REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202505292101
Célio Ramos Farias1
Prof(a). Dra. Verônica Scriptore Freire e Almeida2
RESUMO
Este artigo faz uma comparação entre o sistema de saúde dos Estados Unidos e o nosso SUS, o Sistema Único de Saúde brasileiro, com foco nas diferenças e nas controvérsias jurídicas relacionadas ao Affordable Care Act (ACA), a reforma sanitária norte-americana sancionada em 2010. O estudo mostra que o modelo dos EUA é baseado numa lógica mais privatista, onde o acesso à saúde depende de seguros e programas federais limitados, como Medicare e Medicaid. Já o SUS, inspirado nos princípios constitucionais de universalidade, integralidade e equidade, é uma política pública que oferece assistência gratuita e acessível a todos os cidadãos.
Recentemente, uma controvérsia constitucional chegou à Suprema Corte dos EUA (caso Braidwood Management Inc. v. Becerra, 2024), levantando questões sobre a tensão entre a regulação do Estado, a liberdade religiosa e o direito à saúde. No Brasil, os principais desafios do SUS estão relacionados ao subfinanciamento e ao aumento da judicialização da saúde.
Ao final, percebemos que ambos os sistemas têm obstáculos únicos: nos EUA, o acesso às condições de saúde; no Brasil, a efetividade das ações. Para avançarmos, é fundamental desenvolver políticas públicas que conciliem sustentabilidade, justiça social e o respeito à dignidade de cada pessoa.
Palavras-chave: Sistema de Saúde; Affordable Care Act; Sistema Único de Saúde; Direito à Saúde; Judicialização da Saúde.
1 Introdução
A saúde é um direito humano fundamental, reconhecido por tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas, e também garantido em nossa Constituição. No entanto, garantir esse direito vai além de apenas estar previsto na lei. É preciso colocar em prática políticas públicas bem estruturadas, garantir recursos adequados e que haja um compromisso real por parte das instituições com a dignidade de cada pessoa.
Nesse cenário, podemos perceber que diferentes países adotam modelos bastante distintos para cuidar da saúde da população. Nos Estados Unidos, por exemplo, prevalece uma lógica de mercado, onde o acesso aos serviços de saúde depende principalmente da contratação de seguros privados. Embora existam programas federais como o Medicare e o Medicaid, esses atendem a grupos específicos e deixam muitas pessoas de fora, resultando em uma cobertura fragmentada e desigual. Uma tentativa importante de reforma aconteceu em 2010, com a aprovação do Affordable Care Act (ACA), durante o governo do presidente Barack Obama. Essa lei buscou ampliar o acesso à saúde ao regular o setor privado, impondo regras às seguradoras e oferecendo subsídios para pessoas de baixa e média renda.
Por outro lado, o Brasil adotou um modelo de saúde pública com base na Constituição Federal de 1988, que prioriza a universalidade, a integralidade e a equidade. O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das maiores políticas públicas inclusivas do país, garantindo acesso gratuito e igualitário a toda a população, independentemente de sua condição socioeconômica. Apesar de enfrentar desafios como subfinanciamento e aumento na judicialização dos serviços, o SUS continua sendo uma conquista importante na proteção social brasileira.
Neste artigo, faremos uma comparação entre esses dois modelos. Vamos analisar a estrutura, os princípios e as limitações do sistema norte-americano — especialmente no que diz respeito ao ACA e às controvérsias constitucionais recentes — e também refletir sobre o SUS, considerando seus fundamentos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais.
Objetivo
O presente artigo tem como objetivo realizar uma análise comparativa entre os modelos de saúde pública adotados pelos Estados Unidos e pelo Brasil, com ênfase no Affordable Care Act (ACA) norte-americano e no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Busca-se compreender as implicações constitucionais, doutrinárias e práticas de cada sistema, destacando seus fundamentos, estrutura, princípios e limitações.
Situação-problema
Apesar de a saúde ser reconhecida como um direito humano fundamental por diversos tratados internacionais e pela Constituição Federal brasileira, a efetivação desse direito enfrenta desafios práticos consideráveis. Em países como os Estados Unidos, o acesso à saúde ainda está fortemente condicionado à lógica de mercado, gerando desigualdades e exclusões. Já no Brasil, embora o SUS represente um avanço em termos de acesso universal e gratuito, o sistema lida com entraves como o subfinanciamento, a sobrecarga e a judicialização excessiva. Diante disso, surge a necessidade de analisar como diferentes modelos se estruturam para garantir ou restringir o acesso à saúde e quais lições podem ser extraídas dessa comparação.
