THE USE OF CANNABIDIOL IN THE TREATMENT OF SYMPTOMS OF AUTISM SPECTRUM DISORDER
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202412121054
Kailanny Vitória Lima Barbosa¹; Kárita Alves Pessoa²; Katarina Coêlho Leite de Carvalho Marinho³; Leonardo Luís Batista Cardoso⁴.
RESUMO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por déficits na comunicação, interação social e padrões comportamentais restritivos e repetitivos, com sintomas que geralmente aparecem até os três anos de idade. O TEA possui uma etiologia multifatorial que combina influências genéticas e ambientais. No Brasil, o tratamento medicamentoso dos sintomas do TEA, como agressividade, hiperatividade, impulsividade, ansiedade e distúrbios do sono, segue diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Os medicamentos mais utilizados incluem antipsicóticos como risperidona e aripiprazol, além de outras drogas como olanzapina, quetiapina, ziprasidona e clozapina. Substâncias como melatonina, fluoxetina e canabidiol (CBD) também têm sido estudadas para aliviar os sintomas do transtorno. O presente estudo teve como objetivo analisar a eficácia do canabidiol no tratamento dos sintomas do TEA. A metodologia consistiu em uma revisão narrativa da literatura, utilizando artigos científicos extraídos de bases de dados como Google Acadêmico, SciELO, LILACS, PubMed e BVS. Após a revisão da literatura, foi possível observar que o uso de CBD pode ser relevante para aliviar os sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA), considerando que os medicamentos convencionais frequentemente apresentam efeitos adversos que comprometem a qualidade de vida dos indivíduos. O CBD mostrou potencial promissor no manejo de alguns sintomas do TEA. No entanto, não é possível concluir, de forma definitiva, que o CBD, isolado ou em combinação com frações de THC, seja capaz de exercer efeitos positivos sobre os sintomas centrais do transtorno.
Palavras-chave: TEA, tratamento, canabidiol, autismo e Cannabis sativa.
ABSTRACT
Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental condition characterized by deficits in communication, social interaction, and repetitive behaviors, with symptoms typically emerging by the age of three. The etiology of ASD is multifactorial, involving both genetic and environmental factors. In Brazil, pharmacological treatments for ASD symptoms, such as aggression, hyperactivity, impulsivity, anxiety, and sleep disturbances, follow guidelines established by the Ministry of Health and the Brazilian Society of Pediatrics. Common medications include antipsychotics like risperidone and aripiprazole, along with other drugs such as olanzapine, quetiapine, ziprasidone, and clozapine. Substances like melatonin, fluoxetine, and cannabidiol (CBD) have also been studied for symptom relief. This study aims to evaluate the efficacy of CBD in managing ASD symptoms. A narrative literature review was conducted, utilizing scientific articles from databases such as Google Scholar, SciELO, LILACS, PubMed, and BVS. The review suggests that CBD may be a relevant option for alleviating ASD symptoms, particularly as conventional medications often present adverse effects that compromise quality of life. While CBD shows promising potential in managing certain ASD symptoms, conclusive evidence on its effectiveness, either alone or in combination with THC fractions, remains insufficient for a definitive recommendation. Further research is needed to establish its role in ASD treatment.
Keywords: ASD, treatment, cannabidiol, autism and Cannabis sativa.
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que se caracteriza por déficit na comunicação, interação social, apresentando um padrão comportamental repetitivo e restrito, sendo comum o aparecimento dos primeiros sintomas em torno dos 3 anos de idade. Os indivíduos portadores do TEA têm funções cognitivas atípicas, como: disfunção executiva, emocional, percepção atípica e social prejudicada, cognição e processamento das informações defectivo, correlacionado com o déficit de atenção. Além disso, a redução da comunicação verbal/não verbal durante as interações sociais, incluindo linguagem corporal e contato visual limitado, também são sintomas aparentes desse transtorno (MAGALHÃES; RODRIGUES, 2024).
O autismo foi descrito em 1943 como um “distúrbio único” por Leo Kanner, onde observou onze casos, no qual todos apresentavam dificuldades em estabelecer o contato afetivo, e ainda relatou características do autismo como a estereotipia, ecolalia e traços obsessivos. Além disso, as características que Kanner definiu para o autismo foram utilizadas como referência para os manuais diagnósticos (ALMEIDA; NEVES, 2020).
