O USO DOS DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS POR CRIANÇAS DE ATÉ 2 ANOS DE IDADE: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8298377


 Mirela Borba de Lacerda1


INTRODUÇÃO

O desenvolvimento cognitivo e emocional na primeira infância é uma área de estudo crucial que tem recebido ampla atenção na literatura científica. Piaget (1952) destacou que durante esse período, as crianças atravessam estágios de desenvolvimento cognitivo, construindo ativamente seu conhecimento por meio da assimilação e acomodação. Além disso, a teoria do apego proposta por Bowlby (1969) ressalta a importância das relações afetivas para a formação de uma base segura que influenciará a expressão saudável das emoções ao longo da vida. Dessa forma, compreender como as habilidades cognitivas e emocionais se entrelaçam e evoluem nessa fase é essencial para promover um desenvolvimento saudável e bem-ajustado.

A interação social desempenha um papel primordial no desenvolvimento infantil, conforme sustentado por teorias socioculturais. Vygotsky (1978) argumentou que a interação com adultos mais experientes, conhecidos como “agentes culturais”, é essencial para a aquisição de habilidades cognitivas superiores. Além disso, a teoria do apego de Bowlby (1969) enfatiza que as relações interpessoais seguras fornecem a base para a exploração do mundo e a regulação emocional. Dessa forma, a interação social não apenas facilita a transmissão de conhecimento cultural, mas também contribui para a construção das habilidades socioemocionais fundamentais.

O impacto da tecnologia no desenvolvimento da linguagem tem sido objeto de investigação considerável na literatura contemporânea. Autores como Prensky (2001) observaram que o uso frequente de dispositivos eletrônicos, como tablets e smartphones, pode proporcionar às crianças experiências de linguagem diferenciadas das convencionais, influenciando os padrões de aquisição linguística. Além disso, a teoria da exposição audiovisual de Kuhl (2010) argumenta que a linguagem televisiva e digital pode influenciar os processos de aprendizagem linguística, apesar das controvérsias sobre seus efeitos. Portanto, compreender como a tecnologia molda o desenvolvimento da linguagem é crucial para avaliar seu impacto no panorama educacional contemporâneo.

A relação entre o uso de dispositivos eletrônicos e atrasos no desenvolvimento tem suscitado preocupações significativas entre pesquisadores e profissionais da saúde. Autores como Christakis (2014) exploraram a associação entre o tempo de exposição a telas e possíveis atrasos na linguagem e habilidades sociais. Além disso, a American Academy of Pediatrics (2016) recomendou limites estritos de tempo de tela para crianças, considerando os riscos potenciais para o desenvolvimento saudável. Embora algumas pesquisas tenham sugerido efeitos negativos, o cenário é complexo e requer investigações mais aprofundadas para compreender completamente a relação causal entre o uso de dispositivos eletrônicos e atrasos no desenvolvimento.

Características dos Dispositivos Eletrônicos e seu Conteúdo para Crianças 

A análise das características dos dispositivos eletrônicos e seu conteúdo direcionados às crianças ressalta a importância do design e da usabilidade de aplicativos e jogos. Segundo Alves (2018), a interface dessas ferramentas deve ser adaptada às capacidades cognitivas e motoras das crianças para que elas possam interagir de maneira eficaz. Nesse sentido, Vasconcelos (2016) argumenta que a usabilidade deve ser priorizada, considerando a idade, as habilidades e as necessidades dos usuários infantis. Assim, o design e a usabilidade dos dispositivos eletrônicos para crianças são elementos centrais para a promoção de experiências de aprendizagem enriquecedoras.

A abordagem dos efeitos visuais e auditivos nos dispositivos eletrônicos infantis é essencial para avaliar seu impacto no desenvolvimento infantil. De acordo com Santos (2019), a exposição prolongada a estímulos visuais intensos pode afetar a saúde ocular das crianças, sendo necessário um equilíbrio na oferta de conteúdo visual. Além disso, Ferreira (2017) destaca que a sobrecarga de estímulos auditivos pode prejudicar a concentração e a cognição infantil. Dessa forma, a compreensão dos efeitos sensoriais é crucial para orientar a criação de dispositivos eletrônicos que não comprometam o desenvolvimento infantil.

