O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO LEGISLADOR POSITIVO 

THE CONSTITUCIONAL COURT AS A POSITIVE LEGISLATOR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7813222


Jordan Augusto Lima Diniz1


Resumo  

O presente trabalho científico tem como objetivo estudar e compreender a atuação do Tribunal  Constitucional no Estado brasileiro, com foco em uma suposta criação legislativa por parte do  Supremo Tribunal Federal. Busca analisar o Estado Democrático de Direito e o princípio da  Separação dos Poderes do Estado, para que se compreenda a moderna atuação do Supremo  Tribunal Federal, entendendo sua importante performance pós promulgação da Constituição da  República Federativa do Brasil de 1988. Com a ampliação de atribuições do Tribunal  Constitucional, inicia-se debates sobre uma postura ativista da corte. Foi utilizado a pesquisa  bibliográfica, por meio do método hipotético-dedutivo.  

Palavras-chave: Estado democrático de direito. Separação dos Poderes e ativismo  judicial. O tribunal constitucional e sua postura no controle de constitucionalidade das  leis. O Tribunal Constitucional como legislador positivo.  

Abstract/Resumen/Résumé  

The present scientific work aims to study and understand the performance of the Constitutional  Court in the Brazilian State, focusing on a supposed legislative creation by the Supreme Court. It  seeks to analyze the Democratic State of Law and the principle of Separation of State Powers, in  order to understand the modern performance of the Supreme Federal Court, understanding its  important performance after the promulgation of the 1988 Constitution of the Federative Republic  of Brazil. With the expansion of the Supreme Court’s duties, it opens debates on an activist posture  of the court. Bibliographic research was used, using the hypothetical-deductive method.  

keywords: Democratic state. Separation of Powers and Judicial Activism. The  constitutional court and its position in controlling the constitutionality of laws. The  Constitutional Court as a positive legislator.  

1 INTRODUÇÃO 

O presente estudo científico tem como propósito a compreensão da atuação do  Supremo Tribunal Federal (STF) como legislador positivo. Busca entender a posição  assumida pela corte nos dias atuais, sob o enfoque do Estado Democrático de Direito e  do princípio da Separação dos Poderes do Estado.  

O tema problema em análise desperta grandes debates, pois é evidente a crescente  participação do Poder Judiciário na vida de todos os brasileiros, e sua postura gera  discussões sobre a existência de um ativismo judicial.  

O trabalho apresenta a definição do Estado Democrático de Direito e suas  características na República Federativa brasileira, que busca se orientar pelo princípio da  dignidade da pessoa humana. Em seguida, o trabalho se direciona para o estudo da  Separação dos Poderes do Estado, nos seus contornos históricos e atuais. Concluindo com  a análise do Supremo Tribunal Federal e sua postura em suposta criação legislativa.  

O presente trabalho não tem a pretensão de analisar todas as atribuições do STF  no Estado brasileiro, mas entender a postura ativista assumida pela corte após a  promulgação da Constituição de 1988. Busca entender criticamente a postura do Supremo  Tribunal Federal, analisando-o a luz do ativismo judicial e da Separação dos Poderes.  

O tema em análise é extremamente complexo, sendo que exige debater algo  importante para toda a sociedade brasileira, pois está se analisando o órgão judicial de  maior relevância do Estado brasileiro.  

Para o presente estudo, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e o método hipotético dedutivo como procedimento técnico e, por fim, a análise temática, teórica e  interpretativa.  

2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, estabelece  que o Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados  Municípios e do Distrito Federal. (BRASIL,1988). Estabelecendo assim os princípios  federativo e republicano, a Constituição nos apresenta respectivamente a forma de Estado  e de governo. Esta República é um Estado Democrático de Direito.  

Alexandre de Moraes explica: 

O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo, adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (MORAES, 2019, p.18). 

Afirma Luiz Lênio Streck que:  

A Constituição estabelece, já de início, que o Brasil é uma república que se constitui em Estado Democrático de Direito, trazendo explicitamente seus objetivos de construir uma sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza, cumprindo com as promessas da modernidade.” (STRECK, 2019, p.152).  

O princípio federativo demostra a opção do constituinte pela forma de Estado que teve  sua origem nos Estados Unidos da América, e que busca uma descentralização territorial do poder.  A federação representa Estados soberanos cedendo sua soberania e a entregando para um Estado  formado pela união de todos.  

Segundo Sylvio Motta:  

O Estado federado é aquele onde, no plano interno, se opta pela existência de uma ordem jurídica central e várias parciais, todas com algum grau de autonomia. Pratica-se a descentralização, não só administrativa, mas também política. Este sistema funciona como excelente forma de dosar o uso do poder, administrar diferenças regionais e forçar a composição democrática (numa espécie de sistema de freios e contrapesos, semelhante ao existente entre os poderes orgânicos, Executivo, Legislativo e Judiciário; aqui, o jogo de forças será entre a ordem central e as parciais, e destas entre si. (MOTTA, 2019, p.458). 

A república, por sua vez, conforme apresenta Sahid Maluf: “é o governo temporário e  eletivo”. (MALUF, 2019, p.211).  

Guilherme Penã de Moraes demonstra que:  

O princípio republicano é referente às formas de governo, identificado pela igualdade perante a lei, bem assim a periodicidade dos mandados políticos, com a consequente responsabilidade dos mandatários”.(MORAES,2019, p.121).  

Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo também ensinam:  

O conceito de forma de governo está relacionado com a maneira como se dá a instituição e a transmissão do poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados.  

A república é forma de governo caracterizada pela eletividade e pela temporalidade dos mandatos do Chefe do Poder Executivo, com o dever de prestação de contas (responsabilidade do governante). (ALEXANDRINO; PAULO, 2014, p.17).  

Pois bem. A república possui duas grandes divisões, são elas a república aristocrática e a  república democrática.( MALUF, 2019). 

A república aristocrática se baseia no governo de uma classe privilegiada e existe  a exclusão de todas as classes populares. A república democrática é aquela em que não  há distinção entre o povo, sendo que há participação política de todos, tendo como base  o modelo clássico de república e de democracia.  

Ensina José Roberto Gorine Gamba que: 

A República aristocrática é aquela em que um pequeno grupo governa e a maioria da população é excluída desta possibilidade. Via de regra, o governo fica adstrito à classe nobre ou aos possuidores de terras (oligarquia). A lógica é a de que o governo deve ser exercido pelos que são supostamente melhores, mais aptos. 

Na prática, as aristocracias se fazem por meio da imposição de restrições no direito de votar e ser votado, limitando assim o acesso aos postos de governo, que ficam restritos aos que possuem determinadas características. Normalmente, estamos falando de detentores de títulos (nobres) ou de possuidores de terras ou de determinada renda. 

A República democrática, por sua vez, é aquela em que há o sufrágio universal e, portanto, todos podem votar e ser votados sem restrições discriminatórias e infundadas. Trata-se da maior extensão dos ideais democráticos, os quais tentam ser efetivados nos últimos séculos. 

No caso brasileiro, o artigo 1º de nossa Constituição Federal de 1988 deixa clara a forma republicana e federativa de nosso Estado, apontando-o, também, como Estado democrático de Direito; sendo a República Federativa do Brasil constituída formalmente como república democrática. (GAMBA, 2019, p. 210). 

A república democrática busca a participação de todos os cidadãos, evitando  discriminações e qualquer outra forma de impedir que todos participem da vida pública,  garantindo assim uma ampliação de todas as ideias, requisito básico para uma  democracia.  

