O USO DA CRIOTERAPIA NA DOR PÓS-OPERATÓRIA NOS TRATAMENTOS ENDODONTICOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10048178


Carla Giovana Feitosa Cardoso Santos1
Laryssa Silsa Rocha2
Ricardo Kiyoshi Yamashita3


RESUMO

O desconforto após o tratamento dos canais radiculares é comum, com uma incidência reportada de 3% a 58%. Esse desconforto ocorre devido a uma resposta inflamatória nos tecidos perirradiculares. A crioterapia, uma técnica amplamente utilizada para controle da dor em várias disciplinas médicas, tem encontrado aplicação na endodontia, mostrando eficácia na redução do inchaço e da dor pós-operatória. Estudos também discutem a irrigação intracanal com crioterapia, demonstrando que uma solução salina a 2,5°C reduz a temperatura da superfície externa da raiz em mais de 10°C por até 4 minutos. 

Palavras-Chave: Crioterapia. Endodontia. Odontologia. Periodontite apical. 

Discomfort after root canal treatment is common, with a reported incidence of 3% to 58%. This discomfort occurs due to an inflammatory response in the peri-radicular tissues. Cryotherapy, a technique widely used for pain control in various medical disciplines, has found application in endodontics, showing efficacy in reducing swelling and postoperative pain. Studies also discuss intracanal irrigation with cryotherapy, demonstrating that a saline solution at 2.5°C reduces the temperature of the outer surface of the root by more than 10°C for up to 4 minutes.

Keywords: Cryotherapy. Endodontics. Odontology. Apical periodontitis. 

1. INTRODUÇÃO

A ocorrência de desconforto após a conclusão do tratamento dos canais radiculares é uma sensação frequente, podendo surgir algumas horas ou até mesmo dias após a realização do procedimento. As estimativas da sua prevalência relatada apresentam uma ampla variação, situandose entre 3% e 58%. Geralmente, a manifestação de desconforto após o tratamento endodôntico ocorre devido a uma resposta inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares. (SATHORN, PARASHOS; MESSER, 2008). 

A crioterapia é uma técnica de uso prolongado que tem sido comumente utilizada no tratamento de lesões esportivas e no pós-operatório para o controle da dor e cuidados pós-cirúrgicos(WATKINS,      JOHNSON;      SHREWSBERRY, 2014). Nos últimos anos, a crioterapia tem encontrado aplicação em diversas disciplinas da medicina, inclusive na odontologia, especificamente nas áreas de cirurgia bucomaxilofacial, e mais recentemente, também na endodontia. (ALNAHLAWI et al., 2016; KESKIN et al., 2017).

A aplicação da crioterapia na área da Endodontia tem sido documentada de várias maneiras, incluindo técnicas que empregam a crioterapia intraoral e/ou extraoral. Estudos têm mostrado que essas técnicas são eficazes na redução do inchaço e da dor após procedimentos operatórios (IBIKUNLE; ADEYEMO, 2016).

Além disso, há o conceito de irrigação intracanal com crioterapia, que foi introduzido em um estudo in vitro. Este estudo demonstrou que o uso de uma solução salina a uma temperatura de 2,5°C como solução irrigante final durante 5 minutos reduz a temperatura da superfície externa da raiz em mais de 10°C e mantém essa redução por 4 minutos (VERA et al., 2015).

Assim, o propósito desta revisão de literatura consiste em examinar e avaliar a aplicação da crioterapia intracanal no contexto do tratamento endodôntico, com base nas evidências científicas atualmente disponíveis, buscando estabelecer argumentos robustos que embasem a decisão de adotar ou não esse protocolo complementar durante a abordagem endodôntica.

2. METODOLOGIA 

Realizou-se uma pesquisa de artigos pertinentes sobre o tema nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scielo e Google Acadêmico, tanto em inglês como português, abrangendo o período 2010-2022, com as seguintes palavraschave: “crioterapia”, “endodontia”, “periodontite apical” e “odontologia”. As palavras-chave foram escolhidas com base em artigos que tratavam do assunto e nos termos registrados nos Descritores em Ciências da Saúde da BVS.

