O USO MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA: UM ALIADO NO COMBATE A DOENÇAS

THE MEDICINAL USE OF CANNABIS SATIVA: NA ALLY IN THE FIGHT AGAINST DISEASES

REGISTRO DOI:DOI:10.5281/zenodo.10289719


SILVA, Jéssica Barriêr da¹
CAVALCANTI, Rallina Costa¹
 LYRA, Pedro Filipe Moura de¹
 RECH, Suzany Karla¹
 Fernanda Luiza Andrade de Azevedo²


RESUMO

A Cannabis sativa, uma planta historicamente conhecida por suas propriedades psicoativas, tem emergido como um potencial aliado no combate a diversas doenças. Este trabalho visa explorar o uso medicinal da Cannabis sativa, destacando sua eficácia e benefícios potenciais no tratamento de várias condições de saúde. O objetivo geral é analisar criticamente a eficácia terapêutica da Cannabis sativa, enquanto os objetivos específicos incluem a revisão da literatura científica, a exploração dos aspectos clínicos, sociais e regulatórios e a discussão dos resultados obtidos. Considerando mudanças regulatórias globais e a aceitação crescente da Cannabis sativa, a pesquisa busca aprofundar a compreensão de seu papel terapêutico no contexto brasileiro, contribuindo para uma discussão informada sobre sua legitimidade como opção terapêutica e avaliando desafios e benefícios. A metodologia empregada envolveu uma revisão abrangente da literatura científica disponível, utilizando fontes reconhecidas como SCIELO, BVS, PUBMED e Google Acadêmico. Os resultados indicam que os compostos ativos da Cannabis, particularmente o canabidiol (CBD), demonstraram propriedades terapêuticas promissoras em uma série de doenças, incluindo epilepsia, dor crônica, esclerose múltipla, entre outras. Conclui-se que, apesar da necessidade de mais pesquisas para elucidar completamente o mecanismo de ação e o perfil de segurança da Cannabis, sua utilização medicinal oferece uma nova perspectiva para o tratamento de doenças que atualmente possuem opções terapêuticas limitadas.

Palavras-chave: Cannabis sativa; Uso medicinal; Tratamento de doenças; Saúde.

ABSTRACT 

Cannabis sativa, historically known for its psychoactive properties, has emerged as a potential ally in combating various diseases. This study aims to explore the medicinal use of Cannabis sativa, highlighting its efficacy and potential benefits in treating various health conditions. The overall objective is to critically analyze the therapeutic effectiveness of Cannabis sativa, with specific goals including a review of scientific literature, exploration of clinical, social, and regulatory aspects, and discussion of the obtained results. Considering global regulatory changes and increasing acceptance of Cannabis sativa, the research seeks to deepen understanding of its therapeutic role in the Brazilian context, contributing to an informed discussion on its legitimacy as a therapeutic option and evaluating challenges and benefits. The methodology involved a comprehensive review of available scientific literature, utilizing recognized sources such as SCIELO, BVS, PUBMED, and Google Scholar. Results indicate that active compounds of Cannabis, particularly cannabidiol (CBD), have shown promising therapeutic properties in various conditions, including epilepsy, chronic pain, multiple sclerosis, among others. In conclusion, despite the need for further research to fully elucidate the mechanism of action and safety profile of Cannabis, its medicinal use offers a new perspective for treating diseases that currently have limited therapeutic options.

Keywords: Cannabis sativa; Medicinal use; Disease treatment; Health.

