O USO DO MIOINOSITOL NO TRATAMENTO DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7590258


Adália Vicente dos Santos 
Amanda Karla Rodrigues Oliveira Eulálio 
Caio Cesar Rodrigues Leite Araruna 
Dallyévane Guedes Araujo 
Gabriele de Souza Guerra 
Kaila Gabriele Azevedo Cavalcanti 
Klayne Lorrayne Feitosa Navarro de Araújo Alves
Letícia Trajano Silva Pedrosa 
Maria Alinne Pires Matias 
Maria Eduarda Lacerda Silva
Maria Eduarda Pereira Gonçalves 
Maria Emília Calado Dantas 
Raívson Diogo Felix Fernandes 
Yarley de Sousa Leitão


Introdução 

A síndrome do ovário policístico (SOP) é o distúrbio endócrino mais comum em mulheres em idade reprodutiva. A SOP é uma condição heterogênea com expressão fenotípica variável, levando a controvérsia significativa sobre os critérios diagnósticos; sua prevalência é de 6% a 15% dependendo dos critérios diagnósticos utilizados. As principais características clínicas são anovulação com irregularidade menstrual, hiperandrogenismo, infertilidade e anormalidades metabólicas.1 É a principal causa de distúrbios da menstruação e infertilidade nas mulheres.2 Vale destacar que a SOP também aumenta o risco de algumas doenças, como as cardiovasculares e o diabetes tipo 2. 3 

A hiperandrogenemia é a marca bioquímica da SOP. O hormônio luteinizante e a insulina aumentam sinergicamente a produção de andrógenos. A resistência à insulina leva à hiperinsulinemia, reduz o SHBG e aumenta a testosterona circulante livre. Mulheres com SOP demonstram uma secreção aumentada de esteróides precursores adrenocorticais basalmente e em resposta à estimulação de ACTH, incluindo pregnenolona, 17-hidroxipregnenolona, desidroepiandrosterona (DHEA), androstenediona, 11-desoxicortisol e possivelmente cortisol. Além disso, taxas de variação de androstenediona, LH / FSH e LH são anormais nessas pacientes.14 

A SOP é considerada um diagnóstico de exclusão. Os principais parâmetros utilizados no diagnóstico são os Critérios de Rotterdam, o qual exige a presença de 2 dos 3 critérios, dentre eles a existência de oligo ou anovulação; hiperandrogenismo clínico e / ou laboratorial;a presença de ovários policísticos na ultrassonografia (pelo menos 12 folículos medindo 2-9 mm de diâmetro em cada ovário e / ou volume ovariano aumentado > 10 mL), são suficientes para fechar o diagnóstico de SOP, sendo necessário que sejam excluídas outras condições com uma apresentação clínica semelhante, como hiperplasia congênita das glândulas supra-renais, Síndrome de Cushing ou tumores virilizantes.2

Com relação ao tratamento da SOP, a modificação do estilo de vida é considerada primeira linha. Para pacientes com necessidades de fertilidade, a terapia da ovulação é um tratamento eficaz. Nos distúrbios de ovulação refratários, há opções de tratamento mais recentes, incluindo a teoria do bloqueio da via de sinalização do hipocampo ovariano, a teoria da leptina, tratamento com inositol, perfuração ovariana bilateral para estimular a ovulação e tecnologia de reprodução assistida. Como os tratamentos atuais não podem curar a SOP, a administração ao longo da vida ainda é o método principal de gerenciamento.3 Várias terapias farmacológicas, incluindo metformina (MET), tiazolidinedionas e outras podem ser usadas no manejo dos aspectos cardiometabólicos dessa síndrome.4 

A metformina reduz a absorção de glicose do trato gastrointestinal e suprime a gliconeogênese hepática 13. Evidências mostram que a metformina pode ter benefícios metabólicos e reprodutivos, incluindo redução de peso, diminuição da resistência à insulina, redução dos níveis de andrógenos e restauração da ciclicidade menstrual e ovulatória.6 Apesar da sua eficácia clínica, esse medicamento apresenta vários efeitos colaterais, como: náuseas, vômitos e desconforto gastrointestinal em cerca de 30% dos usuários, sendo responsável pela má adesão associada a este medicamento. 5 

Recentemente, novos sensibilizadores de insulina contendo isômeros do inositol foram propostos no tratamento de pacientes com SOP 6. Dentre eles, os mais usados são o mio inositol (MIO) e o D-quiro-inositol. O MIO é um poliol sintetizado a partir da glicose-6-fosfato (G6P), sendo o mais abundante dos estereoisômeros que naturalmente ocorrem 9. Produz um segundo mensageiro, o trifosfato de inositol. Enquanto que o D-quiro-inositol é derivado do MIO pela atividade da epimerase, uma enzima endocelular específica. Esses dois compostos regulam alguns hormônios como o hormônio estimulador da tireoide e o folículo estimulante. 