Itens não totalmente disponíveis on-line foram excluídos. De acordo com os critérios de inclusão aprovados, foi encontrado um total de 12 artigos.

3. REFERÊNCIAL TEÓRICO

 O êxito do tratamento endodôntico é fundamentado em princípios sólidos que envolvem o desbridamento, a desinfecção e o preenchimento adequado dos canais, com o intuito de criar um ambiente propício à recuperação perirradicular. Nesse contexto, o objetivo primordial do preparo químico-mecânico consiste na erradicação de microrganismos, suas toxinas e nos restos vitais e necróticos presentes nos canais radiculares (HESPANHOL, 2020). 

Durante a preparação do canal radicular e os processos de irrigação, é possível a extrusão de resíduos de dentina, tecido pulpar, microrganismos e/ou irrigantes para os tecidos periapicais. Essa extrusão em direção aos tecidos periapicais pode ser associada a desconfortos pós-operatórios, como dor, inchaço e inflamação prolongada. Além disso, outros fatores que podem contribuir para essas sensações incluem possíveis danos aos tecidos moles causados pela aplicação do dique de borracha ou a dor decorrente da administração de anestésicos locais (TOYOGLU; ALTUNBAS, 2017; GONDIM et al., 2010).

A ocorrência de dor após a realização do tratamento nos canais radiculares é uma experiência frequente, podendo surgir algumas horas ou até mesmo dias após o procedimento. A prevalência reportada dessa dor varia significativamente, com números que variam de 3% a 58%. A dor póstratamento endodôntico geralmente se origina de uma resposta inflamatória aguda nos tecidos perirradiculares. Múltiplos fatores podem contribuir para o desenvolvimento dessa dor, incluindo lesão mecânica, irritação química e a presença de microrganismos (SILVA et al., 2019). 

Diversas abordagens tem sido desenvolvida com o objetivo de reduzir ou eliminar a dor pósoperatória, tais como a prescrição de medicamentos preventivos, a aplicação de anestesia de longa duração, a preparação coronária em sentido apical, a diminuição da oclusão e, mais recentemente, a implementação da crioterapia intracanal (KESKIN et al., 2017).

A crioterapia é uma técnica com uma longa história de aplicação, frequentemente utilizada em lesões esportivas e em procedimentos cirúrgicos para o controle da dor e cuidados pós-operatórios. Nos últimos anos, essa abordagem tem sido cada vez mais adotada em diversas áreas da medicina, inclusive na odontologia, especialmente nas especialidades de cirurgia bucomaxilofacial e, mais recentemente, na endodontia (WATKINS, JOHNSON; SHREWSBERRY, 2014).

A aplicação de temperaturas quentes ou frias nos tecidos pode resultar em alterações no fluxo sanguíneo. Essas mudanças no fluxo sanguíneo têm a capacidade de estimular ou inibir os nociceptores, além de provocar um aumento ou redução na atividade metabólica. No contexto da crioterapia, a redução da dor após a aplicação e a limitação da resposta inflamatória podem ser atribuídas à vasoconstrição, à diminuição das reações bioquímicas e à redução do metabolismo celular (AL-NAHLAWI et al., 2016; KESKIN et al., 2017; (MODABBER et al., 2013) 

A própria natureza da crioterapia sugere que a aplicação do frio por meio de diferentes métodos pode desacelerar a condução dos sinais nervosos, minimizar hemorragias, reduzir o edema e a inflamação local, sendo, portanto, eficaz na redução da dor relacionada a problemas musculoesqueléticos, espasmos musculares e distensões do tecido conjuntivo. Geralmente, a crioterapia é indicada para o tratamento da dor resultante de condições musculoesqueléticas traumáticas e/ou inflamatórias, especialmente em casos agudos, com o objetivo de diminuir o inchaço e promover o relaxamento muscular (VERA et al., 2015). 

