O USO SUSTENTÁVEL DO CURAUÁ AMAZÔNICO NA PRODUÇÃO DE FIBRAS INDUSTRIAIS

THE SUSTAINABLE USE OF AMAZONIAN CURAUÁ IN THE PRODUCTION OF INDUSTRIAL FIBERS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10602477


José Alcides Queiroz Lima1,
Abel de Oliveira Costa Filho2,
Ailton Luiz dos Santos3,
Dilson Castro Pereira4


RESUMO

Esta revisão se concentra em aspectos cruciais relacionados ao uso das fibras do curauá amazônico como substitutos sustentáveis para fibras sintéticas derivadas de petroquímicos, minerais, cerâmicas e polímeros em várias indústrias, incluindo a construção civil. Essas fibras sintéticas, comumente utilizadas, representam riscos ambientais significativos durante sua extração, produção, uso e descarte. A metodologia adotada nesta pesquisa é qualitativa e dedutiva, baseada em uma ampla revisão de literatura, incluindo livros, artigos acadêmicos e fontes jornalísticas e científicas. O estudo explora a história, os aspectos socioeconômicos e ambientais envolvendo o cultivo e a extração de fibras vegetais na Amazônia, com um foco particular nas fibras de curauá. Estas fibras, notáveis por sua resistência, leveza, flexibilidade e biodegradabilidade, além de serem uma fonte renovável com baixo impacto ambiental, têm se mostrado uma alternativa viável nas indústrias, especialmente no setor automobilístico. A substituição das fibras sintéticas pelas fibras de curauá representa não apenas uma escolha ecológica, mas também uma inovação tecnológica, alinhada com os princípios de sustentabilidade. A pesquisa detalha como essa transição pode impactar positivamente o meio ambiente, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento socioeconômico nas regiões amazônicas, trazendo novas perspectivas para o uso de recursos naturais renováveis.

Palavras-chave: Fibras de Curauá, Sustentabilidade, Substituição de Fibras Sintéticas, Indústria Automobilística, Amazônia.

ABSTRACT

This review focuses on key aspects related to the alternative use of Amazonian curauá fibers as sustainable substitutes for synthetic fibers derived from petrochemicals, minerals, ceramics, and polymers in various industries, including civil construction. These commonly used synthetic fibers pose significant environmental risks during their extraction, production, use, and disposal. The methodology adopted in this research is qualitative and deductive, based on an extensive literature review, including books, academic articles, and journalistic and scientific sources. The study explores the history, socio-economic, and environmental aspects involving the cultivation and extraction of vegetable fibers in the Amazon, with a particular focus on curauá fibers. These fibers, notable for their strength, lightness, flexibility, and biodegradability, as well as being a renewable source with low environmental impact, have proven to be a viable alternative in industries, especially in the automotive sector. The substitution of synthetic fibers with curauá fibers represents not only an ecological choice but also a technological innovation, aligned with sustainability principles. The research details how this transition can positively impact the environment, while promoting socio-economic development in Amazon regions, bringing new perspectives to the use of renewable natural resources.

Keywords: Curauá Fibers, Sustainability, Synthetic Fibers Substitution, Automotive Industry, Amazon.

1 INTRODUÇÃO

A utilização de fibras vegetais é uma pratica milenar, constam em passagens bíblicas e nos registros literários, de escavações antigas, onde foram encontrados vestígios do emprego de materiais frágeis e perecíveis no preparo de compósitos para a fabricação de tijolos, a partir de terra crua, fibras vegetais e água. As tecnologias para o plantio, extração e beneficiamento, são bem rudimentares e simples, permitem inclusive sua aplicação nos lugares mais remotos da civilização e a utilização de recursos naturais locais. Por exemplo, nas comunidades quilombolas, camponesas e também nas indígenas, utilizam ainda hoje, artesanalmente fibras vegetais como matéria-prima na tecelagem de utensílios, como cestos, peneiras, tapetes e de indumentárias para uso próprio ou para venda como artesanatos.

O objetivo dessa pesquisa, é fomentar a utilização das fibras do curauá amazônico nos processos industrializados, que atendem as grandes demandas do mercado, onde são empregados atualmente as fibras sintéticas de origem petroquímica, polimérica, mineral e cerâmica. Em adição promover o desenvolvimento socioeconômico e ambientalmente sustentável dessa alternativa, aproveitando o conhecimento tradicional das culturas camponesa e étnica, com o aprimoramento tecnológico de pesquisas nas universidades e nos centros de tecnologias, proporcionando dessa maneira, novas vertentes para utilização e consumo desse recurso natural renovável.

