REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411061329
Esther Alves de Matos Souza1
Rayla dos Santos Prazeres2
Renato M. Resgala Jr.3
RESUMO
Este projeto propõe explorar o sistema das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) como alternativa ao modelo tradicional de execução penal no Brasil, investigando seus impactos na humanização do tratamento dos presos e na eficácia da reintegração social. A análise da viabilidade e dos efeitos desse sistema é essencial, focando em como promove a humanização e a reintegração. A hipótese central deste estudo é que as APAC contribuem significativamente mais para a humanização do cumprimento de penas e para a reintegração social dos indivíduos em comparação com o sistema penal convencional. A metodologia adotada será uma revisão sistemática da literatura, visando compilar, analisar e sintetizar informações disponíveis sobre ambos os modelos no contexto brasileiro. Esse sistema revela-se uma alternativa viável e eficaz, com uma abordagem centrada na recuperação dos presos. Seus princípios de valorização humana, educação e trabalho demonstram a capacidade de reduzir a reincidência criminal e promover a reintegração de maneira digna e sustentável. A expansão desse modelo pode contribuir significativamente para a reforma do sistema prisional brasileiro, alinhando-se aos princípios de justiça social e direitos humanos.
Palavras-chave: APAC, prisão, humanização.
ABSTRACT
This project proposes to explore the system of Associations for the Protection and Assistance of Convicts (APAC) as an alternative to the traditional penal execution system in Brazil, investigating its impacts on the humanization of prisoner treatment and the effectiveness of social reintegration. The need for an in-depth analysis of the viability and impacts of the APAC system in the context of Brazilian penal execution is justified, focusing on how it promotes humanization and reintegration. The central hypothesis of this study is that the APAC system contributes significantly more to the humanization of serving sentences and to the social reintegration of imprisoned individuals compared to the traditional penal system. The adopted methodology will involve a systematic and comprehensive literature review, aiming to compile, analyze, and synthesize the available information on the APAC system and the traditional penal system in Brazil. The APAC system represents a viable and effective alternative to the traditional penal system, offering an approach centered on the humanization and rehabilitation of prisoners. With principles of human valorization, education, and work, the APACs demonstrate the possibility of reducing criminal recidivism and promoting social reintegration in a dignified and sustainable manner. The expansion of this model could significantly contribute to the reform of the Brazilian prison system, aligning with the principles of social justice and human rights.
Keywords: APAC, prison, humanization.
INTRODUÇÃO
As medidas de segurança previstas no Código Penal são formas de tratamento compulsório para pessoas que cometeram crimes, mas que, devido a doenças ou problemas mentais, não têm capacidade de entender a ilicitude de seus atos ou de controlar suas ações. O sistema carcerário brasileiro enfrenta desafios profundos, como superlotação, condições precárias e altas taxas de reincidência. A busca por alternativas eficazes para a execução penal tornou-se essencial para promover a humanização do cumprimento de penas e a reintegração social dos indivíduos presos. Nesse contexto, o modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) surge como uma proposta inovadora e promissora.
As condições prisionais são problemas de longa data que continuam a exigir uma ação concertada por parte dos Estados, especialmente em relação à superlotação, ao tratamento de prisioneiros segundo os padrões internacionais de direitos humanos e à reabilitação e ressocialização bem-sucedidas. O uso excessivo da força por agentes da lei, a discriminação e a má conduta ainda são frequentemente relatados. Qualquer impunidade por parte da polícia ou de outras agências mina a confiança pública na aplicação eficaz da lei e viola os direitos humanos (Adaro et al., 2019).
Cada indivíduo possui características intrínsecas de inteligência, consciência e vontade. A dignidade humana deve ser reconhecida e preservada, pois faz parte dos direitos humanos. O crescimento econômico e o progresso material de uma sociedade têm valor negativo se conquistados à custa da dignidade humana.
A pessoa, consciente de sua realidade e da dos outros, percebe que não teria sobrevivido sem o amparo e a ajuda de muitos. O Estado Social surgiu da necessidade de assegurar condições mínimas para a vida dos indivíduos, promovendo sua participação ativa na sociedade. Quanto mais desenvolvido for o indivíduo, menos dependente do Estado ele se torna, interferindo no destino de sua própria existência e na vida dos que o cercam (Lemos; Salles, 2017).
