OS DESAFIOS DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL SOB À PERSPECTIVA DO ENFERMEIRO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7846600


Andréa Cristina Alves
Maria Inês Lemos Coelho Ribeiro
Damiana Rodrigues
Jamila Souza Gonçalves
Monise Martins da Silva
Aline Teixeira Silva
Silvia Sidnéia da Silva


Introdução: A compreensão da experiência e dos desafios dos enfermeiros que atuam nos serviços de saúde mental propicia o aprimoramento de ações pautadas na perspectiva da reforma psiquiátrica. Objetivo: compreender a perspectiva de enfermeiros sobre o papel da Rede de Atenção Psicossocial e seus desafios na assistência à pessoa com transtornos mentais. Metodologia: Estudo qualitativo com seis enfermeiros que atuavam em serviços de saúde mental de uma cidade no norte mineiro. Os dados foram coletados em 2016 por meio de entrevistas semidirigidas e os dados foram submetidos à análise temática. Resultados: Identificou-se duas categorias temáticas: “O trabalho do enfermeiro e seu olhar frente à RAPS (essa rede precisou ser dinâmica e o cuidado foi pautado no território, adotando a referência contrarreferência como uma ferramenta importante para o cuidado em saúde mental); O cuidado em saúde mental pautado no acolhimento , escuta e construção clínica-pedagógica (trabalham na lógica da discussão de casos na Saúde  Mental, propondo uma discussão ampliada, sendo os encontros produtivos entre a  equipe tanto de construção de casos clínicos quanto de aprendizagem).Conclusão: O estudo forneceu importantes achados quanto à relevância da existência de uma rede de atenção psicossocial efetiva. Acredita-se que tais ações permitirão aos atores sociais visualizarem os nós críticos dessa rede e elaborarem estratégias para assegurar a continuidade do cuidado dos sujeitos que são atendidos.  

Descritores: Atenção Psicossocial; Enfermagem; Transtornos Mentais; Serviços de Saúde Mental; Enfermagem Psiquiátrica 

Introduction: Understanding the experience and challenges of nurses who work in mental health services allows for the improvement of actions based on the perspective of psychiatric reform. Objective: to understand the perspective of nurses on the role of the Psychosocial Care Network and its challenges in assisting people with mental disorders. Methodology: Qualitative study with six nurses who worked in mental health services in a city in the north of Minas Gerais. Data were collected in 2016 through semi-structured interviews and data were subjected to thematic analysis. Results: Two thematic categories were identified: “The Psychosocial Care Network and its political-social orientation” (this network needed to be dynamic and care was based on the territory in which the subject was inserted) and “The mental health nurse and their challenges facing the RAPS” (one of the challenges pointed out was the difficulty of a more continuous articulation with the different segments of the network, often this does not happen, due to the fact of the stigma that surrounds the subject with mental disorder. Conclusion : The study provided important findings regarding the relevance of the existence of an effective psychosocial care network.It is believed that such actions will allow social actors to visualize the critical nodes of this network and develop strategies to ensure continuity of care for the subjects who are assisted.

Descriptors: Psychosocial Care; Nursing; Mental Disorders; Mental Health Services; Psychiatric NursingIntrodução 

Introdução

Durante muito tempo, o louco foi considerado uma pessoa de alta periculosidade, destituído de razão, direitos e individualidade na sociedade. A Reforma Psiquiátrica iniciou um movimento de crítica aos saberes, modelos e serviços psiquiátricos tradicionais, trazendo um processo de construção civilizatória e respeitando à ética ao diferente, promovendo o debate sobre as iniciativas de desospitalização, de expansão de novas estratégias de atenção não hospitalar. A Reforma Psiquiátrica brasileira foi impulsionada por desenvolver-se em conjunto com os processos de democratização e participação social, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a descentralização da política de saúde e a luta por equidade e justiça social (RAMOS; PAIVA; GUIMARÃES, 2019)

Este movimento também é preconizado na atenção psicossocial e na construção de novos saberes e práticas sobre a loucura e o sofrimento psíquico com a valorização da assistência extra-hospitalar, da reabilitação psicossocial, do resgate da subjetividade, identidade e cidadania dos indivíduos e do trabalho multidisciplinar para o cuidado ao portador de sofrimento mental (YASUI; AMARANTE; 2018; PINHO; SOUZA; ESPIRIDIÃO, 2018).

