O QUE SE COMPRA NAS FEIRAS E SUPERMERCADOS DE BELÉM: CHEIRO-VERDE OU COENTRO?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10913297


Luan Costa dos Santos1
Marilúcia de Oliveira Cravo


RESUMO

O presente artigo trata das variações cheiro-verde/coentro na cidade de Belém do Pará. Para tanto o trabalho, que segue os protocolos da Sociolinguística Variacionista de Labov (1972), busca-se compreender se os termos em questão se referem ao mesmo produto, e para isso, faz-se um breve levantamento bibliográfico em trabalhos das áreas biológicas e da saúde, com o intuito de desambiguar as lexias, além de compreender o nome científico do produto. Nas metodologias, a pesquisa apresenta as teorias variacionista, bem como a cidade de Belém e os locais nos quais foram realizadas as incursões investigativas, isto é, as feiras e supermercados. No tópico que se apresentam os resultados do trabalho, são trazidas imagens feitas nos locais de circulação, além de transcrições de registros de áudio realizados com os feirantes. Foi possível perceber que a variante regional “cheiro-verde” ainda é frequentemente utilizada na cidade de Belém, nos locais de comercialização do produto.

Palavras-chave: Variação Linguística. Léxico. Feiras. Supermercados. Belém.

ABSTRACT

This article deals with the cheiro-verde/coentro variations in the city of Belém do Pará. To this end, the study, which follows the protocols of Labov’s Variationist Sociolinguistics (1972), seeks to understand whether the terms in question refer to the same product, and to this end, a brief bibliographical survey of works in the biological and health areas is carried out, with the aim of disambiguating the lexicons, in addition to understanding the scientific name of the product. In methodologies, the research presents variationist theories, as well as the city of Belém and the places where the investigative incursions were carried out, that is, the fairs and supermarkets. In the topic that presents the results of the analysis, images taken in the circulation areas are presented, as well as transcriptions of audio recordings made with the stallholders. It was possible to notice that the regional “cheiro-verde” variant is still frequently used in the city of Belém, where the product is sold.

Keywords: Linguistic Variation. Lexicon. Fairs. Supermarkets. Belém

1. Introdução

Os estudos sobre o léxico de uma língua revelam-se sempre um campo fértil para a linguística. Isso porque o arcabouço lexical das línguas estão em constante (r)evolução. Novos termos surgem através do tempo; outros, ganham novos sentidos, e, ainda, alguns podem cair em obsolescência. É possível afirmar que o léxico é uma das mais reveladoras características das variações linguísticas de um idioma.

Sob essa perspectiva, o projeto Atlas Linguístico do Brasil trouxe como uma de suas principais preocupações o registro das variantes lexicais do português brasileiro, quando formatou o Questionário Semântico-Lexical, por exemplo. Com esse instrumento, os pesquisadores puderam recolher dados sobre as mais diversas lexias que os brasileiros, de norte a sul, usam para designar as coisas de suas realidades.

Segundo Fiorin (2000) o léxico de uma língua é constituído da totalidade das palavras que ela possui, o que permite verificar o grau de desenvolvimento social de um povo, a partir do momento em que mostra a quantidade e o tipo de conhecimentos que ele detém. Dessa forma, o léxico permite não só um falante se relacionar com as coisas ao seu redor, mas também, evidentemente, com as pessoas que fazem parte de seus ciclos sociais. Assim, as pessoas dividem saberes, cultura, opiniões e tudo o mais que pode ocorrer em uma troca interativa entre elas. Além disso, as escolhas lexicais permitem que se tenha a ideia da intenção discursiva de um falante.

Diversos já foram os trabalhos que buscaram descrever o léxico de uma língua, em seus mais diferentes contextos de uso, como Cravo e Santos (2022) que falam sobre as variantes abóbora e jerimum nas feiras e supermercados de Belém, descrevendo qual dessas lexias encontra-se em maior uso pelos paraenses da capital naqueles respectivos locais.