Além do impacto no funcionamento de hormônios, os produtos metabólicos do mioinositol e D-quiro-inositol impactam também na absorção de glicose, que por sua vez aumenta a sensibilidade à insulina 12. Atuam também no aumento das taxas de ovulação e diminuem os níveis de testosterona no plasma, restaurando o metabolismo e o perfil hormonal das pacientes com SOP13. Além disso, impactam no funcionamento do metabolismo lipídico, de forma a reduzir os níveis de colesterol total e triglicerídeos. Portanto, observa-se melhora significativa do metabolismo glicídico, lipídico e na regularidade menstrual, uma vez que desempenham atividade sobre ativação de enzimas que regulam tais vias metabólicas (SHOKRPOUR, et al., 2019)

Desse modo a presente revisão sistemática tem como objetivo avaliar as evidências atuais sobre o uso da medicação mio-inositol para o tratamento da SOP, bem como seus benefícios e vantagens sobre outras medicações comumente usadas no tratamento dos sintomas associados à esta condição. 

Metodologia 

Para a busca de estudos, foram utilizados os descritores: “Polycystic Ovary Syndrome”[Mesh]) AND “Inositol”[Mesh], obtidos no dicionário indexado de termos do MeSH (Títulos de assuntos médicos em tradução livre) no serviço da PubMed. Foram utilizados os filtros de artigos publicados nos últimos 5 anos e os tipos de artigo, sendo incluídos: estudo clínico, ensaio clínico (em todas as fases), estudo comparativo, ensaio clínico controlado, estudo multicêntrico, estudo de observação, estudo clínico pragmático e estudo de gêmeos. 

A partir disso, foram obtidos 25 resultados. A leitura do título desses resultados permitiu a seleção de 15, sendo escolhidos aqueles que avaliavam a eficácia clínica do medicamento em análise na síndrome dos ovários policísticos. Dos 15 estudos selecionados, 4 foram excluídos por avaliarem o mioinositol em combinação com outra droga, não permitindo afirmar que os resultados obtidos foram em decorrência de apenas um dos medicamentos; 1 estudo foi excluído por não avaliar os desfechos da clínica da síndrome dos ovários policísticos (o que diferenciou dos demais artigos, dificultando compará-lo com os demais artigos) e outro artigo foi excluído por não possuir os resultados concluídos. 

Dessa forma, 9 artigos foram escolhidos para compor a revisão por meio da leitura de seus resumos e avaliação da metodologia do artigo. Entre os 9 estudos que compuseram essa revisão, 6 eram ensaios clínicos, dos quais 3 foram randomizados e controlados; 2 foram estudos retrospectivos e 1 deles foi um estudo comparativo entre mioinositol e metformina.

Resultados e discussão 

O impacto do mioinositol em pacientes com SOP foi avaliado por meio dos seguintes parâmetros observados nos estudos: índice de massa corporal (IMC), características clínicas – como acne, hirsutismo, fertilidade, alterações metabólicas e resistência à insulina. Além disso, alguns estudos compararam a droga com a ação da metformina e do D-quiro-inositol.

Em relação à composição corporal, um estudo9 comparou os resultados da dieta, do uso de mioinositol e da combinação mioinositol- D-quiro-inositol após 6 meses. Esse parâmetro apresentou melhora em todos os grupos, sem diferenças significativas, apesar da combinação mioinositol e D-quiro-inositol ter mostrado os resultados mais favoráveis. 

No que tange ao IMC, em três estudos 6,7,8 houve diminuição do IMC em relação ao valor de base tanto nas pacientes que fizeram uso de MIO, assim como naquelas que utilizaram MET, sem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, sugerindo que ambos os tratamentos são eficazes em melhorar esse parâmetro. Em contrapartida, um estudo 5 mostrou diminuição significativa do peso corporal e, consequentemente, do IMC nas pacientes que foram tratadas com metformina e nenhuma melhora significativa nos parâmetros antropométricos das pacientes tratadas com mioinositol. Dois estudos 11,13 não apresentaram resultados favoráveis em nenhum dos grupos de drogas. 