As APACs diferem significativamente das prisões tradicionais ao adotar uma abordagem centrada na valorização do ser humano e no respeito à dignidade dos apenados. Fundadas em princípios de recuperação, educação e trabalho, as APACs oferecem um ambiente que visa transformar vidas, reduzir a violência e preparar os presos para a reintegração social de maneira mais efetiva.
A pesquisa será guiada pela seguinte questão central: Em que medida o sistema APAC contribui para a humanização do cumprimento de penas e a reintegração social dos indivíduos presos, em comparação com o sistema penal tradicional no Brasil?
Este projeto propõe explorar o sistema APAC como uma alternativa ao modelo tradicional de execução penal no Brasil, investigando seus impactos na humanização do tratamento dos presos e na eficácia da reintegração social. O foco recai sobre a análise dos métodos aplicados pelas APACs, seus resultados em termos de reincidência e os desafios enfrentados na implementação e manutenção desse modelo.
JUSTIFICATIVA
A crise do sistema prisional brasileiro representa uma questão relevante tanto acadêmica quanto social. Ela se manifesta por meio de superlotação, violência endêmica, condições desumanas de detenção e altas taxas de reincidência criminal. Essas características comprometem os direitos humanos fundamentais dos indivíduos encarcerados e afetam a segurança pública e a eficácia do sistema penal como um todo. Nesse cenário alarmante, a busca por alternativas que promovam a humanização do cumprimento de penas e a reintegração social dos apenados torna-se uma necessidade urgente.
O modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados surge como uma resposta inovadora a esses desafios. Baseado em princípios de dignidade humana, reabilitação, educação e trabalho, esse sistema se destaca por oferecer um ambiente propício à transformação pessoal dos indivíduos privados de liberdade. Estudos mostram que as APAC não apenas reduzem a reincidência criminal, mas também melhoram substancialmente a qualidade de vida dos detentos, facilitando sua reintegração social de forma mais eficaz e duradoura.
Este projeto justifica-se pela necessidade de uma análise aprofundada sobre a viabilidade e os impactos desse modelo na execução penal brasileira. Essa investigação é essencial para esclarecer como as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados podem contribuir efetivamente para a humanização do cumprimento de penas e para a reintegração social dos encarcerados. Além disso, a pesquisa busca identificar práticas bem-sucedidas e os obstáculos enfrentados na implementação desse enfoque, fornecendo subsídios teóricos e práticos para orientar políticas públicas e iniciativas sociais que visem reformular o sistema prisional.
A urgência e a relevância deste projeto são reforçadas pela persistente crise do sistema prisional e pela necessidade de alternativas que alinhem a segurança pública ao respeito inalienável pelos direitos humanos. Ao propor um novo paradigma de execução penal, essa abordagem representa uma oportunidade valiosa para transformar o cenário prisional brasileiro. Assim, a realização desta pesquisa justifica-se plenamente, contribuindo não apenas para o avanço do conhecimento acadêmico sobre alternativas penais, mas também para influenciar práticas e políticas que promovam um sistema de justiça mais equitativo, humano e eficaz.
DIREITO PENAL
O ordenamento jurídico impõe sanções penais a condutas que danificam ou colocam em risco bens jurídicos. No entanto, existem comportamentos que não se concretizam, e é fundamental saber se resultam em punição ou, ao contrário, ficam impunes no Direito Penal. Este ramo busca proteger a sociedade de atividades ilícitas e estabelecer as consequências para quem as pratica. Por ser uma área complexa, todos os seus princípios e normas devem ser interpretados à luz da Constituição Federal, a fim de salvaguardar as garantias fundamentais.
A análise das normas constitucionais deve estar relacionada ao devido processo legal, incluindo a necessidade de fundamentação das decisões judiciais. Isso garante que as medidas de segurança sejam impostas apenas por decisão fundamentada e individualizada. Além disso, as normas constitucionais que tratam da saúde e dos direitos humanos asseguram que essas medidas busquem tratar e garantir a saúde mental dos indivíduos. É crucial garantir a possibilidade de revisão das medidas impostas, permitindo avaliar se a pessoa está recebendo o tratamento adequado e se a continuidade da medida é necessária ou se pode ser encerrada.