A utilização das fibras sintéticas, geram graves problemas na saúde de quem trabalha na extração, na manufatura e também na saúde de quem utiliza os bens produzidos, e mesmo depois, quando são descartados. Essas fibras são de origem petroquímicas tipo espuma, minerais tipo lã de rocha, poliméricas, tipo fibra de vidro, e cerâmicas tipo cimento amianto, que tem como material base o asbesto, atualmente proibido no Brasil. Para se ter uma ideia, a procura por materiais alternativos, devido a toda essa problemática, fez crescer o volume das pesquisas no campo das fibras vegetais, e por conseguinte também provocou o surgimento de variedades e o aumento na oferta desse tipo de material no mercado.

O uso sustentável do curauá amazônico na produção de fibras industriais, se justifica por ser um recurso natural renovável, pela possibilidade de fornecimentos contínuos de insumos, considerando que o plantio e a extração não sofrem influência dos ciclos hídricos da bacia Amazônica, e também pela excelente qualidade das propriedades mecânicas de suas fibras, que propõe maior diversificação na sua utilidade, criando novas alternativas no setor primário da região amazônica, que tradicionalmente desde os primórdios, sempre teve sua economia pautada no extrativismo, explorando cacau, látex, cupuaçu, castanha do Pará, Açaí e outros, atividades de baixo impacto ambiental, desenvolvidas principalmente pelos seus habitantes, para subsistência e comercialização, sempre respeitando a mãe natureza, mantendo a floresta em pé.

Um exemplo de sustentabilidade, é demonstrada pela cultura da juta, uma planta exótica originária da índia, que foi introduzida pelos imigrantes japoneses, sendo cultivada nas planícies da várzea Amazônica, onde encontrou o ambiente adequado para o seu desenvolvimento, e dessa forma, vem fortalecendo a economia do setor primário, no atendimento até os dias de hoje, das demandas na fabricação de sacarias, para a embalagem de café e batata. Outro exemplo de cultura do setor de fibras da Amazônia, que tem a mesma finalidade de uso em sacarias, é a malva, uma planta da região, semelhante a juta, cultivada também nas planícies da várzea, e que pelo fato de não precisar de adaptação, vem crescendo sua participação no setor.

As fibras naturais, vem sendo pesquisadas já a muito tempo, com a finalidade de uso alternativo, sendo entre elas, as mais estudadas, as fibras vegetais de sisal, juta e malva. Entretanto, nos ensaios de pesquisas recentes com as fibras do curauá, planta tipicamente da Amazônia, que teve seu desenvolvimento na própria região, cultivada em áreas degradadas, com apoio de investidores nacionais e a participação da agricultura familiar local, apresentaram excelentes resultados nos ensaios mecânicos, como resistência, massa especifica e durabilidade, propriedades características importantes para materiais de engenharia, criando possibilidades de servirem como matéria-prima a uma grande variedade de produtos.

O método utilizado nessa pesquisa é o dedutivo, com abordagem qualitativa, por meio de fontes bibliográficas como livros, artigos e textos de caráter jornalísticos e científicos.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. ASPECTOS E FATOS HISTÓRICOS DAS FIBRAS NO BRASIL E NA AMAZÔNIA

O uso de fibras vegetais vem sendo praticado desde mais remota antiguidade, de acordo com Almeida et al. (2014, p. 1) “há no Livro do Exodus uma passagem que diz “não deem a eles palha para seus tijolos, façam-nos procurarem sua própria palha”. A palha naquela época, cerca de 1300 AC era usada, como ainda hoje, para reforçar tijolos de barro.” Conforme é contado por Costa, ([S.d.], p. 1)“As fibras vegetais foram largamente utilizadas no cotidiano dos índios brasileiros desde tempos imemoriais. A partir do entrançamento dessas fibras, foram confeccionadas cestas, redes, armadilhas de pesca, bolsas e recipientes”. As fibras vegetais junto com outros materiais naturais, contam a trajetória das comunidades quilombolas através de seus trabalhos artesanais, assim também, relatado no Portal do Sebrae (2022, p. 3) “o artesanato quilombola também tem propósitos ritualísticos, de resgate da memória e da cultura histórica das comunidades negras, para que as gerações mais jovens se reconheçam no coletivo onde estão inseridas”.