Método
A metodologia adotada neste artigo é qualitativa e comparativa, com base em revisão bibliográfica e documental. Serão analisadas legislações, documentos constitucionais, tratados internacionais e jurisprudência pertinente, bem como artigos doutrinários e estudos empíricos sobre os dois sistemas de saúde. O estudo utilizará como fontes principais textos normativos (como o ACA e a Constituição Federal de 1988), decisões judiciais e literatura acadêmica especializada em políticas públicas de saúde.
Justificativa
A comparação entre os sistemas de saúde dos Estados Unidos e do Brasil é relevante tanto para o campo acadêmico quanto para o aperfeiçoamento das políticas públicas nacionais. Ao compreender as virtudes e deficiências de cada modelo, é possível fomentar o debate sobre possíveis melhorias no sistema de saúde brasileiro, especialmente no tocante à gestão dos recursos, à redução da judicialização e ao fortalecimento da equidade no acesso aos serviços. Este estudo também contribui para reflexões interdisciplinares sobre direitos sociais, cidadania e justiça distributiva.
2. SISTEMA DE SAÚDE NORTE-AMERICANO: ESTRUTURA E LIMITAÇÕES
Nos Estados Unidos, não existe um sistema público de saúde universal. A assistência governamental é restrita a grupos específicos da população, como pessoas de baixa renda, por meio do programa Medicaid, e cidadãos com 65 anos ou mais, por meio do Medicare. Aqueles que não se enquadram nesses critérios dependem da contratação de planos de saúde privados. Contudo, os altos custos dos serviços médicos nos EUA — os mais elevados do mundo — constituem um obstáculo substancial ao acesso à saúde.
Principais Programas Públicos de Saúde
•Medicare: Programa federal de seguro de saúde destinado a indivíduos com 65 anos ou mais, bem como a pessoas mais jovens que possuam determinadas deficiências ou condições médicas específicas. Seu financiamento provém de impostos sobre a folha de pagamento e rendimentos de investimentos, sendo administrado pelos Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS).
•Medicaid: Programa de responsabilidade compartilhada entre os governos federal e estaduais, voltado à assistência médica de pessoas de baixa renda. Seus critérios de elegibilidade e escopo de cobertura variam conforme o estado da federação.
Affordable Care Act (ACA): Expansão da Cobertura e Controvérsias Constitucionais
Com o propósito de ampliar o acesso à saúde, foi sancionada, em 2010, a Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente (Patient Protection and Affordable Care Act – PPACA), popularmente conhecida como Affordable Care Act (ACA) ou Obamacare. Desde sua promulgação, a norma tem sido objeto de intensos debates, tanto no plano doméstico quanto internacional.
A implementação do ACA segue gerando discussões relevantes, especialmente diante das mudanças de orientação política e administrativa nos Estados Unidos. Já no primeiro ano do governo Trump, os efeitos da legislação sobre o mercado de seguros de saúde voltaram ao centro das atenções.
Mais recentemente, o tema foi submetido à análise da Suprema Corte dos EUA, em ação que questiona o acesso gratuito a serviços de saúde preventiva garantidos pelo ACA. A controvérsia gira em torno da constitucionalidade da Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA (USPSTF), responsável por definir os serviços que devem ser obrigatoriamente cobertos pelas seguradoras, sem custo adicional aos pacientes.
A USPSTF é composta por 16 especialistas nomeados pelo Secretário de Saúde, sem necessidade de confirmação pelo Senado. Suas recomendações, baseadas em evidências científicas, abrangem exames e tratamentos preventivos, como rastreamento de câncer e diabetes, uso de estatinas, combate ao tabagismo e ao abuso de álcool, entre outros.
Caso seja mantida a decisão proferida por instância inferior, tais serviços, atualmente gratuitos, poderão passar a exigir coparticipação ou pagamento de franquias, restringindo o acesso da população a cuidados essenciais.
3 O AFFORDABLE CARE ACT (ACA) E SEUS DESDOBRAMENTOS
O ACA, sancionado em 2010 durante o governo Obama, representa uma tentativa de reformar o sistema por meio da ampliação da cobertura de seguros privados, obrigatoriedade de cobertura mínima e subsídios a pessoas de baixa e média renda.
