O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS NA CIDADE DE PETROLINA-PE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7556072


Tathiane Pereira Mendesi
Wellington Vieira Mendesii


RESUMO: O processo educacional das pessoas surdas foi e tem sido marcado por decisões políticas que envolvem juízos de valor sobre a condição humana configurando-se de diferentes maneiras no decorrer da história da humanidade. A pesquisa destaca alguns recortes de como acontece a alfabetização de crianças surdas na cidade de Petrolina-PE. Tal observação foi muito importante, pois, a sociedade está caminhando para uma era de inclusão e, como profissionais da educação, devemos participar ativamente desse processo.

PALAVRAS-CHAVE: aquisição da língua; crianças surdas; alfabetização.

1. Introdução

Historicamente, a educação do surdo tem se apresentado como um grande desafio. No Brasil a integração escolar de surdos tem sido defendida por várias organizações que defendem o ensino bilíngue, onde a Libras – Língua Brasileira de Sinais, é a principal língua de comunicação de toda a escola.

Para os surdos a língua natural é a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais (L1) e a segunda a ser aprendida como um idioma “estrangeiro” é a Língua Portuguesa (L2). O surdo é considerado bicultural, ou seja, aquele que está inserido ao mesmo tempo em mais de uma cultura, neste caso, a cultura surda e a cultura do ouvinte. É através da LIBRAS que o surdo interage e interpreta o mundo a sua volta e o que o constitui como cidadão.

A aquisição de uma segunda língua é um processo complexo, pois envolve diferentes aspectos, inclusive o emocional. É necessário que o aluno esteja pré-disposto a aprender e, para isso, não pode considerar sua língua materna como inferior. Tornar-se letrado em outra língua vai além de memorizar suas regras e principais vocábulos; é preciso compartilhar e conhecer a cultura e o espaço onde essa língua circula e assim apropriar-se dela plenamente.

De acordo com Rodrigues e Valente (2011), nos estudos sobre aquisição da linguagem destacam-se Chomsky e a teoria do Gerativismo que afirma que “há um dispositivo de aquisição da linguagem comum a todos os seres humanos e que só é acionado mediante experiências linguísticas positivas”. E a teoria de Vygotsky ressaltando que “a linguagem seria a constituição do pensamento, a significação que há na forma de o indivíduo perceber a si e ao mundo”.

Com a “era da inclusão” muitos alunos surdos já estão no ensino regular, porém permanecem “excluídos”, pois, a maioria dos professores não está preparada para lidar com essa nova realidade. O objetivo central desse trabalho é observar como ocorre o processo de alfabetização de crianças surdas na cidade de Petrolina-PE, este estudo irá, ao menos, contribuir com a comunidade pedagógica, descrevendo e tentando esclarecer alguns “mitos” sobre o universo das pessoas com necessidades educacionais específicas, neste caso, as crianças surdas.

Descreveremos um pouco os aspectos socioculturais dos surdos e destacaremos o surgimento da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) enfatizando suas particularidades e esclarecendo um pouco do universo da cultura surda. Demonstraremos como é o ambiente de aprendizagem na escola campo de estudo analisando assim como ocorre o processo de alfabetização dos surdos de Petrolina-PE.

Entrevistamos uma professora que trabalha com alunos surdos há mais de 18 anos e também atuou como coordenadora de Educação Especial do Município. Foi uma das pioneiras na disseminação do ideal da inclusão nas escolas de Petrolina-PE e região.

A entrevista foi esclarecedora em diversos pontos, pois, além de observarmos alguns momentos de aula em duas turmas de alfabetização existentes na escola, a professora nos esclareceu diversas dúvidas e crenças sobre a alfabetização de crianças surdas, já que, esses conhecimentos ainda são pouco difundidos e estudados nas licenciaturas.

Do ponto de vista social, a pesquisa contribui para novas leituras que devemos fazer sobre as questões educacionais no sentido de promover mudanças no quadro do ensino pedagógico no Brasil.

1.1 Educação dos surdos: um olhar social e cultural

Surdo-mudo é provavelmente a mais antiga e incorreta denominação atribuída ao surdo, e ainda utilizada em certas áreas e divulgada nos meios de comunicação. A mudez não tem conexão com a surdez. São minorias os surdos que também são mudos. Fato é a possibilidade de um surdo falar, através de exercícios fonoaudiológicos aos quais chamamos de surdos oralizados. Portanto, o termo surdo-mudo é um termo incorreto dado ao fato de que o surdo viveria num “silêncio” rotulado pela própria sociedade (por falta de conhecimento do real significado das duas palavras).