Nesse contexto, foi proposta a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para a criação, extensão, integração e articulação de pontos de atenção à saúde mental, qualificação do cuidado e resposta à complexidade das demandas. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi criada como uma proposta organizacional de saúde mental no país, integrando os cuidados ordenados em serviços de base geográfica em todos os níveis e pontos de atenção no SUS (MOREIRA; ONOCKO-CAMPOS, 2017).

No ano de 2011, acontece a regulamentação da Portaria nº 3.088, trazendo uma nova forma de organizar as instituições de saúde e ações, recomendando a integralidade e continuidade do cuidado, a incorporação e relação de serviços e a edificação de conexões horizontais entre atores e setores, em oposição à desintegração de programas e conduções clínicas, ações curativas isoladas em serviços e especialidades: a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) (BRASIL, 2011).

O modelo organizacional para a saúde mental, procedente do modelo de redes de atenção à saúde (RAS), abrange dispositivos de diversos níveis de atenção: Atenção Primária à Saúde (APS), na qual estão inseridas as Unidades Básicas de Saúde (UBS), os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), as Equipes de Consultórios na Rua e os Centros de Convivência e Cultura. A Atenção Especializada, que conta com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diversas modalidades. A Atenção de Urgência e Emergência, Atenção Residencial de Caráter Transitório, Atenção Hospitalar, que é formada por leitos/enfermarias de saúde mental em hospital geral e pelo serviço hospitalar de referência; Estratégias de Desinstitucionalização como os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) e o Programa de Volta para Casa e Reabilitação Psicossocial através de iniciativas de geração de trabalho e renda (BRASIL, 2011).

 Entre todos os dispositivos de atenção à Saúde Mental, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) tem valor estratégico para assegurar o acesso a novas alternativas de cuidado com qualidade, resolutividade e articulação com a rede de atenção psicossocial (SILVA et al., 2020).

O CAPS desempenha o papel de principal interlocutor, para a construção de uma rede social e de cuidados e para atingir tal objetivo, utiliza-se do apoio matricial que consiste em proporcionar espaços de cuidados compartilhados, treinamento e educação permanente que envolva os profissionais das equipes de referência e matricial (SILVA et al., 2020).

Os enfermeiros possuem importante papel na promoção da reinserção psicossocial.  Para trabalhar nesse novo modelo de atenção, é importante que esses profissionais estejam preparados para essa realidade e desenvolvam competências para o relacionamento interpessoal e terapêutico, a tomada de decisões, planejamento da assistência e avaliação das condutas (BRAGA et al., 2020; SILVA; BRANDÃO; OLIVEIRA, 2018).   

Assim, é importante que os enfermeiros que atuam na Rede de Atenção Psicossocial, entendam que a proposta da portaria da RAPS vem se solidificando através de um cuidado humanizado, escuta qualificada, comprometimento entre os dispositivos da rede, aplicação de intervenções fora do âmbito da saúde e um olhar mais ampliado para as questões da saúde mental.

Assim, o objetivo deste estudo foi compreender a perspectiva de enfermeiros inseridos em serviços da Rede de Atenção Psicossocial (CAPS II, CAPSi, Unidade de Acolhimento Transitório e Consultório na Rua) em um município no norte mineiro sobre o papel da Rede de Atenção Psicossocial e seus desafios na assistência à pessoa com transtornos mentais.

Metodologia

Trata-se de um estudo transversal com abordagem qualitativa. O cenário da pesquisa foram os serviços de saúde mental localizados em um município do interior do norte de Minas Gerais – Brasil. Participaram da pesquisa 06 enfermeiros que atuavam nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS II e CAPSi), Unidade de Acolhimento transitório e Consultório na Rua.

Foram elegíveis e participaram do estudo todos os enfermeiros que atuavam nos Serviços de Saúde Mental (CAPSII, CAPSi e CAPS ad, Unidade de Acolhimento Transitório e Consultório na Rua) do município estudado, totalizando 06 enfermeiros, enquanto população da pesquisa.

O instrumento de coleta de dados foi entrevista semidirigida, norteada por um roteiro contendo questões sobre dados sociodemográficos e sua atuação nos serviços de Saúde Mental inseridos na Rede de Atenção Psicossocial (quanto à sua experiência profissional, sua formação na área da saúde mental, os desafios  enfrentados na rede de atenção psicossocial, sua conduta profissional frente às crises agudas e seus sentimentos ao  atender uma pessoa com transtorno mental), ao ouvir falar sobre RAPS o que vem na cabeça e qual sua perspectiva enquanto enfermeiro atuando na Rede de Atenção Psicossocial.