Na década de 1980, foram elaborados manuais como o Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), documento criado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) cujos critérios estabelecidos por Kanner passaram por mudanças que apresentam diversas particularidades e códigos como instrumento para fins diagnósticos. Em 2013, foi formulada a mais recente DSM 5, cuja principal função é ser utilizada como guia para os cuidados, diagnóstico de TEA e auxilio na prescrição do tratamento, além das observações do comportamento e conversas com os pais (FERNANDES; TOMAZELLI; GIRIANELLI, 2020).
Por apresentar etiologia complexa, multifatorial, e influenciada por fatores externos e genéticos, a etiologia do TEA não é totalmente esclarecida. A influência genética, já comprovada, mostra esse distúrbio como uma anormalidade cromossômica, tendo mais de 1.000 genes relatados no banco de dados de genes SFARI (Simons Foundation Autism Reserach Initiative). Além disso, um estudo demonstrou que metade dos casos de autismo são originados por variantes genéticas comuns, que de forma isolada não tinham eficácia no desenvolvimento do transtorno. Dessa forma, conclui-se a importância da interferência externa/ambiental na progressão do TEA (OLIVEIRA; SCHMIDT; COELHO, 2024).
“A prevalência do TEA é maior em meninos do que em meninas, em uma proporção de aproximadamente 4 para 1’’ (BRAGA, et al., 2024, p. 6). O ADDM (Autism and Developmental Disabilites Monitoring), centro que auxilia e acompanha a prevalência do TEA nos Estados Unidos, mostrou que, em 2014, esse transtorno atingiu uma em cada 68 crianças (GUEDES et. al, 2024). De acordo com Braga et al., (2023, p. 1):
Nos últimos anos, observou-se um notável aumento nas estimativas da prevalência do autismo. Por exemplo, nos Estados Unidos, a prevalência do Transtorno do Espectro Autista (TEA) aumentou de 1 em 150 crianças de 8 anos em 2000 e 2002 para 1 em 68 crianças em 2010 e 2012. Em 2014, essa taxa atingiu 1 em 58, o que representou mais que o dobro de casos durante esse período.
Atualmente, estima-se que a prevalência global do TEA seja de aproximadamente 70 casos para cada 10.000 habitantes, sendo quatro vezes mais comum em meninos. No Brasil, embora haja uma carência de estudos que permitam uma estimativa mais precisa, uma pesquisa recente apontou uma taxa de 27,2 casos para cada 10.000 habitantes (PINTO et al., 2016).
No Brasil, a intervenção medicamentosa no tratamento dos sintomas do TEA, tais como agressividade, hiperatividade, impulsividade, ansiedade e alterações do sono, segue diretrizes do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria, além de protocolos clínicos e artigos internacionais. Os medicamentos mais utilizados são risperidona, a olanzapina, a quetiapina e a ziprasidona (Lopes, 2019). Além disso, outras substâncias foram estudadas, como a melatonina e a fluoxetina, a fim de regular o sono e no tratamento da depressão, ansiedade e TOC, respectivamente (ABREU; BATISTA, 2023).
O sistema endocanabinoide (SECB) atua em diferentes regiões do corpo, entre eles, o sistema nervoso, imunológico e outros processos biológicos. O THC (Tetrahidrocanabinol), por ser bastante lipossolúvel, consegue ultrapassar a barreira hematoencefálica com facilidade. Além disso, essa substância se liga aos receptores CB1 e CB2, produzindo efeitos mentais e físicos, apresentando a capacidade de destruir células do sistema imune e tecidos, importantes na proteção contra doenças. Logo, sintomas como fome, inibição da dor, euforia, alucinações e alterações perceptivas são efeitos fisiológicos do THC. Em contrapartida, o CBD não possui efeitos psicóticos, pois não atuam significativamente aos receptores CBD, atuando como: neuroprotetor, anti-inflamatório, antitumoral, ansiolítica, antipsicótico. Além disso, o CBD não possui ação sobre o sistema dopaminérgico, e, por conta disso, não provoca euforia, agitação ou eventos motores. (SILVA, et al., 2022).