Existe o fato de que alguns surdos não gostam de ser considerados deficientes auditivos e também de que algumas pessoas deficientes auditivas não gostam de ser consideradas surdas. Também existem pessoas surdas ou com deficiência auditiva que são indiferentes quanto a serem consideradas surdas ou deficientes auditivas.

De acordo com Capovilla & Raphael (2001), a origem dessa diversidade de preferências está no grau da audição afetada. Tecnicamente, consideramos a deficiência auditiva como sendo a categoria maior, dentro da qual encontramos diversos graus de perda auditiva, variando da surdez leve (25 a 40 db) à anacusia e tendo como níveis intermediários a surdez moderada (41 a 55 db), a surdez acentuada (56 a 70 db), a surdez severa (71 a 90 db) e a surdez profunda (acima de 91 db). Portanto, oficialmente, “deficiência auditiva” e “surdez” significam a mesma coisa. (Inciso II do art. 4º do Decreto nº 3.298, de 20/12/99, que regulamenta a Lei nº 7.853, de 24/10/89)

No plano pessoal, a decisão quanto a usar o termo pessoa com deficiência auditiva ou o termo pessoa surda e/ou surda, fica por conta de cada indivíduo.

Nesse contexto formal, estatístico, falaremos em pessoas com deficiência auditivareferindo-nos ao grupo como um todo, especificando ou não os graus de perda auditiva e a quantidade de pessoas existentes em cada nível de surdez. E, em situações pessoais, informais, coloquiais, diremos e escreveremos surdos, pessoas surdas, comunidade surda, comunidade dos surdos, quantidade de pessoas por nível de surdez, comunicação entre os surdos, comunicação com os surdos, comunicação dos surdos, os sinais que os surdos utilizam etc.

Os surdos, além de serem indivíduos que possuem surdez, por norma são utilizadores de uma comunicação espaço-visual, como principal meio de conhecer o mundo em substituição à audição e à fala, tendo ainda uma cultura característica.

As concepções de ensino de língua de sinais, atualmente, têm dado ênfase ao mecanismo de aprendizado visual do surdo e a sua condição bilíngue. Contudo, o surdo é bilíngue e bicultural no sentido de que convive diariamente com duas línguas e culturas: sua língua materna de sinais (cultura surda) e língua oral (cultura ouvinte), ou de LIBRAS, em se tratando dos surdos brasileiros.

Para uma boa comunicação com uma pessoa surda é apropriado o máximo de contato visual, pois é uma necessidade quando os surdos se comunicam. Quando duas pessoas conversam em língua de sinais é considerado rude desviar o olhar e interromper o contato visual. E como captar a atenção de um surdo? Em vez de tentar falar oralmente com a pessoa é melhor dar um leve toque no ombro ou no braço dela, acenar se estiver perto, ou se distante, fazer um sinal com a mão para outra pessoa chamar a atenção dela. Dependendo da situação, pode-se dar umas batidinhas no chão ou fazer piscar uma luz.

Esses e outros métodos apropriados de captar a atenção dão reconhecimento à experiência dos surdos e fazem parte da cultura surda. Para aprender bem uma língua de sinais, precisa-se pensar nessa língua. É por isso que simplesmente aprender sinais de um dicionário de língua de sinais não seria útil em ser realmente eficiente nessa língua. Muitos aprendem diretamente com os que utilizam a língua de sinais no seu dia-a-dia — os surdos. Em todo o mundo, os surdos expandem seus horizontes usando uma rica língua de sinais.

Muitas pessoas sem deficiência não sabem como agir quando encontram uma pessoa com deficiência. Isso acontece pela desatualização educacional provocada pela falta de convívio com a diversidade. Mas esse quadro pode diminuir e até mesmo desaparecer quando existirem mais oportunidades de convivência entre pessoas com e sem deficiência.

1.2 Origem da língua brasileira de sinais (LIBRAS)

Conforme a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS): LIBRAS é a sigla da Língua Brasileira de Sinais. As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas. Ao contrário do que muitos imaginam, as Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais próprias.

Historicamente, as Línguas de Sinais foram concebidas como pobres, a dificuldade do ser humano em relacionar-se, com a constituição linguística do outro, refere-se à estranheza que surge com a pretensão de unificar e apagar a diferença e os conflitos, não aceitando encontrar um outro dentro de si mesmo.

Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis linguísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas orais auditivas é denominado sinal nas línguas de sinais.