Um de seus pilares é a exigência de que seguradoras cubram serviços preventivos indicados pela United States Preventive Services Task Force (USPSTF), sem cobrança adicional aos usuários. Essa diretriz, contudo, gerou controvérsias constitucionais, especialmente no caso Braidwood Management Inc. v. Becerra, levado à Suprema Corte em 2024.
Vejamos:
Autores: Braidwood Management Inc., John Kelley, Joel Starnes, Gregory Scheideman, Zach Maxwell, Ashley Maxwell, Donovan Riddle, Karla Riddle, Joel Miller, Kelley Orthodontics – Réu: Xavier Becerra, Janet L Yellen, Julie Su.
O litígio em torno da obrigatoriedade de cobertura de serviços preventivos previstos na Affordable Care Act (ACA), com base nas recomendações da United States Preventive Services Task Force (USPSTF), desencadeou relevante controvérsia constitucional nos Estados Unidos. Os autores da ação sustentaram violações à Cláusula de Nomeações, à doutrina da não delegação e à Lei de Restauração da Liberdade Religiosa (RFRA). Em 2022, o juiz Reed O’Connor declarou inconstitucional a obrigatoriedade imposta às seguradoras para cobertura dos serviços recomendados pela USPSTF, estendendo a decisão a todo o território nacional. A decisão foi parcialmente reformada pelo Quinto Circuito em 2024, que reconheceu a inconstitucionalidade apenas quanto à USPSTF, limitando os efeitos da sentença aos autores da demanda.
O tribunal entendeu que os membros da USPSTF exercem autoridade, devendo ser nomeados conforme os requisitos constitucionais aplicáveis a “oficiais principais”. Rejeitou, ainda, a tentativa do governo de sanar o vício por meio de ratificação administrativa. Em relação à HRSA e ao ACIP, o painel reconheceu maior controle institucional por parte do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), mas determinou o retorno do processo à instância inferior para exame de alegações procedimentais não apreciadas.
A decisão gerou intensa mobilização de entidades médicas, acadêmicos e organizações civis, que alertaram para os riscos à saúde pública com a possível revogação da cobertura de serviços preventivos. Embora a liminar nacional tenha sido revogada, o caso segue em trâmite, com possibilidade de revisão pelo pleno do Quinto Circuito ou futura apreciação pela Suprema Corte. As consequências dessa controvérsia podem impactar profundamente o acesso a cuidados preventivos nos EUA e a efetividade da política pública de saúde estabelecida pela ACA.
3.1 CONTROVÉRSIAS CONSTITUCIONAIS
A discussão jurídica central reside na natureza da USPSTF. Sustentou-se que seus membros seriam “oficiais principais” e, por isso, sujeitos à aprovação pelo Senado. A Suprema Corte, porém, manifestou ceticismo. A Ministra Elena Kagan destacou: “Seria um estatuto estranho. Duvido que exista outro no qual o Congresso tenha criado um conselho sem indicar quem deve nomear seus membros” (Suprema Corte dos EUA, 2024).
3.2 CONEXÃO COM LIBERDADE RELIGIOSA
Outro ponto do litígio envolveu objeções religiosas à cobertura obrigatória de medicamentos para prevenção do HIV (PrEP), sob o argumento de que promoveriam comportamentos sexuais “imorais”. Tais alegações foram rebatidas por organizações de direitos civis e de saúde pública como atentatórias à dignidade e à igualdade.
4. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DESAFIOS
O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma conquista importante na história das políticas públicas brasileiras. Ele nasceu junto com a redemocratização do país e foi resultado da mobilização social que levou à promulgação da Constituição Federal de 1988. Seu respaldo jurídico está no artigo 196 da Constituição, que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Esse trecho reforça que a saúde é um direito fundamental de segunda geração, ou seja, algo que exige mais do que apenas não causar dano. Implica que o Estado deve atuar ativamente na criação e execução de políticas públicas para garantir esse direito. O SUS, assim, representa a concretização de um modelo de proteção social baseado em princípios como universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação social — valores que orientam toda a sua estrutura e funcionamento.
4.1. Princípios do SUS
Os princípios do SUS estão definidos na Lei nº 8.080/1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde, que regulamenta os artigos 196 a 200 da Constituição. Entre eles, destacam-se:
– Universalidade: Todos têm direito ao acesso à saúde, sem distinção. Esse princípio rompe com modelos excludentes ou baseados na capacidade contributiva, garantindo atendimento a brasileiros e estrangeiros residentes, independentemente de vínculo formal com o sistema.
