OLHANDO PARA A SÍNDROME DE DOWN SOBRE A PERSPECTIVA DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

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Dra. Carla Trevisan Martins Ribeiro

Fisioterapeuta neurofuncional do Instituto Nacional da Saúde da Mulher da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); Doutora em ciência; Professora da pós-graduação em Pesquisa Aplicada à Saúde da Criança e da Mulher/ IFF/Fiocruz.

Contextualização
A síndrome de Down (SD) é a anomalia cromossômica mais comum, causada geralmente pela trissomia do cromossomo 211. Para além das características fenotípicas1 (como dedos curtos, prega palmar única, inclinação palpebral superior, base nasal achatada), esta condição leva a alguns prejuízos sobre as estruturas e funções corporais (como alterações neuromusculoesquléticas, comprometimento das funções mentais e alterações de deglutição e no sistema nervoso)2, que pode levar a limitações sobre o desenvolvimento sensóriomotor de maneira bem diversificada3.
O desenvolvimento sensóriomotor da criança com SD ocorre de maneira mais lenta e com bastante variabilidade das aquisições das etapas motoras em comparação com as crianças típicas3. O atraso nas atividades de autocuidado também é observado na criança e no adolescente com SD, sendo característico um menor repertório de habilidade e uma maior dependência dos cuidadores4. Isto ocorre principalmente devido as alterações estruturais do sistema nervoso central (SNC), como a redução da espessura do córtex e do volume tronco encefálico e cerebelo, diminuição do número de neurônios, das sinapses nervosas e da mielinização, que levam a hipotonia, fraqueza muscular, tempo de reação mais lento, e déficits de equilíbrio3,5,6.
Compreendendo a fisioterapia neurofuncional como uma área de especialidade da fisioterapia que atua de forma preventiva, curativa, adaptativa ou paliativa nas sequelas das desordens do sistema nervoso e doenças neuromusculares.
Entende-se que a intervenção fisioterapêutica neurofuncional para crianças com SD, apoiada nos conceitos atuais da neurociência e em práticas baseadas em evidência mostra-se primordial para a funcionalidade desta população7. Um tratamento precoce com estímulos específicos potencializa não só a aquisição das etapas de desenvolvimento motor, mas também beneficia o desenvolvimento perceptocognitivo, emocional e social da criança8.

Desenvolvimento
O atual foco da fisioterapia neurofuncional pediátrica é a prática direcionada as atividades e participação da criança no contexto social, sobrepondo as antigas abordagens focadas na deficiência, sob a égide da base teórica advinda da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Também é importante considerar as mudanças conceituais sobre as teorias de controle motor e do conceito atual sobre o tratamento focado na família, ressaltando a importância dos fatores contextuais sobre a funcionalidade humana. Essas três premissas são pontos chaves para um tratamento precoce efetivo e direcionado as necessidades da criança e de sua família2.
Com relação a prática baseada em evidência, diversos estudos indicam que o método neuroevolutivo8-10 e as intervenções sensóriomotoras5,9 são primordiais para o ganho de habilidades na criança com SD. A tecnologia assistiva também é importante para as atividades de autocuidado e facilitação do alcance de algumas atividades11. O treinamento com uso de esteira ergométrica, já bem documentado na literatura7,13, auxilia na aquisição da marcha de criança com SD, que pode ter um atraso de um ano em comparação com a criança típica12. Outras pesquisas apontam que na medida que a criança adquire a marcha independente e alcança todos os marcos motores, outras intervenções podem ser úteis para trabalhar os diversos aspectos do desenvolvimento, como a equoterapia14.
O tratamento fisioterapêutico neurofuncional se concentra nos 3 primeiros anos de vida devido a plasticidade neural e aos períodos críticos de desenvolvimento8,15. Contudo, com o avanço da idade, a criança com SD pode apresentar mudanças funcionais e estruturais, como obesidade, maior propensão à osteoporose, redução da sua capacidade cardiovascular e diminuição da força muscular, fatores que podem limitar sua atividade e restringir a sua participação16. Portanto, é imprescindível o acompanhamento fisioterapêutico e programas de exercícios para o adolescente e o adulto com SD, a fim de aumentar a qualidade de vida para esse indivíduo 2,15.

Conclusão
O tratamento fisioterapêutico neurofuncional precoce é essencial para direcionar a facilitação das etapas do desenvolvimento sensóriomotor aproveitando a janela de desenvolvimento da criança. As experiências vivenciadas por ela nos primeiros anos de vida podem influenciar sua trajetória cognitiva, emocional e social15.
A criança com SD têm potencialidade de se tornar um indivíduo independente e integrado à sociedade. Contudo, é importante que o tratamento fisioterapêutico não tenha como objetivo o foco sobre a deficiência e seus comprometimentos de estrutura e função, mas sim seja direcionado ao alcance de atividade que visem sua participação na sociedade.

Referência:
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Leitura Complementar:
Pereira K, Basso RP, Lindquist AR, Silva LG, Tudella E. Infants with Down syndrome: percentage and age for acquisition of gross motor skill. Res Dev Disabil. 2013 Mar;34(3):894-901.
Ruiz-González L, Lucena-Antón D, Salazar A, Martín-Valero R,
Moral-Munoz JA. Physical therapy in Down syndrome: systematic review and meta-analysis. Journal of Intellectual Disability Research 63 (8): 1041–1067, 2019.
Camargos ACR, Chagas PSC. Síndrome de Down. In: Camargos et al. (org) Fisioterapia em pediatria: da evidência à prática clínica. Rio de Janeiro: Medbook, p.112-131, 2019