O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês etc. Os seus usuários podem discutir filosofia, política, produzir poemas, peças teatrais, dentre outras. A Libras é equivalente a qualquer outro idioma existente.

O português falado no Brasil teve sua origem no Latim, que se transformou em diversas línguas, como: Espanhol, Francês, Italiano, etc. Estas línguas eram faladas principalmente na Península Ibérica. Os portugueses, desde o século XV, empreenderam extensas navegações levando a língua portuguesa para a África, Ásia, Oceania e América. No Brasil a mesma sofreu modificações de pronúncia, vocabulário e na sintaxe. (SILVEIRA, 1994)

No caso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), em que o canal perceptual é diferente, por ser uma língua de modalidade gestual visual, a mesma não teve sua origem da língua portuguesa; que é constituída pela oralidade, portanto considerada oral-auditiva; mas em uma outra língua de modalidade gestual visual, a Língua de Sinais Francesa, apesar de a Língua Portuguesa ter influenciado diretamente a construção lexical da Língua de Brasileira de Sinais, mas apenas por meio de adaptações por serem línguas em contato.

Não se sabe ao certo onde ou como surgem as Línguas de Sinais das comunidades surdas, mas consideramos que estas são criadas por pessoas que tentam resgatar o funcionamento comunicativo através dos demais canais por terem um impedimento físico, ou seja, surdez.

As escolas foram e continuam sendo espaços importantes para o uso e aprendizagem da língua, mas geralmente a Línguas de Sinais não eram consideradas línguas de instrução. Há registros em que, por mais severa que fossem as punições, as crianças conversavam através da Língua de Sinais nos dormitórios, nos banheiros, etc.

O atendimento escolar especializado às pessoas deficientes teve seu início, no Brasil na década de cinquenta do século XIX. A primeira escola de surdos no Brasil foi criada pela Lei no 839, de 26 de setembro de 1857, por Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (IISM), voltado à educação literária e ensino profissionalizante de meninos com idade entre 7 e 14 anos; teve como primeiro professor Ernest Huet, cidadão surdo francês, trazendo consigo a Língua de Sinais Francesa. Conforme Goldfeld (1997), em 1911 o IISM, segue a tendência mundial, e estabelece o oralismo puro como filosofia de educação, entretanto, a Língua de Sinais sobreviveu na sala de aula até 1957, e nos pátios e corredores da escola a partir desta data, quando foi severamente proibida.

Os principais Institutos de Educação de Surdos tiveram como modelo a educação francesa e consequentemente, independente da contradição entre ensino oralidade ou Língua de Sinais, carregam consigo a Língua Francesa de Sinais. Por isso a escola tem relação direta com o desenvolvimento da Língua de Sinais em nosso país, pois é nesse espaço que os surdos se encontram quando crianças.

A FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, em 1998, preocupada com a grande diferença de sinais procuraram desenvolver um projeto para uniformizar, padronizar os sinais para facilitar a comunicação. E, nesse momento de troca, foram tomando consciência da sua condição bilíngue e da relação de contato direto entre Libras e Língua Portuguesa.

Após diversas manifestações, a Língua Brasileira de Sinais e outros recursos de expressão a ela associados, foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão através da Lei Nº 10.436, somente dia 24 de abril de 2002.

A lei afirma que deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Em relação à educação, a lei diz que o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Conforme SKLIAR (1997, p. 141):

“A língua de sinais constitui o elemento identificatório dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade significa que compartilham e conhecem os usos e normas de uso da mesma língua, já que interagem cotidianamente em um processo comunicativo eficaz e eficiente. Isto é, desenvolveram as competências linguísticas e comunicativas – e cognitiva – por meio do uso da língua de sinais própria de cada comunidade de surdos”.

A língua de sinais permitirá que os surdos constituam uma comunidade linguística diferente, e não que sejam vistos como um desvio da normalidade. Mas ela ainda é utilizada por um grupo muito restrito, os quais vivem em desvantagem social, de desigualdade e que participam limitadamente na vida da sociedade majoritária. Apesar de muitas pesquisas demonstrarem que a língua de sinais cumpre com as funções traçadas para as línguas naturais, ela ainda é desvalorizada.

A Libras permite ao surdo uma forma de comunicação que deve ser respeitada, pois trata-se de uma língua legalmente reconhecida. Além disso, são os ouvintes que fazem dela um obstáculo, uma vez que não conseguem entendê-la. Várias pesquisas já demonstraram que a língua de sinais cumpre com os aspectos linguísticos, uma vez que possui todo o processo próprio da língua, que leva à comunicação.