A história das fibras vegetais no Brasil, se entrelaça com a cultura do café, desde quando se tornou o “ouro negro”destacando o país no cenário mundial como grande produtor.Assim ressaltado pelos autores Costa Filho et al. (2022)“Durante o século XIX e início do século XX, o Brasil tinha o monopólio mundial de café e por conta da grande produção, o país necessitava de enormes quantidades de sacarias para armazenamento e exportação do produto.” Naqueles tempos, as embalagens de sacos de estopilhas, eram confeccionadas a partir de tecidos produzidos com fios de fibras da juta, que também acompanharam o ritmo do aumento das exportações, conforme relatam Santos et al. (2020, p. 1) “A juta importada da Ásia foi por muito tempo a principal matéria-prima da incipiente indústria de aniagem brasileira que se desenvolveu a reboque da produção cafeeira nacional desde o final do século XIX”.

Buscando a independência ou a redução desse fator limitante, a juta foi introduzida e domesticada no Brasil, segundo a Brasil juta (2016, p. 1):“pelos japoneses e tornou-se uma das principais atividades econômicas das populações ribeirinhas da região amazônica, sendo um fator fundamental da fixação de mais de 15 mil famílias no campo”. Naqueles anos, a Amazônia passava por um período de muitas incertezas, e de acordo com a Versi (2021, p. 2) “O estado do Amazonas vivia o fim do monopólio da borracha da seringueira e era preciso achar um novo ciclo econômico”. E foi a partir de então, que os processos industrializados de fibras vegetais na Amazônia, tiveram início, conforme os trechos encontrados e relatados no Blog do Mendonça (2018, p. 1):

A Companhia Brasileira de Fiação e Tecelagem de Juta – Brasil juta foi o primeiro marco de industrialização no Amazonas.
Em janeiro de 1954 foram inauguradas as instalações industriais da empresa, com presença do presidente da República, na ocasião o Sr. Getúlio Dornelles Vargas.
Daquela data em diante, passou a Brasil juta a produzir fios, telas e sacaria para todos os consumidores nacionais.

No longo caminho do desenvolvimento da cultura da juta na Amazônia, até o alcance de uma condição competitiva, houveram muitos percalços, conforme a “história da juta no Brasil” contada pelaVersi (2021, p. 1 e 2):

Foram três anos de tentativas frustradas quando um colono chamado Ryota Oyama percebeu que duas plantas de juta de seu terreno cresciam mais que as outras. A partir dessa planta que tinha produtividade similar às cultivadas na Índia, a colônia japonesa conseguiu fazer vingar a cultura na região. Com a Segunda Guerra Mundial, os japoneses foram declarados inimigos e perderam as terras na Amazônia. Hoje, os japoneses não se dedicam mais ao cultivo da juta. Eles preferiram se dedicar a culturas como banana, laranja e palmito de pupunheira, mas eles já haviam compartilhado com os ribeirinhos a técnica de produção

Um acontecimento relevante para a cultura das fibras na região Amazônica, foi a inserção das fibras de uma espécie de planta nativa, “a malva”, no processo fabril da indústria têxtil, o que proporcionou mais um impulso na economia regional, sendo utilizadas com o mesmo propósito, das fibras da juta na fabricação de sacos para embalagem do café e da batata, conforme Homma et al. (2014, p. 40)“ocorreu a valorização da malva, uma planta daninha que ocorria em grande intensidade no Nordeste Paraense e passou a ocupar o lugar da juta nas áreas de várzeas a partir de 1971, passando a dominar a produção”. De acordo com os relatos dos autores Bentes (2015, p. 15), Maciel; Fraxe; Castro (2019, p. 93) e Homma et al. (2014, p. 40):“A malva vem sendo cultivada no estado do Amazonas a partir de 1971 em solos de várzea de alta fertilidade, atingiu no ano de 1978 o dobro da produção de juta em 1988 o triplo e, em 2010, mais de 93%.”Atualmenteno amazonas, praticamente os sacos são produzidos com as fibras da malva.

