O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA COMO  INSTRUMENTO DE DIGNIFICAÇÃO HUMANA: UMA  ANÁLISE TEÓRICA DO ESTUDO DE CASO EM  LENÇÓIS/BA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249231219


                      Carmelo Suzarte Dos Santos
Orientadora: Prof.ª. Ma. Elane Bastos de Souza


RESUMO

A presente pesquisa sobre o Turismo de Base Comunitária (TBC) como instrumento de dignificação humana realizou uma análise descritiva e dialética, com abordagem qualitativa, centrada no estudo de caso da Comunidade Quilombola do Remanso, situada no município de Lençóis, Bahia. O objetivo foi compreender como o TBC contribui para a dignidade dos membros da comunidade, utilizando uma revisão teórica e estudo secundário para investigar de que forma essa modalidade de turismo impacta na visibilidade social, fortalecimento cultural e desenvolvimento local. Cujo estudo evidenciou que, enquanto o turismo convencional no Brasil não trouxe mudanças estruturais significativas, perpetuando problemas como subalternização da mão de obra e concentração de riqueza, o TBC surge como uma alternativa diferenciada. Esta forma de turismo, alinhada aos princípios da dignidade humana, mostra-se capaz de promover a dignificação dos autóctones, ao contrário do modelo turístico convencional, oferecendo uma abordagem mais inclusiva e equitativa.

Palavraschave: Turismo. Turismo de Base Comunitária. Direitos Humanos. Dignidade  Humana. 

ABSTRACT

The present research on Community-Based Tourism (CBT) as an instrument of human dignity conducted a descriptive and dialectical analysis with a qualitative approach, focused on the case study of the Quilombola Community of Remanso, located in the municipality of Lençóis, Bahia. The objective was to understand how CBT contributes to the dignity of community members, utilizing a theoretical review and secondary study to investigate how this type of tourism impacts social visibility, cultural strengthening, and local development. The study revealed that, while conventional tourism in Brazil has not brought significant structural changes, perpetuating issues such as labor subordination and wealth concentration, CBT emerges as a differentiated alternative. This form of tourism, aligned with the principles of human dignity, proves capable of promoting the dignity of the locals, in contrast to the conventional tourism model, offering a more inclusive and equitable approach.

Keywords: Tourism. Community Based Tourism. Human rights. Human dignity.

1. INTRODUÇÃO 

O turismo, mesmo sendo apontado como uma das indústrias mais limpas do planeta, não deixa de causar impactos negativos, sejam relacionados aos fatores ambientais, sociais e econômicos. No caso em estudo, deu-se ênfase na questão socioeconômica, pois as atividades econômicas turísticas ao ponto que podem gerar melhorias na infraestrutura urbana no destino turístico, promovendo emprego e renda para a comunidade local, não significa afirmar que contemple a dignificação plena dos explorados economicamente, pois a mão de obra demandada pelos empregadores do setor de turismo nem sempre é recompensada como desejada pelos trabalhadores e moradores locais, daí surge uma nova forma de fazer a economia turística, a que chamamos de Turismo de Base Comunitária.

O objetivo é compreender como o TBC contribui para a dignidade dos autóctones, analisando suas possíveis transformações socioeconômicas antes e após a implementação do TBC. Para isso, foram utilizados estudos secundários e obras teóricas, como as apresentadas no Seminário Nacional “Diálogos do Turismo” e no estudo de caso da Comunidade Quilombola do Remanso.

Além disso, foram consultados documentos oficiais, incluindo o Plano Nacional de Turismo, para avaliar como o TBC promove a dignidade humana, dentro da perspectiva da economia solidária.

A ideia da pesquisa é responder às problemáticas em questão: se e como o TBC contribui para a dignidade dos autóctones. Apesar dos desafios estruturais e conjunturais, o TBC oferece uma alternativa diferente do turismo convencional, fortalecendo a identidade cultural, a inclusão social e o empoderamento político das comunidades locais.

Ao considerar esse novo objeto em estudo pela academia, empreendedores, pesquisadores e políticos, a pesquisa hipotética descritiva, dialética e dedutiva analisa o Turismo de Base Comunitária (TBC) como um instrumento de dignificação humana, utilizando uma abordagem qualitativa com foco na Comunidade Quilombola de Remanso, Lençóis/BA.

