OBESIDADE E INFERTILIDADE FEMININA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7823410


Bernardo Caracci Martins¹
Enzo Assunção de Assis Santos¹
Fábio Alves Barbosa Filho¹
João Vitor Mota Cachoeira¹
Raphael de Jesus Castro Ferreira¹
Henrique Casado Lima²
Gustavo Mendes Bento²
Igor Neves Sáber Gabriel²
Fabrício Alves de Oliveira Campos²,³


RESUMO

A obesidade e o sobrepeso são definidos como o acúmulo excessivo de gordura corporal, considerando obesa a pessoa que apresenta índice de massa corpórea (IMC – peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros) maior ou igual a 30 kg/m2 e com sobrepeso pessoas com IMC entre 25 e 29,9kg/m2, as causas da obesidade são complexas e multifatoriais e incluem fatores genéticos, hormonais, ambientais, comportamentais, sociais e culturais. A obesidade nas mulheres está associada a uma série de situações mórbidas que se relacionam à infertilidade em muitos dos casos. Por definição a Infertilidade é a dificuldade de um casal obter gravidez no período de um ano tendo relações sexuais sem uso de nenhuma forma de anticoncepção, isso e motivado nas mulheres por causas ovarianas e ovulares, tubárias e do canal endocervical, ou até ligadas à própria fertilização, intervenções têm sido propostas, mas estudos mais profundos ainda são necessários. A reversibilidade ou profilaxia da infertilidade em detrimento da obesidade depende do tratamento da moléstia, isto é, o sobrepeso, sendo necessários meios como atividade física e uma dieta regrada com intuito de atingir o índice de massa corpórea ideal, sendo de suma importância as medidas propostas pelo Ministério da Saúde, uma vez que levantam meios pautados nos dez passos para uma alimentação adequada e saudável.

Palavras chave: Obesidade; Infertilidade; IMC; sobrepeso.

ABSTRACT

Obesity and overweight are defined as the excessive accumulation of body fat, considering obese the person with body mass index (BMI – weight in kilograms divided by the square of height in meters) greater than or equal to 30 kg/m2 and overweight people with a BMI between 25 and 29.9 kg/m2, the causes of obesity are complex and multifactorial and include genetic, hormonal, environmental, behavioral, social and cultural factors. Obesity in women is associated with a series of morbid conditions that are related to infertility in many cases. By definition, Infertility is the difficulty for a couple to obtain a pregnancy within a year, having sex without the use of any form of contraception, this is motivated in women by ovarian and ovular, tubal and endocervical canal causes, or even linked to the Fertilization interventions have been proposed, but more in-depth studies are still needed. The reversibility or prophylaxis of infertility at the expense of obesity depends on the treatment of the disease, that is, overweight, and means such as physical activity and a regulated diet are necessary in order to achieve the ideal body mass index, with the proposed measures being of paramount importance by the Ministry of Health, as they raise means based on the ten steps to adequate and healthy eating.

Keywords: Obesity; Infertility; BMI; overweight.

INTRODUÇÃO

A obesidade é o acúmulo excessivo de gordura corporal em um indivíduo. Segundo o IBGE (2020), o Brasil tem cerca de 27 milhões de obesos, sendo que mais de 47% das mulheres brasileiras apresentam sobrepeso ou obesidade (números estatísticos esses que vêm crescendo expressivamente ao longo dos anos). A obesidade se associa com diversas enfermidades na população feminina, como, por exemplo: síndrome metabólica, síndrome do ovário policístico, anovulação crônica, infertilidade, câncer de endométrio, perdas gestacionais, diabetes gestacional, dentre outras. 

Em adultos, segundo a OMS (1995), considera-se como obesa a pessoa que apresenta um índice de massa corpórea (IMC – peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros) acima de 30 kg/m2. As causas da obesidade são complexas e multifatoriais e incluem fatores genéticos, hormonais, ambientais, comportamentais, sociais e culturais.

