O RISCO DE SER QUEM SE É: UM ESTUDO SOBRE A INVISIBILIDADE DAS MORTES POR SUICÍDIO NA COMUNIDADE LGBT

THE RISK OF BEING WHO YOU ARE: A STUDY ON THE INVISIBILITY OF SUICIDE DEATHS IN THE LGBT COMMUNITY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12209179


  Milena Rosas Couto Costa1
Michele Conceição De Jesus Oliveira2
Rafael Araújo Silva3
Fabiana Encarnação Gouveia4


RESUMO: É evidenciado que pessoas do grupo LGBT possuem maior risco de cometer suicídio em comparação às pessoas do grupo heterossexual. Indicadores como vulnerabilidade psicossocial, bullying, homofobia, falta de acesso aos serviços de saúde, rejeição parental, violência física ou psicológica, associam-se às mortes por suicídio na comunidade LGBT. Posto isso, o presente estudo buscou-se compreender a falta de visibilidade relacionadas a morte por suicídio no público LGBTQIAPN+ e discutir, por meio da literatura científica, os fatores ligados a essas motivações. Com base em uma pesquisa qualitativa, utilizando como método de investigação uma revisão integrativa da literatura desenvolvida através da busca bibliográfica de informações da íntegra, disponíveis em português e espanhol com o recorte temporal de 2012 a 2022. A busca de dados foram encontrados na plataforma eletrônica: Scientific Eletronic Library Office (ScieloBrasil) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic). Foram descartados artigos incompletos, resumos, resenhas, teses, dissertações, artigos de revisões bibliográficas, artigos publicados em anais de eventos, indisponíveis na íntegra e duplicados.

Palavras-chave: População LGBT; Suicídio; Saúde Mental.

ABSTRACT: It is clear that people from the LGBT group have a higher risk of committing suicide than people from the heterosexual group. Indicators such as psychosocial vulnerability, bullying, homophobia, lack of access to health services, parental rejection, physical or psychological violence are associated with suicide deaths in the LGBT community. That said, this study sought to understand the lack of visibility related to death by suicide in the LGBTQIAPN+ public and to discuss, through the scientific literature, the factors linked to these motivations. Based on a qualitative study, the research method used was an integrative literature review developed through a bibliographic search for complete information available in Portuguese and Spanish, with a time frame of 2012 to 2022. The data was found on the electronic platform: Scientific Electronic Library Office (ScieloBrasil) and Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic). Incomplete articles, abstracts, reviews, theses, dissertations, bibliographic reviews, articles published in event proceedings, unavailable in full and duplicates were discarded.

Keywords: LGBT people; Suicide; Mental Health.

1 INTRODUÇÃO

O suicídio é um ato contra a própria vida que pode ser provocado por situações adversas, tendo comumente seu ápice associado ao sentimento de angústia. Tal fenômeno pode vitimar pessoas de qualquer idade, etnia, classe social e renda, tendo vítimas em toda parte do mundo (Ministério da Saúde, 2023). Podendo ter causas ambíguas como: situação familiar disfuncional, bullying, assédio, estupro, entre outras, dando sinais que denunciam tal preponderância ao ato, nos quais o indivíduo pede por ajuda, tentando aliviar sua dor, seja de forma sutil ou abrupta. Dessa forma, sendo embaladas pela vergonha, seja provocando pancadas forçadas contra si, cortes em sua pele (autolesão), arrancando pequenas peles das unhas ou lábios, como uma forma de sublimar tal sofrimento. É imprescindível que sejam notados como indivíduos dotados de subjetividade e que suas dores não sejam invisibilizadas, sejam por pessoas próximas ou profissionais de saúde.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2021), 700.000 mortes ocorrem todos os anos decorrentes do suicídio, estando entre as 20 principais causas de mortes mundiais. Tendo em vista esta quantidade exorbitante de mortes, considera-se o suicídio como um problema de saúde pública, necessitando assim de políticas públicas que tenham um olhar focalizado em prevenção ao suicídio, mas também de cuidados voltados para as pessoas que são, direta e indiretamente, impactadas por esse fenômeno. Para além disso, é fundamental a devida notificação dos casos envolvendo mortes por suicídio, visto que isso proporcionará uma melhor compreensão de dados para pesquisadores e idealizadores de políticas voltadas para públicos diversos.