Introdução

O canabidiol, conhecido como CBD, que corresponde a 40% dos extratos da planta Cannabis sativa, tem sido objeto de crescente interesse nos últimos anos, especialmente após um caso emblemático envolvendo uma criança norte-americana com epilepsia refratária a tratamentos convencionais¹. A administração de um óleo de Cannabis sativa rico em CBD resultou em uma notável redução nas crises convulsivas da criança, melhorando significativamente sua qualidade de vida. Esse caso impulsionou pesquisas científicas em todo o mundo sobre o CBD e suas aplicações terapêuticas²

Historicamente, a Cannabis sativa, conhecida por suas propriedades psicoativas, tem sido utilizada para fins medicinais há milênios³. No entanto, a utilização da Cannabis para fins medicinais é um tema complexo e controverso, envolvendo questões legais, sociais e de saúde pública4. Apesar desses desafios, a base de evidências científicas que destacam seu potencial terapêutico em uma variedade de condições de saúde continua a crescer5.

A problemática central deste trabalho reside na lacuna entre a evidência científica emergente sobre os benefícios terapêuticos da Cannabis e as políticas públicas restritivas que limitam seu acesso e uso6. Esta discrepância é particularmente relevante no contexto brasileiro, onde a burocracia e a falta de informação podem representar barreiras significativas para os pacientes que poderiam se beneficiar do uso medicinal da Cannabis 7.

Ocorre que o uso medicinal da Cannabis sativa era proibido no Brasil, bem como em grande parte do mundo, devido à associação da substância com seus efeitos psicoativos. No entanto, apesar dessa imagem negativa, é importante destacar que a aplicação terapêutica desta planta possui uma longa história, e em países onde seu uso já era legalizado, há vários relatos de benefícios no tratamento alcançados com a substância¹.

No cenário internacional, diversos países têm revisado suas políticas em relação à Cannabis sativa, permitindo o acesso a pacientes com condições específicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitos Estados legalizaram o uso medicinal da Cannabis sativa para tratar uma variedade de condições, incluindo epilepsia, dor crônica e transtornos neurológicos8.

No Brasil, o processo de legalização do canabidiol teve início em 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) reconheceu o canabidiol como uma substância controlada, removendo a proibição anterior9. A legalização foi oficializada por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 327, que entrou em vigor em 10 de março de 20198. Esta resolução estabelece os requisitos necessários para a regularização de produtos de Cannabis para fins medicinais no Brasil9.

Neste cenário, é importante destacar que a legalização do canabidiol abriu novas possibilidades para a pesquisa e o tratamento de várias doenças. No entanto, ainda existem muitos desafios a serem superados, incluindo a necessidade de mais pesquisas para entender completamente os efeitos do canabidiol e a necessidade de políticas públicas eficazes para garantir que os pacientes que podem se beneficiar do canabidiol possam acessá-lo de maneira segura e eficaz.

Além disso, a legalização da Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil enfrenta obstáculos relacionados à legislação vigente. A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e a Portaria 344/98 da ANVISA estabelecem restrições à maconha, enquadrando-a como uma substância proibida. Isso implica que várias condutas relacionadas ao uso e à posse da planta podem ser interpretadas como tráfico, de acordo com a legislação atual10,11.

É importante esclarecer que este estudo não defende a possibilidade de autorização para o cultivo de maconha para fins recreativos ou lucrativos, mas sim uma hipótese específica e restrita que justifique o tratamento controlado por meio da prescrição da Cannabis sativa11. No entanto, a falta de estudos clínicos detalhados, o uso combinado da Cannabis sativa com  álcool e tabaco e a questão da ilegalidade da droga complicam a avaliação de seus efeitos terapêuticos12.

Com isso em mesnte, o objetivo geral desta pesquisa é analisar o benefício do uso da Cannabis sativa no tratamento de doenças neurológicas, como epilepsia, doença de Parkinson e esclerose múltipla, com a finalidade de avaliar sua eficácia terapêutica, considerando os aspectos clínicos, sociais e as entraves burocráticas que os pacientes enfrentam no contexto brasileiro13,14, 15.

Este estudo possui relevância acadêmica significativa, pois ampliará o corpo de literatura existente sobre o uso medicinal da Cannabis, trazendo uma análise detalhada e contextualizada da situação no Brasil. Além disso, a relevância social e médica deste trabalho é evidente, pois os resultados obtidos poderão orientar políticas públicas, práticas médicas e decisões dos pacientes. Isso tem o potencial de melhorar o acesso e a qualidade do cuidado para aqueles que podem se beneficiar do uso medicinal da Cannabis16.