O Direito Penal visa proteger os bens mais importantes para os indivíduos de uma sociedade, servindo como escudo contra tentativas de perturbação da ordem social. Luiz Régis Prado (1999, p. 47) afirma que “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à sociedade”. Para Émile Durkheim (1978, p. 73), a violência é um fenômeno social que justifica a existência do Direito Penal, levando-nos a compreender que as relações humanas são, em maior ou menor grau, contaminadas por seu uso.
Quando o uso excessivo da força ou de outros métodos fere bens jurídicos considerados essenciais pela sociedade, e não é mais possível efetuar o controle social por outros meios, aplica-se o Direito Penal. Segundo Cézar Bitencourt (2011, p. 31), “com sua natureza peculiar de meio de controle social formalizado”, ele se mostra eficaz para resolver conflitos e conter o ímpeto destrutivo do homem.
No pensamento de Zaffaroni, a teoria do crime é uma parte do direito penal que busca oferecer uma definição geral do delito, detalhando suas características. Ele define a teoria do delito como aquela que se ocupa de explicar o que é um delito em geral, ou seja, quais características devem estar presentes em qualquer delito (2002, p. 384). De acordo com Bitencourt (2011, p. 247), “a ação era um conceito puramente descritivo, naturalista e causal, valorativamente neutro”, essencialmente objetivo.
O tipo e a tipicidade representam o caráter externo da ação, abrangendo apenas os aspectos objetivos do fato descrito na lei. O delito pode ser interpretado como injusto penal ou como injusto punível. O injusto penal refere-se ao fato típico e antijurídico, enquanto o injusto punível acrescenta um terceiro aspecto: a punibilidade abstrata. Assim, após a prática de um ato contrário à lei, que não exclui a ilicitude, o agente deve ser punido (Gomes, 2004).
Na concepção clássica do delito, este se fundamenta na causalidade, onde o resultado depende de uma causa que o gera. Portanto, o resultado é visto como uma ação que deve se subordinar às leis da natureza, passível de comprovação pelo método científico.
A conceituação do crime pode ser abordada sob três aspectos: formal, material e analítico. Anteriormente, a concepção se restringia às formas material e formal. Entretanto, estas não eram suficientes para caracterizar o crime e seus elementos, o que levou à criação do conceito analítico, que estuda o crime de maneira a dividir seus elementos sem alterá-lo (Greco, 2011).
Por outro lado, Damásio de Jesus argumenta que o delito não pode ser fragmentado em elementos, fazendo uma metáfora com uma fruta partida. Ele afirma: “O delito é um todo, não podendo ser dividido em partes, como se fosse uma fruta cindida em pedaços. O crime é um fato a que se agregam características”. Assim, é mais apropriado falar em requisitos ou características do delito, em vez de elementos (2015, p. 196).
A infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do autor para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominamos “crime e pena”. O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a “oferenda por este de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra”.
A pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação da justiça (Mirabete, 2009, p.15, grifado no original).
Quando o sujeito pratica um crime surge a relação jurídico-punitiva: de um lado, aparece o Estado com o jus puniendi; de outro, o réu, com a obrigação de não obstaculizar o direito do Estado impor a sanção penal. Com a prática do crime. O direito de punir do Estado, que era abstrato, torna-se concreto, surgindo a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de o Estado impor a sanção (Antolisei, 1960, p.531).
Nos ensina Mirabete (2009) assim, explicando:
Investigando-se o direito de punir do Estado (também dever de punir), que nasce com a prática do crime, surgiram três correntes doutrinárias a respeito da natureza dos fins da pena, quais sejam, as teorias absolutas, as relativas e as mistas (Mirabete, 2009, p.230, grifado no original).
Observa-se que o Estado exerce o direito de punir por meio dos três poderes. O Legislativo cria as leis que estabelecem sanções; o Judiciário aplica essas punições; e o Executivo executa as penas (ius executiones) aplicadas.
Segundo Noronha (1989), a pena tem a função de punir e advertir os infratores, buscando evitar a reincidência. As teorias sobre a punição têm um fim utilitário, enfatizando que o delito não é a causa da pena, mas sim a oportunidade para sua aplicação. A pena não se fundamenta apenas na ideia de justiça, mas na necessidade social (punitur ne peccetur). Ela deve não apenas se dirigir ao infrator, mas também servir como advertência para potenciais delinquentes (Noronha, 1989, p. 217).