Neste artigo, buscaremos analisar o uso das variantes “cheiro-verde” e “coentro” nos locais de circulação desses produtos, isto é, as feiras e supermercados, na cidade de Belém do Pará. Nosso objetivo, com o estudo, é descrever e analisar as variantes lexicais encontradas na capital paraense. O trabalho justifica-se pelas contribuições acerca das variações linguísticas na cidade de Belém, uma vez que se propõe analisar as influências de tais variações utilizadas pelos belenenses.

Apesar de se ter diversos estudos sobre produtos que são utilizados na alimentação dos brasileiros, não há, ainda qualquer estudo que discuta a variação sobre o item aqui analisado, ou seja, o “cheiro-verde” ou “coentro”.

Para tanto o desenvolvimento da pesquisa, buscaremos compreender, com um levantamento bibliográfico nos campos das áreas agrárias e biológicas, se o produto “coentro”, de fato, é o mesmo que “cheiro-verde”, com o intuito de desambiguar esses termos. Após, realizaremos revisão teórica sobre a Sociolinguística Variacionista, a partir dos postulados de Labov (1972), os quais baseiam esse estudo. Além disso, apresentaremos os processos metodológicos do trabalho, e, após, os resultados obtidos na pesquisa de campo. Por fim, exporemos as conclusões alcançadas.

2. Cheiro-verde e coentro são a mesma coisa?

Em uma pesquisa rápida, realizada em um site de busca, sobre o termo “cheiro-verde” é possível visualizar vários significados para ele, nas diferentes regiões do Brasil. O termo pode: I) designar o maço, combinado, das ervas coentro ou salsa com a cebolinha (LANA; TAVARES, 2011); II) ser, também, o mesmo que coentro (BEZERRA, 2018); III) ou, ainda, ser o equivalente à salsa/salsinha/salsa crespa (PROZ, 2020).

No site da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), ao pesquisarmos sobre o termo “cheiro-verde”, chegamos à seguinte definição: “A combinação da cebolinha com a salsa ou com o coentro é popularmente conhecida no Brasil como cheiro-verde. São todas plantas condimentares, usadas em vários países há centenas de anos”

Nas pesquisas feitas, tanto no site de buscas quanto no da EMBRAPA, a lexia “cheiro-verde” faz referência ao mix de ervas que concentram o coentro e a cebolinha. A partir disso, partimos em procura de um nome científico da erva que faz o mix junto à cebolinha, assim, encontramos dois termos, a saber: coriandrum sativum e petroselinum crispum.

A partir dos nomes científicos, ao se pesquisar no Google, no Google Acadêmico, em Repositórios de universidades brasileiras e até mesmo no site da EMBRAPA é possível chegar a uma primeira análise sobre as denominações populares acerca desses produtos: petroselinum crispum, corresponde à salsa/salsinha/salsa crespa/cheiro-verde; ao passo que coriandrum sativum érelacionado ao coentro.

Com isso, levantamos uma breve bibliografia, em trabalhos acadêmicos das áreas biológicas e da saúde, sobre o termo cheiro-verde. Buscando observar se, nesses trabalhos, a lexia se refere ao mix de ervas ou a apenas uma hortaliça; além disso, verificar a qual dos nomes científicos supracitados comumente a erva é relacionada. O quadro 1 traz-nos essas informações:

Quadro 1: Produto e nome científico de cheiro-verde.

TítuloAutorDefinição PopularNome CientíficoÁreaInstituiçãoNaturezaAno
Análise Da Contaminação Microbiológica Em Amostras De Cheiro-Verde, Alface, Couve E Hortelã Comercializadas Em Feira Livre, Belém-PASilva; Silva; Ferreira; Estumano e CostaCheiro-Verde (Apenas Uma Hortaliça)Petroselinum CrispumSaúdeFaculdade Integrada Brasil AmazôniaArtigo2021
No Greens In The Forest? Note On The Limited Consumption Of Greens In The AmazonKatz; López; Fleury; Miller; Payê; Silva; Oliveira e MoreiraCheiro-Verde (Apenas Uma Hortaliça)Coriandrum SativumBiológicaDiversasArtigo2012
Temáticas Ambientais Na Escola Municipal Neuza Dos Santos Ribeiro, Tarumã-Mirim, Manaus (Am)Lima; Costa; Ribeiro; Sousa; Maciel; Azevedo; Alves e MarinhoCheiro-Verde (Apenas Uma Hortaliça)Coriandrum SativumBiológicaDiversasArtigo2014
Perfil Parasitológico Do Cheiro Verde Comercializado Em Feiras Livres De Imperatriz-Ma  Oliveira; Novaes; Lucena; Souza; Barros; Dias; Silva e Correa  Cheiro-Verde (Maço Composto Por Coentro E Cebolinha)Coriandrum SativumBiológicaDiversasArtigo2016
Utilização Do Dióxido De Cloro E Do Ácido Peracético Como Substitutos Do Hipoclorito De Sódio Na Sanitização Do Cheiro-Verde Minimamente ProcessadoSrebernichCheiro-Verde (Maço Composto Por Coentro E Cebolinha)Coriandrum SativumSaúdePUC-CampinasArtigo2007
Fonte: O autor