O objetivo deste trabalho é investigar a eficácia terapêutica da Cannabis sativa no tratamento de doenças neurológicas no contexto brasileiro. Pretendemos responder às seguintes questões de pesquisa: Como a Cannabis sativa pode ser utilizada no tratamento de doenças neurológicas? Quais são os benefícios e desafios associados ao seu uso no contexto brasileiro? Através desta pesquisa, esperamos contribuir para a compreensão do potencial terapêutico da Cannabis sativa e informar políticas públicas e práticas médicas, melhorando assim o acesso e a qualidade do cuidado para aqueles que podem se beneficiar do uso medicinal da Cannabis.

Material e Métodos

Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, com o propósito de compreender o uso da Cannabis sativa no tratamento de doenças neurológicas específicas, tais como epilepsia, doença de Parkinson e esclerose múltipla. Os nós críticos inseridos no processo de pesquisa incluem: a) o uso da Cannabis sativa no tratamento de doenças neurológicas; b) o impacto da Cannabis sativa no desenvolvimento do tratamento, considerando fatores como o meio social, desafios em manter relações interpessoais e aspectos físicos e mentais associados às doenças; e c) a eficácia da Cannabis sativa na abordagem de sintomas relacionados a condições neurológicas, com base em publicações dos últimos 10 anos (2013-2023).

A presente pesquisa tem o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o uso medicinal da Cannabis sativa aliado no combate a diversas doenças. Para alcançar esse objetivo, serão estabelecidos critérios rigorosos de inclusão, que abrangem artigos publicados nos últimos dez anos (2013-2023), nos idiomas português, inglês e espanhol, desde que estejam diretamente relacionados ao tema. As palavras-chave escolhidas focalizaram aspectos cruciais da pesquisa, como Cannabis sativa; Uso medicinal; Tratamento de doenças; Saúde. Adicionalmente, foram aplicados critérios de exclusão, tais como artigos que não se alinham com os objetivos do estudo, ensaios clínicos, artigos que não tratam do uso da Cannabis sativa no tratamento das doenças neurológicas em questão, bem como trabalhos duplicados e aqueles não disponíveis na íntegra.  

Essa abordagem criteriosa visa selecionar os trabalhos mais pertinentes para a revisão, fornecendo uma análise integrativa da literatura que seja atualizada, relevante e completa no contexto do uso da Cannabis sativa no tratamento de doenças. Os artigos selecionados serão lidos na íntegra e submetidos a uma análise crítica, com ênfase em informações relacionadas aos benefícios, eficácia terapêutica, segurança e desafios associados a regulamentação do uso medicinal da Cannabis sativa no Brasil.  

Para coletar informações, foram consultados artigos em diversas plataformas de bases de dados online, tais como a Scientific Electronic Library Online (SCIELO), a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a U.S. National Library of Medicine (PUBMED), e o Google Acadêmico. Foi realizada uma seleção restrita em relação ao período temporal, abrangendo publicações dos últimos 10 anos, de 2013 a 2023.

Esta pesquisa exploratória tem como objetivo identificar as causas e os efeitos psicossociais da aplicação da cannabis medicinal no enfrentamento de doenças, com ênfase nas condições neurológicas, por meio de uma abordagem qualitativa. O foco na limitação temporal de 10 anos visa garantir que as informações coletadas reflitam as tendências e avanços mais recentes no uso da Cannabis spp. medicinal no tratamento de doenças, oferecendo uma perspectiva atualizada sobre essa área de pesquisa em constante evolução.