Na área da endodontia, são empregadas técnicas de crioterapia tanto intraoral quanto extraoral. Diversos estudos realizados por diferentes autores têm evidenciado resultados positivos na redução do inchaço e da dor pósoperatória com o uso dessas técnicas. No entanto, é importante observar que pacientes muito jovens ou idosos podem não tolerar bem o resfriamento externo (IBIKUNLE; ADEYEMO, 2016; SILVA et al., 2019)

Além dessas abordagens, há também a irrigação por crioterapia intracanal, cuja introdução foi baseada em um estudo in vitro conduzido por Vera et al. (2015). Esse estudo demonstrou que o uso de solução salina a uma temperatura de 2,5ºC como solução irrigadora final, durante um período de 5 minutos, resulta em uma redução de mais de 10ºC na temperatura da superfície externa da raiz, mantendo-se esse efeito por 4 minutos. Desde então, ensaios clínicos randomizados têm sido realizados para avaliar a eficácia do uso da crioterapia na endodontia (AL-NAHLAWI et al., 2016; KESKIN et al., 2017; VERA et al., 2018).

Em um ensaio clínico conduzido por Keskin et al. (2017), foi examinado o impacto da irrigação final com solução salina a uma temperatura de 2,5ºC na dor pós-operatória em dentes com vitalidade pulpar, submetidos a tratamento de canal em uma única sessão. Os resultados deste estudo indicaram que a crioterapia contribuiu para a redução da dor pós-operatória após o tratamento do canal radicular em sessão única de dentes com polpas vitais. Isso demonstrou ser uma opção simples, de custo acessível e segura, livre de toxicidade.

Outra estudo avaliou o uso da crioterapia intracanal na dor pós-operatória em dentes com polpa viva, também tratados em uma única sessão. Nesse estudo, a irrigação final foi conduzida usando solução salina estéril em conjunto com um sistema de pressão apical negativa (EndoVac), tanto à temperatura ambiente quanto a uma temperatura de 4ºC. Os resultados indicaram que a crioterapia intracanal foi capaz de aliviar a dor pós-tratamento endodôntico de forma clínica. Além disso, a aplicação da pressão apical negativa reduziu a dor pós-endodôntica após 6 horas de tratamento (ALNAHLAWI et al., 2016).

Achados similares relatados por Vera et al., (2018), que foi realizado como ensaio clínico randomizado, a irrigação intracanal com crioterapia empregando solução salina estéril a uma temperatura de 2,5ºC não apenas diminuiu a dor pós-operatória, mas também reduziu a necessidade de uso de medicamentos em pacientes diagnosticados com necrose pulpar e periodontite apical sintomática. 

Ao analisarem as diferentes modalidades de crioterapia, incluindo a crioterapia intracanal, intraoral e extraoral, Gundogdu et al. (2018) concluíram que todas essas abordagens conduzem a uma redução na dor pós-operatória. No entanto, eles também destacaram a necessidade de conduzir mais estudos para uma compreensão mais completa e precisa dos benefícios e limitações da crioterapia.

É importante ressaltar que o resfriamento da pele na região do ângulo mandibular proporcionado pela aplicação de gelo é eficaz apenas até uma profundidade de aproximadamente 2-3 centímetros além da superfície da pele. Portanto, a eficácia da crioterapia pode ser afetada por variações anatômicas individuais. Além disso, é crucial evitar a aplicação prolongada de gelo, pois isso pode resultar em danos teciduais devido à vasoconstrição prolongada, isquemia e trombose capilar. Portanto, o uso da crioterapia deve ser cuidadosamente considerado e monitorado para garantir resultados seguros e eficazes (SORTINO; CICCIU, 2011).

No que diz respeito ao impacto nas estruturas dentárias, os resultados de um estudo in vitro que investigou os efeitos da crioterapia intracanal na resistência à fratura de dentes submetidos a tratamento endodôntico indicaram uma redução na força de fratura das raízes com a aplicação da crioterapia intracanal. Contudo, é importante ressaltar que os autores do estudo alertam para a necessidade de considerar que os resultados obtidos em um ambiente in vitro podem não refletir completamente as condições reais encontradas em situações clínicas, embora possam oferecer indícios sobre o desempenho clínico das técnicas testadas. Uma limitação adicional deste estudo foi a ausência do uso de técnicas de teste que simulassem as condições clínicas para alcançar o estresse mais relevante do ponto de vista clínico. Portanto, para avaliar adequadamente a taxa de sobrevivência clínica de dentes submetidos a tratamento de canal radicular com a aplicação de diferentes procedimentos de crioterapia, são necessários estudos clínicos que reproduzam as condições reais encontradas na prática odontológica (KESKIN et al., 2017).