Conforme Boschi (2000, p. 113), “a punição também serve como exemplo, para que outros não sigam os passos do criminoso”.
É inegável que o Direito se baseia em princípios, sendo o princípio da última ratio um dos mais importantes na seara do Direito Penal. Este princípio orienta que a atuação do Direito Penal deve ocorrer apenas quando todas as outras medidas e ramos do direito se mostrarem ineficazes para atender a pretensão buscada.
Quando o Estado intervém nos conflitos para promover a pacificação e proteger interesses ameaçados, observa-se uma forma institucionalizada de controle social. Este controle é legitimado por teorias contratualistas e se concretiza por meio do Direito Penal.
Dessa forma, o controle social, exercido por instrumentos estatais, deve ser considerado antes de qualquer análise sobre sanções penais, pois ele origina e fundamenta essas sanções. Para que o ser humano possa conviver harmoniosamente em sociedade, normas de conduta são estabelecidas.
A vida em sociedade não é simples; é necessário que todos ajam conforme essas normas para que haja equilíbrio. Quando essas normas não são cumpridas, sanções são aplicadas àqueles que se desviam dos preceitos estabelecidos.
De maneira geral, todas as sociedades, independentemente de seu grau de complexidade, têm regras a serem seguidas e sanções para quem as descumprir, mantendo assim a ordem social.
Francisco Muñoz Cond afirma que “o controle social é a condição básica da vida social”. Por meio dele, assegura-se o cumprimento das expectativas de conduta e a conformidade com as normas que regem a convivência. Em casos de frustração ou descumprimento, aplica-se a sanção correspondente.
O controle social determina os limites da liberdade humana na sociedade, servindo também como instrumento de socialização. O Direito Penal e a pena, portanto, são formas pelas quais o controle social é efetivado pelo Estado, permitindo-lhe agir por meio das normas penais.
Ao afirmar que toda ocorrência de delito resulta em punição, essa visão ignora a possibilidade de outras formas de resolução de conflitos. Se todos os casos desviantes resultassem em punição, estaríamos banalizando o controle informal e promovendo a utilização do Direito Penal, que possui normas punitivas e exerce um efeito seletivo e condenatório sobre os indivíduos.
A ideia de que a atuação penal deve ser um último recurso decorre do princípio da intervenção mínima do Estado, que defende a aplicação do Direito Penal apenas quando estritamente necessário. Desde meados da década de 1990, surgiram prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, além de uma arquitetura específica para os espaços, levando à adoção de penas restritivas de liberdade individual que não devem exceder trinta anos, culminando na extinção das penas perpétuas e coletivas.
Nos últimos anos, o sistema prisional brasileiro passou por diversas mudanças conceituais, estruturais e legislativas. No entanto, a falta de investimentos do governo na construção de novos presídios gera superlotação, um problema que compromete a dignidade dos presos, forçando-os a disputar necessidades básicas.
Atualmente, o sistema prisional encontra-se abarrotado, com celas superlotadas e frequentes rebeliões. A elevada burocracia do sistema judiciário e os atrasos nos julgamentos agravam ainda mais a situação.
É evidente a ausência de políticas públicas eficazes e de investimentos significativos no sistema prisional brasileiro.
De acordo com Foucault (1987) a prisão também se fundamenta pelo papel de “aparelho para transformar os indivíduos”, servindo desde os primórdios como uma:
[…] detenção legal […] encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos.
Os presos no Brasil são alvos de constantes violações dos Direitos Humanos. As condições precárias nas cadeias e penitenciárias, amplamente documentadas, transformam as penas privativas de liberdade em medidas de extrema crueldade. A violência contra indivíduos acusados de crimes parece ser socialmente aceita ou até encorajada.
O conceito de Direitos Humanos é frequentemente interpretado como uma proteção a criminosos, o que alimenta a necessidade da sociedade de implementar medidas mais rigorosas e repressivas contra suspeitos, em um contexto de crescente insegurança pública.