Resultados e Discussão

O uso medicinal da Cannabis sativa tem sido um tópico de grande interesse na comunidade científica, especialmente devido ao potencial terapêutico do canabidiol (CBD). O CBD é uma substância química que corresponde a 40% dos extratos da planta Cannabis sativa e ganhou destaque em função de um caso emblemático envolvendo uma criança norte-americana chamada Charlotte Figi com epilepsia refratária a tratamentos convencionais¹. A administração de um óleo de Cannabis sativa rico em CBD resultou em uma notável redução nas crises convulsivas de Charlotte, melhorando significativamente sua qualidade de vida. Esse caso impulsionou pesquisas científicas em todo o mundo sobre o CBD e suas aplicações terapêuticas².

Este capítulo discutirá os resultados dessas pesquisas e a importância do CBD no tratamento de várias doenças. A discussão também incluirá os desafios e as perspectivas futuras do uso medicinal da Cannabis sativa.

Pesquisas recentes têm demonstrado que a Cannabis sativa pode ser eficaz na redução de sintomas neurológicos. Por exemplo, foi observado que ela pode diminuir a frequência de convulsões em pacientes com epilepsia, reduzir os tremores associados à doença de Parkinson e aliviar a espasticidade na esclerose múltipla17

Além disso, a aceitação global da Cannabis sativa tem aumentado significativamente. Isso é evidenciado pelas mudanças regulatórias que estão ocorrendo em vários países, refletindo uma mudança na percepção pública e legal da planta18.

Esses avanços na pesquisa e na aceitação pública da Cannabis sativa são promissores para o futuro do tratamento de condições neurológicas. No entanto, mais pesquisas são necessárias para entender completamente os mecanismos de ação e os possíveis efeitos colaterais do uso da Cannabis sativa para essas condições.

No Quadro 01 a seguir, apresentaremos uma síntese que resume os principais achados de dez artigos científicos selecionados sobre a temática “O uso medicinal da Cannabis sativa: Um aliado no combate a doenças”. Este quadro proporciona uma visão geral dos estudos mais relevantes no campo, destacando suas principais conclusões, metodologias utilizadas e implicações para o uso medicinal da Cannabis sativa. Através desta síntese, buscamos identificar tendências comuns, lacunas na literatura existente e oportunidades para futuras pesquisas.

O Quadro 01, destaca a eficácia da Cannabis sativa no tratamento de uma variedade de condições médicas. A planta tem demonstrado potencial para reduzir sintomas neurológicos, como convulsões em pacientes com epilepsia, tremores na doença de Parkinson e espasticidade na esclerose múltipla. Esses avanços na pesquisa e na aceitação pública da Cannabis sativa são promissores para o futuro do tratamento de condições neurológicas.

Um exemplo emblemático do potencial terapêutico da Cannabis sativa é o caso de Anny Fisher, uma criança que sofria de uma síndrome rara que causava múltiplos episódios de convulsão por dia20. Ela experimentou uma melhora significativa em sua condição após a introdução do Canabidiol, um medicamento à base de maconha, em seu tratamento20.

A melhoria na condição de Fisher não apenas ressaltou o potencial terapêutico da Cannabis sativa, mas também desafiou o preconceito existente em torno de seu uso.  Este caso ilustra ilustra como um simples medicamento pode aliviar o sofrimento de muitos pacientes e destaca a necessidade de superar o estigma associado à Cannabis sativa20

Embora a Cannabis sativa seja frequentemente associada aos seus efeitos psicoativos, é importante ressaltar que a planta tem uma longa história de uso terapêutico¹. Em países onde seu uso medicinal já é legalizado, existem inúmeros relatos de benefícios alcançados com a substância¹. No entanto, no Brasil, assim como em grande parte do mundo, o uso medicinal da Cannabis sativa era proibido, uma restrição que reflete a imagem negativa frequentemente associada à planta22.

No panorama internacional, assistimos a uma transformação nas políticas relacionadas à Cannabis sativa, com diversos países revisando suas abordagens e permitindo o acesso a pacientes com necessidades específicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma mudança significativa foi observada, com vários estados optando por legalizar o uso medicinal da Cannabis sativa. Essa mudança legislativa abriu portas para tratamentos voltados a uma ampla gama de condições, que incluem desde epilepsia até dor crônica e transtornos neurológicos29.