– Integralidade: Refere-se ao cuidado contínuo e coordenado em todos os níveis de atenção — desde a atenção básica até procedimentos de alta complexidade. O objetivo é tratar o indivíduo de forma completa, considerando suas múltiplas necessidades.
– Equidade: Enquanto a igualdade busca tratar todos da mesma forma, a equidade reconhece que cada pessoa ou grupo tem necessidades diferentes. Assim, populações vulneráveis devem receber atenção prioritária e proporcional às suas condições específicas.
– Descentralização: A gestão do SUS é compartilhada entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa distribuição permite uma maior proximidade às necessidades locais e uma regionalização mais eficiente da atenção à saúde.
– Participação e controle social: A sociedade civil participa do planejamento, fiscalização e avaliação das políticas públicas de saúde através dos Conselhos e Conferências de Saúde. Essa participação garante que a gestão seja democrática.
Esses princípios dão ao SUS uma dimensão estratégica e estruturante na política pública brasileira. Além disso, o sistema tem reconhecimento internacional como um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo devido ao seu impacto social e econômico.
4.2. Dificuldades e Judicialização
Apesar da importância constitucional do SUS, sua implementação plena enfrenta muitos obstáculos que comprometem o direito à saúde no Brasil. Entre os principais desafios estão:
– Subfinanciamento crônico: Os recursos públicos destinados à saúde têm sido insuficientes ao longo da história para garantir serviços de qualidade e integralidade. A Emenda Constitucional nº 95/2016 agravou essa situação ao estabelecer um teto para os gastos públicos, limitando o crescimento dos investimentos em saúde.
– Filas de espera e tempo de resposta: A escassez de recursos em algumas regiões leva a longos períodos de espera por consultas, exames ou procedimentos, afetando a dignidade dos pacientes e o princípio da razoabilidade.
– Desigualdades regionais: O acesso aos serviços varia bastante entre estados e municípios, refletindo desigualdades socioeconômicas e dificuldades na alocação adequada de profissionais e tecnologia.
– Má gestão e corrupção: Problemas administrativos, falta de planejamento consistente e desvios de recursos prejudicam a eficiência do sistema e minam a confiança da população.
Diante dessas dificuldades, vem crescendo o número de ações judiciais relacionadas à saúde — as pessoas recorrem ao Judiciário para garantir medicamentos, tratamentos ou exames que muitas vezes não estão disponíveis no tempo ou na forma necessária pelo SUS. Essa realidade gera debates importantes no campo jurídico e político.
A maioria dos especialistas entende que judicializar a saúde é uma forma legítima de exigir direitos fundamentais quando o Estado se omite. Como observa Sarlet (2020), “a judicialização não deve ser vista como um desvirtuamento da política pública; ela é um instrumento para concretizar direitos fundamentais negados pela inércia estatal”. Da mesma forma, Barroso (2013) destaca que o Judiciário tem o papel de intervir quando o Estado se omite inconstitucionalmente — especialmente em questões essenciais à vida e à dignidade humana.
Por outro lado, também há alertas sobre os riscos dessa intervenção judicial descoordenada. Decisões isoladas podem prejudicar o planejamento orçamentário, afetar a equidade do sistema e privilegiar demandas individuais em detrimento das políticas coletivas. Assim, equilibrar a efetivação judicial do direito à saúde com uma gestão administrativa racional é um grande desafio atual para o SUS.
5 COMPARATIVO ENTRE O ACA E O SUS
Aspecto | Affordable Care Act (EUA) | Sistema Único de Saúde – SUS (Brasil) |
Natureza | Reforma de mercado e regulação de seguros privados | Sistema público, universal e gratuito |
Cobertura | Parcial, conforme elegibilidade e contrato privado | Universal, garantido a todos os residentes |
Financiamento | Impostos federais e contribuições dos segurados | Tributos da União, Estados e Municípios |
Gestão | Mista (pública e privada), com fragmentação federativa | Pública, gestão tripartite e descentralizada |
Foco | Ampliação da cobertura privada e acesso preventivo | Promoção da saúde e equidade no acesso |
Serviços | Delimitados por seguradoras e recomendações técnicas | Integralidade do cuidado (básico ao hospitalar) |
Custos ao cidadão | Coparticipações, mensalidades e franquias | Gratuito no ponto de acesso |
Principais obstáculos | Altos custos, insegurança jurídica, lacunas de cobertura | Subfinanciamento, ineficiência e judicialização crescente |
6 Repercussões sociais e jurídicas, no Brasil e no mundo
Ao compararmos os sistemas de saúde do Brasil e dos Estados Unidos, percebemos que as diferenças vão muito além da estrutura. Elas trazem impacto profundo na sociedade e na legislação, tanto aqui quanto em outros países. Essas questões vão além do atendimento médico: influenciam direitos fundamentais, a justiça social, a elaboração de políticas públicas e a estabilidade das instituições.
