O USO DA MELATONINA PARA INSÔNIA EM IDOSOS E SEUS EFEITOS COLATERAIS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12194202


Augusto Resende Castro1; Daniel Veloso Soares1; Iara Correa Azevedo1; Lucas Ferreira Alves2.


RESUMO

A insônia, com prevalência entre 10% e 20% globalmente, apresenta um desafio significativo de diagnóstico e tratamento, particularmente em idosos. Manifesta-se como dificuldade em iniciar e manter o sono, levando a uma má qualidade do sono e prejuízos funcionais, como sonolência, fadiga e declínio cognitivo. O diagnóstico é complicado pela etiologia multifatorial e negligência médica. Os tratamentos atuais combinam Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) com medicamentos, incluindo hipnóticos, antidepressivos tricíclicos, antagonistas dos receptores H1 e agonistas da melatonina. Embora os benzodiazepínicos (BZD) sejam comumente usados, seu uso crônico está associado à dependência, quedas e risco de demência. A melatonina surge como uma alternativa promissora para os idosos, oferecendo maior segurança e menos efeitos colaterais. Estudos mostram que a melatonina melhora a qualidade do sono e a latência do início do sono em idosos sem os efeitos adversos significativos associados aos BZDs. Portanto, investigar a melatonina como uma opção terapêutica para pacientes idosos com insônia é altamente justificado.

Palavras-chave: insônia, melatonina, efeitos colaterais, idosos.

ABSTRACT

Insomnia, with a prevalence between 10% and 20% globally, poses a significant diagnostic and treatment challenge, particularly in the elderly. It manifests as difficulty in initiating and maintaining sleep, leading to poor sleep quality and functional impairments such as drowsiness, fatigue, and cognitive decline. Diagnosis is complicated by multifactorial etiology and medical neglect. Current treatments combine Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) with medications, including hypnotics, tricyclic antidepressants, H1 receptor antagonists, and melatonin agonists. While benzodiazepines (BZD) are commonly used, their chronic use is linked to dependence, falls, and dementia risk. Melatonin emerges as a promising alternative for the elderly, offering greater safety and fewer side effects. Studies show melatonin improves sleep quality and onset latency in older adults without the significant adverse effects associated with BZDs. Therefore, investigating melatonin as a therapeutic option for elderly insomnia patients is highly warranted.

Keywords: insomnia, melatonin, side effects, elderly. 

1. INTRODUÇÃO

A insônia é uma comorbidade prevalente e de grande relevância clínica, especialmente entre os idosos. Estudos indicam que cerca de 50% dos indivíduos acima de 65 anos sofrem de algum tipo de distúrbio do sono, sendo a insônia um dos mais comuns (Mander, Winer, Walker, 2017). A insônia é caracterizada pela dificuldade em iniciar e manter o sono, resultando em sono de má qualidade e em prejuízos funcionais significativos, como sonolência diurna, cansaço e declínio cognitivo. Esses prejuízos afetam negativamente a qualidade de vida e a saúde geral dos indivíduos afetados.

O envelhecimento está associado a perturbações no sistema circadiano e à diminuição da secreção de melatonina, hormônio fundamental na regulação do ciclo sono-vigília (Jehan et al., 2017). A partir da quinta década de vida, ocorrem mudanças significativas na arquitetura do sono, resultando em déficits na fisiologia do sono e em oscilações neurais associadas (Mander, Winer, Walker, 2017). Essas mudanças são ainda mais pronunciadas em mulheres devido às alterações hormonais associadas à menopausa, que impactam negativamente a qualidade do sono e a saúde metabólica (Kravitz et al., 2018). A glândula pineal, responsável pela secreção de melatonina, regula diversos processos fisiológicos, incluindo o sistema imunológico, a saúde óssea e processos metabólicos e antioxidantes (Jehan et al., 2017).