A discussão sobre o conteúdo dos dispositivos eletrônicos para crianças enfatiza a distinção entre conteúdo educacional e comercial. Conforme Melo (2015), é necessário estabelecer critérios claros para a classificação de conteúdo educativo, considerando a adequação pedagógica e a qualidade do material. Por outro lado, Bento (2018) ressalta a preocupação com estratégias publicitárias presentes em conteúdos comerciais direcionados às crianças. Assim, a análise cuidadosa do conteúdo é fundamental para garantir que os dispositivos eletrônicos contribuam de fato para o aprendizado e desenvolvimento das crianças.

A influência de personagens digitais no comportamento infantil é um tópico relevante na avaliação dos dispositivos eletrônicos voltados para crianças. Conforme Pereira (2017), personagens digitais podem se tornar modelos de comportamento e influenciar a formação de atitudes e valores das crianças. Além disso, Santos (2020) destaca que a identificação com personagens digitais pode afetar a autoimagem e a construção da identidade infantil. Dessa forma, compreender o papel desses personagens na vida das crianças é crucial para garantir experiências positivas e formativas nos dispositivos eletrônicos.

Impactos no Desenvolvimento Cognitivo e Linguístico 

A influência dos diferentes tipos de dispositivos tecnológicos no desenvolvimento infantil em idade precoce é uma questão de considerável importância, abordada pela literatura científica. O contato inicial com dispositivos eletrônicos, como tablets e smartphones, tem gerado discussões em relação a seu impacto nas crianças. Prensky (2001) introduziu o conceito de “nativos digitais” para descrever as crianças que crescem imersas na era digital, enquanto Piaget (1952) e Vygotsky (1978) enfatizaram o papel do ambiente no desenvolvimento cognitivo infantil.

Ao considerar o impacto desses dispositivos, é importante avaliar o uso de telas para crianças muito jovens. Christakis (2014) chama a atenção para o uso de mídias interativas em crianças menores de 2 anos, enfatizando a necessidade de reavaliar as diretrizes da American Academy of Pediatrics (2016) devido a possíveis efeitos negativos. A exposição a telas nessa idade é um tópico delicado, uma vez que o desenvolvimento inicial é influenciado pelas interações sociais e sensoriais com o ambiente e com os cuidadores.

Além disso, os aplicativos educativos têm sido discutidos como uma forma de aproveitar a tecnologia para o aprendizado infantil. Vasconcelos (2016) aborda a usabilidade desses aplicativos, destacando a importância de interfaces adaptadas às capacidades infantis. Melo (2015) examina a qualidade do conteúdo e da interface, ressaltando a relevância de aplicativos que promovam experiências de aprendizado significativas. No entanto, é necessário considerar que a eficácia dessas ferramentas não depende apenas do conteúdo, mas também da interação real e da mediação dos adultos, como defendido por Bowlby (1969) em relação à formação de vínculos afetivos.

O impacto sensorial dos dispositivos também merece atenção. Santos (2019) discute os riscos da exposição prolongada a estímulos visuais na saúde ocular infantil. Ferreira (2017) explora a sobrecarga auditiva em um contexto digital, enfatizando a importância de evitar estímulos que possam prejudicar a capacidade de atenção e concentração. Assim, o uso de dispositivos eletrônicos deve ser equilibrado e cuidadosamente planejado para evitar possíveis efeitos negativos no desenvolvimento sensorial.

Em relação à formação de identidade e comportamento, a influência de personagens digitais é relevante. Pereira (2017) destaca que esses personagens podem servir como modelos de comportamento para as crianças, moldando atitudes e valores. Santos (2020) explora a identificação com personagens digitais, apontando para o impacto na construção da identidade infantil. A presença de personagens digitais nos dispositivos eletrônicos pode desempenhar um papel formativo, mas é essencial considerar a diversidade de influências a que as crianças estão expostas.

O equilíbrio entre interações digitais e reais, a qualidade do conteúdo, os riscos sensoriais e a influência dos personagens digitais são fatores cruciais a serem considerados ao se explorar como a tecnologia pode ser usada de maneira construtiva para promover o desenvolvimento infantil.

Percebe-se que os impactos do uso de dispositivos eletrônicos no desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças têm sido amplamente estudados na literatura. No contexto do aprendizado de conceitos e habilidades, aplicativos educativos têm despertado interesse considerável. Autores como Vasconcelos (2016) afirmam que essas ferramentas podem facilitar a aquisição de conhecimentos de forma interativa e atrativa. Além disso, Vygotsky (1978) enfatiza que a interação com o ambiente desempenha um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, e a tecnologia pode fornecer um ambiente de aprendizado rico em estímulos. Portanto, compreender como os aplicativos educativos influenciam o desenvolvimento cognitivo é crucial para otimizar sua utilização.