Sabe-se que o município de Lençóis tem uma população de pouco mais de 11 mil habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,623 (IBGE, 2018), está localizado a 417 km de Salvador, dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina e da Área de Proteção Ambiental (APA). Esse município conta com, pelo menos, duas comunidades quilombolas oficialmente reconhecidas: a Comunidade Quilombola de Iuna e a Comunidade Quilombola de Remanso, esta última com 60 famílias em uma área de 300 tarefas (De Oliveira et al., 2018).

Desde 2006, a Comunidade de Remanso faz parte do rol das mais de três mil comunidades reconhecidas formalmente no Brasil como quilombolas, sendo uma das 811 certificadas na Bahia (De Oliveira et al., 2018). O pedido de reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares (FCP) levou pouco mais de um ano para ser atendido. A iniciativa de turismo comunitário dessa comunidade passou a integrar o conjunto dos mais de 30 mil empreendimentos solidários no Brasil.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Análises indicam que o turismo, enquanto prática social e atividade econômica, é um fenômeno mutante das ciências sociais, podendo ser abordado de forma econômica, técnica e holística (BENI, 2003). Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Turismo (OMT), o turismo é a visita a uma localidade fora do ambiente habitual, por período inferior a um ano e sem exercício de atividade remunerada.

Embora o turismo promova a paz e gere empregos globalmente, ele é restrito a quem possui renda e capital. Surgido no final do século XIX com a industrialização, o turismo foi visto equivocadamente como uma indústria não poluente, mas na realidade é “altamente consumidora dos recursos naturais” (DIAS, 2008).

No Brasil, com base na fonte do Plano Nacional de Turismo de 2013/2016, o turismo contribui com 3,7% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo um importante motor econômico com investimentos significativos do governo.

No entanto, a busca do turista por novas experiências pode gerar impactos socioculturais negativos, como observado em Lençóis, Bahia, onde a presença de turistas despertou novas necessidades de consumo e insatisfação dos jovens, levando ao abandono de atividades tradicionais como a agricultura (DA COSTA, 2015).

Ainda de acordo com Dias (2008), as interações entre turistas e comunidades podem ser desiguais e desbalanceadas, causando sentimentos de inferioridade nos residentes.

Comparando o Turismo de Base Comunitária (TBC) com o turismo convencional, nota-se que o TBC oferece uma alternativa mais inclusiva e sustentável, promovendo a interação direta entre nativos e turistas e gerando renda e empregos locais.

Porém, o TBC enfrenta desafios como acesso ao mercado, governança e qualidade dos serviços (BURSZTYN & ROBERTO, 2012; HOLANDA, 2016).

Já o turismo convencional, predominantemente capitalista, tende a priorizar o crescimento econômico e acumulação de capital, muitas vezes desprezando os custos ambientais e socioculturais (VILAS BÔAS; DA SILVA, 2013).

Esse modelo excludente concentrou benefícios em empreendimentos de capital transnacional, como observado no litoral norte da Bahia, onde os nativos foram excluídos devido à especulação imobiliária e baixos salários oferecidos por megaempreendimentos (TRENTI, 2012).

Em contraste, o TBC emerge como uma alternativa pós-moderna e colaborativa, focada nas necessidades locais e na sustentabilidade.

O TBC em contraponto ao turismo massivo tem se tornado alternativa efetiva para  aumentar os vínculos nas comunidades locais, incluindo-a no planejamento de  empreendimentos turísticos, aumentando a capacidade de organização social e  política, assegurando a autonomia do território e um efetivo desenvolvimento  socioeconômico (TRENTI, 2012, p.132).

O TBC é uma atividade voltada ao bem comum, visando o desenvolvimento socioeconômico das populações, como as comunidades quilombolas, respeitando sua história e ocupação territorial.

Essas comunidades adquiriram terras por diversas formas, como doações e compras após o fim da escravização, e o território é crucial para sua reprodução física, social, econômica e cultural, conforme o Decreto Federal Nº 4.887/2003. Este decreto regulamenta a titulação das terras quilombolas, reforçando a importância do uso coletivo e sustentável do território.

Ao possuir a segurança jurídica da propriedade, às comunidades quilombolas puderam se organizar e participar do turismo, promovendo sua cultura e contribuindo para a inclusão social. O TBC, nesse contexto, emerge como uma forma de resistência ao turismo convencional, predominante entre as classes média e alta, e que muitas vezes exclui as populações de baixa renda.