O uso da Cannabis Sativa data na China data desde em 2900 a.C, sendo utilizada pelo povo chinês para tratar dores articulares, espasmos musculares, gota e malária. Em torno de 1000 a.C, essa planta também era utilizada como analgésica, hipnótica, tranquilizante e agente anti-inflamatório, na Índia. Além disso, na década de 60 e 70, os cientistas conseguiram isolar a substância delta-9-THC, com capacidade psicoativa da planta Cannabis S. Porém, foi apenas em 2018 que o Canadá e o México legalizaram essa planta para uso recreativo e médico (PENG et al., 2022).
Na planta Cannabis sativa já foram identificadas mais de 500 substâncias diferentes, entre elas: canabinoides fenólicos, fenóis não canabinoides, como estilbenoides, lignanas, espiro-indanos e di-hidrofenantrenos, além de flavonóides, terpenóides, álcoois, aldeídos, n-alcanos, ésteres de cera, esteróides e alcalóides (ODIEKA et al., 2022).
O presente estudo tem como objetivo geral demonstrar a eficácia do CBD (canabidiol) no tratamento de indivíduos portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para isso, foram definidos três objetivos específicos. O primeiro é explorar a eficácia e a segurança do CBD no tratamento de indivíduos com TEA, avaliando seus efeitos terapêuticos e possíveis reações adversas. O segundo objetivo é analisar estudos clínicos que abordam o potencial terapêutico do canabidiol, identificando evidências científicas existentes. Por fim, o terceiro objetivo é demonstrar as principais diferenças entre o tratamento convencional e o tratamento com CBD, destacando as vantagens e limitações.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma revisão narrativa da literatura de natureza qualitativa, baseada em artigos científicos obtidos de bases de dados como Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PubMed e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde). Além disso, durante as buscas dos artigos, foram utilizadas palavras-chaves como: “transtorno do espectro autista”, “autismo”, “canabidiol” e “canabis”, assim como suas versões em inglês: “autism spectrum disorder”, “autism”, “cannabidiol” e “cannabis”, tanto isoladamente quanto em combinações. Esta revisão abrangeu estudos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol e, além disso, ensaios clínicos e estudos de coorte foram prioridades na construção desse artigo.
Após a busca pelo tema da pesquisa nas bases de dados escolhidas, encontrou-se cerca de 350 artigos na busca avançada. Em seguida foram sendo filtrados de acordo com os as palavras chaves, restando 269 artigos encontrados.
A seleção inicial dos estudos foi realizada com base na análise de títulos e resumos, seguida pela leitura completa dos artigos mais relevantes. Foi aplicado um filtro de ano de publicação, resultando no aproveitamento de artigos publicados nos últimos sete anos, assegurando que as informações fossem atualizadas e pertinentes. O critério de inclusão dos artigos selecionados baseou-se na seguinte pergunta: “qual a eficácia do canabidiol no tratamento dos sintomas do Transtorno do Espectro Autista?’’. (QUADRO 1)
Quadro 1 – Resultados da busca e seleção dos artigos pertinentes
Bases de dados | Títulos | Resumo | Artigos | |||
Total | Aceitos | Total | Aceitos | Total | Aceitos | |
SciELO | 6 | 6 | 3 | 3 | 3 | 3 |
Google Acadêmico | 236 | 208 | 167 | 82 | 33 | 4 |
Lilacs | 5 | 4 | 4 | 4 | 2 | 1 |
PubMed e BVS | 22 | 13 | 11 | 7 | 4 | 2 |
TOTAL | 269 | 231 | 185 | 96 | 42 | 10 |
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A tabela 1 apresenta resultados simplificados das publicações analisadas que apresentaram dados relacionados ao Transtorno do Espectro Autista.
