O USO DE LAVAGEM APÓS TORACOSTOMIA DE CAUSA TRAUMÁTICA COM INTUITO DE REDUÇÃO DA INCIDÊNCIA DE HEMOTÓRAX RESIDUAL: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202504052307


Pedro Henrique Junqueira da Cunha1; Janduí Gomes de Abreu Filho2; Izaura Bernal Oliveira3; Larissa Tavares da Silva1


Resumo:

A medicina moderna avança significativamente priorizando tratamentos minimamente invasivos que aceleram a recuperação e reduz complicações. O hemotórax retido é uma complicação importante do hemotórax traumático que exige intervenções mais invasivas aumentando a morbimortalidade e custos hospitalares. Realizado busca sistemática em bases de dados, incluindo PubMed, para identificar estudos relevantes publicados até 2024. Os critérios de inclusão abrangeram estudos observacionais, relatos de casos e séries de casos sobre trauma torácico necessitando de toracostomia. Oito artigos foram identificados, totalizando 1651 participantes. Técnicas como irrigação torácica demonstraram eficácia na redução de complicações, na minimização da incidência de hemotórax retido e na diminuição das reintervenções cirúrgicas. Além disso, reduz o tempo de internação hospitalar e de custos hospitalares. Pesquisas futuras devem aprofundar a aplicação da técnica em diferentes cenários, buscando consolidar sua eficácia.

Palavras-chaves: “hemotórax traumático”; “lavagem torácica” e “tratamento minimamente invasivo”.

Abstract:

Modern medicine has significantly progressed towards less interventionist therapeutic approaches, prioritizing minimally invasive treatments that accelerate recovery and reduce complications. Retained hemothorax is a major complication requiring more invasive interventions, increasing morbidity, mortality, and hospital costs. A systematic search was conducted in databases, including PubMed, to identify relevant studies published until 2024. Inclusion criteria covered observational studies, case reports, and case series on thoracic trauma requiring thoracostomy. Eight articles were identified, encompassing 1,651 participants. Techniques like thoracic irrigation proved effective in reducing complications, minimizing the incidence of retained hemothorax, and decreasing surgical reinterventions. Additionally, it reduces hospital stay durations and costs. Future research should further explore the application of this technique in various scenarios to consolidate its effectiveness.

Keywords: “traumatic hemothorax”; “thoracic irrigation”; and “minimally invasive treatment”.

Introdução:

A medicina moderna tem vivenciado transformações significativas nas abordagens terapêuticas, evidenciadas por uma crescente preferência dos profissionais de saúde por estratégias menos intervencionistas, priorizando tratamentos minimamente invasivos que tem como objetivo central acelerar a recuperação do paciente e reduzir complicações associadas. Essa mudança de paradigma não se restringe à prática médica geral, estando também presente em áreas de alta complexidade, como os centros especializados no atendimento a traumas, nos quais o manejo de condições críticas, como o trauma torácico, representa um dos principais desafios enfrentados diariamente.

Em cenários de atendimento emergencial, o trauma torácico ocupa lugar de maior prevalência, com o hemotórax sendo uma de suas manifestações mais relevantes. Estudos realizados em centros de referência, como hospitais terciários ou secundários com infraestrutura adequada, têm evidenciado a importância de um acompanhamento abrangente e criterioso desses casos. O hemotórax retido merece atenção especial, pois está associado a complicações que comprometem o prognóstico do paciente. Essa condição transforma um quadro inicialmente tratável por toracostomia com selo d’água em um contexto que exige intervenções mais invasivas, como a toracotomia ou cirurgia torácica assistida por vídeo (VATS), aumentando consideravelmente os índices de morbimortalidade, o tempo de internação e os custos hospitalares.

Diante dessa realidade, torna-se essencial a busca por soluções que possam prevenir o agravamento desses casos e reduzir a necessidade de reintervenções cirúrgicas. Nesse contexto, surge a proposta da técnica de lavagem ou irrigação torácica durante a toracostomia em selo d’água, que visa minimizar os riscos de complicações, como o hemotórax residual e até  empiema pleural. Essa técnica tem a finalidade de não apenas otimizar o manejo inicial do trauma, mas também melhorar significativamente os desfechos clínicos, oferecendo uma alternativa eficaz, acessível e segura para reduzir a incidência de reintervenções.

O objetivo desta revisão sistemática é avaliar os benefícios da realização da irrigação torácica, durante a toracostomia, na redução da incidência de hemotórax residual, e consequentemente na reintervenção do paciente com trauma torácico.