Esse movimento de legalização tem impactos profundos não apenas na disponibilidade de tratamentos alternativos, mas também na percepção pública sobre os benefícios medicinais da Cannabis sativa (Ribeiro, 2018) . Ao oferecer uma nova abordagem para condições médicas específicas, os Estados Unidos representam um exemplo emblemático dessa evolução, que está sendo observada em diferentes partes do mundo22.

Essa mudança de paradigma não só impulsiona a pesquisa científica em torno dos benefícios medicinais da Cannabis sativa, mas também levanta questões importantes sobre regulamentação, padrões de tratamento e os efeitos a longo prazo dessas mudanças na saúde pública. Portanto, o contexto internacional em relação à Cannabis sativa está se tornando cada vez mais dinâmico, desencadeando discussões essenciais sobre saúde, política e pesquisa médica.

No Brasil, o processo de legalização do canabidiol teve início em 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) reconheceu o canabidiol como uma substância controlada, removendo a proibição anterior por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 39. Essa medida representou um marco importante, abrindo caminho para a utilização do canabidiol em tratamentos médicos.

Em 2016, a ANVISA avançou ainda mais nesse processo, permitindo a importação da substância para tratamentos de saúde, conforme estipulado na RDC nº 66/2016. Contudo, essa autorização veio acompanhada de considerações específicas para cada situação clínica, destacando a necessidade de uma abordagem personalizada e criteriosa no uso do canabidiol30, 31. Essa medida visava garantir a segurança e a eficácia do tratamento, levando em consideração as peculiaridades de cada paciente e condição de saúde.

Em dezembro de 2019, a ANVISA autorizou, por meio da RDC nº 327, empresas a solicitarem a regulamentação para a “fabricação, importação, comercialização, monitoramento, fiscalização, prescrição e dispensação de produtos industrializados contendo como ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa”9. É relevante notar que, de acordo com essa RDC, os insumos necessários para a produção desses produtos devem obrigatoriamente ser importados, o que significa que o cultivo da matéria-prima permanece proibido no Brasil9.

Essas medidas foram tomadas com considerações específicas para cada situação clínica20. A luta pelo acesso ao direito à saúde por meio do uso terapêutico da Cannabis Sativa é um tema de discussão em andamento no Brasil20. A Cannabis tem sido usada na indústria farmacêutica, e estudos têm mostrado os benefícios do Canabidiol (CBD) em quadros de ansiedade e depressão, bem como no tratamento da esclerose múltipla20. No entanto, a regulamentação do uso medicinal da cannabis sativa e a problemática da judicialização do direito fundamental à saúde ainda são desafios no Brasil20.

As mudanças nas políticas de uso medicinal da Cannabis sativa no Brasil têm incentivado o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e promovido a pesquisa contínua sobre suas possibilidades terapêuticas. No entanto, desafios persistem, como a burocracia no processo produtivo e os elevados custos associados à importação de insumos32. Essa evolução regulatória reflete a crescente compreensão dos benefícios terapêuticos do canabidiol e sua aplicação em diversas condições médicas32. A importância de uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências no uso dessa substância é destacada, alinhada às diretrizes estabelecidas pela ANVISA para garantir a segurança e o bem-estar dos pacientes30.

Além disso, a legalização da Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil enfrenta obstáculos relacionados à legislação vigente. A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) e estabelece normas para a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas33. Além disso, define crimes e prescreve medidas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas33

Por outro lado, a Portaria 344/98 da ANVISA regulamenta as substâncias ilícitas, incluindo a Cannabis sativa. Esta portaria classifica a Cannabis como uma substância controlada, o que implica que várias condutas relacionadas ao uso e à posse da planta podem ser interpretadas como tráfico, de acordo com a legislação atual11.