Destacou-se que o roteiro para a coleta de dados foi validado por um comitê de cinco juízes expertises na área, aos quais foi solicitado avaliar a forma e conteúdo, em relação aos objetivos do estudo, sendo que na devolutiva do instrumento validado, não houve acréscimos ao documento proposto inicialmente. 

As entrevistas tiveram duração de no máximo quarenta e cinco minutos, nas quais participaram apenas a pesquisadora e o participante. As entrevistas foram realizadas em ambiente privativo, sendo gravadas na íntegra nos serviços que os enfermeiros atuavam, através do gravador de um celular Iphone e em seguida, transcritas e analisadas. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora devidamente preparada, enfermeira especialista em saúde mental. Esta foi realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2016.

 Os participantes foram tratados pela letra “E” seguidos do número em algarismo romano, correspondente à ordem das entrevistas com o intuito de preservar o anonimato e facilitar a apresentação dos recortes dos depoimentos. 

Para análise dos dados foi utilizada a Análise Temática. Ela permite a identificação, análise e descrição de temas de forma aprofundada. A pesquisa seguiu as seis  fases propostas: 1- Familiarização com os dados – transcrição e releitura  dos dados; 2- Geração de códigos iniciais – codificação de características interessantes de todos  os dados de forma sistemática, confrontando os dados relevantes; 3- Procura por temas – agrupamento de códigos em temas potenciais, reunião de dados relevantes para cada tema  potencial; 4- Verificação dos temas em relação aos extratos codificados e ao conjunto de dados  com proposição de mapa temático de análise; 5 – Definição dos temas – análise em curso para  aperfeiçoamento de cada tema; 6 – Redação do relatório de investigação científica (BRAUN & CLARKE, 2006)

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto) (CAAE:51136615.5.0000.5498) e foram atendidas as recomendações preconizadas para o desenvolvimento de pesquisa com seres humanos. Portanto, os dados foram coletados mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme resolução 466/2012 (BRASIL, 2013).

Resultados  

Este estudo foi composto por seis enfermeiros que atuavam na Atenção Psicossocial de um município do interior do norte de Minas Gerais, representados em igual proporção de gêneros, sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino. 

Os enfermeiros tinham idades variando entre 29 a 51 anos. O tempo de atuação dos enfermeiros, teve uma maior frequência, entre 2 e 5 anos nos serviços, isso representou um maior vínculo e proximidade do enfermeiro com a política de atendimento naquele serviço, o que resultou em melhores condições de trabalho e de assistência ao usuário. 

A maioria dos enfermeiros trabalhavam em CAPS (CAPSII e CAPSi), representado por quatro profissionais.

Em relação à jornada de trabalho dos enfermeiros cinco cumprem regime de trabalho de 40 horas, e apenas um 30h semanais. 

Referente à participação em algum treinamento introdutório para atuarem nos dispositivos da Atenção Psicossocial, quatro disseram não ter participado e dois tiveram capacitação para iniciar suas atividades. Os entrevistados citam: A enfermeira do serviço ministrou um treinamento e capacitação” (EI) “estudo introdutório para atuação no Consultório na Rua. (EVI)

Quanto à participação em eventos em saúde mental, cinco dos enfermeiros, participaram de encontros, simpósios, oficinas, entre outros, no contexto da saúde mental.

Os participantes da pesquisa foram questionados sobre ao ouvirem falar em RAPS o que derivava para eles e foram convidados a lançarem três palavras que fizessem alusão a RAPS. Nesse contexto, três citaram Rede, escuta e olhar diferenciado (EI, II e III) e os outros três referiram palavras como equipe, comprometimento e acolhimento (EIV, V e VII). 

Os temas que emergiram foram agrupados em duas categorias temáticas: 1) O trabalho do enfermeiro e seu olhar frente à RAPS; 2) O cuidado em saúde mental pautado no acolhimento, escuta e construção clínica-pedagógica.

Categoria 1 – O trabalho do enfermeiro e seu olhar frente à RAPS

 A análise dos dados permitiu evidenciar, que trabalhar na saúde mental, sob a ótica do enfermeiro, foi algo gratificante, e que todos têm um carinho e um cuidado significativo pelos usuários que são atendidos nos dispositivos da Atenção Psicossocial, como seguem nos trechos dos discursos a seguir: Trabalhar na Saúde Mental é uma satisfação imensa, estar cuidando e tratando das pessoas que tem um transtorno mental. (EV) Outro depoimento que reforça essa ideia: É muito gratificante, trabalhar na Saúde Mental porque você lida com pessoas que tem alguma necessidade grave ou até mesmo leve que precisa de um apoio, e de uma atenção maior, que faça com que esse paciente se estabilize e crie um vínculo com um profissional pra que ele possa estar diminuindo esse agravo e a necessidade a que ele precise.” (EIV) ou Enquanto enfermeira no serviço, além de atuar na assistência, gestão e acolhimento. É muito gratificante ver a evolução e considerável melhora do paciente (E I).