5. CONCLUSÃO

A percepção da dor é um fenômeno subjetivo e altamente individual, com limiares variáveis entre os pacientes. Portanto, a avaliação dos sintomas pós-operatórios em estudos pode ser suscetível a imprecisões. Ao analisar as evidências encontradas na maioria dos estudos, notamos que há um número limitado de artigos disponíveis para realizar uma meta-análise, e muitos deles apresentam considerável heterogeneidade entre si.

Com base nos estudos fica evidente que a crioterapia tem se mostrado eficaz no controle da dor pós-operatória em dentes submetidos a

tratamento endodôntico, no entanto, é importante destacar que pesquisas adicionais são imprescindíveis. São necessários novos ensaios clínicos randomizados bem planejados para fornecer informações sobre a dosagem ideal e os possíveis efeitos adversos da crioterapia intracanal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AL-NAHLAWI, T. et al. Effect of intracanal cryotherapy and negative irrigation technique on post endodontic pain. J Contemp Dent Pract, v. 17, p. 990-996, dec 2016. 

DE ANDRADE SILVA, Silmara et al. USO DA CRIOTERAPIA NA DOR PÓS-OPERATÓRIA DE   DENTES  TRATADOS ENDODONTICAMENTE. Revista Uningá, v. 56, n. S5, p. 130-136, 2019. 

GONDIM, E.JR. et al. Postoperative pain after the application of two different irrigation devices in a prospective randomized clinical trial. J Endod, v. 36, p. 1285-1301, aug 2010. 

HESPANHOL, Fernanda Garcias. Análise dos sintomas pós operatórios após tratamento endodôntico utilizando protocolo de irrigação com clorexidina e crioterapia. 2020.

IBIKUNLE, A.A.; ADEYEMO, W.L. Oral healthrelated quality of life following third molar surgery with or without application of ice pack therapy. Oral Maxillofac Surg, v. 20, p. 239-247, sep 2016.

KESKIN, C. et al. Effect of intracanal cryotherapy on pain after single-visit root canal treatment. Aust Endod J, v. 43, n. 2, p. 83-88, aug 2017.

SATHORN, C.; PARASHOS, P.; MESSER, H. The prevalence of postoperative pain and flare-up in single-and multiple-visit endodontic treatment: a systematic review. Int Endod J, v. 41, p. 91-99, oct 2008.

SORTINO, F.; CICCIU, M. Strategies used to inhibit postoperative swelling following removal of impacted lower third molar. Dent Res J (Isfahan), v. 8, p. 162-171, oct 2011.

TOYOGLU, M.; ALTUNBAS, D. Influence of different kinematics on apical extrusion of irrigant and debris during canal preparation using K3XF instruments. J Endod, v. 43, p. 1565-1568, sep 2017. 

VERA, J. et al. Effect of intracanal cryotherapy on reducing root surface temperature. J Endod, v. 41, p. 1884-1887, nov 2015. 

VERA, J. et al. Intracanal Cryotherapy Reduces Postoperative Pain in Teeth with Symptomatic Apical Periodontitis: A Randomized Multicenter Clinical Trial. J Endod, v. 44, n. 1, p. 4-8, jan 2018.

WATKINS, A.A.; JOHNSON, T.V.; SHREWSBERRY, A.B. Ice packs reduce postoperative midline incision pain and narcotic use: a randomized controlled trial. J Am Coll Surg, v. 219, p. 511-517, sep 2014.


1E-mail:cfeitosa231@gmail.com
2E-mail:laryssasilvarocha@gmail.com
3E-mail:ricardo.yamashita@unitpac.edu.br

Trabalho de Conclusão de Curso – Bacharelado em Odontologia – Centro Universitário Tocantinense Presidente  Antônio Carlos – UNITPAC, Araguaína/TO, Brasil, 2023.