É importante enfatizar que a defesa não é para a autorização do cultivo de maconha para fins recreativos ou lucrativos, mas sim para uma situação específica e restrita que justifique o tratamento controlado por meio da prescrição da Cannabis sativa11. No entanto, a avaliação de seus efeitos terapêuticos é complicada pela falta de estudos clínicos detalhados, pelo uso combinado da Cannabis sativa com álcool e tabaco, e pela questão da ilegalidade da droga12.

Para viabilizar efetivamente o tratamento com Cannabis sativa para fins medicinais no Brasil, seria necessária a promulgação de uma nova lei federal que estabelecesse os requisitos e autorizasse o uso medicinal da planta. Outra opção seria a retirada da Cannabis sativa da lista de substâncias proibidas da Portaria da ANVISA, desde que haja vontade legislativa nesse sentido11,30.

A Cannabis spp. apresenta diferentes subespécies, sendo as mais conhecidas a subespécie Cannabis sativa, a subespécie Cannabis indica e a subespécie Cannabis ruderalis. No Brasil, a variedade mais prevalente é a Cannabis sativa34.

A Academia Brasileira de Neurologia (ABN) emitiu posicionamentos por meio de seus Departamentos Científicos, fundamentados em evidências científicas, sobre o uso terapêutico do canabidiol em doenças neurológicas. Dentro do sistema nervoso central (SNC), são encontrados os endocanabinoides, liberados em resposta à atividade sináptica excitatória. A produção dessas substâncias ocorre nos neurônios, resultando em um aumento nos níveis de cálcio intracelular. Esse aumento de cálcio intracelular inibe a liberação de neurotransmissores nos terminais gabaérgicos, com efeitos menos pronunciados nos terminais glutamatérgicos. Esses endocanabinoides desempenham um papel crucial na regulação da plasticidade sináptica, tanto de curto quanto de longo prazo, em sinapses tanto inibitórias quanto excitatórias. Áreas cerebrais ricas em receptores CB1, como os núcleos de base, o cerebelo, o córtex frontal e a região límbica cerebral, indicam o potencial do CBD em influenciar diversas doenças neurológicas35.

Diversas doenças neurológicas têm sido objeto de estudos terapêuticos envolvendo o uso de canabidiol (CBD), um componente da Cannabis sativa. Essas condições incluem epilepsia29, esclerose múltipla36, doença de Parkinson37 e distúrbios do movimento38, além do tratamento da dor neuropática39. Neste contexto, destacaremos a epilepsia, doença de Parkinson e esclerose múltipla

No caso da epilepsia, o CBD tem mostrado propriedades antiepilépticas e apresenta um mecanismo de ação bem elucidado. Estudos, como o realizado pelo Dr. Devinssky com o Epidiolex®, um fármaco contendo 98% de CBD, revelaram que cerca de 39% dos pacientes experimentaram uma redução significativa de suas crises, incluindo uma diminuição de 50%, e três pacientes alcançaram controle total das crises. Esses resultados sugerem que o CBD pode desempenhar um papel importante no tratamento da epilepsia 35.

Os ensaios clínicos têm demonstrado uma redução significativa nas crises para pessoas que tomam CBD para tratar a síndrome de Lennox-Gastaut, a síndrome de Dravet ou o complexo de esclerose tuberosa. A pesquisa sugere que o CBD pode ajudar a reduzir a ansiedade, aliviar a dor e oferecer propriedades neuroprotetoras, o que pode ser benéfico para pessoas com epilepsia27

Embora a literatura sobre o tratamento da doença de Parkinson ainda seja limitada, estudos recentes apontam para um efeito terapêutico potencial do canabidiol nessa condição. Pesquisas evidenciam que a relação entre a doença de Parkinson e os canabinoides está associada à neuroproteção. As propriedades antioxidantes do canabidiol são destacadas como um possível mecanismo de proteção contra a degeneração progressiva dos neurônios dopaminérgicos na região nigro-estriatal, característica distintiva da doença de Parkinson², 27.