ANO/AUTOR | TIPO DE ESTUDO | TÍTULO DO ARTIGO | RESULTADOS |
2018/ Barchel et al. | Coorte prospectivo | Oral Cannabidiol Use in Children With Autism Spectrum Disorder to Treat Related symptoms and Comorbidities (Uso oral de canabidiol em crianças com transtorno do espectro do autismo para tratar sintomas e comorbidades relacionados) | Sintomas de automutilação, ataques de raiva, problemas de sono, hiperatividade e ansiedade melhoraram com o extrato de CBD e THC, pelo menos 50% na população estudada. Os efeitos adversos, principalmente sonolência e alteração do apetite, foram leves. |
2021/ Aran et al. | Coorte retrospectivo | Cannabinoid treatment for autism: a proof-of-concept randomized trial (Tratamento com canabinóides para o autismo: um ensaio randomizado de prova de conceito). | As mudanças nas pontuações totais do desfecho primário e secundário não apresentaram diferenças significativas entre os grupos. O tratamento com canabidiol tem o potencial de reduzir os comportamentos perturbadores associados ao TEA, com tolerabilidade aceitável, em especial aos pacientes acima do peso, haja vista que, nesse mesmo estudo, observou-se uma perda líquida de peso nos pacientes. |
2024/ Machado et al. | Revisão da literatura | Uso da Cannabis no tratamento do transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil | O CBD tem a capacidade de reduzir a agitação generalizada, sendo capaz de controlar convulsões em crianças autistas, além da melhora na qualidade do sono, em alguns casos, e no comportamento social dos indivíduos com TEA. |
2023/ Lin et al. | Revisão da literatura | O uso do canabidiol no tratamento do transtorno do espectro autista: revisão das evidências existentes | Análise de estudos clínicos, coorte prospectivo e série de casos prospectivos. O canabidiol pode exercer efeitos promissores ao tratar sintomas associados ao TEA, como agressividade, irritabilidade e sintomas psiquiátricos comórbidos. |
2017/ Rong et al. | Revisão narrativa da literatura | Interações medicamentosas como resultado da administração concomitante de delta-9-THC e CBD com outros agentes psicotrópicos. | O potencial acúmulo de CBD e delta-9-THC no tecido adiposo com utilização repetida pode aumentar a probabilidade de interação medicamentosa quando comparada ao uso único. Além disso, o CBD e delta-9-THC são substratos e inibidores das vias enzimáticas do CYP (CYP3A4, 2C9 e CYP3A4, 2C19). |
2024/ Júnior et al. | Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e placebo controlado | Avaliação da eficácia e segurança do extrato de cannabis rico em CBD em crianças com transtorno do espectro autista: ensaio clínico, randomizado duplo-cego e controlado por placebo. | O extrato rico em CBD mostrou-se seguro nas doses utilizadas nesse estudo (70 gotas diárias – concentração de 0,5% na proporção de 9CBD:1THC). efeitos colaterais muito leves, como tontura, insônia, cólica e ganho de peso foram relatados apenas por 3 crianças do estudo. Ao final do ensaio, observou-se que houve melhoras significativas na interação social, ansiedade e agitação psicomotora. Além disso, o extrato não interferiu na qualidade do sono das crianças. Vale ressaltar que o extrato aumentou a quantidade de refeições por dia, podendo estar relacionado à diminuição dos níveis de ansiedade observados nas crianças. |
2022/ Schapp et al. | Ensaio clínico randomizado controlado por placebo | Um ensaio controlado por placebo sobre o tratamento com canabinoides para comportamentos disruptivos em crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro do Autismo: Efeitos nos parâmetros de sono medidos pelo CSHQ | Um extrato de planta inteira e uma preparação de canabinoides puros, contendo CBD e THC na proporção de 20:1, não melhoraram os parâmetros de sono conforme refletido nas pontuações do CSHQ (Questionário de Hábitos de Sono Infantil). |
2017/ Brzozowska et al. | Estudo pré-clínico realizado com camundongos | A ligação diferencial de medicamentos antipsicóticos à glicoproteína P do transportador ABC prevê interações entre medicamentos canabinóides e antipsicóticos. | A exposição do delta-9-tetrahidrocanabinol reverte os efeitos neurocomportamentais de algumas drogas antipsicóticas, como risperidona, reduzindo a sua concentração no SNC, uma vez que a risperidona e o seu metabólito ativo, 9-hidroxirisperidona, são substratos da glicoproteína P do transportador ABC. |