O turismo de massa, praticado majoritariamente por turistas nacionais e estrangeiros, é caracterizado pelo consumo e pela poluição, enquanto a classe baixa permanece à margem, sem acesso ao direito de lazer previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e na legislação trabalhista brasileira.

O TBC se diferencia ao colocar a comunidade como fornecedora de serviços turísticos, valorizando o associativismo voluntário e as instituições do terceiro setor, como cooperativas e pequenos arranjos produtivos.

Por essa razão esse modelo contrasta com o capitalismo tradicional, que se baseia na exploração do trabalho e na acumulação de capital. O capital social, ao contrário, está enraizado nas relações comunitárias e no associativismo, promovendo a economia solidária, que prioriza a valorização humana em vez do capital.

O turismo de base comunitária, ao integrar-se à economia solidária, busca reduzir as desigualdades sociais, promovendo o desenvolvimento sustentável e o respeito às diferenças.

Desta forma, para implementar o segmento os parlamentares propõem um Projeto de Lei Complementar Nº 137/2017, visando fortalecer essa economia, estabelecendo diretrizes para os empreendimentos solidários.

Já os movimentos solidários vem ganhando força com a organização da sociedade civil e a criação de redes, como a Central de Cooperativas e Empreendimentos Sociais (UNISOL) e o Sistema de Cooperativas Financeiras do Brasil (SICOOB), além de outras iniciativas legislativas que buscam consolidar a economia solidária como princípio da ordem econômica nacional, como propõe a Proposta de Emenda Constitucional (EC 69/2019).

Essa proposta legislativa, ao incluir a economia solidária na Constituição, busca transformar o “mundo do dever de ser” em “mundo do ser”, seguindo o exemplo da constitucionalização do meio ambiente e dos direitos do consumidor, conforme justifica o jurista Eros Grau (BRASIL, 2019).

2.1. O Estado dos Direitos Humanos: do desenvolvimento ao retrocesso

O Estado brasileiro, ao se consolidar como Estado Democrático de Direito, desempenha o papel de coordenar e mediar os conflitos, buscando aprimorar a democracia e garantir o mínimo existencial, essencialmente aos mais necessitados.

Para aumentar a eficiência das políticas públicas e sua proximidade com os cidadãos, foram criados os Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDHs I, II e III), alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 2030) da ONU. Esses programas incluem planos como o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável do Turismo e o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, focados na garantia de direitos, proteção cultural e combate à pobreza extrema, especialmente nas comunidades quilombolas.

No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), as políticas públicas, incluindo o turismo, passaram a ser vistas como uma alternativa para o desenvolvimento socioeconômico. O Ministério do Turismo foi criado em 2003, estabelecendo planos estratégicos que integram o turismo comunitário às políticas nacionais, como o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável (PNDS).

Os Planos Nacionais de Turismo (PNTs), como o PNT 2013/2016 e o PNT 2018/2022, priorizaram o turismo de base comunitária, promovendo a inserção da produção local na cadeia produtiva do turismo e valorizando a cultura local.

O TBC, além de ser uma economia criativa, tornou-se uma política estratégica, dialogando com propostas ambientais, de direitos humanos e de desenvolvimento socioeconômico.

Contudo, os avanços conquistados nas últimas décadas foram resultado de lutas e mobilizações sociais, enfrentando oscilações políticas entre forças progressistas e neoliberais.

Apesar de avanços significativos, o Brasil ainda enfrenta desafios, com o recente ressurgimento de políticas conservadoras, ameaçando retroceder áreas como direitos trabalhistas, humanos, ambientais e culturais.

2.2. A Tri Simetria entre a Dignificação Humana, Economia Solidária e o TBC

Antes de associar a dignificação humana ao TBC, é indispensável fundamentá-lo em Filho (2010), que define a dignidade humana em aspectos intrínsecos e extrínsecos. O aspecto intrínseco inclui a dignidade natural, individual e social, que se materializa na medida em que o Estado cumpre suas obrigações, enquanto a dignidade extrínseca está ligada à condição material da pessoa, necessitando da intervenção estatal para garantir direitos básicos como alimentação, moradia e saúde.

Etimologicamente, a dignidade está relacionada à respeitabilidade e é inseparável da vida, conforme Filho (2010) e outros autores.

A dignidade foi reafirmada como princípio universal na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1943, sendo incorporada nas Constituições modernas.

No Brasil, a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental que orienta todas as demais normas (OLIVEIRA, 2016).