2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO  

A Constituição de 1988 apresenta, de modo bem claro, possuir como grande  objetivo alcançar uma sociedade mais efetiva, e tem como um dos grandes orientadores  o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição da  República. Este princípio direciona e encaminha a Constituição para que busque colocar  o espaço da dignidade de cada indivíduo como prioridade.  

Assim ensina Luiz Roberto Barroso:  

O constitucionalismo democrático tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana. Após a Segunda Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental, materializado em declarações de direitos, convenções internacionais e constituições.” (BARROSO, 2019, p.245).  

O Estado Democrático de Direito é o princípio que representa a união da democracia e do estado de direito, tendo como baliza a produção democrática das normas. O Estado  Democrático de Direito determina que o exercício do poder esteja em consonância com a vontade  da maioria, respeitando os limites previstos na própria constituição.  

Nina Ranieri ensina que: 

[…] o estado democrático de direito é a modalidade do estado constitucional e internacional de direito que, com o objetivo de promover e assegurar a mais ampla proteção dos direitos fundamentais, tem na dignidade humana o seu elemento nuclear e na soberania popular, na democracia e na justiça social os seus fundamentos. (RANIERI, 2019, p. 332). 

A necessidade de existir limites constitucionais com conteúdo democrático é o que  assegura o Estado Democrático de Direito. A presença de normas que não podem ser alteradas,  sem respeitar limites estabelecidos constitucionalmente, preserva o princípio que visa proteger a  sociedade de absurdos antes já cometidos pela humanidade.  

José Roberto Gorine Gamba explica: 

Seja pelo seu processo de elaboração, seja pelo conteúdo, a Constituição de 1988 é certamente a mais democrática da história constitucional brasileira e, embora constantemente ameaçada por teorias antigarantistas, permanece vigente já por mais de três décadas, durantes as quais pudemos verificar diversos momentos de ampliação e de restrição da efetiva concretização dos direitos e garantias previstos no texto constitucional, fazendo com que as lutas pela efetivação de suas disposições sejam constantes. (GAMBA, 2019, p. 288). 

Os preceitos constitucionais que limitam a modificação do próprio texto, que aparecem  com o fim da Segunda Grande Guerra, após o fim do nazismo, inauguram uma nova era para o  constitucionalismo mundial. Busca-se proteger um núcleo fundamental de valores, protegendo  assim os direitos de minorias numéricas e sociais.  

José Roberto Gorine Gamba escreve: 

Após a Segunda Guerra (1939-1945), o movimento constitucionalista é retomado e alcança importante função na tentativa de coibir o ressurgimento de regimes ditatoriais como os vistos na primeira metade do século, bem como as violações aos direitos fundamentais dos indivíduos verificadas neste período. Neste sentido, foi necessário à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 relembrar os avanços modernos e apontar, novamente, que todos os humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade. A partir daí, a segunda metade do século XX será marcada por constituições que criam Estados democráticos de direito, preocupados com a legalidade (império da lei), a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, incluindo a dignidade da pessoa humana, a isonomia e o pluralismo político.(GAMBA, 2019, p. 280).  

Essa nova concepção constitucional faz com que a tendência seja por uma constituição  rígida, na qual existam limites materiais e formais para alteração do texto fundamental, não  prevalecendo uma ideia de certa maioria circunstancial.  

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gonet Branco comentam: 

Distinção relevante é a que se faz entre constituições rígidas e flexíveis (agregando‐‐se ao binômio as constituições semirrígidas, para designar constituições, como a do Brasil‐Império, em que parte da Carta era rígida, e parte, flexível). A rigidez ou flexibilidade da Constituição é apurada segundo o critério do grau de formalidade do procedimento requerido para a mudança da Lei Maior. A estabilidade das normas constitucionais, em uma Constituição rígida, é garantida pela exigência de procedimento especial, solene, dificultoso, exigente de maiorias parlamentares elevadas, para que se vejam alteradas pelo poder constituinte de reforma. Em oposição, as constituições flexíveis permitem a sua reconfiguração por meio de um procedimento indiferenciado do processo legislativo comum. Não se cobra, na Constituição flexível, uma supermaioria para que o Texto seja modificado.(MENDES; GONET, 2019, p.62). 

Assim sendo, o constituinte reconheceu na dignidade da pessoa humana um de  seus principais orientadores, determinando um empenho de construir uma Constituição  democrática e, que de fato, pudesse concretizar direitos e garantias para todo cidadão,  respeitando seus limites formais e materiais.  

3 A SEPARAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO  

A necessidade do controle do poder pelo próprio poder é a base para que haja o  princípio da Separação dos Poderes do Estado. Deve ser melhor entendido como  separação das funções do Estado, pois seu poder é uno e indivisível, sendo suas principais  atividades desempenhadas por órgãos próprios. (RABELO, 2012).  

Sendo o Poder do Estado uno, é mais correto falar em funções que são divididas  pelos órgãos do Estado, buscando o equilíbrio pela limitação do poder político. Com a  separação, cabe ao órgão executivo a função executiva; ao órgão legislativo a função  legislativa; e ao órgão judiciário a função judicante. Contudo, para melhor compreensão  durante o trabalho, será utilizada a forma clássica de denominação, qual seja, “Separação  dos Poderes do Estado”.  

Ana Paula de Barcellos explica:  

[…] uma dessas premissas consolidadas envolve a separação de poderes ou, mais tecnicamente, a separação de funções. Isto é: diferentes funções levadas a cabo pelo poder político são identificadas e atribuídas a órgãos diversos dentro da estrutura estatal, denominados, mais frequentemente, de poderes. Tradicionalmente, são três os poderes especializados nas funções que lhes dão nome: Executivo, Legislativo e Judiciário. (BARCELLOS, 2019, p. 275).  

A democracia se fortalece com a Separação dos Poderes do Estado, sendo que o  compartilhamento das atribuições permite que não haja abuso por parte de algum  indivíduo, como ocorreu nas monarquias absolutistas. Ou seja, coíbe que o poder seja concentrado por apenas uma pessoa ou um grupo de indivíduos, inviabilizando uma  sociedade puramente democrática.  

Igor Wolfgang Sarlet, Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni ensinam:  

O princípio da separação (ou divisão) dos poderes, que assume papel central desde a origem do constitucionalismo, tendo sido erigido à condição de elemento essencial e determinante da própria noção de Constituição, mediante o famoso art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (se a divisão dos poderes não estiver assegurada e não forem respeitados os direitos individuais não haverá Constituição), tem por escopo – na esteira do ideário iluminista e liberal-burguês dominante na época (com destaque para as concepções de John Locke e, especialmente, Montesquieu, que nos legou a formulação ainda atual em seus contornos gerais) – a limitação jurídica do poder estatal mediante a desconcentração, divisão e racionalização das suas respectivas funções. (SARLET; MITIDIERO; MARINONI, 2019, p. 288). 

Poder é a atribuição dada pela Constituição para a efetiva criação e aplicação das  leis do Estado, tendo como um de seus objetivos assegurar a dignidade dos indivíduos.  Para que de fato haja uma Constituição, conforme a Declaração dos Direitos do  Homem e do Cidadão de 1789, é indispensável a separação dos Poderes do Estado e o  respeito aos direitos individuais.  

3.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA  

Diversos autores elaboraram teorias sobre o controle do poder, sendo importante  mencionar que não é um debate recente, haja vista a existência de contribuições já em  Aristóteles.  

João Roberto Gamba menciona:  

Do ponto de vista teórico, muito se discutem as origens da teoria, sendo justo apontar a existência de contribuições já em Aristóteles e, na modernidade, em John Locke e também nos escritos de Jean-Jacques Rousseau; mas é apenas em Montesquieu que a teoria ganharia a sistematicidade e a importância que merece, inclusive pelo momento histórico em que é publicada sua obra O espírito das leis, de 1748.( GAMBA,2019, p.167). 