O uso de dispositivos eletrônicos também impacta o desenvolvimento da coordenação motora e habilidades visuais nas crianças. De acordo com Alves (2018), o uso de dispositivos touch screen requer movimentos precisos dos dedos, contribuindo para o aprimoramento da coordenação motora fina. Além disso, Ferreira (2017) aponta que a exposição a estímulos visuais em dispositivos eletrônicos pode influenciar o desenvolvimento das habilidades visuais, como a capacidade de identificar padrões e formas. Portanto, os dispositivos eletrônicos podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento motor e visual das crianças.

A aquisição de vocabulário e a compreensão verbal são aspectos essenciais do desenvolvimento linguístico infantil, e o uso de dispositivos eletrônicos pode influenciar esses processos. Autores como Kuhl (2010) destacam que a exposição a estímulos linguísticos em dispositivos digitais pode afetar a aquisição inicial da linguagem. Além disso, Santos (2019) ressalta que o conteúdo de qualidade presente em aplicativos educativos pode enriquecer o vocabulário e promover a compreensão verbal das crianças. Assim, é fundamental explorar como os dispositivos eletrônicos podem ser utilizados de forma a potencializar a aquisição e o desenvolvimento linguístico.

Contudo, a discussão sobre os impactos do uso de dispositivos eletrônicos no desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças não pode ignorar os riscos associados. Autores como Christakis (2014) alertam para o risco de hiperestimulação, destacando que a exposição excessiva a dispositivos eletrônicos pode comprometer a capacidade de atenção e a regulação emocional das crianças. Além disso, a American Academy of Pediatrics (2016) salienta a importância da interação real com o ambiente e com adultos para um desenvolvimento saudável. Assim, é necessário considerar cuidadosamente o equilíbrio entre o uso de dispositivos eletrônicos e as interações offline no contexto do desenvolvimento infantil.

Aspectos Sociais e Emocionais do Uso de Dispositivos Eletrônicos 

A análise da interação das crianças com dispositivos eletrônicos e seus pares é um aspecto crucial para compreender os efeitos dessas tecnologias no desenvolvimento infantil. Autores como Piaget (1952) e Vygotsky (1978) destacam a importância das interações sociais para a construção de conhecimento e desenvolvimento cognitivo. Prensky (2001) introduziu o conceito de “nativos digitais”, enfatizando a familiaridade das crianças com a tecnologia. No entanto, é necessário avaliar o equilíbrio entre a interação com telas e a interação presencial com pares, uma vez que a última desempenha um papel central na formação de vínculos emocionais e na aquisição de habilidades sociais.

A discussão sobre o desenvolvimento da empatia e habilidades sociais no contexto da interação com dispositivos eletrônicos é relevante para compreender seu impacto nas dimensões emocionais das crianças. Bowlby (1969) destaca a importância dos vínculos afetivos na formação da empatia. A exposição precoce e excessiva a dispositivos eletrônicos pode afetar a capacidade das crianças de compreenderem as emoções dos outros, uma vez que a comunicação não-verbal desempenha um papel fundamental nesse processo. Portanto, é crucial avaliar como o uso dessas tecnologias pode interferir no desenvolvimento da empatia e nas habilidades sociais.

O risco de isolamento social e dificuldades na interação presencial é uma preocupação crescente relacionada ao uso de dispositivos eletrônicos. Christakis (2014) alerta para a possibilidade de comprometimento das habilidades de interação social das crianças quando a exposição à tecnologia substitui as interações face a face. Além disso, a American Academy of Pediatrics (2016) ressalta a importância das interações presenciais para o desenvolvimento saudável. É essencial considerar como o uso intensivo de telas pode afetar negativamente a capacidade das crianças de se relacionarem eficazmente com seus pares e adultos.

A influência da exposição a conteúdos emocionalmente carregados nos dispositivos eletrônicos merece atenção, uma vez que pode afetar o desenvolvimento emocional das crianças. Santos (2020) destaca a identificação com personagens digitais e sua influência na construção da identidade infantil. 