Dentre as populações consideradas como vulneráveis ao suicídio, a população LGBT é um dos grupos com maior risco (Organização Mundial de Saúde, 2021). Apesar da escassez de estudos sobre suicídio na comunidade LGBT, dados demonstram que existe uma crescente no que se refere às mortes nesta população, significativamente maior do que a de homens e mulheres heterossexuais (Tomicic et al., 2016). 

A população LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Queer, Intersexo,Assessuais, Pansexuais e outros), compoem uma comunidade global e existente de pessoas que podem se identificar tal qual seu gênero biológico (cisgênero) e genitalia, se interessando por um sujeito do mesmo genêro (gays e lésbicas), pelos dois genêros (bissexuais),  não se identificam com seu gênero biológico e genitália (transsexuais), serem ageneros (sem genêro ou não binário) ou serem intersexo, que contém duas genitálias (Reis, 2021). Apesar da diversidade há uma invisibilização e moralismo muito fortes contra sua existência, vindo da sociedade heterossexual e majoritariamente homofóbica. Além de ter que conviver cada dia com violência, dentro e fora dos meios sociais, há um aumento em sofrimento psíquico quanto a identificação e aceite.

O interesse por essa temática surgiu mediante a constatação da escassez estatística e a invisibilidade das mortes por suicídio na comunidade LGBT em conjunto com uma iniciativa pessoal de cooperar para a mudança deste cenário. Tendo em vista a estruturação patriarcal, heteronormativa e excludente da sociedade contemporânea que sequer valoriza a vida da população em evidência, torna-se presumível a subsequente negligência para com suas mortes. 

Sendo o suicídio a segunda maior causa de mortes de pessoas na faixa etária de 15 a 29 anos (Organização Mundial de Saúde, 2016) denota-se a relevância em debater sobre o mesmo. Ademais, a cultura popular de inviabilizar a naturalização da fala sobre o suicídio, contribui para a sua crescente incidência. Entretanto, tal tabu se amplifica, ao abarcar adentro da comunidade LGBT na sociedade contemporânea.

Dessa forma, mediante uma conjuntura permeada de preconceito e intolerância para esse público, eles encontram-se ainda mais suscetíveis e vulneráveis a esta mazela social. Sabe-se que, em virtude da LGBTQIA+fobia, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, possuem seis vezes mais chances de chegar ao suicídio consumado quando comparado a heterossexuais conforme o relatório publicado pelo Grupo Gay da Bahia (2018). 

Urge, portanto, indagações acerca da correlação direta entre o impacto da negligência social e o suicídio na comunidade LGBT. Nessa perspectiva, faz-se necessário politizar o corpo social para que este compreenda que o seu descaso e constante invisibilização desse grupo em vida, acarretará consequentemente em uma parcela de responsabilidade em suas mortes. 

Desse modo, o objetivo desse estudo é analisar e discutir a falta de visibilidade as mortes por suicídio na comunidade LGBT e debater os principais fatores a este relacionados. À vista disso, intentar-se-á apresentar por meio deste projeto, o que tanto vem sendo negado a este grupo, visibilidade e significância.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Jaworski (2010), o ato de tirar a própria vida é marcado não somente por pesquisas que associavam tentativas de suicídio à transtornos mentais, como está intimamente associado aos gêneros de cada pessoa e assim também cresceu o número de esforços para compreender essas ações em grupo específicos (Botega, 2015).

O século XX foi marcado por diversas transformações, entre elas, o interesse de alguns pensadores pela temática do suicídio (Giddens, 2005). Tal questão, além de demandar certa complexidade devido a suas diversas faces dependendo das subjetividades que envolvem a particularidade de cada indivíduo, encontra-se dificuldades como a habitual prática de se naturalizar a fala sobre suicídio, ou seja, até os dias atuais, se configura como tabu.