Aristóteles pode ser entendido como o primeiro a trabalhar com a ideia de  Separação dos Poderes, tendo o autor desenvolvido sua clássica teoria no livro  Política.(DALLARI, 1998).  

Ensina também Alexandre Sanches cunha:  

Não seria novidade o fato de que a separação de poderes seja um dos temas mais discutidos pela Ciência Política ocidental e que remonta, como é óbvio, à Antiguidade Clássica. Embora a ideia de repartição política de poderes e a ideia de repartição social desses mesmos poderes só tenham aparecido com nitidez nos textos de Montesquieu, no século XVIII, já vinha sendo objeto dereflexão na “Política” de Aristóteles – que tinha por objetivo instaurar uma república que constituiria um “meio-termo” entre a oligarquia (que traduz o governo dos ricos) e a democracia (governo do povo).(CUNHA, 2013, p.123). 

Como apontado, muitos outros autores também trabalharam a ideia de separação  dos poderes, tendo grande importância mencionar o trabalho desenvolvido por John  Locke, tendo o princípio ganhado ainda mais relevância a partir do que foi apresentado  por Montesquieu. (MORAES,2019).  

A revolução gloriosa retirou poder político da monarquia absolutista e a entregou  ao parlamento inglês. Com a aprovação da bill of rights, a monarquia inglesa se torna  uma monarquia limitada, tornando o parlamento independente dos mandos do Rei.  Assim ensina João Roberto Gamba:  

A partir da ampla institucionalização do princípio da separação dos poderes, vigorou na Europa um período de empoderamento do Parlamento (isto é, do Poder Legislativo) em detrimento do poder real, cujos poderes foram gradativamente reduzidos desde então. Tratava-se do período em que os governados assumiriam funções políticas, manifestando os primeiros passos da participação popular que seria fundamento da democracia. 

Historicamente, a Bill of Rights (Declaração de Direitos) de 1689 limitou os poderes do Rei inglês, que não poderia mais governar sem o Parlamento que, portanto, tornou-se órgão decidido distinto e independente do poder real que até então tudo podia. Não se tratava, é claro, da aplicação do princípio da tripartição dos poderes que sequer existia à época, mas de um avanço significativo do ponto de vista da história política. (GAMBA, 2019, p. 167). 

Com a derrota do poder absolutista, Locke apresenta sua ideia de Separação dos  Poderes, buscando demonstrar a importância de uma divisão. Procurando evitar que o  poder seja apropriado por uma pessoa ou apenas um grupo, buscou um maior equilíbrio  no Estado.  

John Locke escreveu: 

O poder legislativo é aquele que tem o direito de determinar como a força da comunidade política será empregue na preservação da comunidade e dos seus membros. Porém, como não é preciso muito tempo para fazer leis que serão executadas constantemente e que permanecerão em vigor continuamente, o poder legislativo nem sempre terá tarefas a cumprir e, portanto, não é necessário que esteja sempre em funções. Também seria uma tentação demasiado forte para a fraqueza humana, que tem tendência a abarcar o poder, que as mesmas pessoas que têm o poder de fazer as leis tivessem nas suas mãos o poder de executá-las. (LOCKE, 2015, p. 329). 

O filósofo inglês apresenta sua proposta deixando claro que a função legislativa  detém maior relevância, existindo para o autor duas funções predominantes, sendo elas a  função legislativa e executiva. Existindo as duas funções predominantes, é desenvolvido  pelo autor que cabia a função executiva à administração da lei e sua execução. 

Explica Locke:  

Como as leis que se fazem de uma vez e cuja elaboração não demora muito tempo vigoram de maneira permanente e durável, e como solicitam uma execução perpétua, ou, pelo menos, de vigilância, é necessário que exista um poder sempre em funções, que garanta a execução das leis que são feitas e que permanecem em vigor. É por isso que muitas vezes o poder legislativo e o poder executivo são separados. (LOCKE, 2015, p. 331). 

A função legislativa, para o autor, como mencionado, é a função principal, função  que detém maior relevo, pois a criação das normas é o poder supremo da sociedade.  Apresenta Locke que: “poder legislativo é necessariamente supremo; todos os  outros poderes, quer pertençam aos membros da sociedade, quer a uma das suas partes,  derivam dele e a ele estão subordinados”. (LOCKE, 2015, p.333).  

John Locke também menciona: 

Numa comunidade política constituída que se funda nas suas próprias bases e age de acordo com a sua própria natureza, isto é, que age para assegurar a preservação da comunidade, só pode haver um único poder supremo, o poder legislativo, ao qual todos os outros estão, e têm de estar, subordinados. (LOCKE, 2015, p. 329). 

Locke afirma também que permanece um direito supremo ao povo de remover ou  alterar o legislativo quando considerar que o poder agiu de forma contrária a missão que  lhe foi confiada. Neste caso, poderá novamente ser confiada a quem considerarem que  melhor servirão a sua proteção e segurança. (LOCKE, 2015, p.332).  

Locke leciona sobre o poder supremo:  

Assim, a comunidade retém perpetuamente um poder supremo de se salvar das tentativas e desígnios de qualquer pessoa, incluindo os seus legisladores, sempre que forem tão tolos ou tão malvados a ponto de conceber e levar a cabo desígnios que atentem contra as liberdades e propriedades do súbdito. Nenhum homem, nem nenhuma sociedade de homens, tem o poder de render a sua preservação, nem, por conseguinte, os meios de assegurá-la, à vontade absoluta e ao domínio arbitrário de outrem; sempre que alguém pretender reduzi-los a uma condição de escravatura, os homens terão sempre o direito de preservar aquilo que não têm o poder de alienar, e de se livrarem daqueles que violam esta lei fundamental, sagrada e inalterável da autopreservação, em nome da qual ingressaram na sociedade. (LOCKE, 2015, p. 332). 

Conforme exposto, Locke apresenta sua separação de funções, deixando claro  uma superioridade da criação das leis em face de sua execução, que a ela deve ser  subordinada, conforme escreve:  

Quando o poder legislativo colocou a execução das leis que faz nas mãos de alguém, mantém o poder de retirar essa execução, se houver razões para tal, e mantém o poder de punir os actos (sic) de uma má administração contrária às leis. O mesmo vale para o poder federativo: este, a par do poder executivo, é um poder auxiliar e está subordinado ao poder legislativo, o qual, como já se mostrou, ocupa a posição suprema numa comunidade política constituída. (LOCKE, 2015, p. 334).

Contudo, foi com Montesquieu que ocorreu grande impacto do que foi  historicamente concebido como Teoria da Separação dos Poderes do Estado. Com o  desenvolvimento de sua obra Do espirito das leis, o autor apresentou a clássica separação  entre os poderes legislativo, executivo e judiciário.  

Ensina Alexandre de Moraes:  

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação de Poderes”, que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O espírito das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal. (MORAES, 2019, p. 451). 

A separação dos poderes se torna com Montesquieu algo indispensável, essencial para  que ocorra de fato uma liberdade aos indivíduos pertencentes ao Estado, sendo que a concentração  de poderes pelo monarca não cabia mais no momento histórico.  

Paulo Ferreira da Cunha comenta: 

Mais ainda: Montesquieu fez da separação de poderes não só uma realidade já existente, utopia realizada, mas também coisa natural, essencial ao ser próprio do Estado e absolutamente indispensável à liberdade dos cidadãos, de forma a que qualquer fuga a ela viesse a ser considerada como grave perturbação, perversão, corrupção ou desequilíbrio no cosmos. E nisso não andava nada longe da verdade. (CUNHA, 2018, p. 201). 