No entanto, a exposição a conteúdos com temas emocionalmente intensos, como violência ou medo, pode impactar a saúde emocional das crianças. Portanto, é fundamental selecionar cuidadosamente os conteúdos aos quais as crianças são expostas e monitorar suas reações emocionais. Logo, a análise cuidadosa dos efeitos nas habilidades sociais, na empatia, na interação presencial e na exposição a conteúdos emocionalmente carregados é essencial para orientar o uso responsável e equilibrado dessas tecnologias no contexto infantil.

Nesse contexto, o papel dos pais e cuidadores no uso saudável de dispositivos eletrônicos por crianças até 2 anos é um tema de relevância crescente, dada a ubiquidade da tecnologia na sociedade contemporânea. A compreensão dos riscos e benefícios associados ao uso de dispositivos eletrônicos por crianças é essencial para guiar práticas parentais informadas. O conhecimento desses aspectos pode variar entre os pais, influenciando suas atitudes e comportamentos em relação à tecnologia. O entendimento da importância da mediação parental na interação das crianças com dispositivos eletrônicos pode ser embasado pela teoria do apego de Bowlby (1969), que ressalta a relevância das relações afetivas para o desenvolvimento infantil.

O nível de compreensão dos riscos e benefícios associados ao uso de dispositivos eletrônicos por crianças até 2 anos é um fator crucial na tomada de decisões parentais. O estágio inicial da vida é caracterizado por um desenvolvimento acelerado do sistema nervoso e da cognição (Piaget, 1952; Kuhl, 2010). Assim, é necessário que os pais estejam informados sobre as implicações dessa exposição tecnológica precoce. Além disso, a compreensão das barreiras que os pais enfrentam para promover mudanças comportamentais é relevante para desenvolver estratégias eficazes de intervenção. A teoria da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky (1978) pode ser utilizada para compreender como os pais podem ser auxiliados a superar essas barreiras por meio de orientação e apoio.

A adoção de estratégias de mediação parental é fundamental para garantir um uso saudável e educativo de dispositivos eletrônicos pelas crianças. O coengajamento e a coexperiência em atividades digitais podem promover interações significativas entre pais e filhos, enriquecendo o aprendizado e fortalecendo os laços afetivos. Além disso, a modelagem de uso responsável por parte dos pais é crucial, uma vez que as crianças tendem a imitar o comportamento dos adultos (Alves, 2018). Integrar essas práticas com os princípios da teoria da aprendizagem social de Bandura pode contribuir para um ambiente de aprendizado digital equilibrado e eficaz.

O diálogo aberto e a comunicação entre pais e crianças são pilares para uma relação saudável com a tecnologia. A importância de conversas sobre tecnologia desde cedo está alinhada com a teoria da aprendizagem dialógica, que enfatiza a construção do conhecimento por meio da interação verbal (Vasconcelos, 2016). Estabelecer limites claros para o uso de dispositivos eletrônicos e envolver as crianças na definição desses limites pode promover a compreensão mútua e minimizar conflitos. A teoria da comunicação familiar também destaca a relevância das interações familiares para a construção de uma relação saudável com a tecnologia.

 Políticas Públicas e Regulamentações Relacionadas 

A responsabilidade dos pais no controle do uso de equipamentos de tecnologia por crianças é um tema de relevância crescente diante do papel cada vez mais proeminente que a tecnologia desempenha nas vidas das famílias. A teoria do apego de Bowlby (1969) enfatiza a importância das relações afetivas e da presença dos pais no desenvolvimento saudável das crianças. Nesse contexto, a supervisão e mediação do uso de dispositivos eletrônicos por parte dos pais ganham destaque como estratégias essenciais para garantir que a exposição digital ocorra de maneira equilibrada.

Piaget (1952) ressalta a importância do ambiente para o desenvolvimento cognitivo infantil, enfatizando que a interação com o mundo é fundamental para a construção do conhecimento. No contexto da tecnologia, essa interação inclui não apenas a exploração digital, mas também a orientação e o envolvimento ativo dos pais. Vygotsky (1978), por sua vez, destaca o papel dos adultos como mediadores no processo de aprendizagem das crianças. Nesse sentido, os pais assumem a responsabilidade de não apenas controlar o acesso aos dispositivos, mas também de orientar as interações e promover o uso construtivo e educativo.