O sociólogo Émile Durkheim (1897) aborda o assunto ao escrever a obra denominada O Suicídio, na qual caracteriza o termo como um ato desesperador de um sujeito que não enxerga a vida como interessante, no entanto, continua sendo uma decisão difícil a se tomar.

Segundo Sousa e Nogueira (2022, p. 33), “os estudiosos sobre a temática desenvolveram posições que consideram o suicídio desde um ato mais individual até uma compreensão em decorrência da pressão social.” Desse modo, pode-se ser compreendido que algumas populações estão mais suscetíveis ao acometimento do suicídio do que outras, visto que a pressão social aumenta em grupos que não se adequam aos padrões impostos pela sociedade, sobretudo, a comunidade LGBT.

A faixa etária que configura um grupo como jovens, de acordo com os estudos de Roa (2013), indica que essa fase do desenvolvimento é considerada a etapa de descobertas, incluindo a exposição da orientação sexual. A culpa por fazer parte da população LGBT é apontada como feroz, graças a uma sociedade que coloca sua orientação sexual ou identidade de gênero como algo terrivelmente ruim. Por esse motivo, junto ao medo da exposição forçada, a solução encontrada está em esconder seus próprios sentimentos (Mcdermott, 2015). Em conjunto com o enfrentamento da homofobia.

É sabido que, fatores como estes citados acima, como diversos outros, é causador de grande sofrimento psíquico levando, muitas vezes, a prática do suicídio. Marx corrobora com essa afirmação ao declarar que:

As doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente, as falsas amizades, os amores traídos, os acessos de desânimo, os sofrimentos familiares, as rivalidades sufocantes, o desgosto de uma vida monótona, um entusiasmo frustrado e reprimido são muito seguramente razões de suicídio (Marx, 1846 p. 24).

Botega (2006) demonstrou em sua pesquisa, sobre prevenção do comportamento suicida, que o Brasil se classificava em 2004 como um dos países com menores taxas de mortes por suicídio, estando em nono lugar com 7987 mortes. Em contraposto, o boletim epidemiológico de 2010 a 2019 assinalou 112.230 mortes por suicídio, tendo um aumento no percentual anual de 43%, registrando 9.454 em 2010 e 13.523 mortes por suicídio em 2019 (Brasil, 2021). Para além de uma tragédia pessoal, o suicídio representa um problema de saúde pública, visto que os índices mundiais de morte por suicídio tem crescido cada vez mais, 60% nos últimos 45 anos.

Em comparação a estes dados, o grupo gay da Bahia (2021), em seu relatório referente às mortes violentas de LGBT+ no Brasil, relatou que houveram 276 homicídios (92%) e 24 mortes por suicídio (8%) de pessoas LGBT+. Visto que o Brasil é considerado o país onde mais mata-se pessoas que divergem da norma cis-hétero-normativa, e o país cujo os casos de suicídio tem tido uma crescente, é questionável a discrepância entre a notificação de mortes por suicídio na população LGBT+ e o título de um dos países mais homofóbicos do mundo, levando em consideração que a homofobia é um fator de risco ao suicídio, em razão do sofrimento psíquico gerado por tal violência (Acontece Arte e Política LGBTI+; ANTRA; ABGLT, 2022), cujos “efeitos vão além da dor, pois determinam lugares e posições para uma vida” (Conde, 2016).

Ao citar Borrillo (2010), Conde (2016) destaca:

A homofobia representa, assim, um ato de hostilidade, até de ódio, contra os homossexuais, sejam homens ou mulheres; se constitui uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal, visto que se fundamenta em lógica de inferiorização (Borrillo, 2010 apud Conde, 2016).

De acordo com o Tomicic et al. (2016), é viável compreender, com base em uma análise contextual, que pessoas LGBTs enfrentam maiores obstáculos em relação a saúde mental em comparação as pessoas heterossexuais, e esses obstáculos constituem elementos essenciais para ocorrência de suicídios.