Além disso, o CBD tem se mostrado promissor no tratamento de outras condições neurológicas. Em relação à doença de Parkinson, estudos relataram melhorias na qualidade de vida dos pacientes, redução dos efeitos psicóticos e aprimoramento da qualidade do sono.

No contexto da esclerose múltipla, a Cannabis sativa tem sido explorada para aliviar sintomas como espasticidade, dor e distúrbios do sono, embora sua prescrição deve ser cautelosa devido aos efeitos colaterais associados à doença35.

Em um estudo recente, foi explorado o uso da maconha no tratamento da esclerose múltipla (EM)24. Os pesquisadores investigaram os potenciais benefícios terapêuticos da maconha em pacientes com EM, analisando sua eficácia na redução de sintomas como espasticidade, dor e fadiga24. Os resultados revelaram evidências encorajadoras, sugerindo que a maconha pode desempenhar um papel significativo na melhoria da qualidade de vida e no gerenciamento dos sintomas associados à esclerose múltipla24. Essas descobertas destacam a importância de continuar explorando abordagens terapêuticas inovadoras para tratar condições complexas como a esclerose múltipla.

O Quadro 02 a seguir, intitulado “Quadro de Condições Tratadas pela Cannabis Sativa”, apresenta uma visão geral dessas condições, fornecendo uma compreensão clara do alcance terapêutico da Cannabis sativa.

Após analisar os efeitos da Cannabis Medicinal em diferentes condições, é crucial reconhecer a variabilidade na eficácia do tratamento. O quadro apresentado destaca os benefícios potenciais em condições como epilepsia, Parkinson e esclerose múltipla, assim como efeitos gerais, como analgesia, anti-inflamatório, relaxamento muscular, melhoria do sono e neuroproteção. 

A Cannabis Medicinal pode ser usada para dor crônica, ansiedade e depressão29. Também demonstrou aliviar náuseas e vômitos associados à quimioterapia36. Além disso, é utilizada por pacientes com HIV para aumentar o apetite e por pessoas com câncer, diminuindo os efeitos da quimioterapia40.

Contudo, é fundamental ressaltar que a resposta individual a esses tratamentos pode variar consideravelmente29.40. O sucesso terapêutico pode depender de uma série de fatores, incluindo a gravidade da condição, características individuais do paciente e a formulação específica da Cannabis utilizada29.40. Portanto, ao considerar a integração da Cannabis Medicinal como parte de um plano de tratamento, é imperativo personalizar a abordagem, monitorar de perto os efeitos e ajustar conforme necessário, garantindo uma atenção cuidadosa às necessidades únicas de cada paciente29.40.

Conclui-se que o uso terapêutico da Cannabis sativa, com foco em seus principais compostos, Delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e Canabidiol (CBD), representa um campo promissor para o tratamento de diversas condições médicas. A planta, que contém uma ampla variedade de compostos químicos, demonstra potencial na melhoria da qualidade de vida de pacientes com doenças neurológicas, entre outras. A pesquisa e o estudo desses compostos, em particular do CBD, têm se mostrado cruciais para entender os mecanismos de ação e os benefícios terapêuticos que podem proporcionar41.

É fundamental continuar investigando e aprofundando o uso terapêutico do CBD em doenças neurológicas, pois essas pesquisas têm o propósito de trazer avanços significativos no tratamento dessas condições complexas. A compreensão mais profunda dos benefícios e limitações do CBD contribuirá para decisões médicas mais assertivas e, possivelmente, para o desenvolvimento de terapias mais eficazes no campo das doenças neurológicas.