Ao trabalhar na saúde mental, o profissional enfermeiro, necessitou adotar a lógica do fluxograma e articulação das informações, discussão e construção de caso clínico, sobretudo, através da referência e contrarreferência. No entanto, as falas dos entrevistados, apontaram que o sistema de referência e contrarreferência não era efetivo. Ocorria limitada articulação das condutas (projeto terapêutico singular); dificuldade em buscar os serviços que compõem essa rede, de maneira, que os profissionais, muitas vezes, tinham um desconhecimento sobre a existência dos serviços da rede ou não tinham informações claras sobre a função dos dispositivos: O desafio maior é a articulação entre a saúde mental com a saúde básica. Porque o pessoal da Saúde Básica não tem entendimento que nós temos enquanto saúde mental.” (EVI) Outro depoimento que reforça essa ideia: Em estar em busca de outros serviços, porque geralmente o serviço vem aqui a gente está em prontidão em ajudar, mais geralmente não faz o que eles geralmente combinam com a gente, por exemplo, esse é o principal problema em buscar o CRAS, CREASS, acho que é o principal desafio. (E III) ou O maior desafio que a Rede funcione de forma integral e que      serviço tende a resolver todas as questões do paciente em toda rede de atenção primária, secundária, terciária. (E IV)

Em relação aos aspectos referentes às ações de interdisciplinaridade na rede de atenção psicossocial, apontaram a supervisão clínica institucional como um promotor de espaço para colocação de impasses, anseios e dificuldades que estão presentes na prática de todo enfermeiro e profissionais que atuam no CAP’S e outros dispositivos da saúde mental. A partir dessa lógica, construiu-se um lugar de prática teórico-clínica, como veremos a seguir: Uma vez ao mês o supervisor clínico institucional vem fazer este estudo com a gente o dia inteiro, com dezesseis municípios que é o estudo da microrregião, e também tem os estudos de casos pra dar um direcionamento a cada cliente. (E VI) Outro depoimento que reforça essa ideia: A gente faz os estudos de casos, a discussão entre a equipe, quando está difícil reúne a rede e temos também a orientação com o supervisor clínico, os estudos com o supervisor clínico. (E V) ou A gente realiza as discussões mensal, com supervisor clínico institucional com os municípios, discussão de caso, tem o grupo de estudo, que a gente realiza uma vez por mês com todos os municípios, com todos os serviços em saúde mental, PSF, NASF, CRAS, CREASS, e também com fórum. (EII) 

Categoria 2- O cuidado em saúde mental pautado no acolhimento, escuta e construção clínica-pedagógica

O atendimento do enfermeiro em Saúde Mental e sua conduta frente à pessoa em sofrimento psíquico foi realizado na lógica do acolhimento, utilizando a vertente da Reforma Psiquiátrica, como balizador superando as intervenções tradicionalmente hospitalocêntricas e medicalizantes.  

Para tanto, visou implantar estratégias de cuidados: territoriais e integrais ancorados em novos saberes e valores culturais.

Neste sentido, o acolhimento foi presente, pois ao acolher o  sujeito que se encontra instável psiquicamente, tentaram compreender todo seu processo de sofrimento, buscando conhecer a realidade do cotidiano do sujeito, buscando ações  que possibilitaram alternativas de expressão da sua produção psíquica, fundamental na  construção de um novo olhar em Saúde Mental, de acordo com os discursos a seguir:  Minha conduta primeiramente é o acolhimento, depois eu faço a  escuta, deixo o paciente livre para estar falando, fazer essa articulação  com ele, a partir traço seu projeto terapêutico ou encaminho ele para outro  serviço caso não seja um caso para o CAPS.” (E VI) Outro depoimento que reforça essa ideia: Fazer o acolhimento, a escuta, ver o que o caso demanda, discutir com  a equipe e se fizer necessário fazer a contrarreferência para a Rede, quando não se trata de um caso para Saúde Mental, que pode ser conduzido na Estratégia de Saúde da Família. (E I) ou A gente acolhe, faz a escuta e quando não é da saúde mental a gente escuta e direciona o caso no departamento adequado. (E V).