2024/ Engler et al. | Revisão sistemática da literatura | O uso da Cannabis no tratamento do Transtorno do Espectro Autista | O CBD mostrou-se eficaz em alguns sintomas centrais do TEA, com tolerabilidade aceitável; Redução de sintomas que estão relacionados ao cognitivo e comportamento do indivíduo, incluindo déficits na comunicação, nas relações e interações sociais; hiperatividade, distúrbios do sono e ansiedade; |
2020/ Fusar-Poli et al. | Revisão sistemática da Literatura | Canabinoides para pessoas com TEA: uma revisão sistemática de estudos publicados e em andamento | O CBD e o THC podem exercer efeitos benéficos sobre os sintomas do TEA, como hiperatividade, distúrbio do sono e problemas comportamentais. Além disso, o tratamento com o fitoativo permitiu reduzir a dose e a quantidade de medicamentos convencionais utilizados concomitantemente pelos pacientes. |
Os sintomas avaliados neste artigo englobam os problemas de sono, hiperatividade, ansiedade, autolesão, problemas comportamentais, déficits na comunicação e interação social, ataques de raiva, inquietação, depressão, agressividade, agitação psicomotora, concentração prejudicada, distúrbios alimentares, linguagem verbal (fala), movimentos repetitivos e estereotipados e número de refeições por dia, com boa tolerabilidade e aceitabilidade pelos pacientes dos estudos delimitados, o que explica a baixa taxa de desistência da população dos estudos. Apenas o estudo de Schnapp et al. (2022) relata que o óleo de CBD e THC não demonstrou efeitos promissores no tratamento do distúrbio de sono.
Engler et al. (2020) também versa sobre alguns dos sintomas supracitados (ansiedade, distúrbios do sono e déficits na comunicação), através de uma revisão sistemática da literatura discutindo sobre a melhora de alguns sintomas do TEA, com o uso do CBD, tais como: distúrbios de sono, ansiedade, hiperatividade, interações sociais e sintomas relacionados a distúrbios comportamentais e cognitivos, incluindo déficit na comunicação. Soma-se a isso, o fato de o CBD ser bem tolerado para aliviar outros sintomas do Transtorno do Espectro Autista: tiques, ataques de raiva, depressão, convulsões e inquietação.
Além disso, Machado et al. (2024) aborda, a partir de uma revisão da literatura, que o CBD e o THC, podem melhorar o distúrbio do sono, podendo atuar como um adjuvante no tratamento do TEA, em alguns casos; assim como Júnior et al. (2024), que observou melhoras significativas na interação social, agitação psicomotora e ansiedade, além do aumento do número de refeições por dia, podendo estar associado à redução da ansiedade. O ensaio clínico randomizado duplo-cego e placebo controlado realizado por tal autor com crianças entre 5 e 11 anos de idade do estado da Paraíba, no Brasil, e elaborado por Júnior et al. (2024), monitoraram aspectos de critério para diagnóstico do TEA, como a fala, estereotipias e interação social, segundo a DSM-5, durante 12 semanas, e outros aspectos que coexistem com o TEA (agressividade, agitação psicomotora, concentração prejudicada, distúrbios alimentares, distúrbios do sono e ansiedade), assim como avaliar o CBD como adjuvante terapêutico e a sua tolerabilidade.
O estudo de Júnior et al. (2024) avaliou, por meio de um estudo semiestruturado, diversos sintomas, como ansiedade, fala, movimentos repetitivos, interação social, agitação psicomotora, concentração, refeições diárias e sono. Os resultados indicaram que crianças tratadas com extrato de canabidiol (CBD) apresentaram melhora na interação social, concentração e aumento no número de refeições diárias, quando comparadas ao grupo controle. Dos 64 participantes, 60 concluíram o estudo, sendo 31 no grupo de tratamento e 29 no grupo controle. Além disso, os parâmetros bioquímicos permaneceram dentro dos limites normais, o que indicou a segurança do CBD nas doses utilizadas (70 a 100 gotas/dia). Embora efeitos colaterais leves tenham sido observados, como sonolência, tontura, cólicas e ganho de peso, estes foram considerados transitórios. Por fim, o CBD mostrou-se eficaz na melhoria da ansiedade, agitação psicomotora e interação social, mas não teve impacto significativo no sono.