Já a infertilidade é a dificuldade de um casal engravidar passado o período de um ano com a prática de relações sexuais sem uso de quaisquer formas anticoncepcionais, ou seis meses, caso a paciente com útero tenha mais de 35 anos. De acordo com dados da OMS (2020), cerca de 278 mil casais não conseguem ter filhos no Brasil, sendo que 30% das causas provém das mulheres. As causas de infertilidade são diversas, podendo estar relacionadas à alterações ovarianas, tubárias, endometriais, dentre outras.

Nesse contexto, já é sabido que a infertilidade é um problema comum entre mulheres obesas, sendo que essas apresentam mais irregularidade menstrual e uma chance menor de concepção, quando comparadas às mulheres com peso normal. Segundo estudos recentes, obesas têm uma chance de aproximadamente 66% de engravidar em um ano versus 81% de mulheres com peso normal. A obesidade tem grande interferência tanto nas chances de concepção quanto em reproduções assistidas. Diante disso, segundo diversos estudos publicados, alguns dos possíveis mecanismos envolvidos na piora da fertilidade, de forma geral, são: estado pró-inflamatório, lipotoxicidade, descompensação hormonal e estresse oxidativo.

METODOLOGIA

O presente estudo se trata de uma revisão de literatura do tipo narrativa, onde a metodologia utilizada de pesquisa bibliográfica se baseou na análise de artigos, matérias e livros já publicados. Ao total, foram selecionados onze artigos, um livro e cinco matérias encontradas em websites. As bases de dados utilizadas foram, principalmente, Scielo e BVS MS. O critério de busca foi baseado na utilização dos descritores “infertilidade” e “obesidade”, além da pesquisa por palavras-chave específicas.

Figura 1 – Fluxograma da metodologia

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Vários são os hormônios que compõem o maquinário endócrino da mulher, entretanto, no que tange a sexualidade e função reprodutiva, quatro merecem destaque: o hormônio folículo estimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH), também denominados gonadotrofinas; bem como os hormônios esteroides estradiol e progesterona. Todo o eixo hormonal reprodutivo depende inteira e diretamente da variação e ação dessas substâncias, contudo, antes de entendê-lo, é preciso a compreensão de como o organismo sintetiza os hormônios esteroides.

O processo de esteroidogênese contém várias vias bioquímicas que se interligam na síntese de glicocorticóides (como o cortisol), mineralocorticóides (a exemplo da aldosterona) e esteróides sexuais (estrógenos e andrógenos) e todos seus precursores corticoesteróides, conforme descrito na figura 2. Enfatiza-se que o lípide de cadeia longa denominado colesterol é essencial para a formação de todas essas substâncias e, apesar de ser fundamental para a esteroidogênese e outras estruturas e funções do organismo – tal qual a composição das membranas celulares -, seu excesso não significa necessariamente um benefício para o/a indivíduo/a, mas tal problemática será discutida mais adiante. Ademais, é preciso enfatizar que as cadeias reacionais na formação dos glicocorticóides podem apresentar falhas e defeitos, quer sejam esses mediados por erros enzimáticos, quer sejam pela concentração desequilibrada das substâncias, a qual uma vez que há excesso de determinado glicocorticóide, desloca-se o equilíbrio da reação para outras vias alternativas.

Figura 2 – Esteroidogênese. Adaptado de: Willians, 2014.

É importante a visualização desse eixo hormonal de forma cíclica e hormônio-dependente, já que as variações das substâncias tendem a obedecer padrões que implicam em alterações nos ciclos ovariano e endometrial da mulher.

Estabelece-se que o primeiro dia do ciclo corresponda ao primeiro dia do sangramento menstrual e que o ciclo normal compreende 21 a 35 dias, sendo 28 dias a média. O Hormônio Liberador de Gonadotrofinas (GnRH), à altura do hipotálamo, conduz pulsos de frequência variada à adenohipófise que por conseguinte sintetiza os hormônios luteinizante (LH) (a partir de altas frequências pulsantes) e folículo-estimulante (FSH), baixa frequência. Quando essas gonadotrofinas chegam nos ovários, estimulam a maturação folicular e a produção dos hormônios ovarianos, destacando-se o estrogênio, progesterona e androgênios (esteroides) e o hormônio peptídeo inibina.