Montesquieu demonstra sua divisão da seguinte forma:  

Em cada Estado existem três tipos de poderes: o poder legislativo, o poder executor das coisas que dependem do direito dos povos, e o poder executor das que dependem do direito civil. Com o primeiro, o príncipe ou o magistrado faz as leis por um tempo ou para sempre, e corrige ou revoga as que foram feitas. Com o segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões. Com o terceiro, pune os crimes, ou julga os diferendos dos particulares. A este último chamar-se-á o poder de julgar, e ao outro simplesmente o poder executor do Estado.(MONTESQUIEU, 2018, p. 305). 

O escritor francês defende maior rigidez na separação, sendo que cada poder tem sua  delimitada atribuição, e o respeito a divisão é o que garante a liberdade dos cidadãos no Estado.  Montesquieu afirma que:  

Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido juntamente com o poder executor, não há liberdade; porque se pode recear que o mesmo monarca ou o mesmo senado façam leistirânicas para as executar tiranicamente. 

Também não há liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e o do executor. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executor, o juiz poderia ter a força de  

um opressor. (MONTESQUIEU, 2018, p. 305). 

Montesquieu demonstra preocupação com a acumulação do poder na mão de apenas uma  pessoa ou grupo, sendo que não há liberdade se assim ocorre, tendo afirmado que: “Tudo estaria  perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais cidadãos, ou dos nobres, ou do  povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de  julgar os crimes ou os diferendos dos particulares”. (MONTESQUIEU, 2018, p. 306).  

Na busca para preservar a liberdade política, era necessário que houvesse a separação dos  poderes, sendo os mesmos independentes, e que houvesse também um sistema de controle do  poder pelo próprio poder.  

Leciona Alexandre de Moraes:  

Ao prelecionar sobre a divisão dos poderes, Montesquieu mostrava o necessário para o equilíbrio dos Poderes, dizendo que para formar-se um governo moderado, “precisa-se combinar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir… Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três Poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto”. (MORAES, 2019, p. 453). 

A necessidade de controle do poder pelo próprio poder permite um equilíbrio entre ele,  não se autorizando que ocorresse abusos por parte de qualquer um deles, sendo mencionado por  Montesquieu a necessidade da existência de uma combinação entre os poderes, em busca de frear  qualquer abuso. (MONTESQUIEU, 2018).  

Com a constituição de 1988 é possível observar que o legislador constituinte buscou  fortalecer o equilíbrio entre os poderes, sendo que na atualidade existe uma busca pelo  aprimoramento da sua clássica definição e aplicação.  

Uadi Lammêgo Bulos explica criticamente: 

Aí está o panorama — crítico, é bem verdade — da organização dos Poderes na Constituição de 1988, que nem sempre segue à risca a tipologia clássica de Aristóteles, no livro Política, desenvolvida por John Locke em seu Segundo tratado do governo civil, e, finalmente, aprimorada por Montesquieu no clássico O espírito das leis, sem falar dos estudos de Hobbes, Bacon, Maquiavel, Rousseau, Políbio, Hume e tantos outros. Significa dizer que a doutrina clássica da separação de Poderes, que distingue a legislação, a administração e a jurisdição, atribuídas a órgãos distintos e independentes entre si, e que impregnou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (art. 16) e a nossa Carta de 1988 (art. 2o), deve ser vista, no Brasil, na ótica da relatividade. (BULOS, 2018, p. 1089).

A Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil apresenta diversas distinções  do que foi classicamente desenvolvido como separação dos Poderes do Estado, mostrando  diversas peculiaridades na sua idealização.  

3.2 A SEPARAÇÃO DOS PODERES DO ESTADO E A CONSTITUIÇÃO  

O princípio previsto no artigo 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União,  independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, é de fato uma  conquista histórica e fundamental para preservação do Estado Democrático de Direito, garantindo  o fortalecimento da democracia, controlando o poder pelo próprio poder.  

Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo são os três alicerces, sendo que a base para  uma Constituição moderna é justamente a Separação dos Poderes do Estado e as garantias  fundamentais.  

Alexandre de Moraes diserta: 

Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente. 

Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha da ideia de Tripartição de Poderes, já entende que esta fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo o seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de controles recíprocos, denominado “freios e contrapesos” (checks and balances). 

Assim, a Constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania aos três tradicionais Poderes de Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, e à Instituição do Ministério Público, que, entre várias outras importantes funções, deve zelar pelo equilíbrio entre os Poderes, fiscalizandoos, e pelo respeito aos direitos fundamentais. (MORAES, 2019, p. 455). 

A separação dos poderes tem menor rigidez, pois na busca por concretizar as garantias  fundamentais, estão modificando suas formas de atuação, mas, em tese, preservando a tradicional  ideia de suas devidas separações.  

Cada um dos poderes do Estado possui suas funções típicas e atípicas. O Poder  Legislativo tem como sua principal atribuição legislar e fiscalizar. O Poder Executivo tem como  principal função a atividade de administrar. E o Poder Judiciário tem a atribuição de julgar, ou  seja, aplicar o direito por meio de provocação.(BULOS,2018).  

Como mencionado, os poderes detêm também suas funções atípicas. Uadi Lammêgo  Bulos explica que Poder Legislativo, em sua função atípica, julga os crimes de responsabilidade,  e administra por meio de promoção de seus servidores, provimento de cargos e demais  atribuições. O Poder Executivo legisla através das medidas provisórias e julga por meio do 

contencioso administrativo. Já o Poder judiciário legisla na criação de seus regimentos internos e  administra seus concursos públicos e seus servidores. (BULOS,2018).  

Ana Paula de Barcellos explica que: 

Como já se viu, o Estado leva a cabo seus fins por meio de três funções principais em que se divide sua atividade e que dão nome aos chamados três poderes: legislativa, administrativa e judicial. É certo, porém, que cada um dos poderes estatais não exerce, de modo exclusivo, a função que nominalmente lhe corresponde, e sim tem nela sua competência principal ou predominante. Assim, além de suas atribuições típicas, desempenham eles, igualmente, funções secundárias ou atípicas. (BARCELLOS, 2019, p.316). 

Sendo assim, como cada Poder possui sua função típica e atípica, não poderá acontecer,  em respeito ao princípio da Separação dos Poderes do Estado, uma inversão de competência, pois  que para que se garanta o Estado Democrático de Direito, a limitação e o respeito entre os Poderes  é essencial.  

Uadi Lammêgo Bulos explica que: 

A incondicional preservação das liberdades públicas é outro ponto inerente à conformação jurídica dos Poderes do Estado.  

O Legislativo — na sua função de criar comandos imperativos, gerais e abstratos — não poderá legislar em desacordo com os direitos e garantias fundamentais.  

O Executivo — no munus da função administrativa — deve acatar a magnitude das liberdades públicas.

O Judiciário — na sacrossanta tarefa de dizer o direito — também deve preservar os direitos humanos. (BULOS, 2018, p. 1091). 

Na aplicação das funções do Estado, a conformidade com normas democráticas e em  consonância com os Direitos Humanos, os direitos internacionalmente reconhecidos, é o caminho  que deve ser perseguido pelos responsáveis na condução dos Poderes.  

O Princípio da Separação dos Poderes do Estado ainda está em construção, sendo que  existe muito para ser elaborado e discutido. Após ser aplicado em diversas nações, passou por  modificações, e hoje continua sendo necessário enquadrá-lo historicamente para que tenha a  efetividade necessária.  