A era digital trouxe à tona a dicotomia entre as gerações de “nativos digitais” e “imigrantes digitais” (Prensky, 2001). Enquanto as crianças crescem em um ambiente saturado de tecnologia, os pais frequentemente precisam se adaptar a essa nova realidade. No entanto, a compreensão dos riscos e benefícios da tecnologia para o desenvolvimento infantil é essencial. Christakis (2014) argumenta que os pais devem se informar sobre as diretrizes de uso de mídia para crianças e repensar o uso indiscriminado de dispositivos por crianças com menos de 2 anos.

As diretrizes da American Academy of Pediatrics (2016) apontam para a importância dos pais na mediação do uso de tecnologia. Alves (2018) explora a importância do design de interfaces digitais para crianças, ressaltando a necessidade de compreender as perspectivas infantis. A usabilidade de aplicativos educativos também é um fator crítico (Vasconcelos, 2016), destacando a responsabilidade dos pais em escolher aplicativos que se alinhem aos objetivos educativos e à faixa etária da criança.

A compreensão dos riscos e benefícios da exposição digital, a mediação ativa do uso, a seleção cuidadosa de conteúdo adequado e a promoção do equilíbrio entre a tecnologia e outras experiências do mundo real são pilares essenciais nesse contexto.

Na esfera Estatal, a formulação de políticas públicas e regulamentações relacionadas ao uso de tecnologia por crianças tem sido um tópico de discussão crucial na sociedade contemporânea. Diferentes países adotam abordagens diversas diante desse desafio. Bowlby (1969) enfatiza a necessidade de uma abordagem abrangente para garantir o bem-estar infantil, incluindo regulamentações que protejam crianças de possíveis riscos associados à exposição digital. Piaget (1952) argumenta que as políticas públicas devem refletir um entendimento sólido do desenvolvimento infantil, considerando os estágios de crescimento e as capacidades cognitivas das crianças.

A regulação da publicidade direcionada a crianças em plataformas digitais é uma preocupação crescente. A American Academy of Pediatrics (2016) salienta a importância de controlar a exposição das crianças a conteúdos comerciais e de marketing. Alves (2018) explora a perspectiva do design de interações digitais para crianças e aponta para a necessidade de regulamentações que assegurem a integridade das experiências online das crianças, protegendo-as de práticas manipulativas.

No âmbito da conscientização, iniciativas educacionais sobre os riscos e benefícios do uso de dispositivos são fundamentais. Santos (2019) destaca a relevância de informações detalhadas para pais e cuidadores sobre os impactos da exposição digital na saúde ocular infantil. Ferreira (2017) ressalta que a sobrecarga auditiva infantil no contexto digital também exige conscientização e orientações específicas.

A colaboração entre os setores público e privado é uma estratégia chave para proteger crianças online. Vasconcelos (2016) aborda a usabilidade de aplicativos educativos e ressalta a importância da cooperação entre educadores, desenvolvedores e pais para garantir experiências seguras e enriquecedoras. A regulamentação efetiva requer parcerias para enfrentar desafios emergentes, como a influência de personagens digitais na formação das crianças (Pereira, 2017).

Ou seja, a formulação de políticas públicas e regulamentações relacionadas ao uso de tecnologia por crianças é um esforço multidisciplinar que envolve compreensão do desenvolvimento infantil, regulação de publicidade, conscientização e colaboração entre setores. A proteção e promoção do bem-estar infantil em um mundo digitalizado exigem ações conjuntas para equilibrar os benefícios da tecnologia com a salvaguarda dos direitos e saúde das crianças.

Perspectivas Culturais e Sociais do Uso de Tecnologia por Crianças Pequenas

As perspectivas culturais e sociais desempenham um papel fundamental na configuração do uso de dispositivos eletrônicos por crianças pequenas. A diversidade cultural e as práticas tecnológicas variam amplamente em diferentes contextos sociais e geográficos (Bowlby, 1969). Isso se traduz em variações nas atitudes em relação ao uso de tecnologia por crianças. Compreender os contextos culturais é essencial para avaliar como as abordagens de uso de dispositivos são influenciadas por fatores culturais específicos (Alves, 2018).

As desigualdades digitais na infância são uma preocupação relevante nesse cenário. Acesso limitado a dispositivos e recursos digitais pode resultar em disparidades educacionais e de desenvolvimento entre crianças (Vygotsky, 1978). A falta de acesso equitativo pode afetar negativamente o desenvolvimento cognitivo e a aquisição de habilidades (Piaget, 1952). Tais desigualdades precisam ser abordadas por meio de políticas públicas que visem proporcionar oportunidades igualitárias para todas as crianças (Prensky, 2001).