Schnapp et al., (2022) realizaram um ensaio clínico randomizado, controlado por placebo com o intuito de avaliar a repercussão do uso de canabinoides no sono em crianças com TEA, em que foram utilizados dois tipos de extrato: o primeiro contendo CBD e THC isolados e puros; e o segundo englobando outras substâncias, além da mesma quantidade de CBD e THC, presentes na folha da Cannabis sativa, como, flavonoides e terpenos, em que estes teriam algum impacto potencial na eficácia e tolerabilidade. Os distúrbios do sono foram avaliados, nesse estudo, usando o Questionário de Hábito de Sono infantil. Os participantes elegidos para o estudo eram crianças e adolescentes de 5 a 21 anos com diagnóstico de TEA, conforme a classificação DSM-5 e pelo ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule) e que também apresentavam problemas comportamentais ou graves de acordo com a classificação ≥ 4 (CGI- gravidade da Clinical Global Impressions).
O estudo de Schnapp et al. (2022) foi conduzido entre 11 de janeiro de 2017 e 12 de abril de 2018, com 150 crianças e adolescentes com média de idade de 11,8 ± 4,1 anos. Entre os participantes, 78,7% apresentavam sintomas severos do transtorno, conforme o ADOS-2, e 88% tinham baixos níveis de adaptação, segundo pontuação do VABS. Os resultados demostraram que doses de 5,5 mg de canabidiol (CBD) e 0,3 mg de Tetrahidrocanabinol (THC) por quilograma não foram superiores ao placebo. Além disso, foi observada uma correlação entre distúrbios do sono, gravidade dos sintomas do TEA e idade mais jovem. Conforme schanappb et al 2022, p.10:
“Notavelmente, encontramos uma associação longitudinal entre mudanças na pontuação total do CSHQ (em participantes que receberam canabinoides ou placebo) e mudanças no comportamento disruptivo e na gravidade dos sintomas principais, sugerindo a possibilidade de uma relação causa-efeito (melhor sono leva a sintomas reduzidos. Esses achados estão em conformidade com associações entre qualidade do sono, comportamento e gravidade dos sintomas principais do autismo relatadas em estudos transversais. Esse achado também destaca a importância da qualidade do sono em crianças com TEA, cujo impacto pode exceder o de seus pares neurotípicos.”
Entretanto, Aran et al. (2021), aborda o CBD e THC como um importante redutor na dose e número de medicamentos convencionais utilizados concomitantemente no estudo, como: antipsicóticos, antiepilépticos, antidepressivos e sedativos hipnóticos, também abordado por Fusar-Poli et al., (2020), além de haver uma melhora nos sintomas centrais do TEA, como é o caso dos comportamentos disruptivos, que melhoraram muito em 49% a qualidade do sono, o comportamento bem como a gravidades dos principais sintomas. Esse resultado destaca a importância dessa substância no tratamento dos sintomas associados ao TEA.
Fusar-poli et al., 2020, em sua revisão sistemática, aborda alguns resultados do uso de CBD no tratamento dos sintomas do TEA, como: distúrbios de sono, hiperatividade e problemas comportamentais. Diante disso, o CBD permitiu reduzir o número e a dosagem de medicamentos convencionais utilizados no tratamento dos sintomas do TEA. É importante destacar que, como grande parte das crianças submetidas ao estudo estavam fazendo uso concomitante do CBD e medicamentos convencionais, não foi possível determinar se os efeitos adversos vieram do CBD ou das drogas convencionais. Porém, apesar disso, foi registrado que um dos principais efeitos adversos do CBD em crianças e adolescentes foi a sonolência, aumento do apetite e a irritabilidade.
Aran et al., (2021) realizou um estudo clínico de coorte retrospectivo, em que foram analisados uma amostra de 188 pacientes com TEA tratados com cannabis medicinal, composta de óleo de Cannabis sativa contendo 30% de canabidiol (CBD) e 1,5% de THC (Tetrahidrocanabinol). Sintomas, efeitos colaterais e avaliação global dos pacientes, foram avaliados em um questionário estruturado durante 6 meses de tratamento. Após esse período, 82,4% (155), dos pacientes, estavam em tratamento ativo com as substâncias alvo do estudo. Destes, 60% (93) foram avaliados, 30,1% (28) tiveram melhora significativa, 53,7% (50), moderada; 6,4% (6) leve e 8,6% (8) tiveram nenhuma mudança em sua condição. Além disso, 25,2% (23) pacientes tiveram pelo menos um efeito colateral, sendo a inquietação o mais comum em 6,6% dos indivíduos. A média de idade entre os pacientes foi de 7 a 12,9 anos, sendo, 14 pacientes (7,4%) com idade inferior a 5 anos; 70 pacientes (37,2%) entre 6 e 10 anos e 72 pacientes (38,2%) de 11 a 18 anos. Ademais, vale ressaltar que a grande maioria dos pacientes eram do sexo masculino (81,9%).