O setor industrial de fibras da Amazônia, voltou a vislumbrar novas perspectivas, com o Projeto Curauá, que leva o nome de uma planta nativa, da mesma família do abacaxi, cujas folhas da coroa são longas leves e resistentes, e que segundo o artigo do Jornal da Unicamp em relação as pesquisas de Ferreira (2011, p. 3),a fibra foi “apresentada à indústria na década de 1990, é atualmente cotada como substituta da fibra de vidro em peças automobilísticas e como composto de vigas resistentes a terremotos”. E dessa forma criou seu espaço como matéria-prima nesse setor, conforme informado no portal Ecodebate (2008, p. 1):

Em julho de 2006, por meio de uma parceria entre a Fundação Orsa, Prefeitura Municipal de Almeirim (PA) e a empresa Pematec-Triangel, o Projeto Curauá começou a dar seus primeiros passos. Na ocasião, um grupo de 15 agricultores do Vale do Jari iniciou o processo de cultivo da planta. Orientados por técnicos da Fundação, os agricultores realizaram o plantio de 187.500 mudas, em uma área de 7,5 hectares. Em agosto de 2007, pouco mais de um ano após o início das atividades, os produtores realizaram o beneficiamento de aproximadamente 11 toneladas da fibra do curauá. O sucesso do plantio dessa espécie amazônica na agricultura familiar foi tamanho que levou à expansão do Projeto Curauá. A Fundação Orsa, comprometida em promover a ampliação sustentável do Projeto e garantir a viabilidade de produção e comercialização da fibra, fomentou,mais 400 mil novas mudas de curauá aos agricultores do Jari, além de disponibilizar também a máquina desfibradora para o beneficiamento das folhas colhidas

O desenvolvimento das fibras na Amazônia ainda é incipiente, apresenta um vasto campo para as pesquisas de inovações e tecnologia. Como por exemplo a cultura da juta, depois de décadas de altos e baixos, sofrendo com os efeitos da guerra, enfrentando crises de ordem política e mercantil, essa atividade ainda sobrevive até os dias de hoje as duras penas, apesar de perder espaço para as fibras sintéticas, com a forte concorrência dos sacos plásticos, das ráfias, e as das cordas de nylon, e ainda mais, sendo praticado de uma forma muito primitiva, mesmo assim, esse setor das fibras Amazônica, mostra resiliência, viabilidade e um mercado promissor com demanda a ser alcançada, conforme a revista Versi (2021, p. 2):

O estado do Amazonas ainda é o maior produtor de fibras naturais do Brasil, são 11 mil toneladas de juta e malva, suficientes apenas para atender pouco mais da metade de demanda brasileira pelo produto. Outras nove mil toneladas têm que ser importadas todos os anos da Índia. O objetivo dos empresários é estimular os produtores do amazonas a voltar a plantar a juta para diminuir as importações.

Diante da importância, que as fibras naturais representam para as comunidades de todo mundo, que desenvolvem suas atividades nos respectivos setores primários, cuja significação, foi assim noticiado na Rádio ONU News, pela reporte Grayley (2009, p. 3): “em alguns casos as fibras representam 50% das exportações de países pobres”. Dentro desse entendimento, foi realizado em 2009, um evento  promovido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, denominado, “Ano Internacional das Naturais”, com a finalidade de incentivar as nações que fazem parte da ONU, para que promovessem o desenvolvimento das fibras naturais, conforme as diretrizes relacionadas a seguir pelo Portal Design Brasil (2009, p. 1):

Os objetivos da iniciativa são muitos: criar consciência e estimular a demanda de fibras naturais; promover a eficácia e sustentabilidade das indústrias das fibras naturais; estimular os governos a criar políticas apropriadas aos problemas que afrontam as industrias das fibras naturais; e promover alianças internacionais eficazes e duradouras entre as diversas cadeias da indústria das fibras naturais.

A iniciativa em questão visa múltiplos objetivos fundamentais: primeiramente, busca aumentar a conscientização sobre e incentivar a demanda por fibras naturais. Em segundo lugar, tem o propósito de fomentar a eficiência e sustentabilidade nas indústrias que utilizam essas fibras. Além disso, a iniciativa pretende motivar governos a desenvolver políticas que abordem os desafios enfrentados por essas indústrias. Por fim, almeja estabelecer alianças internacionais fortes e duradouras entre os diferentes elos da cadeia produtiva das fibras naturais, contribuindo para uma integração global mais efetiva e sustentável nesse setor.