O ciclo pode ser dividido nas fases folicular e lútea. Na primeira, há o desenvolvimento dos folículos maduros com concomitante proliferação endométrica, tudo isso em meio à elevação do hormônio estrógeno que promove um pico de FSH e LH, sendo esse último responsável pela liberação do óvulo e por formar o corpo lúteo. Havendo fecundação e implantação do zigoto, as gonadotrofinas tendem a diminuir num primeiro momento, ao passo que o estradiol e a progesterona se elevam pelo corpo lúteo mantido pela gonadotrofina coriônica humana (HCG), a fim de manter o organismo feminino propício para a gestação. Por outro lado, se o óvulo não for fecundado, os níveis séricos dos esteroides diminuem, sendo impossibilitado o espessamento do endométrio, que descama, originando a menstruação e um novo ciclo. Ademais, vale ressaltar que todos esses hormônios esteroides e outros como a inibina exercem feedback loops no eixo hipotálamo-hipófise, alterando a síntese e/ou secreção do GnRH e das gonadotrofinas.

A obesidade (bem como o sobrepeso) trata-se do acúmulo excessivo de gordura corporal em um indivíduo. Assim, como já é amplamente sabido na literatura científica, tal condição pode acarretar em muitos problemas de saúde para o indivíduo, sendo de fundamental importância conhecer sobre o cenário biológico e o social que envolvem o excesso de peso.

Em relação à epidemiologia do excesso de peso, segundo divulgações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, o Brasil tem cerca de 27 milhões de pessoas consideradas obesas, sendo que o total de indivíduos acima do peso (incluindo, portanto, pessoas com sobrepeso) chega a quase 75 milhões. Além disso, voltando-se mais especificamente para a população de mulheres, averiguou-se que no Brasil mais de 47% das mulheres apresentam sobrepeso ou obesidade, número esse que vem crescendo expressivamente ao longo dos anos (com acentuação desse fenômeno em meio à pandemia de COVID-19): entre 2003 e 2019 a obesidade feminina passou de 14,5% para 30,2% segundo o IBGE. E ainda analisando-se o excesso de peso em mulheres, constatou-se que essa condição de saúde ocorre, de forma significativa, em mulheres jovens, sendo que, por exemplo, 22,9% das garotas entre 15 e 17 anos sofrem de excesso de peso, de acordo com dados do Instituto.

Abordando-se a fisiopatologia da obesidade, entende-se que essa é complexa e decorre de um desequilíbrio do chamado balanço energético, caracterizado por aumento do consumo de calorias e redução do gasto energético ao longo de um determinado período. Nesse contexto, em decorrência da obesidade, são observadas alterações endocrinológicas em diversos eixos hormonais, sendo que os principais a serem discutidos neste artigo são: eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, eixo somatotrófico e eixo tireotrófico.

No tocante ao eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, primeiramente, segundo diversos estudos epidemiológicos, em relação à puberdade, indica-se que há, possivelmente, uma alteração na ação da leptina (hormônio atuante na via anorexígena, e que sofre resistência de atuação na maioria dos obesos) na regulação de GnRH hipotalâmico. Em segunda instância, no que diz respeito aos esteroides sexuais e gonadotrofinas (à exemplo do hCG) no adulto, observa-se que as gonadotrofinas apresentam pouca ou nenhuma alteração em quadros de obesidade, sendo que diferenças na pulsatilidade de LH não foram encontradas em obesas antes da menopausa, apesar da produção desse hormônio estar aumentada em tais quadros de excesso de peso; por outro lado, os esteroides sexuais (abrangendo a produção androgênica adrenal e ovariana) apresentam um aumento significativo nas taxas de fração livre desses, sendo importante enfatizar, nesse contexto, que os níveis de estrógenos totais em mulheres obesas são praticamente iguais aos de mulheres magras. E, ainda nesse âmbito dos esteróides, é importante ressaltar que a globulina ligadora de hormônios sexuais (SHBG) encontra-se diminuída em indivíduos obesos, causando grande impacto no aumento do metabolismo e na ação dos esteróides sexuais. Portanto, pode-se dizer que a obesidade é uma condição de hiperestrogenismo, a qual está associada à um aumento de risco para hiperplasia endometrial e carcinoma hormônio-sensível em mulheres.