O TBC, ao garantir uma existência digna, se alinha a esse princípio, que tem como base a liberdade e a igualdade (FILHO, 2010).

No caso da comunidade quilombola de Remanso, embora suas terras tenham sido inicialmente doadas, elas enfrentam disputas territoriais que só foram resolvidas com a política de reconhecimento e titulação das terras quilombolas.

Tais políticas públicas, previstas no Art. 6º da Constituição, são essenciais para garantir a dignidade, especialmente para os mais vulneráveis, como os jovens em situação de desemprego, que enfrentam a exclusão social e a violência (IPEA, 2019).

Da Costa e Terra (2012) afirmam que a dignidade humana é o princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, que se concretiza ao enfrentar a pobreza e a exclusão social.

O turismo, previsto no Art. 180 da CF/88 como fator de desenvolvimento social e econômico, pode ser uma solução para o desemprego.

Em Lençóis, a iniciativa do Movimento de Criatividade Comunitária (MCC) em 1973, ao tombar a cidade como Patrimônio Nacional, foi um passo importante para o desenvolvimento do turismo na Chapada Diamantina.

Contudo, o modelo turístico implantado trouxe desafios, levando à reflexão e ao surgimento do TBC como uma atividade econômica que valoriza o trabalho humano e a função social da propriedade, respeitando os direitos difusos e a defesa do meio ambiente.

Assim, o TBC, a economia solidária e a dignidade humana estão interligados, como evidenciado na proposta legislativa, como a PEC 69/19, que propõe inserir a economia solidária na ordem econômica da Constituição Federal, e a Lei do Estado da Bahia nº 14.126/2019, que institui a Política Estadual de Turismo Comunitário. Esses elementos estão fundamentados nos princípios universais da dignidade humana e nos dispositivos constitucionais, que promovem uma sociedade livre, justa e solidária.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nos capítulos anteriores, foi realizada uma fundamentação teórica que abordou a contraposição e a contradição entre o turismo convencional e o turismo comunitário, assim como os avanços e retrocessos do Estado dos Direitos Humanos. Além disso, foram discutidos os conceitos e fundamentos da dignidade da pessoa humana e a tríade simétrica entre dignificação humana, economia solidária e o Turismo de Base Comunitária (TBC).

Neste capítulo, o objetivo é analisar e discutir os resultados, respondendo como o TBC contribui para a dignificação humana dos autóctones. Em particular, na comunidade quilombola de Remanso, em Lençóis, será feita uma análise que confronte os resultados obtidos com as hipóteses levantadas.

Conforme observado, a atividade turística no Brasil, embora tenha promovido mudanças pontuais, não resultou em transformações estruturais significativas nos destinos turísticos, o que levou a sociedade a buscar um novo modelo de turismo.

Na Comunidade Quilombola de Remanso, após um longo processo histórico de ocupação e produção no espaço, os habitantes começaram a repensar seu lugar e modo de produção, estabelecendo o TBC como uma estratégia local para mitigar os impactos negativos das atividades econômicas convencionais.

Considerando as análises teóricas, vejamos a comparação entre os atributos dos dois modelos de turismo aqui estudado, para que possamos enfatizar a diferença entre os dois regimes de exploração econômica do turismo estudado em diferentes obras teóricas que teceram sobre a temática.

Tabela 1 de Comparação entre o TC e TBC

Fonte: Dos Santos, 2020.

Assim, percebemos que entre os dois padrões apresentados na tabela, revela elementos diferentes e influenciadores para um turismo divergente entre si, enquanto um busca focar em atributos coletivos e comunitários, o outro enfoca em ações particulares e concorrencial, contrapondo a dignificação esperada do ponto de vista coletivo e solidário.

3.1. Constatações e Contradições na Comunidade Quilombola de Remanso

De acordo com a pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e relatada no Relatório Institucional do Governo do Estado da Bahia, entre as 51 atividades praticadas por turistas nacionais na Bahia, 0,6% são destinadas às visitas a comunidades negras tradicionais e quilombolas. Para os visitantes estrangeiros, dentro do mesmo conjunto de atividades, essa porcentagem sobe para 1,4% (FIPE, 2014, p. 28-29).

No caso da Comunidade Quilombola de Remanso, que também se confronta com a indústria turística, as narrativas manifestadas no trabalho de Da Costa (2015) indicam transformações significativas proporcionadas pelo ecoturismo nas formas de vida tradicionalmente estabelecidas na comunidade.