As alterações metabólicas, por sua vez, apresentaram-se divergentes entre os estudos analisados. Com exceção do estudo feito por Jamilian, Mehri et al, a utilização de mioinositol reduziu significativamente o LH, enquanto mudanças nos níveis de FSH não foram observadas 11. Nordio et. al, mostrou SHBG e níveis de E2 aumentados, entretanto, Mehri et al não constatou alterações no SHBG sérico. Um dos estudos 7 concluiu que o mio-inositol é tão eficaz quanto a metformina na melhora do perfil clínico e metabólico de mulheres com SOP. Ademais, Valeria et al observou que nenhum dos pacientes experimentou qualquer melhora significativa em parâmetros clínicos, antropométricos ou hormonais em uso de MIO, atribuindo tal achado a não utilização do ácido fólico em conjunto e ressaltando a importância deste. 

No que se refere aos efeitos do Mioinositol no ciclo menstrual, em virtude das alterações metabólicas, este se tornou mais regular 5,7,9,10,13. Essa regularização foi de 100% quando o Mioinositol foi associado ao D-quiro-inositol 9, estando de acordo com o aumento da progesterona11. Ademais, os oócitos de melhor qualidade possuíam maiores valores de Mioinositol no fluido folicular 6,8. Cabe destacar ainda que um dos estudos8 encontrou que o Mioinositol associado ao ácido lipóico, em mulheres com SOP, submetidas a um ciclo de fertilização in vitro (FIV), pode ajudar a melhorar os resultados reprodutivos.

Ao avaliar o padrão hiperandrogênico fenotípico e hormonal da SOP, observou-se, em um ensaio clínico intervencionista, a redução de até 2 pontos no Escore de Ferriman–Gallwey (F-G score) em pacientes submetidas ao uso do Mio-inositol durante o período de 6 meses, no entanto, no mesmo estudo, nenhuma relevância estatística foi observada quando o medicamento foi comparado à adoção de medidas dietéticas apenas 9. Afora isso, não foram observadas alterações significativas nos valores de Androstenediona e Testosterona livre em pacientes diagnosticadas com SOP e sobrepeso (IMC > 25kg/m²) que se submeteram ao uso de Mio-inositol por 12 semanas em um ECR envolvendo 52 mulheres 12. De forma análoga, em outros dois ECR unicêntricos, no qual comparou-se o uso mio-inositol e da metformina durante 6 meses, não observaram-se alterações significativas no Ferriman-Gallwey (F-G score), índice de Testosterona Livre (FAI) ou no nível de androstenediona sérica5, outrossim, não relatou-se melhora considerável na análise subjetiva de acne e hirsutismo nas pacientes em uso das medicações, sendo alterações ausentes em mais de 50% das pacientes e, ainda, podendo-se observar um aumento dos sintoma em até 12% dos casos7. Em contrapartida, demonstrou-se uma redução estatisticamente significativa de testosterona total livre e da pontuação do escore de Ferriman-Gallwey (F-G score) nas pacientes em uso do mio-inositol quando comparadas àquelas em uso de metformina por um período de 6 meses, em um ensaio clínico que envolveu mais de 60 mulheres com SOP e hiperandrogenismo6

Vários estudos demonstraram que o mecanismo de deficiência de insulina resulta do mediador inositol fosfoglicono (IPG) e que a deficiência de inositol no IPG é responsável pela resistência à insulina 8. Assim, houve unanimidade na melhora da resistência à insulina, através da diminuição das insulinas basal e pós prandial, além do índice HOMA-IR. Segundo K Nas et al , o índice HOMA-IR reduziu principalmente nos grupos tratados com metformina (valor no início do tratamento: 2,95; valor após 6 meses de tratamento: 2,41) e associada a mioinositol (valor no início do tratamento: 3,4; valor após 6 meses de tratamento: 3,05). Fruzetti, Franca et al, por sua vez, não encontrou diferenças significativas entre ambos os tratamentos, havendo melhora equivalente dos índices de Matsuda. O uso de mioinositol não provocou hipoglicemia prolongada em nenhum dos estudos, assim como no uso da metformina. Entretanto, a presença de diabetes familiar parece reduzir a efeitos positivos do mioinositol sobre a sensibilidade à insulina, devendo-se, nesse caso, associar com ácido alfa lipóico (ALA),a fim de superar os defeitos -principalmente na expressão do ácido lipóico sintase, o responsável pela síntese do ALA mitocondrial- induzidos pela predisposição familiar ao diabetes 12

Quando comparado com Mioinositol e Metformina, foram observados resultados clínicos semelhantes e favoráveis em ambos tratamentos. Entretanto, a segunda droga apresenta efeitos colaterais gastrointestinais, como náuseas e vômitos, que prejudica a adesão ao tratamento8,13, favorecendo o uso do Mioinositol5,7,11,12

Conclusão 

Sendo um distúrbio heterogêneo, de apresentação fenotípica variável, com repercussões no metabolismo glicídico, lipídico e alterações reprodutivas importantes, a Síndrome dos Ovários Policísticos impacta negativamente a qualidade de vida das paciente acometidas, apresentando dimensionamento biopsicossocial. Nesse sentido, é reconhecido que a mudança no estilo de vida é um dos passos fundamentais no manejo da SOP, todavia, por vezes, apenas isso não é suficiente para controle dos sintomas.