Conforme os dados apresentados no quadro 1, temos a pista de que, na fala cotidiana, o que é chamado, tradicionalmente, de “cheiro-verde” pelos belenenses é a erva petroselinum crispum, vendida sozinha, em maço, sem acompanhamento de outras hortaliças. Essa mesma erva é denominada de “salsinha”, “salsa” ou “salsa crespa” em outras regiões do Brasil, conforme Melo; Torres; Silva (2022) e Epifanio (2020), respectivamente. Já o termo coriandrum sativum, em alguns casos e locais, pode ser também considerado “cheiro-verde” – uma hortaliça apenas – como se verifica em Katz et al (2012) e Lima et al (2014), mas, em outros casos e locais o nome é usado para definir o maço composto de hortaliças, sendo elas o coentro e a cebolinha juntos, como visto em Novaes et al (2016) e Srebernich (2007).

Dessa forma, feitas as devidas desambiguações sobre o qual é o produto e qual o nome científico de “cheiro-verde”, neste trabalho analisaremos somente a erva petroselinum crispum, a qual é comercializada nas feiras e supermercados de Belém. Entenderemos como, geralmente, a hortaliça é vendida e comprada nesses locais de circulação, ou seja, como é anunciada pelos vendedores, e buscada pelos consumidores.

3. Caminhos metodológicos

  Neste tópico falaremos sobre a metodologia seguidas nesta pesquisa. Para tanto, apresentaremos as teorias de Labov (1972), as quais embasam o presente estudo; situaremos a cidade de Belém; bem como discorreremos sobre as feiras e supermercados da cidade, locais que nos serviram de campo para a nossa análise.

3.1 A Sociolinguística Variacionista

Para Sociolinguística Variacionista, a língua não era um sistema homogêneo e estável. Dessa forma, as diferenças deixaram de ser consideradas eventualidades ou uma “variação livre”. Nessa vertente teórica, a sociedade é vista como uma estrutura, mostrando, assim, a covariação sistemática entre as variações linguísticas e sociais, conforme (Bright, 1974).

Na Sociolinguística, observa-se que, na língua, primeiramente, ocorre um processo de variação, para, então, realizar-se a mudança linguística. Assim, toda mudança linguística pode ser uma variação, mas nem toda variação representa mudança. Logo, a variação é a diversidade, a heterogeneidade, que estão intrínsecas à toda língua, dia e sincronicamente, ao passo que a mudança “é um processo de substituição”, segundo Ribeiro (2008, p. 39).

As variações são fenômenos intrínsecos a toda e qualquer língua, e elas estão nos mais diferentes contextos linguísticos, como o morfológico, prosódico e lexical. Sobre a variação lexical, Beline (2007, p. 2) nos diz que “’esse tipo de variação, a lexical, é apenas um dos modos como a língua pode variar. Em outras palavras, fazer referência a um elemento do mundo por mais de um termo linguístico é apenas um dos casos que mostram que, de fato, as línguas variam”. Embora, entre os falantes, alguns termos, quando de um primeiro contato, possam lhes parecer “estranhos”, uma vez que tais elementos lexicais não fazem parte de suas vivências.

É nessa perspectiva de variação linguística que inserimos nossa pesquisa, uma vez que visamos estudar em que estado se encontram as variações entre os pares de termos neste estudo abordados. De fato, “cheiro-verde” é o mesmo que “coentro”? E qual desses vocábulos é mais utilizado pelos belenenses?