O diagnóstico da insônia em idosos é desafiador devido à etiologia multifatorial e à frequente negligência médica em relação ao quadro clínico e às diretrizes de tratamento. Tradicionalmente, o tratamento da insônia tem se baseado na Terapia CognitivoComportamental (TCC) e no uso de medicamentos, como hipnóticos agonistas dos receptores GABA A, antidepressivos tricíclicos e antagonistas dos receptores H1 (Smith; Raalt, 2021). No entanto, o uso crônico de benzodiazepínicos (BZD), frequentemente prescritos, está associado a riscos significativos, incluindo dependência, quedas e desenvolvimento de demência (Saul, Kase, 2019).

Neste contexto, a melatonina surge como uma alternativa terapêutica promissora para o tratamento da insônia em idosos. Estudos indicam que a melatonina pode melhorar a qualidade do sono e a latência do início do sono em idosos, sem os efeitos adversos significativos associados aos BZD (Jehan et al., 2017). Além disso, a melatonina, devido ao seu perfil de segurança e às suas múltiplas funções fisiológicas, pode oferecer uma abordagem mais holística ao tratamento da insônia, abordando não apenas os sintomas do sono, mas também contribuindo para a melhora geral da saúde dos idosos (Mander, Winer, Walker, 2017).

A insônia em idosos está frequentemente relacionada a outras comorbidades, como distúrbios cardiovasculares e metabólicos, que são exacerbados por um sono inadequado. A melatonina, com seu perfil de segurança e eficácia, pode desempenhar um papel crucial na gestão desses distúrbios, proporcionando uma melhor qualidade de vida para a população idosa (Kravitz et al., 2018). Portanto, esta revisão integrativa objetiva analisar o uso da melatonina como terapia para insônia em idosos, explorando seus benefícios e possíveis efeitos colaterais com base na literatura científica disponível. Ao abordar a relevância epidemiológica da insônia e as limitações dos tratamentos convencionais, busca-se justificar a necessidade de novas alternativas terapêuticas focadas na população idosa.

2. METODOLOGIA

Uma revisão integrativa foi conduzida para analisar o uso da melatonina no tratamento da insônia em idosos e seus potenciais efeitos colaterais, abrangendo estudos experimentais e observacionais para fornecer uma visão abrangente do tema. A busca sistemática de artigos científicos foi realizada em bases de dados eletrônicas, incluindo PubMed, BVS Saúde e Google Acadêmico.

Os descritores utilizados nas pesquisas foram definidos com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH), incluindo as palavras-chave: “melatonina”, “insônia”, “idosos”, “efeitos colaterais”, “melatonin”, “insomnia”, “elderly”, e “side effects”. As buscas foram realizadas em artigos publicados entre 2019 e 2024, nos idiomas inglês e português.

Os critérios de inclusão foram:

– Artigos publicados entre 2019 e 2024.
– Artigos publicados em inglês e português.
– Estudos que abordem o uso da melatonina no tratamento da insônia em idosos.
– Estudos que forneçam informações sobre os efeitos colaterais associados ao uso da melatonina.

Os critérios de exclusão foram:

– Estudos não disponíveis em texto completo.
– Estudos que não abordem diretamente o tema da pesquisa.

A busca resultou em 7 artigos da BVS, 18 artigos da PubMed e 55 do Google Acadêmico. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, os artigos selecionados foram lidos na íntegra e analisados qualitativamente. Os dados relevantes foram extraídos, incluindo informações sobre o desenho do estudo, características da população, intervenção com melatonina, resultados e efeitos colaterais relatados.

A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada utilizando ferramentas específicas, como a escala de Jadad para ensaios clínicos randomizados e a escala de Newcastle Ottawa para estudos observacionais. Os resultados foram sintetizados de forma narrativa, destacando os principais achados relacionados à eficácia da melatonina no tratamento da insônia e à ocorrência de efeitos colaterais, identificando lacunas de conhecimento e áreas para futuras pesquisas.

A revisão integrativa foi realizada de acordo com os princípios éticos da pesquisa científica, garantindo a confidencialidade e o respeito aos direitos dos participantes dos estudos incluídos. Não foi necessária a obtenção de aprovações éticas adicionais, considerando-se as potenciais limitações dos estudos incluídos, como a heterogeneidade em desenhos, populações e resultados.