A fim de se explicar mais profundamente a fisiologia endocrinológica envolvida na condição de hiperestrogenismo provocada pela obesidade, observa-se que há um aumento da enzima aromatase (presente no tecido adiposo), e assim, a aromatização (reação enzimática responsável pela conversão de andrógenos a estrógenos, no caso), a qual ocorre no tecido adiposo de homens e mulheres, está intensificada, devido ao aumento da aromatase (proporcionalmente elevado em obesos). Por conseguinte, com o aumento da aromatização, grande parte dos androgênios são convertidos, levando à um excesso de estrogênios (estrona e estradiol, por exemplo). Por fim, é importante ressaltar que o tecido adiposo é um grande reservatório de esteróides, já que eles se concentram preferencialmente nos adipócitos, aumentando, dessa forma, o nível de estrógenos na mulher obesa. Assim, alterações no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal devido à obesidade, podem, portanto, desregular o ciclo menstrual (acarretando em problemas como amenorreia e hipermenorreia, por exemplo), levar a doenças associadas (como, por exemplo, à síndrome do ovário policístico) e gerar infertilidade feminina (como por exemplo, infertilidade anovulatória).

Já em relação ao eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, é notado que esse apresenta-se hiper-responsivo nos indivíduos obesos (a partir do estímulo de substâncias como o ACTH, por exemplo). Nesse contexto, nota-se a presença de um hipercortisolismo funcional, condição essa que pode contribuir para a síndrome metabólica em indivíduos obesos.

No eixo somatotrófico, observa-se um nível reduzido e uma hipo-responsividade de GH à estímulos em indivíduos obesos. Além disso, averiguou-se que há um aumento da resistência insulínica e da produção dessas moléculas pelas células de gordura do indivíduo. De forma associada, ácidos graxos livres encontram-se elevados em condições de hiperinsulinemia.

Por fim, no eixo tireotrófico, observa-se que em obesos em estado neutro de balanço energético, os níveis de TSH, T4 e T3 são normais. Porém, notam-se alterações quando o indivíduo está em estado de jejum (com redução de T3) e quando esse apresenta-se em estado de hiperalimentação (com aumento de T3).

O diagnóstico de obesidade se dá na idade adulta, por meio do cálculo do IMC (índice de massa corpórea) – peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros. Nesse contexto, o excesso de peso apresenta graus diferentes, e, à medida que se torna maior, mais graves são as consequências para a saúde do indivíduo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) estabeleceram classificações conforme descrito na seguinte tabela:

Tabela 1 – Classificação internacional da obesidade segundo o índice de massa corporal (IMC) e o risco de comorbidades (Organização Mundial da Saúde) que divide a adiposidade em graus ou classes. Fonte: FEBRASGO, 2019.

Todavia, ainda em meio ao diagnóstico de obesidade, é válido ressaltar que, além do cálculo do IMC, também é importante avaliar de forma minuciosa a distribuição da gordura pelo corpo da pessoa, tendo em vista os diferentes padrões corporais e enfermidades que se dão de forma variada. Para tal, podem ser utilizadas outras medidas como a circunferência abdominal e a relação cintura-quadril, por exemplo.