2.2. EXTRAÇÃO E APLICAÇÃO ORIGINÁRIA DAS FIBRAS DO CURAUÁ

O nome cientifico do curauá, de acordo com Pereira, et al. (2007) é“[Ananás erectifolius (L.B.Sm) – Bromeliaceae]”,uma planta da mesma família do abacaxi, que segundo Ferreira (2011, p. 3), “é uma bromélia característica da Amazônia paraense, que cresce em clima úmido e muito quente, chegando à altura de 1,5 metro.” Conforme explicam Rocha, et al. (2013, p. 43) “Essas plantas multiplicam-se por divisão da touceira e pelas mudas formadas na coroa do fruto. As fibras da espécie curauá são produzidas em larga escala por comunidades tradicionais amazônicas, principalmente no Estado do Pará”. Acentua Picanço (2005, p. 9), “Quando da ocupação das terras da região por agricultores e pecuaristas, a planta chegou a ser considerada uma praga, por sua facilidade de renovação.” Segundo (SILVA, 2011), o que facilita o seu cultivo é porque:

É uma planta que apresenta resistência às pragas e doenças e um grau de rusticidade que lhe confere tolerância às condições e da foclimáticas desfavoráveis indicando fortes vantagens comparativas para a exploração por agricultores familiar. Seu processo de produção pode manter a capacidade produtiva do solo, favorecer a diminuição do desmatamento.”

Segundo Picanço (2005, P. 28), a fibra do curauá é “Utilizada, desde os primórdios, pelos índios habitantes da região para a confecção de artefatos os mais diversos.” O interesse pelas fibras do curauá foi despertado, segundo Ereno (2004, p. 70), pela “observação do uso desse material pelos índios na fabricação de cordas, redes de dormir e linhas de pesca, produtos que atestam as qualidades de resistência e de leveza.” Em consonância, Gallois (2021, p. 18) acrescenta que:“Com ela, fabricam-se desde os finos fios para acabamento de adereços, cordéis de vários tamanhos até as resistentes cordas para as redes. As fibras do curauá ganharam mais notoriedade por intermédio do trabalho camponeses, que absolveu o conhecimento étnico e adaptou para as suas necessidades, na fabricação artesanal de cordas, sacos, utensílios domésticos, roupas, artesanatos e móveis. Nas feiras e nos centros de artesanatos, esses trabalhos são divulgados e vendidos, onde pode ser encontrado o curauá, complementando diversos artesanatos e peças de decoração, feitos com vários tipos de fibras vegetais: peneiras, pandeiros, balaios, esteiras, persianas, cortinas e móveis de vime etc.

Com relação ao cultivo do curauá e a extração de suas fibras, nos processos étnicos rudimentares, os indígenas praticam o extrativismo, extraem somente as folhas deixando as plantas se recuperarem em seu local de origem, até as folhas crescerem novamente. As folhas do curauá, são retiradas das coroas dos frutos das plantas nativas, então, são transformadas em fibras por meio de imersão em água, no sentido de amolecer as folhas, depois para soltar as cascas e retirar a lignocelulose das fibras, são feitas raspagens manuais, e na sequência, as fibras são estendidas em varais onde ficam abrigadas para secagem e finalmente após secagem, são escovadas para que as fibrilas se soltem tornando as fibras mais maleáveis.

Na cultura camponesa, são feitos plantios racionalizados, no qual as plantas se desenvolvem próximas umas das outras. E de acordo com Cordeiro et al. (2011, p. 2), “os agricultores adotavam espaçamento de 1,5m x 1,5m, porém estudos de Cordeiro (2009) demonstraram que em espaçamento 0,80m x 0,50m é possível se cultivar 25.000 plantas/ha e ainda tornar o plantio economicamente viável”. Com relação as colheitas praticadas pelos camponeses, ressaltam Cordeiro et al. (2011, p. 2):

A colheita pode ser realizada em intervalos de três ou quatro meses, por um período entre cinco a seis anos, o correspondente o seu ciclo de vida, mas pode chegar a períodos mais longos. No total de 3 anos a planta proporciona doze colheitas, sendo que as três últimas são as mais abundantes porque representam uma colheita oriunda da planta-mãe e dos rebentos que não são usados para a propagação. A planta permite grande flexibilidade no manejo da colheita, as folhas podem permanecer no estado maduro muito tempo sem estragar.

Picanço (2005, P. 30), explica os procedimentos da produção das fibras do curauá pelos colonos, após a retirada das folhas:

As folhas são transportadas até as centrais de beneficiamento, onde, após o desfibramento, procede-se à lavagem em tanques com água corrente e a secagem em varais. Após isso, é feita a secagem em estufas, que acelera o processo de perda de água, assegurando melhor qualidade ao produto final. A folha seca é embalada em fardos de até 30 kg, que são levadas às fábricas, onde são produzidas as mantas usadas na composição de artefatos da indústria automobilística, tais como, tampa de porta-malas, revestimento de teto, etc.