3. DISCUSSÃO

A insônia em idosos é um problema complexo que frequentemente requer uma abordagem multifacetada para o diagnóstico e tratamento. Os estudos analisados nesta revisão indicam que a melatonina pode ser uma opção eficaz e segura para o tratamento da insônia em idosos, particularmente devido ao seu perfil de efeitos colaterais favoráveis quando comparada a benzodiazepínicos e outros hipnóticos.

Diversos estudos, como o de Abad e Guilleminault (2018), demonstram que a melatonina de liberação prolongada melhora a função diurna e a qualidade do sono sem efeitos adversos significativos. Sletten et al. (2018) reforçam esses achados ao observar que doses de 1 mg de melatonina uma hora antes de dormir resultam em início de sono mais rápido e melhor qualidade do sono. No entanto, a evidência ainda é limitada e de baixo nível, com necessidade de mais estudos para confirmar esses achados e determinar a dose ideal (Vural et al., 2014).

Os benzodiazepínicos, como temazepam, são frequentemente evitados devido aos seus efeitos colaterais graves, como dependência, quedas e declínio cognitivo. Alternativas como os antagonistas dos receptores de orexina, doxepina em baixa dose e melatonina são preferíveis, especialmente em idosos, devido ao menor risco de sedação excessiva e outros efeitos adversos (Neubauer et al., 2024).

4. RESULTADOS

Os principais resultados dos estudos revisados incluem:

  • Melhora na qualidade do sono: A melatonina, especialmente em formulações de liberação prolongada, melhora a qualidade do sono e a latência do início do sono (Abad e Guilleminault, 2018; Sletten et al., 2018).
  • Segurança: A melatonina apresenta um perfil de segurança superior aos benzodiazepínicos, com menos riscos de dependência e efeitos adversos significativos (Zdanys e Steffens, 2015).
  • Eficiência variável: Há variação na resposta individual à melatonina, o que destaca a necessidade de padronizar a dosagem e a formulação (Vural et al., 2014).
  • Potencial de descontinuação de BZDs: A melatonina pode auxiliar na descontinuação de benzodiazepínicos, embora os resultados sejam inconsistentes (Lähteenmäki et al., 2013; Wright et al., 2015).

5. ASPECTOS FARMACOLÓGICOS

A melatonina é um hormônio natural secretado pela glândula pineal, essencial na regulação do ciclo sono-vigília. Suplementos de melatonina são usados para ajustar os ritmos circadianos, particularmente em casos de insônia em idosos, onde a secreção endógena de melatonina está reduzida (Neubauer et al., 2024).

A segurança da melatonina é reforçada por sua ação específica nos receptores MT1 e MT2, que regulam o sono sem causar os efeitos adversos típicos dos hipnóticos que atuam nos receptores GABA, como os benzodiazepínicos. Isso minimiza os riscos de sedação residual, dependência e comprometimento cognitivo (Neubauer et al., 2024).

6. CONCLUSÃO

A melatonina surge como uma alternativa viável e segura para o tratamento da insônia em idosos, oferecendo benefícios significativos na melhora da qualidade do sono e na redução da latência para adormecer. No entanto, a variabilidade na resposta ao tratamento e a falta de padronização na dosagem sublinham a necessidade de mais pesquisas para determinar protocolos mais precisos e eficazes.

Os estudos revisados sugerem que a melatonina pode ser utilizada como uma abordagem de segunda linha, especialmente quando tratamentos não-farmacológicos, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), falham. A melatonina apresenta um perfil de segurança superior aos hipnóticos tradicionais, como os benzodiazepínicos, tornando-a uma opção atraente para a população idosa.

Para maximizar os benefícios da melatonina e minimizar os riscos, é fundamental que futuras pesquisas enfoquem a padronização das doses, a formulação e a avaliação a longo prazo de seus efeitos. Além disso, a melatonina deve ser integrada a uma abordagem holística que inclua a modificação de hábitos de sono e outras intervenções comportamentais para tratar a insônia de forma abrangente e eficaz.

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¹Graduando do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
²Doutor em Fisiologia e Farmacologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas/Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Email correspondente: augustorcastro2@gmail.com