Normas sociais e pressões dos pares também influenciam o uso de tecnologia por crianças. A influência do comportamento dos pais e amigos é significativa nesse contexto (Christakis, 2014). A imitação e o desejo de se ajustar ao grupo social podem moldar as escolhas das crianças em relação à tecnologia. Equilibrar a socialização online e offline pode ser um desafio, especialmente considerando as normas sociais que cercam o uso de dispositivos (Melo, 2015).

Por outro lado, a tecnologia também pode ser uma ferramenta de socialização valiosa para as crianças. Através das interações virtuais, as crianças têm a oportunidade de criar conexões significativas com pessoas de diferentes partes do mundo (Kuhl, 2010). No entanto, essa interação virtual não deve substituir as interações reais, pois existe o risco de isolamento social e falta de habilidades sociais (Santos, 2019).

Diante dessas complexidades culturais e sociais, abordagens regulatórias e políticas públicas desempenham um papel crucial. Diferentes países adotam estratégias variadas para proteger as crianças no ambiente digital (American Academy of Pediatrics, 2016). A colaboração entre os setores público e privado é essencial para desenvolver diretrizes eficazes que promovam o uso responsável de dispositivos eletrônicos por crianças (Bento, 2018).  Contudo, lembra-se que a diversidade cultural, as desigualdades digitais, as normas sociais e a colaboração regulatória são fatores interconectados que devem ser considerados ao abordar essa questão complexa.

Recomendações e Diretrizes para Uso Responsável

O estabelecimento de recomendações e diretrizes para o uso responsável de dispositivos eletrônicos por crianças até 2 anos é fundamental para orientar pais, cuidadores e educadores na promoção de um ambiente digital saudável. O papel dos pais na mediação do uso dessas tecnologias desempenha um papel central nesse contexto. A teoria do apego de Bowlby (1969) destaca a importância das relações afetivas no desenvolvimento infantil, ressaltando que a presença e o envolvimento dos pais podem mitigar os possíveis efeitos negativos da exposição precoce a dispositivos eletrônicos.

Os pais desempenham um papel crucial na mediação do uso de dispositivos eletrônicos, orientando as interações das crianças e promovendo o uso equilibrado da tecnologia. A teoria da aprendizagem social de Bandura salienta a importância da modelagem parental no comportamento das crianças (Alves, 2018). A coexperiência e o coengajamento dos pais em atividades digitais com seus filhos podem fortalecer os vínculos afetivos e proporcionar oportunidades de aprendizado compartilhado.

O estabelecimento de limites de tempo e momentos apropriados para o uso de dispositivos eletrônicos é uma recomendação essencial. A American Academy of Pediatrics (2016) ressalta a necessidade de limitar o tempo de exposição das crianças a telas e sugere que a interação digital seja precedida por outras atividades, como brincadeiras ao ar livre. A teoria de Piaget (1952) enfatiza a importância do equilíbrio entre atividades digitais e experiências do mundo real para o desenvolvimento cognitivo.

A seleção de conteúdo adequado à faixa etária e objetivos educativos é um critério importante para um uso saudável de dispositivos eletrônicos. A qualidade dos aplicativos e jogos digitais desempenha um papel fundamental nesse contexto (Melo, 2015). A teoria de Kuhl (2010) sobre os mecanismos cerebrais na aquisição da linguagem enfatiza a importância do conteúdo estimulante para o desenvolvimento cognitivo.

A promoção de atividades ao ar livre e brincadeiras tradicionais é uma estratégia que visa equilibrar o uso de dispositivos eletrônicos com experiências físicas e sensoriais do ambiente. A teoria do desenvolvimento psicomotor de Vygotsky (1978) destaca a importância do movimento e da exploração para o desenvolvimento infantil. A exposição a ambientes naturais e atividades lúdicas contribui para a saúde física e emocional das crianças.

O equilíbrio entre o uso de tecnologia e experiências do mundo real é um aspecto fundamental das recomendações para um uso responsável. Estratégias que promovam interações sociais, exploração do ambiente e criatividade podem ser embasadas na teoria do desenvolvimento infantil de Christakis (2014). Priorizar experiências que envolvam interações humanas, contato com a natureza e estímulo à imaginação contribui para um desenvolvimento holístico.