3.2. A cidade de Belém do Pará

Situada ao norte do estado do Pará, a capital Belém se divide em 32 bairros, onde residem cerca de 1,5 milhão de habitantes. Além disso, a cidade conta com unidades distritais subordinadas a ela, como as ilhas de Caratateua (Outeiro), Cotijuba e Mosqueiro. Na figura 1, temos as divisões dos bairros que constituem a metrópole paraense.

Antes território das comunidades indígenas Pacajá e Tupinambá, Belém é uma cidade que viu sua expansão acontecer, quando da chegada dos europeus e fundação, em 1616, a partir das margens da Baía do Guajará. Souza (2016) nos aponta que “os bairros históricos da Cidade Velha e Campina são o núcleo gerador de Belém fundado no Forte do Presépio, construção militar para fins estratégicos de defesa do território, localizada em uma área estratégica às margens da Baía do Guajará.”

Ao final do século XIX e início do XX, com a expressividade do Ciclo da Borracha, a capital paraense, sob o comando do Intendente Antônio Lemos, teve grande projetos arquitetônicos surgirem, como o Theatro da Paz e o Instituto de Artífice do Pará (hoje sede do Tribunal de Justiça do Pará). Esse último prédio fora erguido no ramal que ligava Belém a Icoaraci, na então estrada de ferro Belém-Bragança, via essa que, por volta 1960, trouxe novas representações de desenvolvimento urbano para a cidade, amparadas, sobretudo pela iniciativa pública. Dessa forma,

“como uma das estratégias da política nacional de desenvolvimento econômico daquela época, a construção civil desempenhou um papel fundamental na condução de uma nova racionalidade para o crescimento e desenvolvimento urbano. Foi a época da difusão de programas habitacionais, focados na redução do déficit habitacional e no fortalecimento da construção civil.” (SOUZA, 2016)

Na última década do século XX, Belém teve um novo avanço demográfico, agora sustentado, principalmente, pelas iniciativas privas. Assim, a nova área de expansão da cidade, a então Rodovia Augusto Montenegro, viu condomínios de classe média-alta serem erguidos, junto às classes periféricas, mas longe do centro urbano e caótico da cidade. Essa mesma Rodovia, a partir da década de 2010, passa a ser a localização principal para a evolução de Belém, deixando, inclusive a nomenclatura de Rodovia para trás, e sendo identificada, agora, como Avenida, onde fábricas e pátios de depósitos de lojas passaram a dar lugar a shoppings, escolas particulares, bares e restaurantes.

3.3. As feiras e supermercados de Belém

A população de Belém tem uma relação muito aproximativa com o comércio populares, isto é, as feiras. Não à toa a maior feira a céu aberto da América Latina localiza-se exatamente na capital do Pará, o complexo do Ver-O-Peso. Segundo Medeiros (2010, p. 35) “em Belém, capital do Estado do Pará, estão localizadas as maiores feiras livres do Brasil, em termos de tamanho e quantidade de atores (feirantes) sociais envolvidos cotidianamente com o seu trabalho.”

Com a expansão populacional, houve também o desenvolvimento dos recursos que buscavam atender às demandas. Com isso, as feiras começaram a se alastrar nas vias da cidade, para que as unidades mercantis de cada bairro pudessem atender às comunidades locais. E em Belém, cerca de 30 feiras foram estabelecidas nos bairros, algumas delimitadas pelo poder público, outras, de forma espontânea pelos próprios feirantes. Além disso, há, ainda, feiras itinerantes, as quais são realizadas esporadicamente ou em dias específicos, em praças da cidade.

Desses locais, foram escolhidas nove (7) feiras livres, cinco (5) situadas em bairros periféricos de Belém do Pará, e que são fixas. As outras (2) feiras que foram visitadas são organizadas de forma ocasional, em praças públicas de bairros centrais da cidade. Com isso, realizamos a pesquisa de campo em nove (9) feiras na cidade de Belém, entre aquelas que são fixas ou não-fixas. Todas elas estão descritas no quadro 2:

Quadro 2: Feiras de Belém.