No Brasil, existem diferenças notáveis em relação ao princípio que historicamente  recebeu grandes modificações por todo o mundo, uma vez que possuímos uma separação dos  Poderes do Estado apresentada pela Constituição da República com devidas peculiaridades.  

4 O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL COMO LEGISLADOR POSITIVO 

O Poder Judiciário nas últimas décadas ganhou protagonismo na vida pública brasileira,  sendo referência sobre importantes questões institucionais ocorridas no território nacional. A  função judicante e o Supremo Tribunal Federal, o órgão judicial de maior relevância, galgaram  grande destaque com a promulgação da constituição da República de 1988 (CR/88). 

4.1 PANORAMA GERAL  

A Constituição da República, também chamada de Constituição cidadã, apresentou em  seu texto objeto que antes não se encontrava em esfera constitucional, tratando de conteúdos que  antes era de competência do legislador ordinário. Após décadas de um regime autoritário, o texto  fundamental, devido aos medos que um regime ditatorial deixa na sociedade, buscou tratar de  teses que, em situações menos impactantes, ficaria a cargo do legislador ordinário.(RIBEIRO,  2014).  

Com uma Constituição abrangente, tratando de diversos assuntos que anteriormente eram  de competência de legislador ordinário, ou até mesmo não eram objeto de qualquer previsão legal,  aumentou-se por consequência a busca pelo Judiciário para resolução de controvérsias, inclusive  questões de pouca importância institucional, inflando as atribuições do Poder Judiciário.  

Assim ensina Luís Roberto Barroso:  

Nas últimas décadas, o Judiciário ingressou na paisagem institucional brasileira. Já não passa despercebido nem é visto com indiferença ou distanciamento. Há mais de uma razão para esse fenômeno. A ascensão do Poder Judiciário se deve, em primeiro lugar, à reconstitucionalização do país: recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo. Uma segunda razão foi o aumento da demanda por justiça na sociedade brasileira. De fato, sob a Constituição de 1988, houve uma revitalização da cidadania e uma maior conscientização das pessoas em relação à proteção de seus interesses. Além disso, o texto constitucional criou novos direitos e novas ações, bem como ampliou as hipóteses de legitimação extraordinária e de tutela coletiva. Nesse ambiente, juízes e tribunais passaram a desempenhar um papel simbólico importante no imaginário coletivo. (BARROSO, 2019, p.403). 

Houve uma grande transformação do papel do julgador, uma vez que deixou de ser aquele  que apenas reproduz o que está previsto em lei, passando a atuar ativamente nas soluções dos  litígios. O magistrado, hoje, atua na interpretação da norma, buscando uma efetiva aplicação das  normas constitucionais, no encalço de confirmar a execução dos direitos e garantias fundamentais.  (RIBEIRO, 2014).  

A atividade judicial alçou novas maneiras de chegar a sociedade, dado que com uma  ampliação de direitos advindas com o texto fundamental, a função judicante assume boa parte do  centro dos debates públicos.  

Com um crescimento da atuação do Poder Judiciário, surge também grandes conflitos em  relação a sua atuação, pois seu crescimento desperta debates sobre os limites que podem ser  ultrapassados no exercício jurisdicional, em respeito ao Estado Democrático de Direito e a  Separação dos Poderes do Estado.  

A inflada atuação do Poder Judiciário pode ser entendida como causadora de grandes danos institucionais, pois facilita uma “invasão” por parte do determinado poder nos demais,  principalmente atuando o magistrado como um legislador positivo. O crescimento de sua atuação,  indo além do que tipicamente e atipicamente é entendido, expõe uma postura ativista por parte do  judiciário.  

Uadi Lammêgo Bulos disserta sobre o ativismo judicial:  

Ativismo judicial é o ato em que os juízes criam pautas legislativas de comportamento, como se fossem os próprios membros do Poder Legislativo. Trata-se de um perigoso veículo de fraude à constituição, podendo acarretar mutações inconstitucionais, afinal um órgão do Poder adentra na esfera do outro, ao arrepio da cláusula da separação de Poderes (CF, art. 2o). 

Os ativistas judiciais, também chamados de juízes legisladores ou legisladores positivos, ao invés de decidirem conflitos, que é a tarefa típica que lhes compete exercer, praticam atos inerentes ao ofício de Deputados e Senadores da República.  

Assim, o ativismo judicial é uma ultrapassagem das linhas demarcatórias da função judiciária, pois o juiz desborda o núcleo essencial da jurisdição. Em vez de dizer o direito nos conflitos de interesse, passa a criar comandos normativos, via sentenças judiciais, indo muito além da criatividade natural que permeia o munus judicante. (BULOS, 2018, p.443). 

O ativismo judicial pode ser entendido como uma quebra do princípio da Separação dos  Poderes do Estado, visto que ultrapassa a genuína interpretação legítima inerente a atuação  judicante, pois o magistrado acaba partindo para uma criação legislativa, pertencente a outro  poder estatal. Contudo, uma ampliação da atividade judicial pode ser compreendido como algo  plenamente possível, haja vista que sua atuação não deve sofrer limites, devendo proporcionar a  devida aplicação da Constituição e suas garantias fundamentais.  

Alexandre de Moraes Comenta as diferentes concepções sobre ativismo judicial:  

O ativismo judicial, expressão utilizada pela primeira vez em 1947 por Arthur Schlesinger Jr., em artigo sobre a Corte Suprema dos EUA, no Direito brasileiro tornou-se, portanto, tema de extrema relevância, não só quanto à sua possibilidade, mas, principalmente, em relação aos seus limites, pois há muita polêmica sobre a prática do ativismo judicial, inclusive no tocante à sua conceituação. 

Ativismo judicial seria “uma filosofia quanto à decisão judicial mediante a qual os juízes permitem que suas decisões sejam guiadas por suas opiniões pessoais sobre políticas públicas, entre outros fatores” (cf. a respeito, Black’s Law Dictionary), sendo apontado por alguns doutrinadores norte-americanos como uma prática, que por vezes indica a ignorância de precedentes, possibilitando violações à Constituição; ou, seria um método de interpretação constitucional, no exercício de sua função jurisdicional, que possibilita, por parte do Poder Judiciário, a necessária colmatação das lacunas constitucionais geradas pela omissão total ou parcial dos outros Poderes, ou ainda, pelo retardamento da edição de normas que possibilitem a plena efetividade do texto constitucional? 

Teríamos com o ativismo judicial, clara afronta à Separação de Poderes, com direta usurpação das funções da legislatura ou da autoridade administrativa, como por diversas vezes apontou o Juiz Antonin Scalia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, para desqualificar essa prática (cf. voto vencido no caso Romer v. Evans, 1996); ou, verdadeira necessidade constitucional permitida pelo sistema de freios e contrapesos em face da finalidade maior de garantir a plena supremacia e efetividade das normas constitucionais?

Não há dúvidas de que a eficácia máxima das normas constitucionais exige a concretização mais ampla possível de seus valores e de seus princípios, porém, em caso de inércia dos poderes políticos, devemos autorizar a atuação subjetiva do Poder Judiciário (Luis Roberto Barroso), mesmo que isso transforme o Supremo Tribunal Federal em um superlegislador, pois imune de qualquer controle, que não seja a própria autocontenção (judicial restraint), ou, devemos restringi-lo, para que não se configure flagrante desrespeito aos limites normativos substanciais da função jurisdicional, usurpando, inclusive, função legiferante (Elival da Silva Ramos)?. (MORAES, 2019, p.832). 