No estudo conduzido por Aran et al., (2021), apontou-se que a ampla faixa etária e os diferentes níveis funcionais dos participantes representaram uma limitação do estudo, pois tais variações podem influenciar significativamente os resultados e dificultar a generalização dos achados. Análises exploratórias sugeriram que a idade dos participantes pode atuar como um moderador na eficácia do tratamento, uma vez que crianças mais jovens demonstraram maior probabilidade de melhora em escalas como a Clinical Global Impression-Improvement (CGI-I) e o Autism Parenting Stress Index (APSI). Essa observação levanta a hipótese de que intervenções terapêuticas baseadas em canabinoides podem ser mais eficazes em faixas etárias mais precoces, embora tal efeito necessite de confirmação em estudos futuros.
Aran et al., (2021), recomenda em seus estudos que pesquisas subsequentes restrinjam os critérios de inclusão a intervalos de idade mais estreitos para melhor isolar o impacto da faixa etária na resposta ao tratamento e avaliar sua interação com outros fatores, como o nível funcional e as características específicas do TEA. Essa abordagem permitiria uma análise mais precisa da relação entre idade, manifestação dos sintomas e eficácia terapêutica dos canabinoide.
O estudo de coorte prospectivo de Barchel et al. (2018) analisou o efeito do óleo de canabidiol (CBD) em 53 crianças com TEA, com idades entre 3 e 25 anos, em Israel. A administração de 90 mg de canabidiol e 7 mg de Tetrahidrocanabinol, por 66 dias resultou em melhorias significativas em vários sintomas. Ataques de raiva e automutilação melhoraram em 67,6%, distúrbios de sono em 71,4% e ansiedade em 47,1%. No entanto, a ansiedade piorou em 23,5% dos casos. Os efeitos colaterais mais comuns foram sonolência e alteração de apetite, sendo leves, transitórios e resolvidos espontaneamente.
Nesse ensaio de Barchel et al., (2018), também foram analisadas melhorias gerais nos sintomas de comorbidade do TEA de 51 de 53 pacientes: melhora de 74,5%, não havendo melhora nenhuma em 21,6% e piora em 3,9%; dois pacientes relataram não haver melhora no geral, conforme demonstra a tabela 2. Além disso, comparou-se a melhora dos sintomas de autolesão com medicamento convencional, aripiprazol, e o CBD, não houve inferioridade dos efeitos do CBD em relação ao aripiprazol. Nesse ensaio, não foram relatados, pelos pais, sinais e sintomas de toxicidade do CBD nas crianças.
Tabela 2 – Comparativo entre alguns sintomas do TEA analisados por Barchel et al. (2018) e o medicamento convencional para tratar os mesmos sintomas.
SINTOMAS AVALIADOS | MELHORA DO CBD | MEDICAMENTO CONVENCIONAL |
Problemas de sono | 71,4% | Melatonina |
Autolesão | 67,6% | Aripiprazol |
Ansiedade | 47,1% | ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina) |
Assim como este, Lin et al. (2023), também abordou, através de uma revisão da literatura, que o extrato de CBD e THC se mostrou promissor no tratamento da agitação, hiperatividade e dificuldades do sono. É importante ressaltar que os medicamentos convencionais utilizados para tratar o TEA, podem comprometer a qualidade de vida, trazendo alguns efeitos adversos indesejados, como: diabetes, síndromes metabólicas, dislipidemias e ganho excessivo de peso, gerando uma discussão positiva em relação ao uso de tratamentos alternativos que visam reduzir tais efeitos nos pacientes.