Métodos:

Realizada busca sistemática de literatura utilizando os descritores “Thoracic irrigation”, “Traumatic hemothorax”, “Thoracic lavage” e “ Retained hemothorax” ao descritor booleano AND em diversas combinações, na base de dados PubMed. A busca foi limitada a estudos em humanos, na língua inglesa e publicados nos últimos 10 anos. Estudos relatando pacientes trauma torácico que necessitam de toracostomia, estudos observacionais, relatos de casos e séries de casos foram incluídos nesta revisão. Total de 8 artigos potencialmente relevantes foram escolhidos, contemplando um total de 1651 participantes. Os artigos selecionados e o resumo dos resultados são apresentados na Tabela 1. Não houve conflito de interesses ou fonte de fomento para realização da revisão sistemática.

TABELA 1: Resumo artigos incluídos

N.Autor e anoTipo de EstudoTamanho da amostraResumo
1Abdul Hafiz Al Tannir (2024)Estudo retrospectivo370Do total de pacientes, 225 foram irrigados durante a drenagem torácica. A irrigação da cavidade torácica teve menor probabilidade de VATS, retenção de HTX e menor duração do dreno quando comparada com drenagem torácica clássica.
2Thomas W Carver (2024)Estudo prospectivo462Observado durante 5 anos, do total de pacientes 125 foram irrigados durante a drenagem torácica. Desses, apenas 10 apresentaram complicações. Dos não irrigados durante a torocostomia 47 apresentaram complicações.
3Nathan W Kugler (2016)Estudo prospectivo20Observou a taxa de intervenção secundária em pacientes submetidos à irrigação torácica profilática. A taxa de intervenção secundária foi de 5%.
4Nathan W Kugler (2017)Estudo prospectivo296Observado no período de 30 meses, a taxa de intervenção secundária foi significativamente menor no grupo que foi realizado irrigação torácica em comparação com o grupo que não realizou lavagem. Não foram observadas diferenças significativas na duração do dreno ou tempo de internação.
5Laura Crankshaw (2022)Estudo retrospectivo198Analisando prontuários de pacientes submetidos à irrigação torácica durante a drenagem tiveram menos dias de hospitalização e UTI em comparação com a colocação de dreno torácico padrão sem irrigação.
6Carl A. Beyer. (2024)Estudo de Inovação CirúrgicaEste artigo propõe a irrigação torácica com toracostomia percutânea como uma abordagem inovadora para hemotórax traumático, destacando benefícios como menor dor, melhor tolerância e redução do hemotórax retido, com potencial para aprimorar os resultados clínicos.
7Nathaniel R. McLauchlan (2023) Ensaio clínico randomizado multicêntrico296O estudo apresenta a técnica de irrigação torácica combinada com toracostomia percutânea como uma abordagem inovadora para otimizar o manejo de hemotórax traumático, reduzindo complicações como hemotórax retido e a necessidade de reintervenções.
8Nathaniel McLauchlan (2024)Estudo prospectivo9O artigo demonstra que a toracostomia percutânea combinada com irrigação pleural é uma abordagem eficaz e viável para hemotórax

Resultados:

Os achados desta revisão sistemática evidenciam que a lavagem torácica é uma técnica eficaz no manejo de hemotórax traumático, particularmente na redução da incidência de hemotórax retido, uma complicação comum em drenagens torácicas decorrentes de trauma. Nos estudos analisados, destaca que a irrigação durante a toracostomia percutâneos melhora significativamente a evacuação de hemotórax traumáticos, reduzindo as taxas de complicações, como hemotórax retido, de 21,8% para 5,6% em relação a pacientes que não realizaram a técnica. Além disso, os dados indicaram que a necessidade de intervenções cirúrgicas subsequentes foi consideravelmente menor nos pacientes submetidos à lavagem torácica no momento da realização da drenagem torácica, e a maioria dos pacientes teve alta em condições estáveis, destacando a eficácia clínica e a segurança do procedimento.

Outro aspecto relevante observado foi a associação entre volumes maiores de solução salina utilizados na irrigação torácica e a redução do tempo de internação hospitalar. Um estudo específico destacou que a técnica não apenas reduz complicações, mas também otimiza a utilização de recursos hospitalares. O uso de drenos de menor calibre, como 14 Fr, foi outro ponto de destaque nos resultados, pois esses drenos mostraram eficácia semelhante aos de maior calibre (28 Fr a 32 Fr), com vantagens adicionais, como menor dor pós-operatória e maior adesão às medidas de fisioterapia pelos pacientes.