No que diz respeito aos agravos relacionados à obesidade, sabe-se que ela é fator de risco para uma série de enfermidades. Com isso, além daquelas já citadas, pode-se mencionar ainda outras relevantes, como por exemplo: hipertensão, diabetes tipo 2, artrose, artrite e refluxo gastroesofágico. Ademais, também é importante avaliar as repercussões do excesso de peso no ciclo gestacional, tanto em relação à mãe quanto em relação ao bebê, já que a obesidade aumenta o risco para diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, parto prematuro, desenvolvimento de anomalias congênitas, entre outros quadros preocupantes.

No tocante à etiologia da obesidade, é possível inferir que tal condição de saúde apresenta causas complexas e relacionadas à múltiplos fatores, de forma a incluir: fatores genéticos (os quais são extremamente relevantes no ponto em que se relacionam com o padrão da atividade metabólica do indivíduo, por exemplo); hormonais (no que diz respeito às taxas e mecanismos dos hormônios no indivíduo, como já foram mencionados anteriormente em alguns pontos); ambientais (em relação à), comportamentais (dentre os quais pode-se citar o comportamento sedentário por exemplo, o qual aumentou significativamente em tempos de pandemia de COVID-19), sociais (relacionando-se, por exemplo, à pobreza), culturais (como, por exemplo, no tocante ao padrão alimentar característico de cada grupo social), entre outros.

Entende-se como infertilidade o insucesso na gravidez para um casal que mantém relações sexuais sem métodos contraceptivos no intervalo de um ano ou no intervalo de seis meses, caso a paciente com útero tenha mais de 35 anos. Tal agravo pode ter fatores masculinos, de ambos os sexos ou femininos, e estes por sua vez, para melhor entendimento, são divididos didaticamente em quatro grupos causai

As causas ovarianas e ovulares refletem dificuldades, problemas ou ausência na ovulação. Estão relacionadas ao hipotireoidismo, menopausa precoce, idade superior a 37 anos, insuficiência ovariana prematura, secreção excessiva de prolactina e síndromes do ovário policístico e da anovulação. As causas tubárias e do canal endocervical dificultam o trajeto percorrido pelos gametas e zigoto – alterações do muco cervical, deformidades e obstruções tubárias são os principais agentes.

Também há causas ligadas à fertilização, frequentemente relativas ao vigor dos gametas e problemas genéticos influenciados por exposição a fatores de risco e faixa etária. Por fim, a infertilidade também pode ser decorrente de causas ligadas à implantação do embrião, a qual o endométrio precisa estar em condições favoráveis para a gestação, o que é impossibilitado por falhas hormonais, por exemplo.

A infertilidade é um problema comum entre mulheres obesas, sendo que essas apresentam mais irregularidade menstrual e uma chance menor de concepção, quando comparadas às mulheres com peso normal. Segundo estudos recentes, obesas têm uma chance de aproximadamente 66% de engravidarem em um ano versus 81% de mulheres com peso normal. Além disso, de acordo com alguns estudos, mulheres obesas têm três vezes mais chances de sofrer de infertilidade anovulatória do que pacientes com IMC normal.

Para além, tratamentos reprodutivos como a fertilização in vitro também podem ser potencialmente prejudicados pela obesidade. Nesse contexto, a relação negativa entre obesidade e tratamentos de fertilidade traduz-se por menores taxas cumulativas de gravidez clínica e de nascidos vivos no primeiro ciclo completo de estimulação ovariana para fertilização in vitro entre mulheres com excesso de peso, quando essas são comparadas àquelas com peso normal.

Nesse contexto, levando-se em consideração todas as alterações endocrinológicas já descritas na fisiopatologia da obesidade (dentre as quais se destacam: hiperandrogenemia, hiperinsulinemia, hiperlipidemia, hiperleptinemia e inflamação crônica), serão citados a seguir eventos patológicos relevantes para o quadro de infertilidade, entendendo-se que o quadro de excesso de peso impacta tanto na dinâmica do oócito, quanto na do endométrio e embrião, além de impactar também a esfera psicossocial da mulher.