Os canabinoides, ao interagirem com os receptores do corpo humano, demonstram ações benéficas em uma variedade de patologias, incluindo propriedades anticonvulsivantes, anti-inflamatórias, analgésicas, ansiolíticas, antipsicóticas e antitumorais. O sistema endocanabinoide revelou o potencial do CBD no tratamento de doenças como a Doença de Parkinson, Autismo e Epilepsia. Portanto, o estudo do uso terapêutico da Cannabis sativa e seus compostos representa um caminho importante para enfrentar diversas condições médicas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A pesquisa contínua nessa área é crucial para desvendar seu pleno potencial terapêutico e para garantir que seu uso seja seguro e eficaz.

Conclusão

Considerando todas as informações apresentadas, fica evidente que o uso medicinal da Cannabis Sativa não apenas representa uma perspectiva promissora e inovadora no campo da saúde, mas também emerge como um aliado crucial no combate a diversas doenças. Essa planta, historicamente estigmatizada, revela-se como um recurso potencial valioso no enfrentamento de enfermidades.

Os estudos revisados oferecem uma visão abrangente sobre os inúmeros benefícios terapêuticos da Cannabis Sativa, destacando seu potencial no alívio de sintomas associados a condições médicas complexas, como doenças neurológicas, distúrbios psiquiátricos e enfermidades crônicas. A crescente aceitação da cannabis medicinal pela comunidade científica e profissional de saúde sugere uma mudança de paradigma na abordagem terapêutica, buscando alternativas eficazes e seguras.

A pesquisa científica tem desvendado os mecanismos pelos quais os canabinóides, compostos ativos da Cannabis, interagem com o sistema endocanabinoide do corpo humano, revelando um espectro de possíveis aplicações terapêuticas. Estudos específicos destacam benefícios significativos para pacientes com diversas condições neurológicas, como epilepsia, Donça de Parkinson e esclerose múltipla. Além disso, a Cannabis tem sido utilizada para aliviar a dor crônica, reduzir a inflamação, relaxar os músculos, melhorar o sono e proteger o sistema nervoso.

No entanto, é crucial ressaltar que a eficácia do tratamento pode variar consideravelmente de paciente para paciente, dependendo de fatores como a gravidade da condição, características individuais e a formulação específica da Cannabis utilizada. Portanto, a personalização do tratamento, o monitoramento cuidadoso dos efeitos e o ajuste conforme necessário são imperativos para garantir o sucesso terapêutico. Esta compreensão da variabilidade na eficácia reforça a necessidade de pesquisas contínuas e abordagens personalizadas para otimizar os benefícios terapêuticos da Cannabis Medicinal.

Em conclusão, a Cannabis Sativa, quando utilizada de maneira controlada e supervisionada, apresenta-se como um aliado valioso no combate a diversas doenças. No entanto, é essencial que continuemos a investigar e entender plenamente seus efeitos para maximizar seu potencial terapêutico, promovendo uma integração segura e eficaz dessa abordagem inovadora no panorama da saúde contemporânea.

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¹Discentes do Curso de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Medicas de Itabuna, Itabuna, Bahia, Brasil
²Mestre em Biologia e Biotecnologia de Microrganismos pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Santa Cruz (PPGBBM/UESC), pós graduada em Inovação, Gestão e Práticas Docentes no Ensino Superior pela Faculdade Santo Agostinho de Itabuna (FASAI), pós graduação em Educação, Saúde e Felicidade e possui graduação em Farmácia pela UNIME/Itabuna. Docente do Curso de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna, Itabuna, Bahia, Brasil. coordenadora do Núcleo de Apoio Pedagógico e Experiência Docente (NAPED) da FASAI, membro da matriz de implantação dos cursos de medicina da AFYA e membro titular da CONSEPE da FASAI.
³Autor correspondente: Fernanda Luiza Andrade de Azevedo, Mestre em Biologia e Biotecnologia de Microrganismos, Inovação, Gestão e Práticas Docentes no Ensino Superior – fernanda.azevedo@afya.com.br, Curso de Medicina, Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna, Avenida Ibicaraí, nº. 3.270, bairro Nova Itabuna – Itabuna – Bahia, CEP: 45.611-000