No processo de beneficiamento das fibras de curauá para uso industrial, inicialmente, as folhas são transportadas para centros de processamento. Aqui, ocorre o desfibramento, etapa crítica para isolar as fibras. Posteriormente, as folhas são lavadas em tanques com água corrente para remover impurezas e, em seguida, secas ao ar em varais. A fase final de secagem em estufas é vital para acelerar a remoção de umidade, otimizando a qualidade das fibras. Finalmente, as folhas secas são compactadas em fardos de até 30 kg e encaminhadas às fábricas, onde são transformadas em mantas. Estas mantas são utilizadas na fabricação de componentes automotivos, como tampas de porta-malas e revestimentos de teto, exemplificando a utilidade prática e a eficácia das fibras de curauá na indústria.

2.3. ANÁLISE DA QUALIDADE BIOINDUSTRIAL

Devido as excelentes propriedades químicas e mecânicas, obtidas nas pesquisas desenvolvidas no exterior e no Brasil, o curauá despertou interesses em produtores nacionais e estrangeiros, principalmente no que se refere a substituição dos derivados petroquímicos, como as fibras sintéticas de polipropileno (OLIVEIRA et al., 2008). Conforme relata os autores, foram feitas tentativas de plantio do curauá “no vale do Ribeira, interior paulista, e também em solos japoneses, sul-africanos e da Malásia, as mudas dessa espécie foram plantadas, mas sem sucesso, porque a planta não resiste a baixas temperaturas”.

Entre as propriedades que o curauá possui, a resistência específica, ou seja, a relação entre a resistência da fibra e sua massa específica, supera as das fibras sintéticas tradicionais como a fibra de vidro […] constatou que o curauá é a fibra que apresenta maior resistência mecânica dentre tantas outras que estão catalogados no mercado mundial (PEREIRA, LÉO C O; FUJIYAMA, 2010).Diante da excelente qualidade, peso e maciez e sendo um produto, natural, biodegradável, as fibras de curauá apresentaram os ingredientes de sustentabilidade utilizando uma fonte renovável, que buscavam as indústrias automobilísticas para substituir as fibras de vidro.

Os resíduos das folhas do processo de obtenção das fibras do curauá, são descartados, no entanto, possuem atividades enzimáticas, que após purificadas podem ser utilizadas na indústria farmacêutica, agregados a cremes, a loções e a géis anti-inflamatórios(FERREIRA; TAMBOURG, 2011). Segundo (SENA, 2019) ¨Do curauá somente 6% do peso é transformado em fibra, o restante da matéria é mucilagem, produto que pode ser utilizado como adubo orgânico e ração animal, com 9% de proteína bruta reunindo micro e macro nutrientes necessários para o animal”.

Estudos utilizando a mucilagem decorrente do desfibramento, no processo de extração das fibras de curauá, no sentido de avaliar o seu uso na produção de papel reciclado, com a finalidade de embalagem, foram elaborados por (BRAGA et al., 2008). A associação das sobras e aparas de papel reciclados, com os resíduos de mucilagem do curauá, ou seja de materiais reciclados e biodegradáveis, afirmam os autores que “gera uma série de vantagens econômicas ecológicas e sociais, como economia de recursos naturas, economia de agua e energia”. Além do que, as mucilagens depois de passarem por um processo de secagem e de neutralização, podem ser usadas como forragem, enchimentos, acolchoamento etc.

2.4. APLICABILIDADE DO CURAUÁ NA INDÚSTRIA

Os estudos realizados com as fibras de curauá, visaram principalmente apoiar ao Projeto Curauá, na perspectiva da substituição das fibras sintéticas, utilizadas para forrar as partes internas dos automóveis no sentido de melhorar o conforto térmico e baixar os ruídos externos. Esses materiais sintéticos criam problemas de saúde para quem os manuseia, por exemplo no caso das fibras de vidro, que são compostas por filamentos muito finos de vidro, os quais são agregados por meio de aplicação de resinas, silicones, fenóis e outros compostos solúveis em solventes orgânicos. Durante a aplicação da fibra de vidro é utilizada outra substância catalisadora que contém óxidos de potássio, ferro, cálcio e alumínio […] constituída por uma resina que costuma ser utilizada em conjunto com o estireno, muito nocivo à saúde humana e ao meio ambiente (considerado cancerígeno e contribuinte da poluição atmosférica) (SAIBA, 2019). Além do que foi exposto, ao serem inadequadamente descartados, continuam mantendo ativa as suas propriedades físicas e químicas contaminando o meio ambiente.

