REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8008325
Dilmária dos Santos Rios;
Gildenice Silva de Souza;
Flávio Simas Moreira Neri.
RESUMO
O uso indiscriminado de medicamentos é uma prática comum no Brasil e, quando se trata daqueles que possuem alguma capacidade de emagrecimento, observa-se uma busca ainda mais incessante. Neste contexto, esta pesquisa tem como objetivo analisar o uso indiscriminado na automedicação de medicamentos para emagrecimento na busca de padrões estéticos, com ênfase no orlistate, semaglutida e dimesilato de lisdexanfetamina. Este trabalho consistiu em uma revisão de literatura do tipo qualitativa e exploratória, a fim de coletar na literatura, em plataformas como Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scielo e PubMed, informações concernente ao assunto em questão. Nesta revisão pode-se perceber o aumento da procura de medicamentos como semaglutida, orlistate e dimesilato de lisdexanfetamina para finalidades estéticas, mesmo que estes necessitem de orientação de um profissional habilitado. Constata-se a necessidade da realização de novos estudos de campo a fim de analisar o quanto tem sido feito a utilização de forma indiscriminada destes medicamentos por automedicação, apontando os riscos à saúde.
Palavras-chave: Uso indiscriminado; Padrões estético; Orlistate; Semaglutida; Dimesilato de lisdexanfetamina.
ABSTRACT
The indiscriminate use of medicines is a common practice in Brazil and, when it comes to those who have some capacity to lose weight, there is an even more incessant search. In this context, this research aims to analyze the indiscriminate use of weight loss drugs in self-medication in the search for aesthetic standards, with emphasis on orlistat, semaglutide and lisdexamfetamine dimesylate. This work consisted of a qualitative and exploratory literature review, in order to collect in the literature, on platforms such as the Virtual Health Library (VHL), Scielo and PubMed, information concerning the subject in question. In this review, one can see the increase in demand for drugs such as semaglutide, orlistat and lisdexamfetamine dimesylate for aesthetic purposes, even if they require guidance from a qualified professional. There is a need to carry out new field studies in order to analyze how much has been done indiscriminately using these drugs by self-medication, pointing out the health risks.
Keywords: Indiscriminate use; Aesthetic standards; Orlistat; Semaglutide; Lisdexamfetamine dimesylate.
INTRODUÇÃO
A compreensão do indivíduo em toda a sua plenitude, isto é, características físicas, cognitivas, emocionais e sociais, advém de milênios, conforme observado em culturas antigas como a egípcia, grega e romana (HUNT; FATE; DODDS, 2011). Contudo, no século XXI, a busca pelo entendimento e transformação holístico do ser humano tem se intensificado, segundo observado pelo aumento de diferentes serviços que são oferecidos à população, a fim de satisfazer as necessidades individuais encontradas, bem como a elevada influência e pressão social que impõe padrões à sociedade (KIM et al., 2021).
Entre os aspectos inerentes a cada indivíduo, as características físicas tem apresentado destaque, pois afeta a autopercepção do indivíduo que deseja aceitação e integração social e, consequentemente, não alcançando os padrões estéticos estabelecidos, sofrerá impacto direto em todos os aspectos da vida de uma pessoa (EGGERSTEDT et al., 2020). Apesar da busca por processos de aceitação pessoal de características que se distanciam das métricas estabelecidas para beleza (BANET-WEISER, 2017), constata-se que a busca por alterações estruturais do corpo, sejam quais forem as abordagens utilizadas, tem aumentado e, consequentemente, movimentado um mercado em constante expansão (KIM et al., 2021).
Um fato que reflete a constante busca pelos padrões estéticos são os investimentos feitos ao longo dos anos para o alcance destes objetivos, como pode ser observado por Lee (2015), com a popularização de cirurgias plásticas no mundo, em que a abdominoplastia teve um aumento de 20%, isto é, passando de aproximadamente 793 mil procedimentos para mais de 930 mil, dados estes referentes ao período de 2010 a 2014. Uma abordagem que tem sido explorada de modo mais intenso nos últimos anos é o uso de medicamentos com finalidade emagrecedora, principalmente como forma de reduzir a massa corporal, tanto de produtos isentos de prescrição, como também aqueles que exigem prescrição médica (MARTINS; MOURA; BRITTO, 2020).