Dados do Conselho Nacional do Ministério Público revelam a existência de 1.932 instituições, que incluem cadeias públicas, albergues, centros de observação, colônias agrícolas, hospitais de custódia e penitenciárias. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), criada no Rio Grande do Sul pela Lei nº 5.745, de 28 de dezembro de 1968, é responsável pela execução administrativa das penas privativas de liberdade e medidas de segurança, com foco na reintegração e ressocialização, por meio de políticas públicas adequadas e manutenção das colônias.
A rede prisional sob a administração da Susepe abrange unidades classificadas como albergues, penitenciárias, presídios, colônias penais e institutos penais, acolhendo presos nos regimes aberto, semiaberto e fechado. Por outro lado, a Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE), instituída em 2002 pela Lei nº 11.800, atua na administração da execução das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, aplicadas pelos juizados regionais da Infância e Juventude a adolescentes que cometeram atos infracionais.
Diante desse cenário, torna-se evidente a necessidade de uma reorganização do sistema punitivo. É crucial buscar alternativas e políticas de ressocialização, onde a implementação de penas alternativas se constitua como uma prática efetiva e eficiente, assegurando os direitos e a dignidade da pessoa humana.
RESULTADOS
Adraro et al. (2019) ressaltam a importância do exame precoce dos reclusos ao chegarem à prisão, assim como a necessidade de tratamento e acompanhamento adequados. Além disso, enfatizam que a criação de empregos nas prisões pode facilitar o desenvolvimento de relacionamentos positivos entre os presos, promovendo apoio social e habilidades de enfrentamento.
Beaudry et al. (2021) apontam que aproximadamente 3% dos adolescentes detidos foram diagnosticados com uma doença psicótica atual, um aumento de dez vezes em comparação com indivíduos da mesma faixa etária na população em geral. As prevalências de depressão maior são significativamente mais altas entre adolescentes do sexo masculino (10%) e feminino (26%), em comparação com a população adolescente em geral (5% e 11%, respectivamente).
Gates et al. (2017) observam uma forte correlação entre transtornos mentais e autoagressão, sendo que esse tipo de transtorno está associado à ideação suicida, tentativas de suicídio e morte por suicídio, além de transtornos por uso de substâncias, que aumentam significativamente o risco de suicídio.
O termo “suicídio” foi utilizado pela primeira vez em 1737 para descrever uma morte intencional autoinfligida, caracterizando o desejo de escapar de situações de intenso sofrimento (Lemos; Salles, 2017). Kuczynski (2014) complementa que o suicídio é um ato de autodestruição intencional, que pode se manifestar de diversas formas.
Zakharov, Navratil e Pelclova (2013) argumentam que o suicídio ocorre em um contexto sociocultural, onde o comportamento suicida é influenciado por ações, omissões e hábitos cotidianos. Sousa (2017) destaca a importância do enfermeiro na identificação de sinais de risco em crianças em hospitais e clínicas especializadas, ressaltando que comportamentos como retraimento, presença de doenças psiquiátricas, ansiedade, alterações na personalidade, irritabilidade, mudanças nos hábitos alimentares e de sono, bem como menções repetidas à morte, devem ser observados.
Dervic, Brent e Oquendo (2008) demonstraram que o suicídio está diretamente associado a problemas escolares, agressões físicas e sexuais, e conflitos familiares. Dantas, Dantas e Silva (2018) descrevem alterações comportamentais como ansiedade, angústia e choro, enquanto Campo et al. (2003) acrescentam sinais como repressão emocional, tristeza, busca por afeto, baixa autoestima, timidez e sentimentos de culpa.
A depressão é considerada um dos principais transtornos da contemporaneidade. A adolescência é uma fase marcada por conquistas pessoais, mudanças físicas e psicossociais, e pode ser um período crítico para o surgimento de sinais depressivos (Winnicott, 1983). Estudos indicam que as meninas têm maior probabilidade de desenvolver depressão em comparação aos meninos, com fatores como discórdias familiares, problemas em relacionamentos amorosos, dificuldades escolares e incapacidade de lidar com estresse contribuindo para esse aumento. O surgimento da depressão na adolescência é debilitante e recorrente, gerando alta morbidade e mortalidade, e caracteriza um problema de saúde pública (Souza, 1999).
É inegável que os efeitos negativos da punição não se encerram com o término da sanção penal. Na percepção da sociedade, o encarcerado é frequentemente visto como um delinquente, e sua presença em locais públicos e privados é considerada indesejável. Assim, a vida do indivíduo, tanto durante quanto após o cumprimento da pena, permanece estigmatizada, o que contribui para sua exclusão do convívio social.
A perda da liberdade, da autonomia e da comunicação com familiares e amigos impacta profundamente a saúde física, social e psicológica da população carcerária, tornando a magnitude dos transtornos mentais e comportamentais nesse setor um problema significativamente elevado. Além disso, transtornos mentais preexistentes à condenação tendem a se agravar em decorrência da experiência prisional.
As altas taxas de necessidade de saúde mental entre jovens encarcerados são resultado de fatores multifatoriais e complexos. Comparados à população adolescente em geral, a prevalência de transtornos mentais no sistema de justiça criminal é de duas a quatro vezes maior (Gates et al., 2017). A presença expressiva de jovens com necessidades significativas de cuidados de saúde mental pressiona um sistema de justiça que não foi projetado para lidar com tais demandas. Apenas um terço dos homens encarcerados e um quarto das mulheres que necessitam de serviços de saúde mental os recebem, levantando preocupações sobre a adequação das intervenções privativas de liberdade em relação ao tratamento terapêutico (Beaudry et al., 2021).
O tipo de instalação onde uma criança está confinada pode afetar sua saúde, segurança e acesso a serviços. Prisões e cadeias para adultos são, sem dúvida, os piores locais para jovens, uma vez que não são projetados para fornecer serviços adequados à sua faixa etária. Jovens em instalações para adultos têm cinco vezes mais chances de cometer suicídio do que aqueles em instituições juvenis (Zakharov, Navratil e Pelclova, 2013). Além disso, centros de detenção juvenil e prisões seguras de longo prazo costumam apresentar ambientes prejudiciais. A pesquisa sobre jovens em colocação residencial revela que muitos relatam vitimização sexual, medo de ataque, confinamento solitário e relações problemáticas com a equipe (Dervic, Brent e Oquendo, 2008).
Lamentavelmente, o sistema de justiça juvenil muitas vezes confina jovens por delitos de menor gravidade. Para quase 1 em cada 5 jovens em instituições juvenis, a acusação mais séria é uma violação técnica ou uma ofensa de status, comportamentos que não justificariam o confinamento, exceto por sua condição de condicional ou por serem menores de idade (Campo et al., 2003).
A gestão prisional deve ser ciente de que a segurança dos prisioneiros é um mandato universal, e a responsabilidade final por isso recai sobre o administrador, que deve garantir o treinamento e o desempenho adequado do pessoal. Vários fatores influenciam essa administração, incluindo indiferença, políticas inadequadas, superlotação e pressões comunitárias. A prevenção da agitação pode ser melhorada por meio de melhores práticas de administração e programas correcionais.
Normas internacionais prescrevem padrões para a vida na prisão, incluindo acomodações, saneamento e alimentação (Sousa, 2017). O dever de cuidado assumido pelo Estado ao privar uma pessoa de liberdade exige que tais necessidades sejam atendidas de forma adequada. A gestão compartilhada do sistema prisional envolve a transferência de algumas tarefas do poder público para o setor privado, fundamentada no princípio da eficiência.
Nesse sentido, os princípios que orientam a execução da pena incluem a individualização das penas e a progressividade da libertação. O objetivo é garantir a reentrada bem-sucedida dos presos e sua reintegração na sociedade (Lemos; Salles, 2017).
O sistema prisional brasileiro é amplamente reconhecido por suas falhas estruturais e humanitárias, como superlotação e altas taxas de reincidência. Nesse contexto, o modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) surge como uma alternativa promissora, focada na valorização do ser humano e na recuperação dos presos. Criado em 1972 por Mário Ottoboni, o modelo APAC propõe uma abordagem centrada em princípios de dignidade e respeito (Ottoboni, 1995).
As APACs operam sem a presença de policiais armados, apostando na autodisciplina e na responsabilidade dos presos, chamados “recuperandos” (Oliveira & Bueno, 2015). A filosofia central do modelo APAC baseia-se na crença na recuperação e transformação dos indivíduos, sustentando-se em 12 elementos fundamentais, como trabalho, assistência religiosa e valorização humana.