Os estudos de Rong et al. (2017) e Brzozowska et al. (2017) investigaram as interações medicamentosas entre CBD (Canabidiol), THC (Tetrahidrocanabinol) e antipsicóticos. Rong et al. analisou, por meio de revisão de estudos clínicos e pré-clínicos, como o CBD pode inibir a biotransformação hepática, interferindo nos níveis séricos de antipsicóticos e outras drogas, como clobazam (aumentando sua biodisponibilidade) e fenitoína (potencialmente elevando-a a níveis tóxicos). O CBD (Canabidiol) e o THC (Tetrahidrocanabinol) atuam em diferentes isoenzimas do citocromo P450 (CYP2C19, CYP3A4, CYP2C9), destacando a relevância dessas interações no metabolismo hepático. Brzozowska et al., em um estudo pré-clínico com camundongos, identificou que o THC (Tetrahidrocanabinol) pode interagir com a risperidona, revertendo efeitos neurocomportamentais e aumentando a expressão de P-gp, possivelmente impactando o metabolismo hepático em pacientes com esquizofrenia.
Tabela 3 – Comparativo entre concentrações do extrato, posologia do extrato do estudo de Rong.
CONCENTRAÇÃO DO EXTRATO | POSOLOGIA DO EXTRATO | AUTOR DO ESTUDO | DURAÇÃO DO ESTUDO |
0,5% (5mg/mL) na proporção de 9 CBD:1 THC. | Inicialmente, 6 gotas diárias (2 gotas a cada 12 horas), pelo menos 1 hora antes ou após a administração do medicamento convencional; ao decorrer do estudo, aumentou-se a dose para 2 gotas a mais, diárias durante 2 vezes por semana. | Júnior et al., 2024. | 12 semanas |
30% de CBD e 1,5% de THC; na média, 79,5mg ± 61,5mg de CBD e 4,0mg ± 3,0mg de THC. | Gota sublingual 3 vezes ao dia. | Aran et al., 2021. | 2 anos |
30% de Canabidiol na proporção de 1:20 de THC e CBD, respectivamente. | 16mg/kg de Canabidiol (máxima diária de 600mg) 0,8mg/kg de THC (máxima diária de 40mg). | Barchel et al., 2018. | 66 dias |
Extrato da planta inteira: CBD: THC na proporção de 20:1, respectivamente. Canabinoides purificados com mesma proporção de CBD e THC. 5,5mg/kg de CBD 0,3mg/kg de THC. | Nesse estudo não foi especificado a frequência de administração do extrato. | Schnapp et al., 2024. | 1 ano |
Tendo em vista que não há cura para o Transtorno do Espectro Autista, apenas tratamento para os sintomas, os ensaios clínicos, seja de coorte; coorte prospectivo; randomizados, duplo-cego controlados por placebo, buscam rotas medicamentosas alternativas para o tratamento dos sintomas do TEA, entretanto, é necessário que mais estudos clínicos sejam realizados a fim de esclarecer como o extrato de CBD deve ser utilizado (ENGLER et al., 2024). Além disso, o CBD (canabidiol) possui benefícios aos portadores do TEA, quando utilizados de forma terapêutica, em comparação com as drogas industrializadas, possuindo a capacidade de apaziguar a demasia excitação neuronal; sendo, tudo isso, muito recente (MACHADO et al., 2024).
CONCLUSÃO
O uso do CBD e THC é de mera importância para aliviar os sintomas do Transtorno do Espectro Autista, tendo em vista que os medicamentos convencionais utilizados para esse distúrbio afetam na qualidade de vida dos indivíduos, por conta dos efeitos adversos. Além disso, o CBD parece ter efeito promissor no alívio de alguns sintomas do TEA. Porém, apesar disso, não se pode afirmar, definitivamente, que o CBD, junto com uma fração de THC, como demonstram os artigos utilizados na construção desse estudo, que as duas substâncias possuem a capacidade de exercer efeitos positivos sobre os sintomas centrais do TEA. É necessário, portanto, que haja outros estudos que abranjam uma homogeneidade dos participantes e um aprofundamento da melhora da população estudada.
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¹Graduanda do curso de Bacharelado em Farmácia – UNIFAESF Centro Universitário;
²Graduanda do curso de Bacharelado em Farmácia – UNIFAESF Centro Universitário;
³Graduanda do curso de Bacharelado em Farmácia – UNIFAESF Centro Universitário;
⁴Farmacêutico. Docente do curso de Bacharelado em Farmácia – UNIFAESF Centro Universitário.