As fibras naturais por serem materiais biodegradáveis e de fonte de recurso renovável, encontrou no setor automobilístico uma perspectiva de utilização em escala industrial.Nesse contexto, a empresa PEMATEC-TRIANGEL, que fornece componentes para o setor automotivo como painéis, porta-pacotes, laterais de portas, encostos de cabeça e porta-malas, apoiou no desenvolvimento, na implementação e visando a continuidade do Projeto de Curauá, atualmente consome a totalidade da parte de 90% da produção de fibras extraídas na agricultura familiar, disponíveis para comercialização.

Buscando alternativas, a empresa PEMATEC-TRIANGEL também está utilizando a fibra do curauá em produtos de higiene pessoal em parceria com a 3M do Brasil, trata-se de uma esponja elaborada a partir da fibra consorciada com garrafas pet recicladas. Outra aplicação, em fase de testes, é a produção de rezinas granuladas para uso nas industrias da injeção plástica, em substituição aos granulados plásticos derivados do petróleo para atender a indústria automobilística e no mercado de veículos de duas rodas em itens como carenagem de motos e painel (PEDROSA, 2019).

No estado Amazonas, a fibra do curauá vem sendo pesquisada nas universidades da UFAM e da UEA, visando diversificar seu emprego na área de construção civil, com o desenvolvimento de painéis e placas, para divisórias e forros, sendo utilizada como material termo acústico e como reforço de matrizes cimentícias e poliméricas. E na área da engenharia mecânica as pesquisas são voltadas para a substituição da fibra de vidro utilizada nas empresas do distrito industrial da Zona Franca de Manaus.

No INPA, as pesquisas voltadas para a área da construção civil, incluem o emprego das fibras de curauá no desenvolvimento de materiais para forro, divisórias e paredes, também existe um projeto do Laboratório de Engenharia de Madeira, que pretende utilizar as fibras extraídas das folhas de abacaxi e curauá para a geração de superplásticos, naturais, mais leves e resistentes que os polímeros (plásticos) convencionais, utilizados industrialmente e com resistência similar às fibras de carbono, de vidro e de titânio(ROCHA, JADIR, 2016).

Segundo Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas – IDAM (2019),o Estado possui um projeto em parceria com o Centro de Biotecnologia da Amazônia – CBA para o desenvolvimento da cultura do Curauá em diversos municípios do Estado.Ressaltando que ao contrário da malva e juta, é cultivada em áreas de ecossistema de terra firme e possui alto valor agregado, podendo sua fibra atingir um mercado de alta complexidade com injeção de compósitos plásticos. Entre as pesquisas com o curauá, que estão sendo elaboradas pelo CBA, o melhoramento genético da espécie e a produção de clones destinados ao plantio, já estão consolidadas.

2.5. CONTRIBUIÇÃO DO CURAUÁ PARA A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

“Uma planta está modicando a realidade de dezenas de agricultores das comunidades do Vale do Jari”, numa região que antes apresentava conflitos sociais e fundiários, resquícios do Projeto Jari (florestal e agropecuário), iniciado em 1967 para a produção de celulose e outros produtos afins (ECODEBATE, 2008b):

[…] Além disso, o cultivo da planta não provoca a degradação da mata nativa, contribui com a revitalização de terras desmatadas, não é exigente a fertilizantes químicos e pode ser consorciada com culturas alimentares, o que representa uma fonte alternativa de renda e garante também a segurança alimentar ao pequeno agricultor da região amazônica.

A falência do Projeto Jari, deixou um grande passivo ambiental, social e econômico   na região, que foram inicialmente administrados pelos americanos, depois por um pool de empresas,quando foi entregue ao Brasil,então finalmente em 2000, o Grupo Orsa assumiu o controle da gestão do projeto segundo(BOSQUE, 2019), e continua:“a empresa possui 18 mil empregos diretos na gestão atual, dos quais 13 mil são terceirizados e 5 mil fixos. O diretor ressalta que a mão de obra vem de trabalhadores menos qualificados, que são os moradores da região”.

O modelo de plantio e de beneficiamento do curauá, desenvolvido pelos agricultores do Vale do Jari, localizado entre os estados do Pará e do Amapá, com o apoio e o comprometimento da Fundação Orsa, em relação a sustentabilidade do Projeto Curauá, promoveu em 2010, melhorias ambientais com a recuperação de 40 hectares de áreas degradadas, também trouxe benefícios sociais para as 49 famílias responsáveis pela gestão do projeto no campo, segundo(PEDROSA, 2019), que relata também:

Com a intercessão do Grupo Orsa e da Fundação Orsa, os agricultores do Vale do Jari tiveram acesso a importante financiamento junto ao Banco do Brasil para a compra de novas máquinas e mudas através do DRS (Desenvolvimento Rural Sustentável) para a inserção de 35 novos produtores, ampliando a área plantada para um total de 110 hectares. Atualmente, o Projeto Curauá movimenta uma renda bruta anual de R$ 392 mil e a expectativa é que mais pessoas sejam agregadas à iniciativa até o final deste ano.