O desenvolvimento dos fármacos atendem à necessidades específicas, isto é, proporcionar o tratamento de diferentes patologias. A compreensão das características dos fármacos, ou seja, mecanismos de ação, farmacocinética, interações medicamentosas e reações adversas, são fundamentais para garantir a segurança e eficácia na utilização daqueles (GOLAN et al., 2014). Neste contexto, uma das buscas de tratamentos consistiu em medicamentos que regulassem e tratassem alterações metabólicas e bioquímicas, como por exemplo, o aumento da gordura corporal, seja por alterações endógenas, como fatores genéticos, seja por maus hábitos, como consumo excessivo de alimentos calóricos e sedentarismo, por exemplo (GOMES; TREVISAN, 2021).
A busca desenfreada por medicamentos capazes de diminuir a gordura corporal e/ou a retenção de líquidos corporais, sejam quais forem os mecanismos farmacológicos envolvidos, tem ocorrido de maneira mais intensa (LOBO; SENNA JÚNIOR; ANDRADE, 2021). O desenvolvimento de protocolos clínicos de tratamento de pacientes com obesidade, por exemplo, tem empregado medicamentos de diferentes classes farmacológicas, como o orlistate, dimesilato de lisdexanfetamina e semaglutida. Contudo, a busca por estes medicamentos sem orientação profissional para o alcance de padrões estéticos, tem ocasionado o uso indiscriminado destes medicamentos, principalmente a partir da automedicação (MEDEIROS, 2020).
O uso de medicamentos de modo indiscriminado e sem a orientação por um profissional habilitado refletirá em possíveis consequências ao usuário, uma vez que este poderá apresentar efeitos colaterais e reações adversas, com danos, as vezes, irreversíveis (LOBO; SENNA JÚNIOR; ANDRADE, 2021). Apesar dos medicamentos apresentarem segurança e eficácias estabelecidas pelos fabricantes, deve-se destacar que sem uma anamnese adequada do paciente, a fim de compreender as características deste, bem como suas reais necessidades, ao invés de promover o bem estar, pode-se ocasionar outras patologias indesejadas, consistindo em um risco à saúde (PORTO; PADILHA; SANTOS, 2021).
Portanto, esse trabalho tem como objetivo analisar o uso indiscriminado na automedicação de medicamentos para emagrecimento na busca de padrões estéticos, uma vez que tem ocorrido, em vários casos, sem a orientação e prescrição médica. Este trabalho justifica-se pela necessidade de se apresentar à sociedade e à academia os riscos associados ao uso de medicamentos emagrecedores como orlistate, dimesilato de lisdexanfetamina e semaglutida de forma indiscriminada.
METODOLOGIA
Esta pesquisa consiste em uma revisão de literatura, qualitativa e exploratória, a qual busca compreender fatos a partir de um tema, possibilitando apresentar informações relevantes sobre este (CORDEIRO et al., 2007; GIL, 2019). Sendo assim, esse estudo viabiliza discorrer sobre o uso indiscriminado de medicamentos para emagrecimento na busca de padrões estéticos, através das publicações sobre a temática, previamente selecionadas em plataformas, analisando a influência de medicamentos como orlistate, semaglutida e dimesilato de lisdexanfetamina a para emagrecimento.
A busca dos artigos para construção deste trabalho ocorreu por meio da plataforma Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scielo e PubMed. Estabeleceu-se como critérios de inclusão artigos escritos em português, para verificação da produção nacional sobre a temática e artigos escritos em inglês e; trabalhos que estavam na íntegra e compreendiam assuntos pertinentes ao tema. Como critérios de exclusão: estudos duplicados e; aqueles que não abordassem a temática da pesquisa.
Considerando a questão norteadora e objetivo, ocorreu a leitura das publicações na íntegra, tendo seus dados analisados. A partir da exploração do material selecionado, foram desenvolvidos os resultados e discussão pautados no uso de artigos selecionados sobre à temática. Por ser uma revisão narrativa e não ter a participação de seres humanos, foi dispensada a submissão desse trabalho ao CEP. Entretanto, os artigos científicos utilizados são de domínio público, portanto, foram garantidas todas as citações dos mesmos conforme normas da NBR.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Visão geral sobre o uso indiscriminado de medicamentos
O uso de medicamentos de forma indiscriminada é uma prática comum no Brasil, visto a acessibilidade dos mesmos em farmácias, como também em sites da internet (estes, em grande, parte são clandestinos e não cumprem a legislação sanitária do pais) (DA SILVA; DE SOUZA; AOYAMA, 2020). A partir da regulamentação na venda de medicamentos, os quais podem ser classificados, de forma geral, como isentos de prescrição, venda sob prescrição médica e venda sob prescrição médica com retenção de receita, constata-se o descumprimento da legislação em que, medicamentos que necessitam da receita médica, são comercializados sem a apresentação desta (BRASIL, 1998; BRASIL, 2016). Neste sentido, a população estará exposta às opções farmacoterapêuticas que necessitam de atenção e cuidado do profissional médico, assumindo riscos à saúde (SANTOS; BELO, 2017).