Os participantes colocaram que trabalham na lógica da discussão de casos na Saúde Mental, propondo uma discussão ampliada, sendo os encontros produtivos entre a equipe tanto de construção de casos clínicos quanto de aprendizagem, colocando que nos serviços existia uma discussão entre toda equipe:  Acolher fazer escuta e discutir o caso com a equipe, isso é muito rico e nos ensina muito no cotidiano. (E IV) Outro depoimento que corrobora com a ideia: A primeira coisa que a gente faz é a escuta, da escuta a gente tenta solucionar o caso, em discussão com profissionais, pois cada caso é um caso, se for necessário, encaminha para atendimento psiquiátrico, a gente encaminha na hora a gente conversa com ele e ele faz uma avaliação na hora. (E III) ou A gente vai fazer a escuta, vai reunir a equipe, discutir o caso, para a melhor conduta. (E V) 

Na prática assistencial da enfermagem, os casos atendidos respeitavam a subjetividade e singularidade das pessoas com transtornos mentais, norteando à assistência, havia uma reflexão que aquele caso que estava sendo avaliado era único, onde relataram o seguinte: Não. Mesmo assim, precisamos saber que cada caso é um caso.” (E VI) Outro depoimento que corrobora com a ideia: Não. Pois cada caso é um caso. (E III) Ou Não, porque? Porque cada paciente é único, cada um a gente vai direcionar né conforme o que ele traz então assim não tem como a gente seguir um protocolo em saúde mental.” (E II) 

Discussão 

No nosso estudo, ficou evidenciado quanto a paridade de gênero dos enfermeiros, este dado remete quanto à existência do homem na profissão enfermagem. Quando se analisa a história, através dos séculos, é possível encontrar dados que contradizem o mito que a categoria é formada apenas por mulheres, pois o campo da saúde tem sido dominado pelos homens ao longo da maior parte da história da humanidade. É evidente uma estreita relação do surgimento do homem no cenário da enfermagem com as guerras, na Roma e Grécia antigas, e a vida religiosa, com os monges (PADILHA, 2006)

No estudo, grande parte dos enfermeiros, colocaram quanto a participação em eventos que foram importantes para sua formação profissional e aquisição de conhecimento para ser aplicado na prática assistencial.  

No novo modelo do fazer em saúde mental, a estratégia de educação permanente tem como desafio firmar a reforma psiquiátrica (COSTA et al., 2017). Para o alcance deste desafio, os clássicos programas de educação continuada, designados apenas a informar os profissionais sobre recentes avanços em seu campo de conhecimento, devem ser trocado por programas mais amplos de educação permanente que visem articular conhecimentos profissionais específicos com o de toda a rede de saberes envolvidos no sistema de saúde. Deste modo, a formação do enfermeiro passa a exigir programas interdisciplinares de ensino que possibilitem análises mais integradas dos problemas de saúde (VICENTE et al., 2019).

O Modelo de Referência e Contrarreferência é o modo de organização dos dispositivos configurados em redes sustentadas por critérios, vicissitudes e mecanismos de pactuação de funcionamento, para garantir a atenção integral aos usuários. No entendimento de rede, deve-se reafirmar a perspectiva da lógica, que legitima a hierarquização dos níveis de complexidade, viabilizando encaminhamentos resolutivos (dentre os diferentes equipamentos de saúde), porém reafirmando a sua concepção central de suscitar e assegurar vínculos em diferentes níveis de atenção: inter-equipes de saúde, inter-equipes/serviços, entre trabalhadores e gestores, e entre usuários e serviços/equipes (KANTORSHI et al., 2017). 

Os participantes apontaram que as ações de interdisciplinaridade na rede de atenção psicossocial, foram de extrema importância para execução do cuidado. Apontaram a supervisão clínica institucional como um promotor de um espaço onde a equipe coloca seus impasses, anseios e dificuldades que estão presentes na prática de todo enfermeiro e profissionais de nível superior. O supervisor, não é o detentor do saber como aquele que doutrina, nem do controle como aquele que vistoria, mas, sim, aquele que manobra a clínica, os impasses que existem no trabalho e abre um espaço de escuta de todo processo de qualificação dos serviços de saúde mental (LIMA; SAMPAIO; CUNHA, 2019).