Uma pesquisa voltada para analisar a viabilidade econômico-financeira da produção de curauá, foi realizada por Cordeiro,et al (2008) nas áreas de produção localizadas no município de Santo Antônio do Tauá, no Estado do Pará, mostrou que, trata-se de uma cultura de alta rentabilidade conforme afirmam os pesquisadores: “superando de longe as principais culturas cultivadas pelos produtores do Estado […] como a pimenta-do-reino, o açaí, o maracujá, e ainda a pecuária, atividades estas que atualmente, são consideradas as principais culturas de renda dos produtores rurais”. E concluem “que o curauá apresenta ampla capacidade de distribuir renda e gerar emprego nas áreas rurais do estado do Pará”.

3. CONCLUSÃO

A produção de fibras naturais na Amazônia é um desafio governamental, um risco empresarial, uma mudança ambiental e uma perspectiva para o produtor. São enfoques diferentes, que precisam estar bem entrelaçados, para que um projeto nessas circunstâncias alcance um êxito. Isso foi visto neste artigo, com a cultura do curauá da Amazônia paraense, no Projeto Curauá, que na sua essência, trata-se de uma das compensações decorrentes dos passivos sociais e ambientais, deixados pela administração americana com a falência do Projeto Jari, os quais foram assumidos pelo gestor atual, o Grupo e Fundação Orsa.

O êxito do Projeto Curauá, está na escolha acertada de uma espécie natural do próprio ecossistema regional, uma planta acostumada como as variações do clima quente e úmido. O outro ingrediente do projeto, foi a participação da agricultura familiar na gestão da produção, no plantio e no manejo dos recursos naturais. Para não sofrer descontinuidade foi importante a experiência empresarial no apoio administrativo, logístico e de comercialização na busca de parceiro consumidor e conjuntamente com os setores governamentais, no apoio de assistência social aos envolvidos e de pesquisas, no que se refere ao desenvolvimento de derivados das fibras, enzimas e dos resíduos sólidos.

Para um desenvolvimento sustentável, a exemplo da cultura do curauá, é importante não desconsiderar o conhecimento tradicional, por isso, a integração da cultura camponesa e da indígena, com as pesquisas nos laboratórios das universidades, dos institutos e dos centros de tecnologias, tem que ser uma via de duas mãos, para que seja aproveitado o potencial do recurso natural, com manejo adequado e para que as mudanças que ocorrerem no espaço ambiental sejam feitas com o mínimo de impacto.

REFERÊNCIAS

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1Mestre em Engenharia Civil em Materiais Regionais e não Convencionais Aplicados a Estruturas e Pavimentos pela UFAM Universidade Federal do Amazonas. Especialista em    Engenharia de Bioprocessos pela Faculdade Unyleya e em Engenharia de  Estruturas de Concreto e Fundações pela UNICID Universidade Cidade de São Paulo. Graduado em Engenharia Civil pela ULBRA Centro Universitário Luterano de Manaus e em Engenharia Civil Operacional pela UTAM Centro de Tecnologia da Amazônia. https://orcid.org/0000-0002-4881-0702.

2Doutorando no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia – UFAM no PPGBIOTEC – Mestre em Engenharia Civil -Graduado em Engenharia Civil pela UFAM – Universidade Federal do Amazonas.Docente, MSc. Engenharia Civil – FUCAPI, Manaus – AM – Brasil

3Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela UEA – Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade FOCUS. Especialista em Segurança Pública e Direito Penitenciário pela Faculdade de Educação, de Tecnologia e Administração – FETAC. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. Tenente Coronel da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Possui experiência na área de Direito, na fiscalização e gestão de contratos públicos, com ênfase em Segurança Pública. Email: ailtontati2001@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6428-8590.

4Especialista em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul – SP. Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul. Bacharel em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Oficial da Polícia Militar do Estado do Amazonas, atuando principalmente nos seguintes temas: polícia comunitária; redução da criminalidade e política criminal; ronda escolar; defesa dos direitos humanos. Tem 14 (quatorze) anos de serviço em atividade militar. É autor e organizador de livros técnicos e acadêmicos.