A educação e o trabalho são pilares essenciais do modelo APAC. Os recuperandos participam de atividades educativas e profissionais, o que contribui para sua capacitação e preparação para a vida após a prisão. Pesquisas demonstram que esses programas ajudam a reduzir a reincidência criminal e facilitam a reintegração social (Mendes & Evangelista, 2016).
Além disso, a qualidade de vida nas APACs é superior à observada nas prisões tradicionais, com instalações adequadas e um ambiente que promove o respeito mútuo (Cunha, 2017). Essa abordagem humanizadora não apenas melhora a saúde física e mental dos presos, mas também cria um ambiente mais seguro e produtivo.
Um dos resultados mais notáveis do sistema APAC é a redução das taxas de reincidência criminal. Enquanto o sistema prisional tradicional no Brasil apresenta taxas que podem chegar a 70%, as APACs conseguem reduzir esse índice para cerca de 15% (Azecedo & Oliveira, 2018). Essa redução é atribuída ao foco na recuperação pessoal e na capacitação profissional dos recuperandos, que saem do sistema mais preparados para reintegrar-se à sociedade de maneira produtiva.
O envolvimento ativo da comunidade local nas APACs também é crucial para o sucesso desse modelo. A comunidade participa do processo de recuperação, oferecendo suporte emocional, material e oportunidades de emprego, facilitando a transição dos recuperandos para a vida em liberdade (Ferreira, 2019).
Apesar dos resultados promissores, as APACs enfrentam desafios significativos. A implementação e manutenção dessas unidades requerem um investimento contínuo em infraestrutura, treinamento de pessoal e apoio comunitário. Além disso, há uma necessidade constante de sensibilizar a sociedade e os formuladores de políticas públicas sobre a eficácia e os benefícios do modelo APAC (Santos, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados representa uma abordagem inovadora e promissora para a execução penal no Brasil, destacando-se pela ênfase na humanização e na reintegração social dos presos. Fundamentado em princípios de dignidade, respeito e recuperação, esse modelo oferece uma alternativa eficaz ao sistema prisional tradicional, frequentemente criticado por suas condições desumanas e altas taxas de reincidência.
Neste estudo, foram analisados diversos aspectos que demonstram a superioridade desse sistema em promover a dignidade e a transformação pessoal dos indivíduos encarcerados. As condições de encarceramento são mais humanas e respeitam os direitos básicos dos detentos, proporcionando um ambiente que favorece a recuperação e o crescimento pessoal. Além disso, a ênfase na educação e no trabalho prepara os presos para a reintegração social, reduzindo significativamente os índices de reincidência em comparação com o sistema penal convencional.
Um ponto forte dessa abordagem é o suporte psicológico e social oferecido aos detentos, essencial para lidar com traumas e desenvolver habilidades sociais. O envolvimento ativo da comunidade na gestão e nas atividades também se destaca como um fator crucial para o sucesso, facilitando a aceitação e o apoio aos egressos, o que é vital para a sua reintegração.
Entretanto, é importante reconhecer que esse sistema enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de recursos contínuos para infraestrutura, treinamento de pessoal e sensibilização da sociedade e dos formuladores de políticas públicas. A expansão e a sustentabilidade desse modelo dependem de um suporte robusto e de políticas que reconheçam e incentivem suas práticas eficazes.
As evidências coletadas e analisadas neste estudo sublinham a necessidade urgente de reformar o sistema prisional brasileiro, promovendo alternativas que valorizem a dignidade humana e a recuperação dos presos. Com resultados comprovadamente positivos, as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados oferecem uma base sólida para essa transformação. Portanto, recomenda-se a ampliação e o fortalecimento desse modelo como uma alternativa efetiva para o sistema de execução penal no Brasil.
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1 Bacharelanda em Direito pela UniRedentor – Afya
2 Professora, Advogada Especialista em Advocacia Feminista e Direito da Mulher, Advocacia Extrajudicial, Direito Público e Direito Empresarial
Professora Titular – UniRedentor – Afya
3 Professor Doutor em Sociologia Política – UENF
Professor Titular – UniRedentor – Afya