1.3 O ensino de língua portuguesa para surdos

O Português é a língua oficial do Brasil, uma segunda língua para pessoas surdas o que exige um processo formal para sua aprendizagem. Quando se trata de ensinar o português para surdos brasileiros, essa língua é vista como segunda língua, uma vez que estes possuem, em sua maioria, uma língua com a qual se comunicam na comunidade surda que é a LIBRAS, constituindo-se em sua primeira língua. Dessa forma, a língua portuguesa também deve ser ensinada aos surdos com metodologia própria de segunda língua, tendo em vista ainda a diferença de modalidades entre o português e a língua de sinais, já que uma é de modalidade oral-auditiva enquanto a outra é de modalidade espaço-visual (RODRIGUES e VALENTE, 2011).

Em alguns estados do Brasil, há escolas que ensinam as duas línguas para surdos em que a língua de educação é a língua de sinais e a língua portuguesa é ensinada como 2ª língua. Em outros estados, Libras é língua de educação e o português é ensinado como segunda língua nas salas de aula das turmas das séries iniciais do ensino fundamental. Nas demais séries, a língua portuguesa é a língua de instrução, mas há a presença de intérpretes de língua de sinais nas salas de aula e o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para os surdos, realiza-se na sala de recursos.

Segundo Quadros (2006) a língua de sinais vai ser alcançada por crianças surdas que interagirem com pessoas que utilizem a língua de sinais. Se isso acontecer, até os dos dois anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais bem simples expressando fatos relacionados com o interesse imediato, com o “aqui” e o “agora”.

As crianças nesta fase começam a demonstrar expressões faciais junto com o uso de sinais (palavras) para expressar sentenças interrogativas (QUEM? O QUE? e ONDE?). Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto.

Por volta dos três anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais complexas para a produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam sendo expressas através de configurações de mãos mais simples. Os movimentos característicos dos sinais continuam sendo simplificados, embora já se observe o uso da direção dos movimentos com êxito em alguns contextos. As crianças, também, já utilizam estruturas interrogativas de razão (porque). Nesse período, as crianças começam a contar histórias que não necessariamente estejam relacionadas aos fatos do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o bichinho de estimação, sobre o brinquedo que ganhou, etc. No entanto, as vezes não fica claro o estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das histórias. QUADROS (2006)

Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já apresentam condições de produzir configurações de mãos bem mais complexas, bem como o uso do espaço para expressar relações entre os argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma estruturada. A partir desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma consistente. Assim afirma QUADROS (2006, p.22):

“O contexto em que esse processo de aquisição acontece é aquele em que as crianças têm a chance de encontrar os outros surdos. A escola torna-se, portanto, um espaço linguístico fundamental, pois normalmente é o primeiro espaço que a criança surda entra em contato com a língua brasileira de sinais. Por meio da língua de sinais, a criança vai adquirir a linguagem. Isso significa que ela estará concebendo um mundo novo usando uma língua que é percebida e significada ao longo do seu processo. Todo esse processo possibilita a significação por meio da escrita que pode ser na própria língua de sinais, bem como, no português.”

Entre os surdos fluentes em português, o uso da escrita faz parte do seu cotidiano por meio de diferentes tipos de produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através do celular, e-mails e redes sociais.

Conforme Quadros (2006) atualmente a aquisição do português escrito por crianças surdas ainda é baseada no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado. A criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as crianças falantes de português. Várias tentativas de alfabetizar a criança surda por meio do português já foram realizadas, desde a utilização de métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado.

O ensino do português pressupõe a aquisição da língua de sinais brasileira – “a” língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais representados.

Considerando o ensino da língua portuguesa escrita para crianças surdas, há dois recursos muito importantes a serem usados em sala de aula: o relato de histórias e a produção de literatura infantil em sinais. O relato de histórias inclui a produção espontânea das crianças e a do professor, bem como, a produção de histórias existentes; portanto, de literatura infantil. QUADROS (2006, p. 25) afirma que:

“A comunidade surda tem como característica a produção de histórias espontâneas, bem como de contos e piadas que passam de geração em geração relatadas por contadores de histórias em encontros informais, normalmente, em associações de surdos. Infelizmente, nunca houve preocupação de registrar tais contos. Pensando em alfabetização, tal material é fundamental para esse processo se estabelecer, pois aprender a ler os sinais, dará subsídios às crianças para aprender a ler as palavras escritas na língua portuguesa”.