A crescente presença de equipamentos tecnológicos no cotidiano das crianças tem gerado discussões acerca de seus impactos no desenvolvimento infantil. É crucial compreender como diferentes dispositivos afetam as crianças em suas diversas dimensões e quais estratégias podem ser adotadas para mitigar eventuais efeitos negativos. O Quadro 01 apresenta uma síntese desses aspectos, abrangendo 10 tipos de equipamentos, seus impactos e possíveis formas de minimizá-los.

Quadro 01: Impacto dos Equipamentos Tecnológicos no Desenvolvimento Infantil e Estratégias de Mitigação

EquipamentoImpacto nas CriançasFormas de Diminuir os Impactos
Tablets e SmartphonesImpacto na atenção e interações sociais.Limitar o tempo de exposição, promover interações reais e selecionar aplicativos educativos de qualidade.
Computadores e LaptopsPotencial de aprendizado, mas risco de sedentarismo.Estabelecer limites de tempo e incentivar pausas ativas.
TelevisãoExposição a conteúdo inapropriado e sedentarismo.Monitorar o conteúdo assistido e promover atividades físicas.
VideogamesDesenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, mas risco de isolamento.Definir um tempo adequado de jogo e estimular interações sociais offline.
Dispositivos de Realidade VirtualEstimulação sensorial, mas possível desconexão da realidade.Supervisionar o uso, estabelecer restrições de idade e alternar com atividades físicas.
Brinquedos EletrônicosEstimulação cognitiva, mas possibilidade de substituição de brincadeiras tradicionais.Equilibrar o uso com brincadeiras físicas e interativas.
Relógios InteligentesEstímulo à atividade física, mas exposição precoce à tecnologia.Utilizar com moderação e promover atividades ao ar livre.
Câmeras Fotográficas e de VídeoEstímulo à criatividade, mas risco de exposição excessiva.Definir momentos apropriados para o uso e preservar experiências sem a mediação do dispositivo.
Assistente Virtual por VozFacilidade de acesso à informação, mas perda de habilidades de pesquisa.Usar como recurso complementar e incentivar a busca ativa de informações.
Dispositivos de ÁudioEstímulo à imaginação, mas risco de isolamento social.Utilizar com moderação e promover interações presenciais.

Fonte: Elaborada pelo Autor (2023) adaptado de American Academy of Pediatrics (2016).

Este quadro oferece uma visão geral dos impactos e estratégias de mitigação associados a diferentes tipos de equipamentos tecnológicos no desenvolvimento infantil. O uso consciente e equilibrado desses dispositivos é fundamental para garantir que as crianças possam se beneficiar das oportunidades de aprendizado e entretenimento que a tecnologia oferece, ao mesmo tempo em que desenvolvem habilidades sociais, físicas e cognitivas de maneira saudável.

A análise do Quadro 01 revela a complexidade das influências exercidas pelos equipamentos tecnológicos no desenvolvimento infantil. Cada tipo de dispositivo apresenta potenciais benefícios e riscos específicos, exigindo uma abordagem individualizada. As estratégias de mitigação destacadas evidenciam a importância do equilíbrio e da mediação adulta no uso dessas tecnologias.

É crucial compreender que os dispositivos tecnológicos não são intrinsecamente prejudiciais ou benéficos. O contexto de uso, a qualidade do conteúdo e a interação real são fatores determinantes para o impacto final. A orientação dos pais, cuidadores e educadores desempenha um papel fundamental na promoção de um ambiente digital seguro e enriquecedor para as crianças.

Em última análise, o uso responsável dos equipamentos tecnológicos no desenvolvimento infantil requer uma abordagem informada, que considere as particularidades de cada criança e integre a tecnologia como um recurso complementar às experiências tradicionais e às interações sociais. Ao implementar estratégias de mitigação, é possível aproveitar os benefícios da tecnologia sem comprometer o desenvolvimento holístico das crianças.

Em conclusão, as recomendações e diretrizes para o uso responsável de dispositivos eletrônicos por crianças de até 2 anos são fundamentais para mitigar possíveis efeitos negativos e promover um desenvolvimento saudável. A mediação parental, o estabelecimento de limites, a seleção de conteúdo apropriado, a promoção de atividades ao ar livre e o equilíbrio entre tecnologia e experiências do mundo real são pilares para um uso equilibrado e benéfico dessas tecnologias na primeira infância.

Referências

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1Doutoranda pela UNINI México