Discussão:

O atendimento inicial a pacientes com pneumotórax ou hemotórax traumáticos segue um protocolo bem consolidado, que inclui drenagem torácica em selo d’água, avaliação contínua de débito, aspecto do líquido drenado e presença de fuga aérea. O hemotórax retido ou residual é uma complicação que requer intervenção cirúrgica em uma proporção significativa dos casos avaliados de toracostomia realizados, com taxas de incidência que variam de aproximadamente 20% a até 40% em drenagens torácicas realizadas por causas traumáticas como hemopneumotórax. Nessas situações, o manejo adequado inclui procedimentos cirúrgicos, como toracotomia ou VATS, disponíveis em centros mais avançados. Essa intercorrência destaca-se como um importante desafio para os profissionais de saúde envolvidos no manejo inicial e subsequente do trauma torácico.

A técnica de lavagem ou irrigação torácica durante a toracostomia consiste em um procedimento complementar amplamente estudado para o manejo de hemotórax traumático, visando minimizar complicações como o hemotórax residual. Esse método envolve a introdução de solução salina estéril a 0,9%, aquecida, diretamente na cavidade torácica por meio do dreno instalado. Após a aspiração inicial de fluidos remanescentes até a obtenção do mínimo retorno, novo volume de solução é administrado e, em seguida, drenada. Subsequentemente, o dreno é acoplado a um sistema de aspiração contínua para promover a evacuação eficiente de líquidos residuais.

Os achados dessa revisão destacam que a lavagem torácica surge como uma técnica inovadora e promissora no manejo do hemotórax traumático, com evidências consistentes de seu impacto na redução de complicações, como o hemotórax residual, e na diminuição da necessidade de intervenções cirúrgicas subsequentes. Os oito estudos analisados fornecem suporte robusto ao seguimento com estudos para implementação da técnica de forma protocolar, destacando seus benefícios clínicos, econômicos e operacionais.

Na revisão é observado a influência do volume de solução salina utilizado na lavagem torácica sobre o tempo de permanência hospitalar, indicando que volumes maiores de irrigação estão associados a uma menor duração de internação. Assim, é reforçado o potencial da técnica não apenas para melhorar os desfechos clínicos evitando reintervenções, mas também para otimizar a utilização de recursos hospitalares e reduzir os custos associados.

Outro ponto observado no estudo é a escolha do calibre do dreno, as estratégias da lavagem torácica com o uso de drenos de calibre menor estão associados à menor dor pós-operatória, maior adesão do paciente às medidas de fisioterapia e possuem eficácia comparável aos drenos de maior calibre, representando uma combinação promissora quando utilizados conjuntamente com a técnica de irrigação. 

A revisão chama atenção para a lavagem torácica como uma ferramenta valiosa para otimizar o manejo de hemotórax traumático, prevenindo complicações secundárias, menor tempo de internação e reduzindo a necessidade de intervenções cirúrgicas mais invasivas. Tais avanços tecnológicos representam uma oportunidade significativa para transformar o manejo de hemotórax traumático, embora suas aplicações devam ser inicialmente limitadas a ambientes controlados com acesso adequado a equipamentos e treinamento. Contudo, é imprescindível que estudos multicêntricos futuros aprofundem questões como a padronização da técnica, a quantidade ideal de solução utilizada e as condições específicas de aplicação, especialmente em populações com características heterogêneas e diferentes mecanismos de trauma.

O presente estudo apresenta algumas limitações que requerem uma interpretação cautelosa. Possível viés de publicação, a heterogeneidade dos dados e as variações na qualidade dos estudos incluídos na revisão são algumas limitações perceptíveis desta revisão.

CONCLUSÃO:

A lavagem torácica durante a toracostomia demonstra-se uma estratégia promissora e eficaz no manejo do hemotórax traumático, com o objetivo de reduzir a incidência de hemotórax residual, minimizar a necessidade de reintervenções cirúrgicas e melhorar significativamente os desfechos clínicos dos pacientes. A técnica apresenta, também, benefícios adicionais, como a diminuição do tempo de internação hospitalar e a otimização dos recursos disponíveis, contribuindo para a redução dos custos por internação. Além disso, avanços observados na utilização de drenos de calibre reduzido, associados à lavagem torácica, também oferecem perspectivas promissoras.

Essa revisão sistemática enfatiza a importância de abordagem personalizada levando em consideração condutas menos invasivas, de fácil acesso e aplicabilidade, evitar complicações e o menor tempo de internação para o paciente. Pesquisas futuras devem se concentrar na exploração de técnicas minimamente invasivas e na incorporação de novos protocolos de tratamento para o hemotórax, no contexto de trauma torácico.

REFERÊNCIAS:

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1Residente de Cirurgia Geral, Hospital Regional de Ceilândia

2Cirurgião, Hospital Regional de Ceilândia

3Graduanda em medicina, Universidade Católica de Brasília.