Portanto os alunos surdos precisam tornar-se leitores na língua de sinais para se tornarem leitores na língua portuguesa.

1.4 Ambiente de aprendizagem na cidade de Petrolina-PE

Para fazer a caracterização da escola campo de estudo, inicialmente, entramos em contato com sua gestora, coletamos dados acerca da instituição, contatados os professores responsáveis pela alfabetização de crianças surdas e marcamos o dia da entrevista, visitamos as salas e presenciamos um pouco do cotidiano escolar.

A localizada na cidade de Petrolina – PE. Funciona em três turnos com 1.139 alunos no total e 42 professores entre contratados e efetivos, sendo maior número de professores efetivos.

A parte administrativa da escola campo de estudo conta com todo o efetivo completo, gestor, diretora adjunta, secretárias, coordenadora, assistentes administrativos, educadores de apoio e serviços gerais.

O Colégio, alicerçado nos princípios legais, visa assegurar a formação plena do aluno, reconhecendo a necessidade de se trabalhar os múltiplos saberes e da valorização de toda vivência e conhecimentos já trazidos pelos educandos.

Assume-se como necessário, portanto, superar o paradigma da escola vista apenas como mera transmissora de conhecimentos sistematizados, social e cientificamente convencionados. Cabe a ela também trabalhar os valores éticos, instruir para a cidadania e possibilitar uma visão de mundo crítica e transformadora.

Compreende-se que o conhecimento resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio natural, social, cultural e o sujeito. Os conteúdos a serem trabalhados não podem ser vistos como algo dissociado da realidade do educando. É de suma importância, portanto, a contextualização do que é ensinado para que o conteúdo trabalhado torne-se algo vivo, presente e concreto na vida do aluno.

A escola que atende às demandas modernas compreende as necessidades do nosso tempo. Vivemos na chamada “era da inclusão”, quando nas relações de trabalho valorizam-se o desenvolvimento de competências e habilidades, que criam estratégias de ensino que aprimorem no aluno o seu potencial para apresentar respostas a partir da mobilização dos esquemas cognitivos, próprios da zona de desenvolvimento em que se encontra, estando em convivência com as diferenças.

1.5 Análise dos dados

Entrevistamos uma professora que trabalha com alunos surdos há mais de 15 anos, já atuou como coordenadora de Educação Especial do Município. Foi uma das pioneiras na disseminação do ideal da inclusão nas escolas de Petrolina-PE e região.

A entrevista foi esclarecedora em diversos pontos, pois, além de observarmos alguns momentos de aula em duas turmas de alfabetização existentes na escola, a professora nos esclareceu diversas dúvidas e crenças sobre o processo de alfabetização da instituição.

Inicialmente perguntamos a partir de qual idade a criança surda começa a ter contato com a Libras. Foi esclarecido que muitas pesquisas indicam que 95% dos surdos são filhos de pais ouvintes então a grande maioria só tem contato com a Libras quando chega na escola (uma escola que contenha profissionais preparados para recebê-los). Já os surdos, filhos de pais que são também surdos, têm contato com a Libras desde cedo. Na escola os alunos que são surdos, são filhos de pais ouvintes.

Em seguida solicitamos uma breve descrição da metodologia utilizada para que a criança aprenda Libras. Notamos que essa aprendizagem se dá da mesma forma que as crianças ouvintes que aprendem ao ouvirem os pais falando e as pessoas ao seu redor, da mesma forma acontece com os surdos, pois, tendo contato com outros surdos a criança vai desenvolvendo naturalmente a língua para mais tarde aprimorá-la, estudando suas peculiaridades. Por isso que é de suma importância que na sala de aula, seja de qualquer nível, necessita ter um instrutor surdo presente, para estar sempre em contato com sua 1ª língua que é a LIBRAS.

Partimos então para a questão da alfabetização em Língua Portuguesa e perguntamos: após esse aprendizado da sua 1ª língua (Libras L1), qual o melhor momento para alfabetizá-la na Língua Portuguesa (L2)? A professora explicou que é importante começar essa alfabetização quando a criança (ou surdo de qualquer idade que esteja se alfabetizando) já tenha uma estrutura da Libras. O ideal é que a criança surda chegue à escola antes dos sete anos, aprenda Libras e somente após essa etapa ela inicie o processo de alfabetização em Língua Portuguesa.