A escuta foi algo como um balizador, da assistência dos enfermeiros, ela proporcionou o fortalecimento do vínculo entre sujeito e profissional que atendeu, e através dela se criou um olhar individualizado para cada caso, na medida em que valoriza e permite a manifestação do sofrimento, das fragilidades, das dúvidas e dos afetos. A escuta produz alívio e a sensação de resolutividade diante do que é apresentado, atos essenciais no trabalho em saúde, particularmente em saúde mental, quando se dá voz ao sofrimento do outro, propondo-se a auxiliá-lo na busca da resolução de sua dificuldade (16).

A construção do caso clínico, implica em construir a história do sujeito, partindo da vertente de que a equipe que o acompanha nada sabe a seu respeito. O lugar que cada profissional se estabelece na relação com o sujeito é interpretado pela própria equipe. A decisão de uma conduta não é tomada pela maioria; não se trata de uma decisão democrática; a soberania da clínica passa a ser o saber do sujeito – este é o saber focado na construção do caso clínico (DINARDI; ANDRADE, 2005).

Com essa crítica, aumenta a relevância da concepção de clínica ampliada, cuja fundamentação se faz a partir do entendimento ampliado do processo saúde-doença; construção compartilhada de diagnósticos e terapêuticas; amplificação do objeto de trabalho, evitando o desmembramento do cuidado; a mudança dos meios ou ferramenta de trabalho, autorizando uma clínica compartilhada e a sustentação para os trabalhadores de saúde (TAVARES; MESQUITA, 2019). 

Nesse sentido, o campo psicossocial tem como objetivo, a produção de saúde mais humana, com estruturação de um modelo assistencial coletivo, construído dentro de um ambiente multiprofissional com qualidade interdisciplinar. Nesta vertente, o profissional de saúde mental de formação superior ou média não compete, solidariza; não se subjuga ou estabelece hierarquia e protocolo, mas discernimento e colaboração. Esse modelo é coerente com a proposta do trabalho em rede preconizado no Brasil, na qual a integralidade do cuidado é a base do cuidado em todos os níveis de atenção à saúde (VENTURA et al., 2014).

As ações em saúde mental devem elevar novas possibilidades de mudar e qualificar as situações e modos de vida, orientando-se pela produção de vida e de saúde e não se limitando à cura de doenças. Isso significa reconhecer que a vida pode ter diversas maneiras de ser percebida, experimentada e vivida. Para tanto, é preciso ver o sujeito em suas várias dimensões, com seus desejos, anseios, valores e escolhas (BRASIL, 2014).

Conclusão

Este estudo teve como objetivo, compreender a perspectiva de enfermeiros sobre o papel da Rede de Atenção Psicossocial (CAPS e outros dispositivos da saúde mental) e seus desafios enquanto articulador da rede considerando a assistência à pessoa com transtornos mentais.  Foram identificados duas categorias temáticas: O trabalho do enfermeiro e seu olhar frente à RAPS; (o enfermeiro colocou que seu trabalho é gratificante, que o sistema de referência e contrarreferência não era efetivo, a supervisão clínica institucional é vista como uma promotora de espaço para a equipe colocar seus impasses, anseios e dificuldades); O cuidado em saúde mental pautado no acolhimento, escuta e construção clínica-pedagógica. (Havia uma discussão de casos na Saúde Mental, propondo uma investigação das causas, tratavam os casos de acordo com a singularidade e subjetividade).

Na realização deste estudo, observou-se que os enfermeiros estão trabalhando dentro de uma lógica humanista, com sua assistência pautada no acolhimento, discussão dos casos clínicos, escuta terapêutica e com desejo de prestar a assistência adequada às pessoas em sofrimento psíquico.  

Outro ponto, muito importante na pesquisa, foi o fato dos enfermeiros atuarem na  proposta interdisciplinar, participando de diversas discussões, estudos clínicos e reuniões com  toda rede de assistência, para melhor construção de um projeto terapêutico individualizado,  ficando legitimado uma assistência humanizada e pautada em uma escuta ampliada e não  meramente no seguimento de uma prescrição individualizada de acordo com a categoria  profissional, o trabalho foi feito por todos os envolvidos inclusive o sujeito em sofrimento  psíquico. 

Espera-se que este estudo colabore para mostrar que o enfermeiro inserido na Rede de Atenção Psicossocial tenha a compreensão da importância que ele ocupa no cuidado ao sujeito com transtorno mental e à sua família, e que supere a repetição de ações e cuidados, sem questioná-los e avaliá-los. Também, espera-se que este estudo auxilie no despertar de novas investigações a respeito de um tema complexo, como é o trabalho e os desafios do enfermeiro em saúde mental. 

Referências 

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