É de suma importância que seja feita a devida notificação dos casos envolvendo mortes por suicídio, visto que isso proporcionará uma melhor compreensão dos dados para os pesquisadores e idealizadores de políticas públicas, em destaque as voltadas para a população LGBT+, o que também refletirá como visibilidade para esta população, que por vezes se encontra invisibilizada e negligenciada nos cuidados, principalmente, referentes a assistência à saúde mental. No entanto, segundo Baére e Zanello (2018) abordam em sua pesquisa realizada no Distrito Federal, relativa aos dados epidemiológicos de suicídio, nos obituários não constavam as informações sobre orientação sexual e identidade de gênero. O que, por sua vez, dificulta o levantamento de dados no Brasil referentes as mortes por suicídio no público LGBT (Baére e Zanello, 2018).

Como aponta Butler (2019), através de sua obra Corpos que Importam (1995), a notificação dessas vítimas só serão percebidas quando as mesmas forem vistas como seres humanos. Abonando essa desigualdade, mesmo debatida no ambiente acadêmico, midiático e científico. Além disso o Ministério da Saúde (2013) em sua revista Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, mira redução de desigualdades, preconceito e discriminação de minorias, assim como a população LGBT, sendo esses direitos garantidos através do Sistema Único de Saúde. O que promete garantia ao menos de uma subjetivação desses casos, que acabam sofrendo por essa exclusão.

3 METODOLOGIA

O presente trabalho se constitui por meio da pesquisa qualitativa, que de acordo com Soares (2020) se caracteriza como um tipo de pesquisa que é expressa pelo desenvolvimento de conceitos a partir de fatos, ideias e do entendimento indutivo e interpretativo atribuído aos dados descobertos associados aos problemas de pesquisa, vinculando-se às vivências e à interpretação compreendida de fenômenos sociais. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura a partir dos bancos de dados da Scientific Eletronic Library Office (ScieloBrasil) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic). Essas duas bases de dados foram escolhidas por serem bases importantes no campo da pesquisa em suicídio, englobando os principais periódicos e pesquisas a respeito do tema. A pesquisa foi realizada de acordo com os Descritores em Ciência da Saúde (DeCS/MeSH), empregados como: “Suícidio”, “Pessoas LGBT” e “Saúde mental”. Os critérios de exclusão para os trabalhos pesquisados foram: artigos incompletos, resumos, resenhas, indisponíveis na íntegra e duplicados. Foram levados em consideração como critérios de inclusão: artigos disponíveis em português e espanhol. Fizeram-se as leituras dos títulos dos artigos, em seguida a leitura dos resumos e por fim a leitura dos textos completos, para apresentar os resultados e a discussão.

4 RESULTADOS

O quadro 1 mostra informações sobre os 5 artigos encontrados para esta revisão.

Quadro 1 – Informações sobre os Artigos incluídos na Revisão Integrativa da Literatura.

TítuloAutores/anoObjetivo do estudoFatores associados as mortes por suicídio na comunidade lbtqiapn+
Minha dor vem de você – Uma análise das consequências da LGBTfobia na saúde mental de pessoas LGBTs.    TAGLIAMENTO, G. et al. (2020)Compreender as consequências da LGBTfobia na saúde mental das pessoas LGBTs, assim como descrever as principais formas de discriminação sofridas.Vulnerabilidade psicossocial; rejeição parental, bullying, invisibilidade, falta de acesso aos serviços de saúde.
Narrativas de Pessoas LGBTQIA+ Universitárias acerca do SuicídioSOUSA, A. et al. (2022)  Compreender narrativas de pessoas LGBTQIAP+ universitários acerca do suicídio, buscando identificar os fatores e elementos que atravessam suas experiências.  Invisibilidade, preconceito, violência e falta de acesso ao serviço de saúde.
 Suicídio e depressão na população LGBT: postagens publicadas em blogs pessoais      OLIVEIRA, E. et al (2020) Analisar os temas suicídio, depressão e população LGBT em postagens em blogs da Plataforma Tumblr.Sofrimento intenso e insuportável, comportamento suicida e autolesão, vulnerabilidade emocional, sensação de exaustão e fragilidade, esgotamento, exaustão física e mental, pressões cotidianas e medo dos próprios sentimentos, sensação de estar em situação limítrofe, rejeição, intolerância e autodepreciação, baixa autoestima, fracasso pessoal, insegurança, insignificância, incompetência generalizada, inferiorização das mais diversas maneiras, repulsa e ódio de si mesmo.
El suicidio en disputa: aproximación crítica a la asociación entre suicidio y sexualidades no heteronormativas  VILLA, E. (2021)  Propor um debate que problematize os efeitos epistemológicos e metodológicos que Implica a associação entre diversidade sexual e suicídio, mas também sobre suas derivações em interpretação cultural – como nos meios de comunicação – e políticas ligadas ao suicídio.Práticas políticas com impacto na saúde mental de não heterossexuais (impossibilidade de aceder aos direitos associados ao casamento ou à adoção), preconceito de gênero que existem nas pesquisas e nas teorias que são produzidas, suicídio marcado como efeito calculável da diversidade sexual e não as situações de vulnerabilidade e precaridade.
Suicídio e masculinidades: uma análise por meio do gênero e das sexualidades  BAÉRE, F. et al (2020)Analisar as histórias de vida e vivências pessoais de homens gays, bissexuais e heterossexuais que manifestaram o comportamento suicida, com o propósito de averiguar como funciona o dispositivo da eficácia (Zanello, 2018) nesses sujeitos e a sua relação com o autoextermínio.Ambientes onde não há apoio à orientação sexual, carências de redes de apoio, a dificuldade em obter acolhimento e compreensão social, valor da masculinidade associado à virilidade laborativa (autoestima abalada).