Quadro 1 – Alterações metabólicas na obesidade e potenciais efeitos sobre a função reprodutiva. Fonte: FEBRASGO, 2019.

Primeiramente, em relação aos oócitos, o excesso de ácidos graxos livres pode levar a efeito tóxico (lipotoxicidade) em tecidos reprodutivos, de forma a causar dano celular e, como uma das consequências relacionadas, um estado de inflamação crônica de baixo grau em fluido folicular. Tal hipótese se dá por considerar que mulheres obesas têm níveis de ácidos graxos livres circulantes mais elevados, podendo, dessa forma, gerar um estado tóxico e, assim, danificar células pela elevação de espécies reativas de oxigênio. Diante desse quadro inflamatório, observam-se níveis elevados de insulina (podendo levar à resistência insulínica), triglicérides e marcadores inflamatórios (como lactato e proteína C-reativa), afetando-se, nesse contexto, o oócito e o embrião, devido a disrupção do fuso meiótico e comprometimento da dinâmica da mitocôndria e do retículo endoplasmático.

No que diz respeito ao endométrio, há evidências de comprometimento na decidualização do estroma em mulheres obesas, o que explicaria a subfecundidade decorrente de comprometimento de receptividade endometrial. Tal situação de comprometimento poderia estar envolvida em anormalidades placentárias manifestadas por maiores taxas de aborto, parto prematuro e pré-eclâmpsia na população obesa. Paralelamente a isso, teoriza-se que a leptina também poderia afetar o endométrio, devido a um possível papel regulatório na remodelação e receptividade endometrial, de forma a estimular vias de proliferação e apoptose celular, e, portanto, um estado de maior inibição de leptina (o qual pode ser observado em obesas) pode prejudicar consideravelmente a implantação do embrião no útero.

Já os embriões, na fase de pré-implantação, segundo estudos recentes, podem sofrer alterações em seu desenvolvimento em mulheres com excesso de peso. Nesse contexto, os embriões parecem apresentar menor tendência de se desenvolver após a fertilização, atingindo o estágio de mórula mais rapidamente, e chegando ao estágio de blastocisto com menos células no trofectoderma, além de apresentarem menor consumo de glicose e aumento nos níveis de triglicérides.

Em relação à fertilização in-vitro, além das possíveis alterações endocrinológicas já citadas (no que diz respeito ao oócito e ao embrião, por exemplo), nota-se que o nível de leptina tem efeito estimulante sobre o crescimento de células tronco-trofoblásticas humanas in vitro, sendo que sua inibição diminui a proliferação e aumenta drasticamente a apoptose. Dessa forma, considerando-se que em casos de obesidade os níveis de leptina encontram-se aumentados, sugere-se que níveis persistentemente elevados da substância poderiam reduzir a sensibilidade (ou seja, favorecer o estado inibitório da leptina) do trofoblasto aos seus efeitos.

Por fim, a diminuição do potencial reprodutivo em mulheres obesas também pode estar relacionada à diversas questões psicossociais, envolvendo, por exemplo, uma diminuição do desejo sexual e da frequência de coitos.

Logicamente, para a reversibilidade ou profilaxia da infertilidade em detrimento da obesidade, é preciso tratar a causa base da moléstia, isto é, o sobrepeso. Para tal, a promoção de atividades físicas é essencial, as quais devem ser praticadas de modo gradual e com acompanhamento multiprofissional. Nesse sentido, o Programa Academia de Saúde instituído pelo Ministério da Saúde é uma importante ferramenta no combate à obesidade entre diversos outros agravos que o exercício físico auxilia a tratar e prevenir. Além do mais, uma dieta regrada e diversificada também contribui significativamente para atingir o índice de massa corpórea ideal. Nesse sentido, o Guia Alimentar Para a População Brasileira, também disponibilizado pelo Ministério da Saúde, coadjuva significativamente, uma vez que instrui uma organização dietética pautada nos dez passos para uma alimentação adequada e saudável. Também vale lembrar que outros métodos podem ajudar no tratamento da infertilidade causada pela obesidade, tal qual reposição hormonal, desde que seja meticulosa e estreitamente acompanhada por um profissional médico.