Tipo de feiraBairroNome
Feira livre fixaSideralFeira do Sideral
Feira livre fixaBenguíFeira Grande
Feira livre Não-fixaUmarizal (Praça Brasil)Feira de Produtos Orgânicos da Pç. Brasil
Feira livre Não-fixaCampinaFeira de Produtos Orgânicos da Pç. da República
Feira livre fixaGuamáFeira Augusto Corrêa
Feira livre fixaMarcoFeira da Bandeira Branca
Feira livre fixaBatista CamposFeira da Batista Campos
Feira livre fixaCampinaFeira do Ver-o-peso
Feira livre fixaPedreiraFeira Municipal da Pedreira
Fonte: O autor

Quanto aos supermercados de Belém, até o final da primeira década do século XXI, esse cenário era monopolizado pelas redes locais. Foi a partir dos anos 2010 que essa realidade mudou, com a entrada de redes de supermercados, ou atacadistas, no mercado regional. Assim, segundo a Secretaria de Economia do Munícipio, empresas do ramo varejistas de outras localidades do Brasil começaram a se instalar na capital do Pará.

Entre as empresas locais e não locais, Belém tem hoje em seu mercado uma rede de (9) supermercados, localizados em bairros centrais e periféricos da cidade. O surgimento dessas redes visou atender um novo público, que nem sempre o mesmo que frequenta as feiras. Nas palavras de Medeiros (2010, p. 34):

“as grandes redes de lojas varejistas, em especial os supermercados passaram a configurar uma nova lógica no padrão de consumo das populações urbanas, devido a. grande variedade de mercadorias disponíveis e por agregar novos padrões de segurança que confortam aqueles que buscam o direito da compra, da propriedade de um objeto qualquer.” (MEDEIROS, 2010, p. 34)

Dos supermercados existentes em Belém, para a nossa pesquisa, foram visitados (6) deles, entre aqueles que são originários da própria cidade, e os que vieram de outros locais do Brasil. Além disso, os supermercados percorridos estão localizados tanto em bairros do centro, quanto da periferia da cidade.

Nossa intenção, ao realizar nossa pesquisa nas feiras e supermercados é observar como o produto o qual é peça de nossa análise é nomeado, ou seja, como a língua funciona nesses distintos locais. Isso porque, como vimos, ali são atendidos públicos diferentes, além de os próprios fornecedores o serem, pois muitas vezes nas feiras encontramos comerciantes de produção própria, enquanto nos supermercados os produtos vêm de grandes produtores.

4. Cheiro-verde ou coentro? O que há nas feiras e supermercados de Belém?

Um dos locais estratégicos para se observar as designações que caracterizam o conhecimento popular é a feira, local de circulação do povo; por isso, buscamos desenvolver parte de nossa coleta de dados nesse espaço.  Nas feiras livres fixas de Belém, os vendedores normalmente têm apenas essa função na lida com o produto, não os cultivam. Além das feiras livres, pesquisamos nas itinerantes, também conhecidas por Feiras de Produtos Orgânicos, geralmente organizadas por vendedores que também são produtores dos produtos que comercializam. Voltamos a salientar que a erva a qual passamos a analisar e usar neste trabalho é a cientificamente reconhecida por petroselinum crispum.

O quadro 2 trouxe a relação de feiras onde foram feitas breves incursões para identificar como o item pesquisado é denominado e procurado pelos consumidores e trabalhadores.  No quadro 3 estão expostos os resultados preliminares da coleta de dados nesses locais.

Quadro 3: Uso de cheiro-verde/coentro em feiras de Belém

Tipo de feiraBairroComo é denominado (por vendedores)Como é procurado (por consumidores)
Feira livre fixaSideralCheiro-verdeCheiro-verde
Feira livre fixaBenguíCheiro-verde/CoentroCheiro-verde
Feira de produtos orgânicos (não-fixa)Umarizal (Praça Brasil)Cheiro-verde/CoentroCheiro-verde/Coentro
Feira de produtos Orgânicos (Não-fixa)Campina (Praça da República)Cheiro-Verde/CoentroCheiro-Verde/Coentro
Feira livre fixaGuamáCheiro-verde/CoentroCheiro-verde
Feira livre fixaMarcoCheiro-verde/CoentroCheiro-verde
Feira livre fixaBatista CamposCheiro-verde/CoentroCheiro-verde/Coentro
Feira livre fixaCampinaCheiro-verde/CoentroCheiro-verde/Coentro
Feira livre fixaPedreiraCheiro-verdeCheiro-verde
Fonte: O autor