Essas transformações incluem alterações nas atividades de subsistência, nas relações de sociabilidade e nos laços de solidariedade, bem como na perspectiva de vida e nas necessidades de consumo.

No entanto, também revelam efeitos contraditórios relacionados à apropriação desigual das riquezas geradas pelo turismo convencional, gerando conflitos internos e desestabilização da coesão social.

Da Costa (2015) faz um levantamento histórico do desenvolvimento da cidade de Lençóis, desde sua fundação no século XIX, quando era ligada ao extrativismo de diamantes, até a ascensão do ecoturismo como principal atividade econômica.

Embora a comunidade quilombola tenha sido incluída no roteiro ecoturístico, isso não resultou em benefícios diretos para a comunidade.

Ao contrário, a identidade cultural da comunidade não foi adequadamente divulgada; os intermediadores vendiam para os visitantes a imagem de uma comunidade fruto da “escravidão”, mesmo contra a vontade da comunidade.

Além disso, as transações comerciais dos roteiros turísticos na comunidade beneficiam mais as agências de viagens do que a própria comunidade, com as agências ficando com até 70% do valor dos roteiros (Da Costa, 2015).

Para lidar com as diferentes transformações e impactos causados pelo ecoturismo industrial, a comunidade desenvolveu uma estratégia baseada em outro tipo de turismo: o turismo de base comunitária quilombola.

Teoricamente, é possível considerar que o TBC contribui para a dignificação humana no Brasil, conforme apontam obras como as de Bartholo (2009) e Da Silva (2013), que destacam os benefícios desses empreendimentos. investigações de casos específicos do TBC em Remanso, realizados por Da Costa (2015) e De Oliveira et al. (2018), corroboram essa narrativa, apesar de Holanda (2016) apontar aspectos negativos dessa atividade, que ainda não se firmou completamente como substituta do turismo de massa.

O TBC ainda depende, em muitos casos, do turismo convencional em destinos onde não se consolidou totalmente dentro dos princípios da economia solidária.

O desenvolvimento de iniciativas de TBC é diversificado e demandaria exame aprofundados, pois cada realidade é diferente, e os dados precisos sobre essas práticas são sistematizados apenas recentemente.

No entanto, observa-se uma recorrência na implantação de empreendimentos desse tipo. Em 2008, mais de 500 projetos de TBC foram inscritos em um Chamamento Público promovido pelo Ministério do Turismo. Esses projetos, voltados para a estruturação do turismo em áreas prioritárias, promovem a inclusão social e o desenvolvimento local, priorizando territórios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O primeiro edital contemplou 50 iniciativas, que receberam apoio governamental, e em 2018 foram selecionadas mais 60 iniciativas.

No Nordeste, estão catalogados 16 Projetos de Turismo de Base Comunitária (PTBC), e na Bahia foram contemplados quatro, sendo um deles o Trilha Griô de Lençóis, na Comunidade Quilombola de Remanso.

A intermediação do Projeto Trilha Griô de Lençóis tornou-se indispensável na mediação entre a nova atividade turística e a comunidade quilombola, principalmente para amortizar os impactos da recente atividade econômica, pois antes da chegada das primeiras atividades turísticas na região, a comunidade já estava estabelecida e interagia harmoniosamente com a natureza, tirando seu sustento das roças, cultivando cereais e plantas medicinais, vivendo da pesca e do extrativismo.

Contudo, a partir de 1990, com a chegada do turismo industrial, a cidade passou por um processo de estruturação turística que trouxe oportunidades de trabalho para alguns, mas também efeitos colaterais para a maioria, especialmente com a elevação do custo de vida (De Oliveira et al., 2018).

Diante dessa dinâmica, a resiliência da comunidade foi fundamental para repensar o espaço geográfico. Assim, foi criado o projeto de turismo vivencial de base comunitária, conhecido como Trilha Griô, uma iniciativa planejada e estruturada por uma ONG denominada Grãos de Luz. Esse projeto visa proporcionar uma rede de economia solidária e turismo comunitário em comunidades tradicionais da região, envolvendo jovens e famílias de baixa renda, prioritariamente afrodescendentes e indígenas (De Oliveira et al., 2018).