O efeito do Mioinositol nas pacientes com SOP mostrou-se bastante eficaz, principalmente no que diz respeito a melhora na composição corporal, redução IMC, regularização das alterações metabólicas e controle glicêmico. Esses resultados clínicos também são alcançados, de forma similar, com o uso da Metformina. Por fim, cabe ressaltar que o MIO se mostra bastante promissor por sua efetividade e por não apresentar os efeitos gastrointestinais que ainda limitam a adesão efetiva à terapêutica medicamentosa com a Metformina. 

Referências 

1. Trikudanathan S. Polycystic ovarian syndrome. Med Clin North Am, v. 99, n.1, p. 221-235, Jan 2015. 

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3. Jin P, Xie Y. Treatment strategies for women with polycystic ovary syndrome. Gynecol Endocrinol, v. 34, n.4, p.272-277 Abr 2018. 

4. KHAN, Khurshid A.; STAS, Sameer; KURUKULASURIYA, L. Romayne. Polycystic Ovarian Syndrome. Journal Of The Cardiometabolic Syndrome, [S.L.], v. 1, n. 2, p. 125-132, mar. 2006. 

5. TAGLIAFERRI, Valeria et al. Metformin vs myoinositol: which is better in obese polycystic ovary syndrome patients? A randomized controlled crossover study. Clinical endocrinology, v. 86, n. 5, p. 725-730, 2017. 

6. JAMILIAN, Mehri et al. Comparison of myo‐inositol and metformin on clinical, metabolic and genetic parameters in polycystic ovary syndrome: A randomized controlled clinical trial. Clinical Endocrinology, v. 87, n. 2, p. 194-200, 2017. (maíra 1)

7. FRUZZETTI, Franca et al. Comparison of two insulin sensitizers, metformin and myo-inositol, in women with polycystic ovary syndrome (PCOS). Gynecological Endocrinology, v. 33, n. 1, p. 39-42, 2017. 

8. SHOKRPOUR, Maryam et al. Comparison of myo-inositol and metformin on glycemic control, lipid profiles, and gene expression related to insulin and lipid metabolism in women with polycystic ovary syndrome: a randomized controlled clinical trial. Gynecological Endocrinology, v. 35, n. 5, p. 406-411, 2019. 

9. LE DONNE, M. et al. Effects of three treatment modalities (diet, myoinositol or myoinositol associated with D-chiro-inositol) on clinical and body composition outcomes in women with polycystic ovary syndrome. Eur Rev Med Pharmacol Sci, v. 23, n. 5, p. 2293-2301, 2019. 

10. TROISI, Jacopo et al. Metabolomic change due to combined treatment with myo-inositol, D-chiro-inositol and glucomannan in polycystic ovarian syndrome patients: a pilot study. Journal of Ovarian Research, v. 12, n. 1, p. 25, 2019. 

11. NORDIO, M.; BASCIANI, S.; CAMAJANI, E. The 40: 1 myo-inositol/D-chiro-inositol plasma ratio is able to restore ovulation in PCOS patients: comparison with other ratios. European review for medical and pharmacological sciences, v. 23, n. 12, p. 5512-5521, 2019. 

12. GENAZZANI, Alessandro D. et al. Differential insulin response to oral glucose tolerance test (OGTT) in overweight/obese polycystic ovary syndrome patients undergoing to myo-inositol (MYO), alpha lipoic acid (ALA), or combination of both. Gynecological Endocrinology, v. 35, n. 12, p. 1088-1093, 2019. 

13. NAS, K.; TŰŰ, L. A comparative study between myo-inositol and metformin in the treatment of insulin-resistant women. Eur Rev Med Pharmacol Sci, v. 21, n. 2 Suppl, p. 77-82, 2017. 

14. Dumitrescu R, Mehedintu C, Briceag I, Purcarea VL, Hudita D. The polycystic ovary syndrome: an update on metabolic and hormonal mechanisms. J Med Life, v. 8, n. 2, p. 142-145, Abr-Jun 2015.