Conforme os dados do quadro 3 nos mostram, a erva vendida pelos feirantes é reconhecida tanto como cheiro-verde como coentro pela maioria destes trabalhadores. Enquanto, segundo os mesmos vendedores, a clientela denomina majoritariamente o produto de cheiro-verde. Isso é evidenciado na fala do Feirante 1, do bairro do Sideral:

PESQUISADOR: – Como o senhor chama esse produto aqui? (cf. Imagem 5)
FEIRANTE 1: – Eu chamo de cheiro-verde.
PESQUISADOR: – Tem outro nome que o senhor conhece ele?
FEIRANTE 1: – Também o pessoal chama de coentro
PESQUISADOR: – Mas comumente a maioria dos seus clientes quando vêm aqui chamam esse produto como?
FEIRANTE 1: – Cheiro-verde mesmo.

A erva vendida pelo feirante é a exposta na imagem 1, a qual mostra exatamente a hortaliça petroselinum crispum:

É importante, porém, traçar uma diferença no que encontramos sobre as denominações do produto entre as feiras dos bairros periféricos e dos centrais da cidade de Belém. Conforme se pode observar nos dados do quadro 3, a hortaliça petroselinum crispum é denominada como cheiro-verde, tanto pelos feirantes, como pelos consumidores que procuram o produto; já nas feiras dos bairros centrais de Belém, bairros considerados caros e onde geralmente residem pessoas de poder aquisitivo mais alto, o produto é denominado tanto de cheiro-verde como coentro. De acordo com a Feirante 3, da Feira de Produtos Orgânicos da Praça Brasil, no bairro do Umarizal, isso se deve ao fato de que, nessas feiras, há a constante presença de turistas que perguntam pela venda de coentro. Além disso, os vendedores desses locais, geralmente, são produtores que passaram por cursos de aperfeiçoamento de suas práticas de plantio e colheita, e, nesses cursos, o produto é denominado por coentro, seguindo uma normatização. Às vezes, as próprias sementes vêm em embalagens na qual consta o termo coentro.

É interessante salientar que, nas feiras, geralmente os produtos não são expostos com placas, indicando valores ou seus próprios nomes. Ao se referir aos produtos, para saber tais informações, é preciso que isso seja feito de forma espontânea, com pergunta direta, direcionada aos vendedores. Seguindo essa premissa, perguntamos aos feirantes como a hortaliça era denominada por eles e pelos clientes que por ali passam diariamente. Segundo os feirantes, o produto vendido por eles é majoritariamente, procurado por “cheiro-verde”; apenas nas feiras de produtos orgânicos é que alguns dos clientes procuram por coentro, sendo eles sempre turistas.

Assim, tanto nas feiras dos bairros centrais quanto nas feiras dos bairros periféricos, a hortaliça é denominada por “cheiro-verde”, não havendo, portanto, uma sobreposição do termo coentro em relação ao outro no uso do termo pelas pessoas que são da cidade de Belém; e, quando a erva é denominada de coentro, geralmente é feito por pessoas de fora do munícipio, como fala a Feirante 3:

PESQUISADOR: – As pessoas daqui chamam mais esse produto como?
FEIRANTE 3: – Elas geralmente falam cheiro-verde.
PESQUISADOR: – E as pessoas que vêm de fora?
FEIRANTE 3: – Olha, eu sempre vejo elas falarem coentro

É evidente que os comerciantes e a clientela desses locais não têm conhecimento dos nomes científicos os quais constam em trabalhos acadêmicos. Dessa forma, usaremos aqui imagens que ilustram os produtos vendidos nas feiras de Belém, como é o caso das imagens 2 e 3, feitas na feira do bairro do Sideral e na Feira de Produtos Orgânicos da Praça da Bandeira, no bairro do Umarizal, respectivamente. Conforme os dados do quadro 6 nos mostram, na primeira feira, o item é denominado de cheiro-verde, já na outra, é cheiro-verde ou coentro; mesmo os produtos sendo de mesma origem botânica, ou seja, o petroselinum crispum. E é esse, exatamente, o objetivo desta pesquisa: analisar como os paraenses da capital estão denominando tais produtos. As imagens contidas neste trabalho passaram todas por uma análise do doutorando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural da Amazônia/Museu Paraense Emílio Goeldi (UFRA/MPEG), Camilo Barbosa, cuja perícia reconheceu como sendo a hortaliça petroselinum crispum.