Nos Estados Unidos, a judicialização do Affordable Care Act (ACA) mostra uma tensão constante entre liberdade individual, regulações do Estado e o dever de solidariedade social. Um caso emblemático foi o processo aqui estudado, Braidwood Management Inc. v. Becerra (2024), que levantou debates importantes sobre a legitimidade de órgãos técnicos não eleitos e os limites da liberdade religiosa frente ao interesse pela saúde coletiva. Essas discussões saem do campo jurídico e afetam diretamente milhões de pessoas, especialmente os mais vulneráveis, que podem acabar excluídos de programas essenciais de prevenção. No cenário internacional, decisões judiciais que enfraquecem o ACA preocupam organismos internacionais, pois parecem indicar uma diminuição do compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que busca garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos.
No Brasil, as consequências sociais e jurídicas do Sistema Único de Saúde (SUS) também são bastante relevantes. A judicialização da saúde virou uma ferramenta importante para garantir direitos que muitas vezes eram negligenciados pelo poder público. Porém, esse fenômeno também levanta perguntas sobre o papel do Judiciário na formulação de políticas públicas e os limites dessa intervenção, especialmente diante da escassez de recursos e das escolhas necessárias para distribuir esses recursos de forma racional. Socialmente, o SUS tem um papel fundamental na redução das desigualdades e na inclusão de grupos historicamente marginalizados. Sua existência inspira políticas públicas em outros países em desenvolvimento e é reconhecida por organizações como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como um exemplo de sistema universal, mesmo diante dos desafios financeiros e de gestão.
De uma forma geral, a comparação entre esses modelos revela diferentes conceitos de cidadania e solidariedade. Nos EUA, prevalece um modelo mais liberal-contratualista, onde o acesso à saúde está ligado às forças do mercado. Já o SUS adota uma abordagem social, considerando a saúde como um direito inalienável que não depende da contribuição financeira individual. Essas diferenças têm impacto até mesmo na política internacional: influenciam estratégias globais de saúde, investimentos em tecnologia, parcerias público-privadas e ações para enfrentar crises sanitárias, como a pandemia de COVID-19.
As repercussões sociais e jurídicas desses modelos mostram que o direito à saúde é um tema que atravessa diversas áreas da vida — impactando o desenvolvimento humano, a inclusão social e a democracia. Tanto o ACA quanto o SUS refletem contextos históricos, culturais e políticos distintos, mas ambos enfrentam desafios similares relacionados à sustentabilidade, ao acesso e à efetividade. Analisar essas diferenças nos ajuda a entender melhor essas realidades e também a aprender lições valiosas para aprimorar as políticas públicas aqui no Brasil e no mundo.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sistemas de saúde dos EUA e do Brasil refletem visões distintas sobre o papel do Estado na proteção à saúde. O modelo norte-americano, ainda que reformado pelo ACA, mantém sua essência privatista, gerando desigualdade no acesso. Já o SUS representa uma política pública de inclusão social, ainda que enfrente desafios estruturais.
Como destaca BARROSO (2013), “o SUS é uma das maiores construções civilizatórias do Brasil, expressão do compromisso com a dignidade da pessoa humana”.
Ambos os modelos necessitam de aperfeiçoamento. Nos EUA, o problema central é o acesso; no Brasil, a sustentabilidade financeira e a gestão eficaz. A análise comparativa evidencia que a garantia do direito à saúde exige mais que previsão legal — demanda efetividade prática e respeito à dignidade humana.
8 REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Estados Unidos da América. Patient Protection and Affordable Care Act, 2010.
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Health Statistics 2023.
Suprema Corte dos Estados Unidos. Braidwood Management Inc. v. Becerra, 2024.
1RA-067368