Associado ao uso indiscriminado de medicamentos, pode-se citar a prática da automedicação, em que o indivíduo, por conta própria ou influenciado por amigos, familiares ou digital influencers, assumem uma terapia medicamentosa com finalidades diversas, inclusive envolvendo padrões estéticos, principalmente para emagrecimento (SURAN, 2023).
Uso indiscriminado de medicamentos para emagrecimento
Dados apontam que a procura e a compra de medicamentos ou produtos para emagrecimento tem aumentado de forma substancial (SANTOS; BELO, 2017). O impacto no uso destes medicamentos tem movimentado as redes sociais e gerado discussões controversas, principalmente quanto a forma de utilização (SURAN, 2023).
Atualmente, alguns medicamentos tem apresentado destaque por conta da eficácia na perda de peso. Destaca-se que alguns destes fármacos foram desenvolvidos para outras finalidades como, por exemplo, diabetes, obesidade, depressão e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, mas são utilizados de modo off-label (GOODMAN, 2010; HECK; YANOVSKI; CALIS, 2012; BURKI, 2022; SENA; FERREIRA, 2022;). Medicamentos como semaglutida, orlistate e dimesilato de lisdexanfetamina tem sido alvos de busca pela população que almeja perda de peso rápido e sem a necessidade de mudanças bruscas no hábitos alimentares e de exercícios físicos, conforme será relatado (COCHRANE; MALCOLM, 2002; SCHENEIDER et al., 2022; ADHIKARI; DZAYE; BLAHA, 2023).
Uso da semaglutida para emagrecimento
A semaglutida é o princípio ativo dos medicamentos Ozempic®, Rybelsus® e Wegovy®, desenvolvidos pela farmacêutica Novo Nordisk. A empresa desenvolveu o medicamento Ozempic®, registrado junto à Agência Vigilância Sanitária (ANVISA) com indicação para o tratamento de pacientes com diabetes tipo 2 (BURKI, 2022). Este tratamento dá-se pois a semaglutida é um agonista análogo do GLP-1 e, consequentemente, é capaz de promover a redução de glicose no sangue, a partir do estímulo da secreção de insulina (BLUNDELL et al., 2017; CORNELL, 2020).
Apesar da indicação inicial, constatou-se a capacidade da semaglutida na redução de gordura corporal e, consequentemente, iniciaram-se pesquisas para compreender esta aplicabilidade em pacientes obesos, a fim de auxiliar no processo de emagrecimento (PHILLIPS; CLAMENTS, 2022). Neste contexto, observou-se a prescrição de modo off-label daquele medicamento, juntamente com outros para promover a redução de peso. Com o estabelecimento do protocolo de tratamento a partir do uso da semaglutida e a difusão da eficácia desta, constataram-se o aumento da procura pelo medicamento nas farmácias, mesmo que a utilização fosse off-label, para a perda de peso, isto é, para um tratamento em que não constava indicação em bula (NASCIMENTO; LIMA; TREVISAN, 2021).
O maior problema, por sua vez, foi a procura do medicamento por pessoas que não passaram por avaliação médica e, de forma independente, e se automedicavam, promovendo o uso indiscriminado (RAUEN, 2022). Deve-se destacar que o aumento deste uso indiscriminado teve a influência de mídias sociais como, por exemplo, o TikTok (BURKI, 2022; SENA; FERREIRA, 2022; SURAN, 2023). Os avanços das pesquisas demonstraram a eficácia da semaglutida para o controle de peso e a farmacêutica Novo Nordisk desenvolveu o Wegovy®, o qual possui também, como princípio ativo, a semaglutida e a indicação é para obesidade e controle do peso (ADHIKARI; DZAYE; BLAHA, 2023).
Uso do orlistate para emagrecimento
O orlistate é o princípio ativo do medicamento Xenical®, desenvolvido pela farmacêutica Roche. Este medicamento possui como mecanismo a ação direta no trato gastrintestinal, impedindo a absorção de gordura e eliminando-a pelas fezes, uma vez que consiste em um inibidor das enzimas lipases (HECK; YANOVSKI; CALIS, 2012; YANOVSKI, 2015). Diferentemente da semaglutida, o orlistate foi desenvolvido para o tratamento de obesidade e, consequentemente, perda de peso e evitar obtenção de ganho de peso, melhorando o quadro de outras doenças relacionadas à obesidade, como diabetes, hipertensão e outras doenças cardiovasculares (COCHRANE; MALCOLM, 2002; AL-SUWAILEM et al., 2006).