O ativismo judicial gera debates por parte dos juristas, várias concepções são  estabelecidas, podendo ser entendido como algo possível, necessário para concretização das  garantias e direitos fundamentais, permitido pelo sistema de freios e contrapesos. Entretanto, pode  ser recebido como uma clara afronta à Separação dos Poderes do Estado, atuando o Judiciário  como um verdadeiro legislador positivo.  

Luís Roberto Barroso afirma que: “A ideia de ativismo judicial está associada a uma  participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins  constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”. (BARROSO, 2019, p.274).  

O conflito posto gera debates sobre a atuação dos Poderes, já que muitas vezes é colocada  a questão da lacuna na legislação para concretização dos direitos fundamentais, sendo suprido  pelo Poder Judiciário. Com o preenchimento das lacunas, o Poder Judiciário pode se tornar um  verdadeiro legislador positivo, atuando na criação de normas jurídicas, papel do Poder  Legislativo.  

Luís Roberto Barroso entende que:  

O papel do Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais, deve ser o de resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o deficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso. Sem, contudo, desqualificar sua própria atuação, o que ocorrerá se atuar abusivamente, exercendo preferências políticas em lugar de realizar os princípios constitucionais. Além disso, em países de tradição democrática menos enraizada, cabe ao tribunal constitucional funcionar como garantidor da estabilidade institucional, arbitrando conflitos entre Poderes ou entre estes e a sociedade civil. Estes os seus grandes papéis: resguardar os valores fundamentais e os procedimentos democráticos, assim como assegurar a estabilidade institucional. (BARROSO, 2019, p.406). 

A atuação do Poder Judiciário, principalmente a do Supremo Tribunal Federal, para suprir  omissão legislativa em efetivação de direitos fundamentais, é entendida como necessário por Luís  Roberto Barroso, sendo que o Judiciário tem o papel de suprir eventual déficit dos demais  Poderes, mas preservando sua atuação, para que ela não seja abusiva. (BARROSO,2019).  

Alexandre de Moraes diserta: 

Não são poucos os doutrinadores que apontam enorme perigo à Democracia e à vontade popular, na utilização do ativismo judicial, pois como salientado por Ronald Dworkin, “o ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, ahistória de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige”.  

Por outro lado, não se pode ignorar a advertência feita pelo Ministro Celso de Mello, ao recordar que as “práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.” 

O bom senso entre a “passividade judicial” e o “pragmatismo jurídico”, entre o “respeito à tradicional formulação das regras de freios e contrapesos da Separação de Poderes” e “a necessidade de garantir às normas constitucionais a máxima efetividade” deve guiar o Poder Judiciário, e, em especial, o Supremo Tribunal Federal na aplicação do ativismo judicial, com a apresentação de metodologia interpretativa clara e fundamentada, de maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo a análise crítica da opção tomada, com o desenvolvimento de técnicas de autocontenção judicial, principalmente, afastando sua aplicação em questões estritamente políticas, e, basicamente, com a utilização minimalista desse método decisório, ou seja, somente interferindo excepcionalmente de forma ativista, mediante a gravidade de casos concretos colocados e em defesa da supremacia dos Direitos Fundamentais. (MORAES, 2019, p.833). 

O poder legislativo funcionando de forma diligente, acatando as necessidades do povo  brasileiro é fundamental na preservação do Estado Democrático de Direito, possibilitando uma  segurança na força das instituições brasileiras. Entretanto, não ocorrendo uma postura ativa por  parte do legislativo, alarga-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário, principalmente do  Supremo Tribunal Federal, que atua na tentativa de suprir uma possível insuficiência dos demais  poderes.  

4.2 O STF NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE  

O Supremo Tribunal Federal deu a última palavra em diversos assuntos de considerável  importância para a sociedade. A Suprema Corte assumiu um grande papel atuando na efetivação  de direitos fundamentais, frente a omissões por parte do Poder Legislativo.  

O Supremo Tribunal Federal é o órgão maior do poder judiciário no território brasileiro,  tendo como principal atribuição, de acordo com o artigo 102 da CR/88, a guarda da Constituição  da República.  

A responsabilidade pela guarda da Constituição é justamente o que o Tribunal  Constitucional possui como baliza para que atue conforme os limites estabelecidos pelo próprio  texto, e consiga agir de forma a proteger o Estado democrático de direito, à Separação dos Poderes  e as garantias fundamentais, que são de fato a base para qualquer constituição moderna, que  coloque o individuou em posição central. 

A forma de composição dos membros do Supremo Tribunal Federal é estabelecida no  artigo 101 e parágrafo único da Constituição da República, que prevê, respectivamente:  

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. parágrafo único. os ministros do supremo tribunal federal serão nomeados pelo presidente da república, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do senado federal. (BRASIL,1988). 

O Supremo Tribunal Federal possui diferentes competências no território brasileiro,  podendo ser destacadas em três grandes grupos, conforme explica Sylvio Motta:  

A competência do STF é ditada pelo art. 102, que é rol fechado (taxativo, exaustivo, numerus clausus), não podendo o intérprete acrescer outras hipóteses. Vale a pena reparar que esta corte tem três áreas básicas de atuação, conforme os incisos do art. 102. (MOTTA, 2019, p.728). 

A primeiro atuação básica do STF prevista art.102 da CR/88 determina a competência do  supremo em exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. Também é  previsto a competência do Supremo para julgar os diversos recursos a ele submetido, e também  determina as atribuições da corte em sua atuação como tribunal de única instância, julgando os  casos com prerrogativa de função.(MOTTA, 2019).  

O Supremo Tribunal Federal, além de um Tribunal constitucional, julga recursos de  variadas matérias, e casos com prerrogativa de foro. Ou seja, uma corte que acumula várias  competências, o que amplia consideravelmente o seu âmbito de atuação.  

O Supremo Tribunal Federal, como já descrito, tem como sua atribuição de maior  importância a guarda da Constituição, sendo assim, exercer o controle de constitucionalidade das  leis e atos normativos é o que determina que a corte constitucional proteja toda a ordem jurídica  do país, sendo sua maior competência.  

Desse modo, a proteção constitucional está totalmente ligada à proteção do Estado  democrático de direito, conforme ensina Sylvio Motta:  

Como se percebe, a manutenção do sistema de controle de constitucionalidade guarda relação direta com o conceito de Estado Democrático de Direito, com o conceito de cidadania e com a própria ideia de liberdade constitucional. (MOTTA, 2019, p.789). 

O controle de constitucionalidade é uma grande inovação para a clássica visão do  princípio da Separação dos Poderes do Estado, sendo que um magistrado possui a atribuição de  determinar quando uma lei é incompatível com a Constituição, seja formal ou materialmente,  resguardando a ordem jurídica.  

Alexandre de Moraes conceitua do seguinte modo: “Controlar a  constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais”.  (MORAES, 2019, p.765).  

Controle de constitucionalidade é justamente necessário para que haja a preservação da  intenção do legislador constituinte na formulação do texto fundamental, na hora da criação  legislativa infraconstitucional, sendo importante a preservação do princípio da hierarquia das leis.  

A Constituição é a norma que está no topo da hierarquia, prevalecendo sobre todas outras  normas, que devem estar de acordo com o previsto na Carta Magna. Sendo assim, a prevalência  constitucional determina que qualquer norma, para que possa produzir efeitos, precisa estar em  conformidade com o texto constitucional.  

Alexandre de Moraes explica:  

A ideia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.Em primeiro lugar, a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária. Dessa forma, nelas o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorre, pode modificá-la ou suprimi-la. (MORAES, 2019, p.763). 