Na imagem 2, temos a hortaliça exposta em maço sozinha, sem acompanhamento de outras ervas. Nesse caso, para obtermos o nome do produto, perguntamos:

PESQUISADOR: – Quanto é o maço do::..?
FEIRANTE 3: – O che:ro-verde ‘tá do’ reais só.

Assim, temos, portanto, a indicação de que esse produto, quando comercializado dessa forma, é chamado de “cheiro-verde” pelos feirantes. Após esse primeiro contato, perguntamos se a próprio feirante chamava aquele produto por outro nome ou se os clientes assim o faziam.

PESQUISADOR: – Você ou os clientes chamam ele por outro nome?
FEIRANTE 3: – Não. Só cheiro mesmo.

Na imagem 3, temos o consórcio de ervas, ou seja, o cheiro-verde, a cebolinha e a chicória junto. Para conseguirmos o nome do produto, seguimos com a mesma inquirição:

PESQUISADOR: – Quanto é o maço do cheiro verde?
FEIRANTE 3: – O casadinho tá três reais.
PESQUISADOR: – Não tem só o cheiro verde?
FEIRANTE 3: – Só o cheiro? Não temos.

Percebemos, assim, que, para a feirante 3, o produto também é denominado de “cheiro-verde”. E quando ele está em consórcio com outras ervas o maço delas é denominado de “casadinho”. Situação que também vamos encontrar nos supermercados, como veremos a seguir.

Após as primeiras perguntas, também procuramos saber se a feirante ou os clientes que por ali passam conhecem o produto por outros nomes.

PESQUISADOR: – Você ou os clientes chamam o cheiro-verde por outro nome, assim?
FEIRANTE 3: – Depende. Aqui a gente vê muito turista, sabe? De vez em quando é… eles chamam de é… de coentro.
PESQUISADOR: – E quando eles falam isso… Você já sabe o que é?
FEIRANTE 3: – Sim. hoje eu já sei… Até porque é… eu fiz um curso anos atrás que a gente via esse nome também…
PESQUISADOR: – Mas geralmente assim… Você chama de quê?
FEIRANTE 3: – Ah eu chamo de cheiro mesmo.

Assim, percebe-se que para os feirantes “cheiro-verde” é um a erva única, e apesar de ser denominada de outra forma, principalmente por turistas que frequentam algumas feiras, os trabalhadores desses locais ainda têm por referência em sua fala o termo em questão e que faz parte da identidade linguística dos moradores da cidade de Belém.

Na carta cartográfica 1, apresentamos a distribuição espacial sobre as variantes encontradas nas feiras de Belém sobre a hortaliça que analisamos.

Outros pontos de interesse da pesquisa foram os supermercados, tanto os grandes supermercados quanto os pequenos, comumente vistos nas feiras dos bairros. Nossa intenção era investigar como as redes locais e não locais denominam o petroselinum crispum. Tal investigação se dá por, atualmente, a região metropolitana de Belém contar com grandes redes de supermercados nacionais. Assim, trazemos também o registro dos itens dentro desses espaços. Vejamos o quadro 4:

Quadro 4: Denominação de Cheiro-Verde/Coentro em supermercados

NomeTipoOrigemDenominação do item
Nazaré SupercenterRede de SupermercadosParáCheiro-Verde/Coentro
Assaí AtacadistasRede de supermercadosSão PauloCoentro
FormosaRede de SupermercadosParáCheiro-verde
Atacadão BRRede de supermercadosSão PauloCoentro
Supermercados LíderRede de SupermercadosParáCheiro-verde
MateusRede de SupermercadosMaranhãoCheiro-Verde
Fonte: O autor