CONCLUSÃO

A obesidade é fator de predisposição a inúmeros problemas de saúde para o indivíduo, que vão desde o âmbito metabólico e cardiovascular, até problemas articulares e gástricos. E contida nessa conjuntura de males, a infertilidade feminina também se encontra.

A diminuição da fertilidade em pacientes obesas e com sobrepeso provavelmente se deve à uma série de consequências que as alterações hormonais, estado pró-inflamatório e lipotoxicidade causam no organismo feminino, tais como: comprometimento da foliculogênese reduzindo a frequência das ovulações, ovócitos e embriões com menores chances de desenvolvimento e implantação de sucesso, comprometimento da receptividade endometrial, expressão gênica alterada, interferência na secreção de esteróides sexuais e comprometimento da esteroidogênese ovariana. Além dos acometimentos à fertilidade supracitados, é válido lembrar que o excesso de peso também é fator prejudicial para o resultado obstétrico, além de aumentar o risco materno-fetal durante a gestação.

É necessário ressaltar que o tratamento da obesidade, primariamente através da melhoria de qualidade de vida e sempre acompanhado de profissionais qualificados para realização de outras intervenções terapêuticas se necessárias, deve ser o foco da equipe assistencial, visto que, além de haver associação entre a perda de peso e a melhora da fertilidade natural em mulheres em excesso de peso, a perda de peso proporciona uma série de outras melhoria no estado de saúde e vida das pacientes.

Portanto, em vista do notório aumento percentual do excesso de peso em mulheres em idade reprodutiva nas últimas duas décadas, a relação entre a fertilidade, sobrepeso e obesidade se caracteriza um tema de imensa importância. Porém, apesar de estar evidente o prejuízo causado pela obesidade no contexto da fertilidade feminina, mais pesquisas e estudos longitudinais são necessários para maior enriquecimento e detalhamento dos saberes envolvendo esse campo.

FORMAS DE FINANCIAMENTO

Essa pesquisa não recebeu nenhuma forma de financiamento para a sua realização.

CONFLITOS DE INTERESSES

Os autores dessa pesquisa declaram que não houve, em nenhum cunho, conflitos de interesses em meio ao desenvolvimento do estudo.

COLABORADORES

Tendo em vista as deliberações do ICMJE (2013) acerca dos critérios de autoria, declara-se que os autores Bernardo Caracci Martins, Enzo Assunção de Assis Santos, Fábio Alves Barbosa Filho, João Vitor Mota Cachoeira e Raphael de Jesus Castro Ferreira contribuíram substancialmente em relação aos seguintes aspectos desse estudo: concepção e projeto; análise e interpretação dos dados; redação do artigo; e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Ademais, o autor Fabrício Alves de Oliveira Campos contribuiu substancialmente em relação à responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, na garantia da exatidão e integridade de todas as partes da obra.

REFERÊNCIAS

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LISTA DE SIGLAS

ABESO – Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica
ACTH – Hormônio Adrenocorticotrófico
BVS MS – Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde
FSH – Hormônio Folículo-estimulante
GH – Growth Hormone
GnRH – Hormônio liberador de gonadotrofina
HCG – Gonadotrofina Coriônica Humana
ICMJE – International Committee of Medical Journal Editors
IMC – Índice de Massa Corporal
LH – Hormônio Luteinizante
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica
OMS – Organização Mundial de Saúde
SHBG – Globulina Ligadora de Hormônios Sexuais
TSH – Hormônio Tireoestimulante
T3 – Triiodotironina
T4 – Tiroxina


¹Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Contagem
² Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS
³Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – Hospital Governador Israel Pinheiro