Hans Kelsen formulou uma estrutura escalonada das normas jurídicas, sendo que prevê  justamente a necessidade de adequação das normas ao texto fundamental, tendo em vista estar a  Constituição no ápice da hierarquia normativa.  

Uadi Lammêgo Bulos explica que: 

Hans Kelsen formulou o discurso lógico-jurídico mais completo a respeito da posição hierárquica das normas jurídicas. Ensinou que o ordenamento normativo é uma estrutura escalonada, formada de diferentes níveis. No ápice dessa estrutura está a constituição, que condiciona toda a produção normativa do Estado. (BULOS, 2018, p. 131). 

A Constituição da República Federativa do Brasil é a norma suprema, sendo o último  degrau da hierarquia normativa. É na Constituição que as normas do ordenamento jurídico  adquirem seu fundamento de validade.(PADILHA, 2018).  

O poder constituinte originário, que adquire a sua legitimidade pelo povo, cria a  Constituição por meio de uma assembleia constituinte, inaugurando o Estado, e assim, cria  também os poderes constituídos, que devem agir de acordo com o texto fundamental.(MOTTA,  2019).  

Alexandre de Moraes apresenta as características:  

O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.

O Poder Constituinte é inicial, pois sua obra – a Constituição – é a base da ordem jurídica.

O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo, pois não está de modo algum limitado pelo direito anterior, não tendo que respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor.

O Poder Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade; não tem ela que seguir qualquer procedimento determinado para realizar sua obra de constitucionalização. (MORAES, 2019, p. 270).  

Pois bem. O controle de constitucionalidade é uma demonstração da força que possui o  poder judiciário no Brasil. A análise das normas em consonância à constituição é fundamental na  preservação do ordenamento jurídico, como dito, toda norma deve estar de acordo com o texto  fundamental, e sua verificação é essencial.  

Com a importância que a função judicante ganha com Constituição de 1988, com a  realização do controle de constitucionalidade, e com as demais competências atribuídas ao  Tribunal Constitucional, e com uma ineficácia dos demais poderes na concretização da efetivação  de normas constitucionais, pode-se encontrar o Supremo Tribunal Federal com uma ampliada  atuação.  

Alexandre de Moraes explica: 

No Brasil, a partir do fortalecimento do Poder Judiciário e da Jurisdição Constitucional pela Constituição de 1988, principalmente pelos complexos mecanismos de controle de constitucionalidade e pelo vigor dos efeitos de suas decisões, em especial os efeitos erga omnes e vinculantes, somados à inércia dos Poderes Políticos em efetivar totalmente as normas constitucionais, vem permitindo que novas técnicas interpretativas ampliem a atuação jurisdicional em assuntos tradicionalmente de alçadas dos Poderes Legislativo e Executivo. Principalmente, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal em conceder interpretações conforme a Constituição, declarações de nulidade sem redução de texto, e, ainda, mais recentemente, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45/04, a autorização constitucional para editar, de ofício, Súmulas Vinculantes não só no tocante à vigência e eficácia do ordenamento jurídico, mas também em relação à sua interpretação, acabaram por permitir, não raras vezes, a transformação da Corte Suprema em verdadeiro legislador positivo, completando e especificando princípios e conceitos indeterminados do texto constitucional; ou, ainda, moldando sua interpretação com elevado grau de subjetivismo. (MORAES, 2019, p. 832). 

Com a ineficácia do poder legislativo, que muitas vezes não consegue dar as respostas  que a população necessita, abre-se uma porta para o crescimento da atuação do Tribunal  Constitucional, sendo que este adquire espaço nas lacunas deixadas, oferecendo respostas através  de mecanismos judiciais.  

Os mecanismos judiciais utilizados para efetivação de direitos fundamentais buscam  fundamento no fato que não basta sua simples previsão, é necessário que haja o real e efetivo  emprego desses direitos. Quando não ocorre, artifícios judiciais são utilizados, pois diante da  inércia do poder legislativo, o Supremo intercede no intuito de preencher as lacunas deixadas.  

A competência do Tribunal Constitucional em determinar a inconstitucionalidade de uma  norma é, como analisado acima, indiscutivelmente uma de suas principais atribuições. Contudo, a Constituição não permite que a corte atue de maneira a legislar positivamente, ou seja, criar  normas jurídicas, apenas permite que o Supremo Tribunal Federal atue na decretação de  invalidade de normas, atuando como um legislador negativo.  

Sylvio Motta ensina:  

O Judiciário inegavelmente possui competência para reconhecer a inconstitucionalidade da disposição segregadora, por ofensa ao princípio da isonomia, mas daí a suprir a lacuna legislativa é um grande passo. A Constituição não conferiu ao Poder Judiciário competência para atuar como legislador positivo, inovando no ordenamento jurídico, mas exclusivamente como legislador negativo, expurgando do ordenamento jurídico normas eivadas de algum vício em seus elementos de validade.(MOTTA, 2019, p.194). 

O Supremo Tribunal Federal, em uma análise moderna do princípio da separação dos  Poderes, deve funcionar como legislador negativo, ou seja, declarando a inconstitucionalidade de  normas, eliminando do ordenamento jurídico tudo que não é compatível com a Constituição, mas  deve buscar evitar a atuação como um legislador positivo, isto é, criando norma jurídica,  utilizando minimamente do ativismo judicial, que deverá ser usado em momentos de grave  violação da aplicação dos direitos fundamentais.  

4.3 O STF COMO LEGISLADOR POSITIVO  

Quando o Tribunal Constitucional atua na função de criação de normas, em pleno  ativismo judicial, atuando como legislador positivo, mesmo sob o fundamento de garantir a  concretização dos direitos fundamentais, pode ser entendido como grande abalo ao Estado  Democrático de Direito.  

Os cidadãos não podem viver a mercê de um Poder Legislativo que não desenvolve o seu  papel fundamental de criação de leis, sendo que as mesmas darão concretude aos direitos  fundamentais indispensáveis a sociedade. Entretanto, o Poder Judiciário deve cumprir o seu papel  estabelecido constitucionalmente, evitando adentrar em atribuições de outros Poderes do Estado.  (RABELO, 2012).  

Matheus Teixeira Silva escreve:  

Deve-se pensar, outrossim, no reforço das casas legislativas. Isto porque boa parte do ativismo judicial, ao menos no Brasil, ocorre em razão da absoluta omissão legislativa, como nos casos em que o Supremo Tribunal Federal é provocado a deliberar sobre questões polêmicas das quais os legisladores preferem manter distância, como as uniões entre pessoas do mesmo sexo, o aborto, a extensão do direito à greve, dentre outros tantos. (SILVA, 2017, p.23).

A ampliação da atuação judicial, atuando na legislação positiva, corrobora para uma  depreciação do princípio da Separação dos Poderes, pois mesmo necessitando de atualizações na  modernidade, não vislumbra uma postura de criação jurídica por parte do Judiciário. 

Celso Leandro de Almeida Rabelo disserta:  

No ativismo judicial os magistrados ampliam seus limites jurisdicionais a fim de modificar, corrigir ou complementar leis e atos administrativos, conforme praticado pelo STF, que extrapolando suas competências, para adotar uma jurisprudência mais ativa.  

Essa ampliação na competência do STF tornam as decisões proferidas por esta última instância cada vez mais temerárias para a democracia, na medida em que usurpa atividade tipicamente legislativa, desempenhando papel negativo na política brasileira. (RABELO, 2012, p.44). 