Deve-se destacar que, assim como a semaglutida, o orlistate é um medicamento que necessita de prescrição médica, ou seja, o seu uso necessita da orientação de um profissional habilitado. Contudo, em busca do padrão estético, associado ao emagrecimento rápido, pessoas fazem automedicação do orlistate, de modo indiscriminado, uma vez que há fácil disponibilidade para compra (COCHRANE; MALCOLM, 2002; DEB; GUPTA; VARSHNEY, 2014). Conforme relatado por Cochrane e Malcolm (2002), a partir de um relato de caso sobre abuso de medicamento anti-obesidade, constatou-se o uso de orlistate por uma mulher de peso normal, mas com distúrbios alimentares. Apesar de ser o relato de um caso, sabe-se a existência de outros que passam desapercebidos no dia-a-dia e rotina das farmácias.
Uso do dimesilato de lisdexanfetamina para emagrecimento
O dimesilato de lisdexanfetamina é o princípio ativo do medicamento Venvanse®, desenvolvido pela farmacêutica Takeda. Este medicamento foi desenvolvido para o tratamento do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Acredita-se que esta ação ocorre pela capacidade de inibir a receptação de dopamina e noradrenalina, aumentando a concentração destes na fenda sináptica (GOODMAN, 2010). Este medicamento diferencia-se dos demais, uma vez que, no Brasil, é sujeito à controle especial, exigindo prescrição médica com a retenção da notificação de receita, apresentando tarja preta em sua embalagem, em virtude do risco de dependência química e psicológica (BRASIL, 1998).
Uma das características do dimesilato de lisdexanfetamina é a apresentação da diminuição do apetite como evento adverso, o que impacta diretamente na utilização do mesmo em situações de distúrbios do apetite (GOODMAN, 2010). Destaca-se, por isso, que este medicamento tem indicação para o tratamento da compulsão alimentar periódica nos Estados Unidos da América (EUA), aprovada recentemente pela Food and Drug Administration (FDA), órgão de regulamentação de medicamentos dos EUA (SCHENEIDER et al., 2022).
Destaca-se, contudo, que assim como os demais fármacos, o dimesilato de lisdexanfetamina também tem sido alvo de uso indiscriminado para fins estéticos, principalmente, emagrecimento (MEDEIROS, 2020). Estudos apontam a redução da perda de peso com a utilização deste fármaco, com resultados clinicamente significativos, observados em estudos (SRIVASTAVA; O’HARA; BROWNE, 2019; KESHEN et al., 2021). Apesar das limitações do acesso ao medicamento, em virtude do controle exigido pela legislação sanitária, ainda assim percebe-se a compra, a automedicação e, consequentemente, o uso indiscriminado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta pesquisa pode-se constatar a busca por terapias medicamentosas, como os medicamentos semaglutida, orlistate e dimesilato de lisdexanfetamina para obtenção de resultados estéticos, como o emagrecimento. Deve-se ressaltar que há o aumento da procura por pessoas que não passaram por orientação de um profissional e, consequentemente, fazem o uso indiscriminado a partir da automedicação. Destaca-se, também, a influência de mídias sociais, familiares e amigos neste processo, intensificando a procura.
Portanto, se observa a necessidade da realização de novas pesquisas de campo sobre a compra de medicamentos com venda sob prescrição médica com finalidade estética, pois a falta de estudos sobre este consumo desenfreado constitui-se uma limitação para entender o comportamento social frente aos medicamentos e, consequentemente, o uso indiscriminado dos mesmos. Apesar das legislações existentes, é comum perceber o fácil acesso aos medicamentos e a pouca preocupação sanitária quanto ao controle na dispensação.
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Dilmária dos Santos Rios
Graduanda em Farmácia
UNIFACS – R. Rio Tinto, 152 – Santa Monica, Feira de Santana – BA, 44077-140
75 98804-2892
dilmaria_fsa@outlook.com
Gildenice Silva de Souza
Graduanda em Farmácia
UNIFACS – R. Rio Tinto, 152 – Santa Monica, Feira de Santana – BA, 44077-140
75 99172-5493
giihsouzabk12@gmail.com
Flávio Simas Moreira Neri
Mestre em Ciências Farmacêuticas
UNIFACS – R. Rio Tinto, 152 – Santa Monica, Feira de Santana – BA, 44077-140
75 98116-8034
fsmneri@gmail.com