Sobre as estratégias utilizadas na alfabetização em Língua Portuguesa, foi explanado o seguinte. As estratégias utilizadas não seguem os mesmos padrões das crianças ouvintes, que aprendem de forma oral e auditiva, já que, as crianças surdas aprendem de forma visual e espacial. Portanto, para as crianças surdas existem diversas situações em que os professores alfabetizadores empregam para conduzir a aula, por exemplo: um jogo de esconde-esconde em que o professor solicita à criança (em Libras) que encontre determinado objeto, depois de encontrado eles irão ser perguntados sobre o que é aquele objeto, qual o seu nome, como é que faz no alfabeto, etc. E assim vai explorando de forma visual e espacial tudo que estiver ao redor da criança estimulando-a a associar sua língua Libras com a Língua Portuguesa.

Para compreender de uma maneira mais simples esse processo, basta fazer uma comparação com uma criança ouvinte que está aprendendo um outro idioma. Da mesma forma é uma criança surda que está aprendendo Língua Portuguesa, que é considerada uma segunda língua. Diferente das crianças ouvintes que trabalham a questão fonética de cada grupo de sílabas, os surdos aprendem por blocos, por exemplo: animais; cores; família; e vários outros, trabalha-se com gravuras, associadas ao sinal e à palavra em português. O trabalho com textos também é bastante explorado, onde o instrutor surdo, juntamente com o professor, mostram aos alunos os sinais daquelas palavras presentes no texto também associadas às figuras. Ao decorrer desse processo eles criam um caderno de vocabulário, onde a criança vai sempre relembrando a escrita das palavras e os seus sinais correspondentes escrevendo a palavra e desenhando ao lado o seu significado, dessa forma a criança consegue ampliar cada vez mais seu vocabulário em Português.

Após essa explicação abordamos a questão das principais dificuldades que a criança apresenta nessa fase de alfabetização. A professora esclareceu que a estrutura da Língua Portuguesa é muito diferente da Libras, por exemplo: os verbos que na Língua Portuguesa sofrem modificações (gerúndio, infinitivo e particípio), na Língua de Sinais não ocorre o mesmo, pois todos eles são apresentados no infinitivo, o que irá modificar a ação é o contexto em que o verbo está inserido. Uma outra dificuldade é a família que não tem esse conhecimento sobre a Língua de Sinais, então o “suporte” em casa é praticamente inexistente, a criança surda acaba estudando na escola e somente na escola, somente com muita conscientização é que alguns pais ou responsáveis estão, aos poucos, aprendendo Libras para dar esse suporte, pois, acontecem casos onde as tarefas de casa são realizadas pelos pais, o que não ajuda em nada no desenvolvimento da criança.

Os surdos adultos também disseminam a ideia de que Português é muito difícil, então os mais jovens acabam sofrendo essa influência e essa espécie de “bloqueio” com o Português acaba dificultando também o trabalho de alfabetização. Podemos comparar com a disseminação entre os ouvintes de que Matemática é muito difícil.

2. Conclusão

Observar como ocorre o processo de alfabetização de crianças surdas foi muito importante, pois, a sociedade está caminhando para uma era de inclusão, mesmo que a passos lentos, mas como profissionais da área educacional, percebemos, principalmente quando nos deparamos com alunos surdos em nossa sala de aula, o quanto é significante estarmos preparados para compreender esse novo universo é torná-lo uma realidade concreta.

A partir do que foi exposto fica evidente que a aprendizagem dos surdos é possível, porém é necessário que as atividades a serem realizadas sejam adaptadas conforme suas habilidades. É comprovado, a partir do referencial teórico, que o bilinguismo é a melhor metodologia para que as crianças surdas conheçam sua língua materna, a Libras L1 e assim tornem-se mais preparadas para a aprendizagem do português L2.

O processo de alfabetização dar-se-á de forma natural, primeiramente se desperta para a Libras e aos poucos se associa com o português. Desta forma, certamente no futuro teremos surdos alfabetizados, conhecedores de sua cultura bem como a do ouvinte, onde poderão participar de forma efetiva na sociedade, cumprindo seu papel de cidadão. Basta que cada profissional tenha consciência de seu papel nesse processo.

Ressaltamos ainda que a família continuará com um papel admirável na vida de qualquer criança, seja ela surda ou ouvinte e essa participação é de fundamental importância para uma alfabetização e uma formação completa na vida de todos.

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SKLIAR, Carlos (org.). Educação & Exclusão: abordagens sócio-antropológica em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.


i Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN, Campus Pau dos Ferros.

ii Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN