OBESIDADE E JOELHOS VALGOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

OBESITY AND KNOCK KNEES IN CHILDREN AND ADOLESCENTS: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503230711


Genésia Regina Soares Pereira1
Yuri de Morais Facó2
Danilo Simões Rocha3


Resumo

Este estudo tem como objetivo analisar por meio de uma revisão bibliográfica, sobre a obesidade e joelhos valgos em crianças e adolescentes e  suas maneiras de tratamento. A prevalência da obesidade varia em diferentes regiões do mundo. Os fatores de risco para esse distúrbio incluem urbanização, redução da atividade física e aumento da ingestão de calorias associadas a um estilo de vida sedentário . Devido à sua alta prevalência e complicações, é importante medir o Índice De Massa Corporal (IMC). As deformidades esqueléticas do joelho, como geno valgo, são  doenças ortopédicas  de alta prevalência , especialmente em crianças e adolescentes. Esses distúrbios podem ser congênitos ou adquiridos, sendo os mais comuns o joelho valgo. O joelho valgo consiste numa deformidade  do joelho no plano frontal que  acentua o contato entre as articulações componentes do joelho durante a sustentação de peso, levando ao afastamento dos joelhos. Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, exploratória, com abordagem descritiva realizado através de uma revisão de literatura. Os dados serão coletados nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (Scielo) e National Library of Medicine (PubMed), no período de 2010 a 2024.É importante que seja identificado precocemente crianças e adolescentes que sofrem de obesidade e joelhos valgos, sendo fundamental para que possam receber um tratamento multidisciplinar adequado.

Palavras-chave: Ortopedia, obesidade, criança, adolescente, joelhos valgos, prevenção, diagnóstico, tratamento.

Abstract

This study aims to analyze, through a literature review, obesity and valgus knees in children and adolescents and ways of treating them. The prevalence of obesity varies in different regions of the world. Risk factors for this disorder include urbanization, reduced physical activity and increased calorie intake, and modern life. Due to its high prevalence and complications, it is important to measure the true Body Mass Index. Skeletal deformities of the knee, such as valgus knees, are one of the most common diseases, especially in children and adolescents. These disorders can be congenital or acquired, the most common being valgus knees, which is a form of knee deformation in the frontal plate, which, if present, is in contact with the knee joints in the case of weight bearing on the knees, leading to the separation of the knees. This is an exploratory literature review study, with a descriptive approach carried out through a literature review. Data will be collected from the following databases: Scientific Electronic Library Online (Scielo) and National Library of Medicine (PubMed), from 2010 to 2024. It is important to identify children and adolescents who suffer from obesity and knock knees early, which is essential for them to receive appropriate multidisciplinary treatment.

Keywords: Orthopedics, obesity, child, adolescent, knock knees, prevention, diagnosis, treatment.

INTRODUÇÃO

A obesidade é um dos transtornos alimentares mais prevalentes no mundo em crianças e adultos. É uma comorbidade cujos índices populacionais seguem crescendo, principalmente no contexto pós Covid-19, tendo a obesidade infantil aumentado de x% para y% no tempo z. É um problema de saúde pública, que afeta trezentos milhões de pessoas em todo o mundo, aumentando assim o risco de morte e reduzindo a expectativa de vida1.  

A prevalência da obesidade varia em diferentes regiões do mundo. Dados apontados pelos registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirmam que uma em cada grupo de três crianças, com idade entre cinco e nove anos, está acima do peso no Brasil.  Os fatores de risco para esse distúrbio incluem urbanização, redução da atividade física e aumento da ingestão de calorias associadas a um estilo de vida sedentário2. Os problemas ortopédicos mais comuns em crianças em idade escolar com sobrepeso e obesidade são pés planos e joelhos valgos, sendo essa incidência maior do que a observada na população eutrófica, ou seja, que não são obesas³. Deste modo, 87% vs. 24% nas crianças com obesidade comparadas às eutróficas, com um p= 0, 0001, apresentam maior indecência de terem pés planos e joelhos valgos6.

O foco deste estudo foi o joelho valgo em crianças e adolescentes com obesidade infantil. Este estudo apresenta grande relevância social, pois muitos desconhecem que crianças e adolescentes podem ser acometidos com joelhos valgos. Para tanto, é importante que a sociedade em geral, especialmente os pais e médicos generalistas, tenham conhecimento sobre a importância de combater a obesidade infantil como forma de prevenção de distúrbios musculoesqueléticos bem como saber identificar a necessidade de avaliação e tratamento para joelhos valgos patológico com atenção especializada com o ortopedista.

Os joelhos valgos, também conhecidos como genu valgum, são um tipo de alinhamento do joelho visto quando uma criança (ou adulto) fica em pé com os joelhos juntos, mas os pés e tornozelos ficam separados3.  A articulação do joelho desempenha um papel fundamental no suporte do corpo e na sustentação do peso durante atividades estáticas e na transmissão de forças durante as atividades dinâmicas5

O arcabouço ósseo fornecido pela tíbia proximal e o fêmur distal pouco contribuem para a estabilidade do joelho. Isso porque durante as diversas atividades as forças compressivas e de tração são aplicadas nesta articulação, sendo seu suporte e estabilidade complementados pelos músculos e ligamentos ao seu redor. Nesse sentido, o joelho é uma das articulações mais vulneráveis  do corpo6

Os joelhos valgos fazem parte das deformidades do plano frontal do membro inferior. A maioria dos pacientes são assintomáticos e não apresentam limitações funcionais. Esta condição pode ser associada a pés planos e dores ocasionais na região medial do pé e joelho. As crianças começam a desenvolver joelho valgo fisiológico a partir dos 2 anos de idade, e ele se torna mais proeminente entre os 3 e os 4 anos de idade. Depois disso, normalmente diminui para uma posição estável e levemente valgo aos 7 anos de idade. Na faixa etária dos adolescentes, espera-se uma mudança mínima, ou mesmo nenhuma, neste alinhamento. A distância intermaleolar tem sido utilizada para avaliar o grau de joelho valgo. É a distância entre os maléolos mediais em um paciente em pé com côndilos femorais mediais tocantes7. Distâncias intermaleolares maiores que 8 cm são consideradas patológicas. Raramente, nos casos em que o alinhamento em valgo continua a aumentar, pode estar associado a uma marcha com os dedos para fora, subluxação lateral da patela e fricção dos joelhos enquanto a criança deambula3

Quando as anormalidades esqueléticas são levantadas no desenvolvimento infantil, dá-se mais atenção às anormalidades da coluna vertebral. A negligência das outras articulações, como no caso de crianças e adolescentes com joelho valgo, leva ao atraso no diagnóstico daqueles que são patológicos e, por consequência, repercute na perda da janela de intervenção terapêutica levando a distúrbios de musculoesqueléticos complexos como 5

Os joelhos valgos geralmente são avaliados medindo-se diretamente o ângulo da tíbia em relação ao fêmur (ângulo tibiofemoral) ou medindo-se a distância entre os tornozelos (distância intermaleolar).  Radiografias podem ser realizadas  para calcular essas medidas25.

As principais causas de joelhos valgos, além da obesidade na infância, são doenças como osteoartrite ou deformidades ósseas ou, raquitismo, traumas ou fraturas na região como artrite, artrose ou lesões ligamentares, entre outras. A genética também pode influenciar. Ressalta-se que a maioria desse problema, é ocasionado por problemas no fêmur ou tíbia22.

A obesidade durante a infância e adolescência encontra-se associada à joelhos valgos mais graves e é mais comumente vista em crianças com pés planos e aquelas com articulações hipermobilidade. A obesidade pode desempenhar um papel na etiologia do joelho valgo que progride com a maturação esquelética, aumentando assim o risco de osteoartrite na idade adulta18

Quanto aos sintomas do joelho valgo podem ser: dor nos joelhos, amplitude do movimento diminuída, frouxidão ou instabilidade nos joelhos, progresso do desvio/desalinhamento dos joelhos ao longo do tempo, bursites, tendinites, lesões articulares23

O tratamento pode ser realizado no decorrer da fase de crescimento da criança, por meio de um tratamento qualificado, realizado por médicos ortopedistas. O tipo de tratamento varia conforme o quadro de cada paciente8. Podem ser por meio de uso de medicamentos, como analgésicos e que não interferem no curso da doença; bem como os anti-inflamatórios, cirurgia, fisioterapia e exercícios físicos, os quais podem ajudar a fortalecer os glúteos e o quadril, utilização de palmilhas ortopédicas e órteses (tem como finalidade incitar o desenvolvimento de crescimento da cartilagem), Reeducação Postural Global (RPG), entre outros18-24. Quando o paciente descobre que tem joelho valgo em estágio inicial, poderá realizar um tratamento apropriado, o que poderá contribuir com que a doença não progrida para quadros mais intransigentes25.

Tratamentos conservadores podem ser benéficos, como exercícios e programas de perda de peso para reduzir a obesidade e melhorar o movimento do joelho em crianças, ou joelheiras e órteses de pé para osteoartrite dolorosa associada a joelhos valgos em adultos. No entanto, essas intervenções exigem mais evidências científicas para apoiar seu uso, pois atualmente não há muitas18-25.

Crianças com joelhos valgos patológicos graves ou em piora podem precisar de cirurgia ortopédica para corrigir o alinhamento do joelho, principalmente na presença de dor persistente ou incapacidade, independentemente da causa subjacente. A cirurgia ortopédica raramente é necessária. Para a maioria das crianças, os joelhos valgos são apenas uma parte normal do crescimento24.

Estudos recentes mostraram evidências de uma relação entre sobrepeso e obesidade com distúrbios angulares do joelho6. Como nos estudos de Ciaccia et al em 20178 e Shapouri em 20199, mostraram em seus estudos uma prevalência de joelhos valgos foi maior em indivíduos obesos.

Além disso, em estudo realizado por Landauer et al em 201310, foi confirmada a alta incidência de joelhos valgos em pacientes obesos. Em um estudo realizado por Taylor et al.11, o estado musculoesquelético foi avaliado em crianças obesas de 11 a 12 anos, e foi revelada maior prevalência de joelhos valgos em crianças e adolescentes obesos. 

Também no estudo Maciałczyk-Paprocka12, mostra que os desvios posturais mais comuns em crianças e adolescentes obesos foram joelhos valgos e pés planos. O sobrepeso e a obesidade em crianças e adolescentes, predispondo à maior incidência de alguns tipos de erros posturais e exigem programas de prevenção que abordem ambos os problemas de saúde. Deste modo, a chance de ocorrência de joelho valgo em crianças e adolescentes sobrepeso e obesidade foi, respectivamente, 6,0 e 75,7 vezes maior do que entre magros ou eutróficos.

A correlação entre deformidades do joelho e Índice de Massa Corporal (IMC) em crianças e adolescentes deve ser avaliada em diferentes faixas etárias, bem como com outros fatores de confusão, como medicação hormonal, distúrbios subjacentes relacionados à obesidade13

As características antropométricas, particularmente a massa corporal, são fatores importantes no desenvolvimento e progressão das deformidades angulares em joelho valgo e têm implicações a longo prazo, incluindo aumento do risco de osteoartrite,  do risco de lesão das articulações patelofemoral e tibiofemoral, bem como alterações compensatórias nas articulações do tornozelo e pé e aumento do risco de fraturas da tíbia8.No entanto, as informações sobre como o peso corporal excessivo afeta a biomecânica das atividades dinâmicas em crianças e adolescentes são limitadas14. A relação entre a obesidade e a gravidade do joelho valgo na população pediátrica parece ser um indicador prognóstico de um curso de doença mais desafiador, complicado por uma maior probabilidade de intervenção cirúrgica15. Diante ao tema exposto, surgiu o seguinte questionamento: Quais as causas e tipos de tratamentos realizados em crianças e adolescentes com obesidade e joelhos valgos?

Diante disso, este estudo tem como objetivo analisar por meio de uma revisão bibliográfica, sobre a obesidade e joelhos valgos em crianças e adolescentes e maneiras de tratamento.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica, exploratória, com abordagem descritiva realizado através de uma revisão de literatura. 

Compreende-se a revisão de literatura, como sendo uma abordagem metodológica referente às revisões, as quais é permitida a inclusão de vários tipos de estudos, para que se possa ter uma abrangência completa do fenômeno analisado. Também se refere a dados da literatura teórica e empírica16.

Já quanto a pesquisa exploratória tem como finalidade aprimorar as ideias do autor do trabalho que será desenvolvido.  Seu planejamento é, contudo, bastante flexível, de modo que possibilita a considerar variados aspectos relativos ao fato estudado17

O estudo descritivo-exploratório tem como objetivo a aproximação e familiaridade com o fenômeno-objeto da pesquisa, descrição de suas características, criação de hipóteses e apontamentos, e estabelecimento de relações entre as variáveis estudadas no fenômeno17.

Já a abordagem descritiva, junto ao método exploratório tem como finalidade à aproximação e familiaridade com o fenômeno-objeto da pesquisa, descrição de suas características, criação de hipóteses e apontamentos, e estabelecimento de relações entre as variáveis estudadas no fenômeno16.

Os dados foram coletados nas seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (Scielo) e National Library of Medicine (PubMed), no período de 2010 a 2024, utilizando busca nos Descritores de Ciência e Saúde (DeCS): “Ortopedia, alterações ortopédicas, obesidade, criança, adolescente,  joelhos valgos, prevenção, diagnóstico, tratamento”, bem como seus correspondentes na língua inglesa: “Orthopedics, orthopedic changes, obesity, child, adolescent, valgus knees, prevention, diagnosis, treatment”.

Após a identificação inicial dos trabalhos, a seleção de artigos obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: estudos que abordem sobre a obesidade e joelhos valgos em crianças e adolescentes e maneiras de tratamento, ensaios clínicos, estudos quantitativos sobre o tema, artigos publicados em português e inglês, tempo de publicação dos estudos, limitando-se entre 2010 a 2024 e outras informações específicas relacionadas ao assunto.

Já quanto aos critérios de exclusão, foram excluídos artigos como editoriais, resumos, capítulos de livros, revisões de literatura, aqueles que não contribuíam com informações satisfatórias sobre o tema abordado, que não se encaixaram no intervalo de tempo previamente determinado, que não apresentavam disponibilidade de texto completo de forma gratuita e que fossem publicados antes de 2010.

A pesquisa seguiu as seguintes etapas:

1. Coleta de dados através do preenchimento do formulário (instrumento de coleta), 

2. A coleta de dados foi realizada nas Bases Virtuais de Saúde (BVS) como: Scientific Electronic Library Online (Scielo) e National Library of Medicine (PubMed), no período de 2010 a 2024.

2. Foi realizada a leitura dos títulos dos artigos, posteriormente dos resumos.

3. Em seguida foi feita a leitura na íntegra dos artigos e aplicação dos critérios exclusão e inclusão, para assim definir o total de publicações que fará parte dos resultados finais do estudo. 

4. Confecção de um quadro nos resultados, contendo autores e ano de publicação, objetivos, metodologia, e principais resultados encontrados.

4. Análise, discussão e conclusão dos resultados.

5. Considerações Finais.

6. Referências.

Após extrair os dados dos artigos selecionados para o estudo, foi utilizado um instrumento padronizado, através de um quadro (Resultados da Pesquisa) com os seguintes itens: autores e ano de publicação, objetivos, metodologia, e principais resultados encontrados, além de analisar sob a luz dos autores, ou seja, na discussão do estudo foram mostradas ideias de cada autor sobre o tema exposto. Portanto, os dados foram analisados em forma de texto.

O processo de seleção dos artigos está apresentado na Figura 1.

Figura 1. Fluxograma das buscas no portal regional da SCIELO e PUBMED. 

Fonte: Autora (2024)

Conforme demonstrado no fluxograma acima, para o estudo foram selecionados 130 artigos nas bases Scielo e Pubmed, após a leitura na íntegra dos resumos e aplicação dos critérios de inclusão foram excluídos 124 sendo incluídos, portanto, 06 artigos na amostra final, ou seja, nos resultados do estudo. 

RESULTADOS

De um total de vinte (21) estudos incluídos nesta revisão, seis (6) estudos originais (ensaio clínico, estudo prospectivo randomizado, análise de custo-efetividade, estudo retrospectivo) foram selecionados para serem apresentados nos resultados. Todos os estudos estavam relacionados a sobre a obesidade e joelhos valgos em crianças e adolescentes e maneiras de tratamento, de acordo o Quadro 1. 

Quadro 1 – Síntese dos estudos.

DISCUSSÃO

A obesidade como causa de deformidade angular de membros inferiores como joelho valgo em crianças é bem estabelecida. Essa deformidade é mais frequentemente vista como tíbia vara, no entanto, no estudo de Walker18 foi observado mais crianças e adolescentes obesos com mais de 7 anos de idade com joelho valgo idiopático excessivo ou progressivo. A hipótese é que crianças com joelho valgo idiopático têm altas taxas de obesidade que impactam a gravidade de sua doença.

O estudo de Soheilipour6, teve como objetivo avaliar a relação entre o IMC de pacientes com obesidade e a ocorrência de joelho varo e joelho valgo na forma de anormalidades estruturais e angulares no joelho. O estudo foi realizado com 280 pacientes com sobrepeso ou obesos (com IMC > 25 kg/m2). Vários métodos não radiográficos, incluindo a medição do ângulo Q, distância inter-maleolar e distância entre dois joelhos foram usados  para determinar o joelho valgo . O IMC também foi calculado dividindo o peso pelo quadrado da altura. A prevalência de joelho valgo e varo foi de 8,6% e 10,0%, respectivamente. Houve uma correlação adversa significativa entre o ângulo Q e o IMC. O IMC médio em pacientes com e sem joelho valgo foi de 43,39 ± 3,33 kg/m2 e 41,58 ± 4,61 kg/m2, respectivamente, sendo significativamente maior no grupo geno valgo  (P = 0,044). Além disso, houve correlação direta entre o IMC de pacientes com distância inter-maleolar e correlação inversa entre o IMC e distância de dois joelhos.

A intervenção realizada foi a seguinte: o paciente foi levado três passos para frente, depois ficou de pé e os membros inferiores estavam o mais próximos possível. Três indicações foram feitas para determinar os eixos femoral e tibial no corpo do paciente, incluindo o marcador proximal no umbigo, o marcador médio no centro da articulação do joelho e o marcador distal na linha média posterior do maléolo medial e lateral do membro inferior. O eixo femoral consiste em uma linha que conecta o umbigo ao meio da articulação do joelho e o eixo tibial consiste em uma linha que conecta o joelho ao tornozelo. Esses dois eixos produzem ângulos que são medidos por um medidor de ângulo. O ângulo Q variando de 1 a 21 graus é considerado normal, enquanto um ângulo de mais de 21 graus é diagnosticado como joelho varum e menos de 1 grau como joelho valgum6.

O estudo concluiu que existe uma relação forte e significativa entre a incidência de obesidade e joelho valgo; portanto, a prevalência dessa deformidade em indivíduos obesos é previsível. A menor incidência de joelho valgo em pessoas obesas é previsível na sociedade. Além disso, a prevalência de deformidades do joelho em indivíduos obesos pode ser bastante independente do sexo e da idade dos pacientes6.

Já Walker18 et al., realizaram uma revisão retrospectiva dos dados existentes em 66 crianças consecutivas/112 membros com mais de 7 anos de idade com joelho valgo idiopático, entre os anos de 2010 a 2013. Crianças com doença metabólica ou esquelética conhecida foram excluídas. O joelho valgo foi definido como eixo mecânico na zona II ou III e ângulo tibiofemoral mecânico ≥4 graus na radiografia anteroposterior em pé dos membros inferiores.

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado e classificado pelos percentis da Direção-Geral da Saúde. A maturação esquelética foi avaliada pelo fechamento das fises pélvica e peri-genu. A gravidade do joelho valgo também foi avaliada pelos eixos mecânicos femoral e tibial e pelo desvio do eixo mecânico. A idade média dos pacientes foi de 12,2±2,2 anos. 47% dos pacientes tinham IMC≥30 e 71% foram categorizados como obesos (>95º percentil). Nenhuma diferença de sexo foi identificada. A maturação esquelética explicou 25% da variância no desvio do eixo mecânico e 22% do ângulo tibiofemoral mecânico. O IMC previu 9,8% do joelho valgo tibial. Devido à sua distribuição distorcida, o percentil do IMC foi um parâmetro menos útil para avaliação.

Os autores concluíram que a taxa de obesidade de 71% encontrada nas crianças com joelho valgo idiopático é significativamente maior do que a da população normal. IMC mais alto está associado a mais valgo tibial, mas a maturação esquelética foi o principal preditor da gravidade geral do valgo. Isso sugere que a obesidade pode desempenhar um papel na etiologia do joelho valgo idiopático que progride com a maturação esquelética, aumentando assim o risco de osteoartrite na idade adulta.

O estudo de Ciaccia19, teve como objetivo avaliar a prevalência de joelho valgo e fatores associados em escolares do ensino fundamental.  Foi realizado um estudo transversal com crianças e adolescentes matriculados em uma escola de ensino fundamental de Santos, SP. Foram avaliados 1.050 adolescentes e crianças, 71 a mais que a amostra calculada, com média de idade de 8,5±1,6 anos, variando de 5 a 13 anos. 7,1% (IC95% 5,7-8,9) das crianças e adolescentes apresentaram genuvalgo. Quanto ao sexo, 52% dos participantes eram do sexo feminino. A avaliação do estado nutricional dividiu os sujeitos da seguinte forma: 1,9% magros, 57,4% eutróficos, 16,9% sobrepeso e 23,8% obesos.  O desalinhamento do joelho foi avaliado pela distância intermaleolar, considerando ≥8 cm ou <8 cm. A confiabilidade interexaminadores foi medida pelo coeficiente Kappa, resultando em 0,94. O estado nutricional foi avaliado segundo as referências da Organização Mundial da Saúde de 2006. O modelo de regressão logística foi aplicado para analisar as variáveis  associadas ao joelho valgo. Entre os escolares, 7,1% apresentaram joelho valgo. A frequência foi maior entre escolares com sobrepeso ou obesidade. Em média, os escolares com joelho valgo são mais velhos do que aqueles sem. Maiores percentuais de ocorrência foram encontrados entre os alunos mais velhos, mesmo não havendo associação entre idade e joelho valgo. Não houve associação com o sexo. No modelo de regressão logística, apenas o estado nutricional foi significativamente associado a essa condição. A chance de ocorrência de joelho valgo em escolares com sobrepeso e obesidade foi, respectivamente, 6,0 e 75,7 vezes maior do que entre indivíduos magros ou eutróficos. A prevalência de joelho valgo em escolares do ensino fundamental e adolescentes foi de 7,1%, sendo maior entre escolares com sobrepeso/obesidade e não apresentando associação com gênero ou idade.

No estudo de Maciałczyk-Paprocka12, o objetivo foi avaliar a prevalência de postura corporal incorreta em crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade. A população estudada consistiu em 2.732 meninos e meninas de 3 a 18 anos com obesidade, sobrepeso e massa corporal padrão. A avaliação da massa corporal foi realizada com base no IMC, adotando os valores de corte de Cole. A avaliação da postura corporal foi realizada de acordo com o gráfico de erros posturais com base nos critérios cumpridos pelo professor Dega. As taxas de prevalência de erros posturais foram significativamente maiores entre crianças e adolescentes com sobrepeso e obesidade do que entre o grupo com massa corporal padrão. No grupo com sobrepeso, foi de 69,2% e no grupo obeso, de 78,6%. Os desvios posturais mais comuns em crianças e adolescentes obesos foram joelhos valgos e pés chatos. Sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes, predispondo a maior incidência de alguns tipos de erros posturais, exigem programas de prevenção que abordem ambos os problemas de saúde. O que se sabe: O aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade entre crianças e adolescentes tem chamado a atenção para complicações de saúde adicionais que podem ocorrer nessa população, como a ocorrência de postura corporal incorreta. O que há de novo: O quadro modificado de erros posturais demonstrou ser uma ferramenta eficaz na avaliação de postura corporal incorreta. Este quadro pode ser utilizado na avaliação da postura durante testes de triagem e ações de prevenção na escola.

Em outro estudo de Jankowicz-Szymanska & Mikolajczyk20 teve como objetivo examinar a relação entre obesidade, joelho valgo e pés chatos em crianças e encontrar implicações práticas para intervenções terapêuticas. Um total de 1364 crianças de 3 a 7 anos participaram da pesquisa. Seu índice de massa corporal foi calculado e seu status de peso descrito. O alinhamento do joelho dos participantes foi avaliado medindo a distância intermaleolar na posição em pé com os joelhos em contato. A altura do arco longitudinal de cada pé foi medida usando o ângulo de Clarke. A prevalência de sobrepeso e obesidade aumentou com a idade. Redução da distância intermaleolar e aumento do arco longitudinal do pé, característicos do crescimento e desenvolvimento típicos, foram observados. O joelho valgo foi mais comum em crianças com sobrepeso. Correlações significativas entre índice de massa corporal, distância intermaleolar e ângulo de Clarke (P < 0,05) também foram descobertas. Crianças com sobrepeso ou que demonstram obesidade são mais propensas a desenvolver joelho valgo e pés chatos.

Jankowicz-Szymańska21, em seu estudo teve como objetivo determinar a relação entre o grau de curvaturas fisiológicas da coluna e a incidência de posição incorreta do joelho. O estudo foi composto por 685 crianças de 10 a 12 anos. Altura corporal, peso e IMC foram medidos e calculados. O grau de cifose torácica e lordose lombar foi avaliado usando o sistema de ultrassom Zebris Pointer. Joelhos valgos e varos foram diagnosticados em posição ereta com base na distância intermaleolar com os joelhos juntos e na distância intercondilar com os pés colocados juntos. A análise estatística usa estatística descritiva, o teste U de Mann-Whitney (comparação de meninas e meninos), o teste de Kruskal-Wallis, o teste post hoc de Tukey (comparação de variáveis  em participantes com joelhos corretos, varo e valgo) e o coeficiente de correlação de postos de Spearman (a relação entre a posição da coluna e os joelhos). As meninas examinadas eram mais pesadas do que os meninos e tinham IMC mais alto. Deformidades da coluna e posição incorreta do joelho são comuns entre crianças de 10 a 12 anos. As meninas e os meninos diferiram significativamente no formato da coluna no plano sagital e na distância intermaleolar. A lordose lombar redonda é mais característica para meninas e, para meninos, a cifose torácica redonda. Para ambos os sexos, os joelhos valgos ocorrem com mais frequência do que os joelhos varo e coexistem com a diminuição da cifose torácica. Quanto mais redonda a cifose torácica, maior a distância entre os joelhos e menor a distância entre os tornozelos. A posição frontal do joelho correlacionou-se significativamente com a profundidade da cifose torácica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi demonstrado neste estudo que o sobrepeso e a obesidade em crianças e adolescentes, apresentam maior incidência de alguns tipos de erros posturais como no caso de joelhos valgos. Deste modo, é importante a implementação de programas de prevenção que abordem tal patologia como problemas de saúde.

Respondendo ao questionamento levantado neste estudo, as principais causas de joelhos valgos em crianças e adolescentes com obesidade são: falta de exercícios físicos, sedentarismo, alimentação incorreta, maturação esquelética. A obesidade pode desempenhar um papel na etiologia do joelho valgo que progride com a maturação esquelética, aumentando assim o risco de osteoartrite na idade adulta. E os principais tipos de tratamentos, devem ser realizados durante a fase de crescimento da criança, por meio de um tratamento qualificado, realizado especialmente por médicos ortopedistas. O tipo de tratamento varia de acordo com o quadro de cada paciente. Podem ser por meio de uso de medicamentos, como como analgésicos e que não interferem no curso da doença; bem como os anti-inflamatórios, cirurgia, fisioterapia e exercícios físicos, os quais podem ajudar a fortalecer os glúteos e o quadril, utilização de palmilhas ortopédicas e órteses (tem como finalidade incitar o desenvolvimento de crescimento da cartilagem), Reeducação Postural Global (RPG), entre outros. Quando o paciente descobre a doença em estágio inicial, poderá realizar um tratamento adequado, o qual poderá colaborar com que a doença não progrida para quadros mais severos.

Deste modo, é importante que seja identificado precocemente crianças e adolescentes que sofrem de obesidade e joelhos valgos, sendo fundamental para que possam receber um tratamento multidisciplinar adequado.

Concluindo, a obesidade infantil tem efeitos multifacetados profundos no sistema musculoesquelético em desenvolvimento, onde crianças podem desenvolver distúrbios angulares como joelhos valgos ocasionado pelo sobrepeso e obesidade. A perda de peso, sob supervisão médica, com diretrizes nutricionais adequadas, pode ajudar a neutralizar os efeitos nocivos da obesidade infantil.

Este estudo não esgota-se por aqui, merecendo que sejam realizadas futuras pesquisas, seja por acadêmicos ou residentes de ortopedia, para descrever mais casos sobre a obesidade e joelhos valgos em crianças e adolescentes e maneiras de tratamento. Além disso, estudos futuros são necessários para examinar a sequela de crianças com sobrepeso e obesidade que sofrem de dor musculoesquelética crônica.

SUPORTE FINANCEIRO 

Não houve financiamento específico de agências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos. 

CONFLITO DE INTERESSES 

Os autores declaram não haver conflito de interesses

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1Médica residente em ortopedia-traumatologia, Hospital Regional de Sobradinho-SESDF, Distrito Federal, Brasil.

2Médico ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho- SESDF, Distrito Federal, Brasil

3Médico ortopedista, Hospital Regional de Sobradinho- SESDF, Distrito Federal, Brasil.