O Supremo atuou como legislador positivo em situações de grande importância nacional,  sendo que o Poder Legislativo se absteve de garantir efetivamente importantes direitos  constitucionalmente previstos. Os legisladores evitam atuação em situações polêmicas, não  efetivando garantias que propiciam dignidade aos cidadãos.  

No caso do julgamento do Mandado de injunção de nº 712, a Suprema Corte, com a  ausência de legislação que desse aplicabilidade ao direito de greve dos servidores públicos,  previsto no artigo 37, inciso VII da CR/88, determinou que fosse aplicado a lei nº 7783/89, que  regulamenta a greve dos servidores da inciativa privada. A corte atuou com claro ativismo  judicial, mudando entendimento previamente estabelecido, atuando como um legislador positivo.  (RABELO,2012).  

O STF em vez de confirmar a existência de mora por parte do legislativo, que não criou  norma que pudesse efetivar o direito fundamental de greve aos servidores públicos, sendo que se  trata de uma norma de eficácia limitada, que necessita de um ato infraconstitucional para sua  aplicação, decidiu por regulamentar tal direito, consolidando a teoria concretista geral.  

Alexandre de Moraes comenta sobre o caso:  

Atualmente, portanto, o Supremo Tribunal Federal, alterando seu antigo posicionamento, julgou procedente mandado de injunção adotando a posição concretista geral. Dessa forma, a Corte conheceu do mandado de injunção relativo à efetividade da norma prevista no art. 37, VII, da Constituição Federal (direito de greve do servidor público) e decidiu no sentido de suprir a lacuna legislativa, determinando, em regra, a aplicação de legislação existente para o setor privado; (MORAES, 2019, p.208). 

Obviamente é importante que a população tenha todos os seus direitos aptos a serem  exercidos, e que viver na angústia por não existir legislação que possa efetivar o que a  Constituição determina não é o que se espera de um Estado democrático. Contudo, não é viável  que pertença ao Poder Judiciário tal atribuição garantidora, pois não deve suprir o Poder  Legislativo no cumprimento do que lhe é determinado.  

O Supremo Tribunal Federal não deve suprir mora legislativa de criação de normas  jurídicas, pois violaria os limites estabelecidos pelo Princípio da Separação dos Poderes do  Estado. É dever do Poder Legislativo garantir a efetivação de direitos estabelecidos  constitucionalmente, garantindo a dignidade da pessoa humana, sendo apto a produzir normas  que de fato vão efetivar os direitos fundamentais. 

Celso Leandro de Almeida Rabelo escreve:  

Admitir-se o ativismo judicial nas decisões como prática corriqueira e pretendida é o mesmo que afirmar que o órgão jurisdicional tem competência legislar. E avalizar essa prática pelos órgãos jurisdicionais é um grande passo para destruição do Estado Democrático de Direito. (RABELO, 2012, p.37).  

O Poder Legislativo deve ser capaz de cumprir o que é sua função, pois grande parte do  ativismo judicial se dá pela falta de interesse político em conceder aplicabilidade de normas  constitucionais de caráter polêmico, afastando-se de cumprir seu papel essencial.  

A Corte Constitucional não deve ser corte estática, não pode apenas servir a dizer o  Direito, pois é um Tribunal capaz de interpretar as normas com raciocínio lógico (MOTTA,2019).  Apesar disso, não deve o Supremo Tribunal Federal criar normas em omissão legislativa, pois  invadiria substancialmente o que é determinado no texto político como competência do Poder  Legislativo.  

Uadi Lammêgo Bulos explica que:  

O ativismo judicial, portanto, abusa da interpretação, da construção e da manipulação, propiciando fraudes constitucionais, e, não raro, mutações inconstitucionais. Tais fraudes subvertem as técnicas de vivência das constituições, alijando as normas supremas do Estado, porque minam-lhes as potencialidades e as virtudes. Ora, a interpretação, a construção e a manipulação constitucionais, quando usadas nos lindes da lógica e do bom senso, são meios idôneos para se atualizar a obra constituinte, pondo as normas supremas do Estado em consonância com o pulsar do fato social cambiante.(BULOS, 2018, p.444).  

O Supremo Tribunal Federal não poderá apenas ser aquele que aplica o direito, pois atua  na interpretação da Constituição, dando sentido ao texto que a anos foi elaborado. O magistrado  não poderá criar o direito, mas interpretá-lo é seu dever, garantindo assim a segurança jurídica  que se espera em um Estado Democrático, que respeita a Separação dos Poderes do Estado.  

5 CONCLUSÃO  

Constata-se que o Estado democrático de Direito é fundamento da República Federativa  do Brasil, sendo a dignidade da pessoa humana grande alicerce na construção democrática do  país. A Constituição da República de 1988 apresentou objetivos de construir uma sociedade mais  justa, colocado a dignidade de todos como um grande foco a ser alcançado.  

Na busca de limitar o poder, no sentido de proteger as liberdades individuais, foi  elaborada a teoria que apresenta divisão do poder político, que historicamente apresentou diversas  modificações. A separação dos poderes do Estado é necessária justamente para que se proteja as  liberdades dos indivíduos, pois inviabiliza o somatório do poder na mão de apenas uma pessoa, o  que impediria a realização de uma sociedade democrática.  

Após período de regime ditatorial, que antecede a Constituição da República de 1988,  houve ampliação de atributos do Poder Judiciário, verificando sua grande participação na vida pública brasileira. Com o advento da Carta Magna, surge uma ampliada e necessária atuação do  Poder Judiciário, que possui importante competência na preservação do Estado Democrático de  Direito.  

Nesse contexto, com ampliada atuação do Poder Judiciário, principalmente do Supremo  Tribunal Federal, passa-se a discutir se a atuação do Tribunal Constitucional não violaria a  Separação dos Poderes, atuando a corte como um verdadeiro legislador positivo.  

O STF possui importante competência de analisar a constitucionalidade de normas  elaboradas infraconstitucionalmente, sendo necessário que todas as normas criadas pelo  legislador ordinário estejam em consonância com a Constituição. A Constituição determina as  competências que pertencem ao Supremo Tribunal Federal, que precisa, acima de tudo, ser o  responsável por guardar a Carta Política.  

Existe no Brasil, por falta de interesse político, grande ausência legislativa que impede a  concretização de direitos constitucionalmente estabelecidos, fazendo com que aumente  participação do Poder Judiciário, que atua na efetivação dos direitos que dependem de criação  legislativa para que tenham devida aplicabilidade. Deste modo, a corte passa de limites que devem  existir ainda hoje, mesmo com o necessário reenquadramento histórico da Separação dos Poderes,  pois deixa de atuar como mero legislador negativo, decretando a inconstitucionalidade das  normas, e atua em criação jurídica, como um legislador positivo.  

O Tribunal Constitucional assumiu postura diferente em relação as omissões legislativas  na concretização da aplicação de normas constitucionais, mudando posicionamento antes  estabelecido. O Supremo Tribunal Federal deve preservar a Constituição, não devendo jamais ser  uma corte mecânica na aplicação do Direito, mas não deve ser o responsável pela criação jurídica  quando ocorre desinteresse político por parte do Legislativo.  

 Deve-se buscar o avigoramento do Congresso Nacional para que se cumpra todas as suas  atribuições, sendo inviável que em um Estado Democrático a população permaneça a mercê que  de poder estatal que não realiza seu dever constitucional. O Supremo Tribunal Federal não deve  ser responsável pela criação jurídica quando o devido órgão não realiza respectiva função, para  que assim se preserve o Estado Democrático de Direito e a Separação dos Poderes do Estado,  dando efetivamente segurança jurídica. 

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1Advogado. Mestrando em Direito Público pela Universidade Fumec.