho de 2012.

[3] Informação disponível em: https://csb.org.br/noticias/lula-assina-decretos-de-combate-a-fome-em-plenariado-consea Acesso em: 15 março 2024.


[1] Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo (UCPel), especializado em Ciências da Comunicação (UCPel) e mestrando do Programa de Pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos (UCPel). Orcid: 0009-0005-2114-6329 E-mail: gabrielribeirojornal@gmail.com

[2] Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (UFF). Mestre em Sociologia pelo Instituto de Sociologia Jurídica de Oñati – Universidade do Estudo de Milão e Universidade do País Basco. Docente, pesquisador e extensionista nos cursos de Serviço Social e Direito da Universidade Católica de Pelotas. Professor no Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos (UCPel). Orcid: 0000-0003-0716-6268 E-mail: tiago.nunes@ucpel.edu.br

[3] Graduada em Direito (UCPel) e mestranda do Programa de Pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos (UCPel). Orcid: 0009-0002-4657-2955 E-mail: vanessapassospereira@gmail.com