Nos supermercados, comumente os itens são expostos junto a placas com seus respectivos nomes e valores. Assim, temos os seguintes registros de como os produtos são referenciados: nos supermercados Assaí e Atacadão BR, empresas sediadas no sudeste do país, o item é referenciado por coentro. As imagens a seguir foram feitas na loja do Atacadão BR: na imagem 4 é possível ver a inscrição coentro, fazendo referência ao maço da hortaliça sozinha; já o termo, “cheiro-verde”, é utilizado para designar, na loja, o maço das hortaliças cebolinha, chicória e coentro, juntas, como mostra o registro da imagem 5. Além das imagens, tais informações foram corroboradas por um dos colaboradores que é responsável pela seção de hortifruti da loja Assaí Atacadista.

Imagem4: Denominação de cheiro-verde/coentro em supermercado.

Fonte: O autor

Imagem 5: Denominação de cheiro-verde/coentro.

Fonte: O autor

Já no supermercado Nazaré, empresa paraense, o item é denominado de “cheiro-verde”/“coentro”, mas quando esse é vendido junto à cebolinha, faz-se um maço de “casadinho”, como se pode observar nas imagens 6 e 7, respectivamente. Vejamos:

Imagem 6: Denominação de cheiro-verde/coentro.

Fonte: O autor

Imagem 7: Denominação de cheiro-verde/coentro

Fonte: O autor

Dessa forma, o maço das duas hortaliças, que em Belém e em supermercados locais, é chamado de “casadinho”, em outras regiões é reconhecido por “cheiro-verde”, uma vez que a hortaliça quando vendida separada, sem cebolinha, é denominada de “salsinha”, “salsa” e até mesmo “coentro”, conforme os dados trazidos no quadro 1 mostraram. Curioso é notar que esse casadinho já foi chamado de cheiro-verde em Belém.  A mudança deve ter se dado no sentido de desfazer ambiguidade.

Assim sendo, mesmo com alguns usos do nome coentro, nas feiras e supermercados da capital Belém, no estado do Pará, o termo cheiro-verde, referindo-se à hortaliça, ainda é muito presente na língua da população dessa cidade. Às vezes, usa-se somente uma abreviatura desse nome, sendo, no caso, só o “cheiro”. “Quanto tá o cheiro?”, “Olha o cheiro!”, são algumas das frases que podemos ouvir, principalmente, nas feiras da cidade.

Essas ocorrências das variantes possuem várias implicaturas, os supermercados costumam trazer para as suas gôndolas placas com termos padronizados e isso acaba influenciando a língua dos falantes, pois estão inseridos, cotidianamente neste meio. Uma vez observando como os termos são utilizados nestes locais, os falantes acabam incutindo, com o tempo, aquele léxico que escapam às suas ascendências linguísticas. São os fatores externos e internos operando na variação das línguas.

Palavras Finais

Buscando registrar como as variantes são usadas nas feiras e supermercados de Belém, o presente texto tratou do uso das variantes coentro/cheiro-verde, a fim de apontar se há um processo de convivência estável entre eles ou se já temos uma tendência à mudança.

Nas feiras e supermercados de Belém, o item lexical “cheiro-verde” vigora em seu uso. Nas placas de supermercados, a lexia em questão é vista de forma frequente. Nas feiras, mesmo que alguns feirantes ou clientes reconheçam outro termo para denominar a erva, é o “cheiro-verde” que ainda é mais presente, tanto ao ser anunciado pelos feirantes, quanto ao ser procurado pelos clientes. E quanto procurado pela combinação das ervas cheiro-verde e cebolinha usa-se o termo “casadinho” para se referir a esse consórcio de produtos.

Assim, podemos perceber que embora possa haver outros termos em coocorrência ao “cheiro-verde”, é essa variante regional que ainda resiste em uso nos locais de circulação na cidade de Belém. Só há o preterimento dela nos supermercados que não são regionais, ou seja, aqueles que vieram de localidades do Brasil, os quais denominam a erva como “coentro” e o mix de produtos como “cheiro-verde”.

REFERÊNCIAS

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1Mestrando em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor da rede particular de ensino na cidade de Belém. E-mail: luancosta419@gmail.comluancosta419@gmail.com