Os visitantes têm a oportunidade de participar de roteiros que incluem trilhas, visitas a áreas alagadas do Pantanal e à cachoeira do Roncador, além de conviverem com o dia a dia da comunidade, praticando turismo vivencial por meio de oficinas de farinha, pescaria, artesanato, bebidas típicas, remédios fitoterápicos e atividades culturais e educativas (De Oliveira et al., 2018).

Nesse paradigma, o turismo de base comunitária traz uma concepção diferente, ressignificando o conceito de turismo a partir da iniciativa da comunidade local, remodelando o espaço e seu modo de produzir e reproduzir.

Embora a ação antrópica possa interferir no meio ambiente, a população local tem um cuidado natural que a indústria turística não possui.

Entretanto, economicamente, é arriscado afirmar que o TBC gere renda suficiente para sustentar os moradores, uma vez que essa atividade é utilizada como secundária e não como principal (Holanda, 2016). No entanto, o TBC colabora para a amortização dos efeitos negativos na comunidade.

No aspecto sociocultural, há um certo engrandecimento por parte da comunidade ao ser visitada e apreciada pelos turistas que buscam não apenas aproveitar o tempo livre, mas também minimizar os impactos socioambientais.

O público principal é composto por consumidores conscientes e críticos, que veem na comunidade um laboratório de aprendizagem e de viagem na ancestralidade dos povos visitados.

Dessa forma, foi possível constatar na Comunidade Quilombola de Remanso os seguintes atributos, relacionados aos direitos fundamentais contidos na Constituição, bem como aos princípios da ordem econômica solidária: visibilidade social (direito social), fortalecimento cultural (direito cultural), preservação ambiental (direito ambiental), livre iniciativa (direito civil), produção coletiva (direito coletivo) e distribuição equitativa (direito igualitário). Todos esses aspectos servem como instrumentos para a efetivação da cidadania restaurada na dignidade da pessoa humana.

Portanto, a transformação proporcionada à comunidade ocorre não só pelos resultados de sua iniciativa, mas também pela mudança atitudinal em relação ao modelo turístico existente, o que, por si só, já é dignificante do ponto de vista político.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Este trabalho analisou a relação entre a dignidade humana e o turismo de base comunitária (TBC), destacando os benefícios dessa atividade dentro da perspectiva da economia solidária, fundamentada na valorização do ser humano.

Embora reconheça-se a nocividade que o turismo pode ocasionar, também se ressalta sua importância para o desenvolvimento econômico, desde que alinhado ao desenvolvimento humano. Logo foi possível constatar que o TBC, comparado ao turismo convencional, pode contribuir significativamente para a dignificação humana, uma vez que apresenta menores impactos negativos.

Percebe-se uma carência de maior atenção governamental ao tema, que deveria considerar o TBC não apenas como uma iniciativa autônoma, mas também como um segmento relevante, que, apesar dos desafios, é menos prejudicial do que o turismo convencional e merece maior participação na cadeia produtiva.

Logo, o TBC dialoga com as propostas estabelecidas para a efetivação dos direitos humanos, abrangendo o direito ambiental, a justiça sócio-racial e o multiculturalismo, servindo como um instrumento essencial para a remodelação dos modos de produção e consumo.

No entanto, desafios como a superação do imaginário social sobre os empreendimentos, a comercialização de produtos, a profissionalização e capacitação do setor, e a busca por uma gestão mais eficiente e autossustentável, permanecem como questões a serem enfrentadas nesta atividade. Mesmo assim, o TBC mostra-se como uma ferramenta de dignificação humana, desde que a comunidade local esteja engajada e empoderada em todo o processo produtivo.

A atividade econômica, quando baseada na solidariedade, pode ser vista como um meio de dignificação, especialmente quando se baseia na propriedade comunitária colaborativa, com liberdade de iniciativa e igualdade na distribuição dos benefícios resultantes.

No contexto dos TBCs em territórios quilombolas, é importante destacar que a subsistência das comunidades continua centrada na atividade rural, com o TBC atuando como uma atividade secundária. Essa modalidade aproveita os bens culturais para promover o local, sem interferir no modo tradicional de vida da comunidade.

Dada a relevância do tema, recomenda-se a realização de verificação mais aprofundados, especialmente com enfoque empírico e quantitativo, para avaliar de forma mais abrangente os resultados dessa atividade. Além disso, sugere-se a ampliação da temática por meio de pesquisas de campo, visando a continuidade de estudos futuros, que possam fornecer uma compreensão mais detalhada e próxima das comunidades que desenvolvem o Turismo de Base Comunitária.

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