5 DISCUSSÃO

Diante a leitura e análise crítica dos artigos, apresentaram-se algumas categorias de verificação para elucidação dos principais fatores de riscos associados as mortes por suicídio na comunidade LGBTQIA+, dentre eles destacam-se: Vulnerabilidade psicossocial, invisibilidade, negação de acesso adequado aos serviços de saúde, falta de apoio familiar, ausência de práticas políticas em saúde mental, carências de rede de apoio, dificuldade em obter acolhimento e compreensão social, repulsa e ódio de si.

A população LGBTQIA+ tem um agravo dos problemas relacionados à saúde mental, por estarem sujeitos a diversos tipos de violência, seja ela física, moral ou psicológica, o que, consequentemente, contribui para ideação e comportamento suicida, uma vez que as pessoas LGBTQIA+, por não se enquadrarem a cisheteronormatividade considerada socialmente como “correta”, se sentem descolados da realidade e enxergam no suicídio a única saída para o gerador de sofrimento psíquico. A imposição do que é a conduta correta a ser seguida (quanto a orientação sexual e identidade de gênero), delimitada pelo Estado, inviabiliza a vida e promove a morte daqueles que divergem de tal norma.

A falta de apoio familiar caracteriza-se como um marcador de risco para o ideação e comportamento suicida, visto que famílias que não aceitam e não respeitam a orientação sexual ou identidade de gênero de parentes LGBTs contribuem para o agravamento do sentimento de não pertencimento e um apagamento da subjetividade dentro da própria instituição familiar. Em contrapartida, aqueles que encontram apoio e proteção no círculo familiar, tendem a desenvolver hábitos geradores de bem estar e uma menor incidência de estressores à saúde mental.

A invisibilidade atrela-se aos demais fatores de riscos.  Falta de acesso adequado à saúde, é invisibilidade. Negligência familiar, é invisibilidade. Não dispor de assistência psicossocial, é invisibilidade. O cuidado negado de forma implícita, por falta de preparo e capacitação dos profissionais de saúde que assistirão à LGBTs, demonstra uma discriminação e propagação de estigmas sofridos (Sousa 2022, p. 42) mediante a orientação sexual e à identidade de gênero, o que resulta em adoecimento e sentimento de não pertencimento. Como dito por Sousa (2022, p. 38) “quando não se suporta corpos divergentes, mata-se pela omissão da assistência e pela subtração de cuidado”.

Haja vista que, a falta de assistência e cuidado, especialmente em grupos vulneráveis, considera-se uma forma de violência, uma vez que pode ser descrita como um ato cruel de diminuir e ferir outra pessoa (Costa, 1986). Nesse sentido, profissionais que não oferecem tratamentos adequados ou igualitários entre pessoas LGTs e não LGBTs, praticam violência. Além disso, quando são ignorados, desvalorizados, desrespeitados, quando não recebem acolhimento e compreensão social ou quando não possuem políticas de saúde mental, estão sendo violentados e, por conseguinte, invisibilizados.

Evidenciou-se também, como forma de invisibilidade, a escassez de estudos sobre a temática abordada, carecendo de uma maior atenção para a produção de conhecimento nesta área, visando a contribuição, por meio das produções, de um cuidado e um olhar mais atento para esse público minoritário. Pois, como cita Lima e Navasconi (2022) em sua obra “(Re)pensando o suicídio: Subjetividades, Interseccionalidade e Saberes Pluriepistêmicos”, não havia nenhum livro que apresentasse a relação do autoextermínio em jovens negros LGBTTIS (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Intersexuais) até o ano de 2019.

Nesse contexto, tornam-se evidentes os desafios vivenciados por esse público. É fundamental, em primeiro lugar, responsabilizar toda a sociedade por suas mortes, visto que o suicídio está ligado a uma série de fatores sociais, políticos, biológicas, psicológicos, econômicos e culturais (Lima e Navasconi. 2022), a fim de que seja realizado um trabalho conjunto e efetivo que necessita de um entendimento abrangente e uma abordagem integrada de todos esses aspectos para que esse problema seja corrigido adequadamente.

No entanto, mesmo sendo um assunto que deve ser visto em sua totalidade, é necessário ser compreendido de forma particular, ou seja, é necessário um olhar atento, individualizado, pois cada ser humano possui experiências e contextos diferenciadas (Lima e Navasconi, 2022), especialmente relacionadas as vivências de indivíduos LGBTQIAPN+.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A invisibilidade cerca a comunidade LGBT desde os tempos antigos, uma vez que sua existência centraliza-se na ideia de anormalidade, monstruosidade. Desse modo, o grupo sempre foi silenciado das mais diversas formas, tais aspectos levam, facilmente, qualquer pessoa ao adoecimento. Nesse processo, é comum o desenvolvimento de diversos transtornos mentais, como transtorno de ansiedade, transtornos de personalidade, entre outros. Porém, apesar de a maior incidência do suicídio estar ligada aos transtornos mentais, é preciso identificar, primeiramente, as suas origens, ou seja, o que levou à depressão, por exemplo. Nessa perspectiva, será possível identificar múltiplas causas, com toda estrutura social contribuinte para o desejo de uma pessoa por fim à própria vida.

Ou seja, o sofrimento psíquico desencadeado pela opressão e exclusão do corpo social, acometido, muitas vezes, desde a infância e adolescência, em conjunto com a ausência de rede de apoio e de serviços adequados de saúde, sentimentos de insegurança, insignificância, sensação de exaustão e fragilidade, esgotamento, exaustão física e mental, autodepreciação, baixa autoestima e ódio de si, levam  pessoas a não sentirem mais vontade de viver e consequentemente, dá-se início ao ciclo de autolesão, pensamentos e comportamentos suicidas e por fim, o ato, consumado ou não.

Em consonância com o título do estudo, é viável identificar, por meio dos argumentos citados no decorrer da pesquisa, que há um risco iminente de ser apenas quem se é. Lembrando que o risco não se encontra na orientação sexual ou identidade de gênero de um ser humano, mas sim, no preconceito e discriminação que gira em torno de toda sociedade, onde se despreza uma pessoa como qualquer outra, detentora de direitos e digna de respeito, apenas por não se enquadrar nos padrões heteronormativos tido como ideal.

Antes de tudo, ao abordar as mortes por suicídio em um público tão vulnerável, é essencial considerar seu contexto, suas experiências de ser e estar no mundo, pois somente dessa maneira, pode-se compreender esse fenômeno que afeta milhões de pessoas todo ano. Ademais, devem ser realizados mais estudos sobre o público em questão, visando não mais o seu silenciamento, mas dar voz às suas experiências e perspectivas.

REFERÊNCIAS

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1 milenacouto011@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0315850195335628

2 michele.cjo@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8033926341784376