O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL NO BRASIL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10095708


Makias Lima de Souza1


RESUMO

O presente trabalho pretende realizar uma análise crítica de até que ponto o princípio penal da insignificância de uma determinada conduta criminosa pode torná-la atípica, estabelecendo de forma epistemológica uma singela e acessível definição do princípio da insignificância no que diz respeito aos entendimentos mais aceitos entre os especialistas em direito penal, limitando a tipicidade no tocante ao Direito Penal, ao tornar atípico o fato antes que a punição recaia, por comprometer a materialidade do delito, a pesquisa ocorre por meio de pesquisas bibliográficas e estudos de casos, além de arcabouço fundamentado em Ivan Luiz da Silva, analisando a questão que recebe tratamento díspar no Brasil no estudo, para que não se confundem os crimes de menor potencial ofensivo, com os crimes de bagatela, pelo fato de se ter escassa ofensividade ao bem tutelado conforme o princípio da insignificância. trazendo segurança à sociedade que busca no sistema judiciário brasileiro a sua representatividade para trazer mais dignidade no exercer da cidadania.

Palavras-Chave: Princípio da insignificância. Causa de exclusão. Crime.

ABSTRACT

The present work intends to carry out a critical analysis of the extent to which the penal principle of insignificance of a certain criminal conduct can make it atypical, epistemologically establishing a simple and accessible definition of the principle of insignificance with regard to the most accepted understandings among specialists in criminal law, limiting the typicality with regard to Criminal Law, by making the fact atypical before the punishment falls, by compromising the materiality of the crime, the research takes place through bibliographical research and case studies, in addition to a reasoned framework in Carlos Vico Mañas, analyzing the issue that receives disparate treatment in Brazil in the study, so that crimes of lesser offensive potential are not confused with trifle crimes, due to the fact that there is little offense to the protected good according to the principle of insignificance . bringing security to society that seeks in the Brazilian judicial system its representativeness to bring more dignity in the exercise of citizenship.

Keywords: Principle of insignificance. Cause of exclusion. Crime.

INTRODUÇÃO

O Princípio da Insignificância como causa de exclusão do crime, ou se é a conduta que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico, que a lei resolveu proteger por meio dela, os atos formalmente típicos que não provoquem uma lesão considerável, não constituem um delito, materialmente falando? Portanto há relevância, na pesquisa como forma de contribuir para oajuste das leis penais.

A análise tem como referencial a abordagem em Ivan Luiz da Silva, na obra intitulada “Princípio da Insignificância no Direito Penal”.

Na atualidade vivenciamos uma sociedade que evolui de forma rápida e contínua, aos ditames jurídicos vigentes, contudo as revisões nas legislações jurídicas não ocorrem com a mesma velocidade em relação a sociedade, desta forma a atender as expectativas da sociedade que o Poder Judiciário representa.

Analisar de forma crítica o princípio da insignificância e sua aplicação na jurisprudência brasileira, avaliando o contexto social diante do pressuposto de que A legislação penal brasileira com um Código Penal com parte especial de 1940 não acompanha a evolução social, sugere se o estudo de que forma a aplicação mais incisiva do princípio da insignificância, não remodelando o direito no que tange sua aplicação típica conforme a lei vigente, mas se mostrando como uma alternativa que estabeleça a questão da abordagem em sua natureza jurídica.

2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL NO BRASIL: PARA FURTOS DE VALORES INSIGNIFICANTES

Sem detalhar com maior complexibilidade, o Direito Penal nasce em especial, o direito à vida e à liberdade dos indivíduos na esfera contemporânea por meio da adoção de medidas de prevenção e controle necessárias ao cumprimento desse múnus, especifica harmonia aos limites previamente afixados pelos princípios democráticos e constitucionais prevendo manter a vida e a integridade social, ¨Conforme sedimentado no Supremo Tribunal Federal, são requisitos para a aplicação da benesse: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica.” (grifos conforme Acórdão 1202356,)”

O princípio da insignificância, também denominado princípio da bagatela, não tem previsão legal no Brasil, subsistindo por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, e exclui a tipicidade material de um crime. Como sabido, a tipicidade, que é o primeiro elemento do crime, reúne, em si, os sub elementos da tipicidade formal e da tipicidade material. A tipicidade formal consiste na subsunção do fato à norma, ou seja, verificar se o fato praticado em concreto se amolda à norma penal abstratamente prevista. Assim, se alguém subtrai para si ou para outrem coisa alheia móvel, em tese, está praticando o crime de furto, previsto no art. 155 do Código Penal.

Para tanto é necessário a verificação da precisão da terminologia, procedemos da análise sobre o objeto, principalmente no sentido que será empregado no texto, não se deve usa-los como sinônimos de um mesmo instituto jurídico, de insignificância e criminalidade (ou delito) de bagatela, para não confundimos os termos no direito penal. Pois o princípio da Insignificância é espécie de norma jurídica – principio jurídico, aplicável na solução de casos concretos onde se verifica a ocorrência de um crime de bagatela, que é uma infração penal que provoca escasso ou insignificante bem dano ao bem jurídico atacado.

A denominação princípio da insignificância é empregado com mais frequência pela doutrina brasileira, enquanto, a expressão criminalidade de bagatela é empregada pela doutrina estrangeira como na Espanha, (Silva,2011), ou seja no emprego de ambas as expressões, entendemos que o correto é Principio da Insignificância , quando desejamos nos referir a norma jurídica aplicável na solução de casos concretos devendo a designação criminalidade(ou delito) de bagatela ser empregada para se referir as condutas típicas de escassa lesividade.

Pensando nesses valores e sob medida jurídica apropriada para pressuposta analise temos em tramite, Atualmente O Projeto de Lei 4540/21 apresentado por deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) e outros sete deputados altera o Código Penal para determinar que não haverá prisão no caso de furto por necessidade ou de valores insignificantes. Estabelece que o furto por necessidade ocorre quando o autor do crime estiver em situação de pobreza ou extrema pobreza e quando o bem subtraído tem o objetivo de saciar sua fome ou necessidade básica imediata sua ou de sua família. Ressalta ainda alguns autores que o furto é um crime sem características violentas correspondendo a cerca de 11% da população carcerária e, em grande maioria, negros. “O delito de furto, que é um crime sem violência contra a pessoa e, em geral, de baixa lesividade, resulta em altas taxas de encarceramento seletivo”, avaliam.

O texto determina que o juiz, caso não possa absolver o autor, deverá aplicar uma pena restritiva de direitos ou multa, sem prisão. A regra vale inclusive para reincidentes, desde que o furto seja por necessidade ou de valores insignificantes.

A proposta também determina que a ação penal em caso de furto só será levada adiante mediante queixa do ofendido. O furto é a subtração de valores e bens sem que haja violência na ação O Código Penal já permite livrar de punição os crimes cometidos em estado de necessidade, caso que abrange o chamado “crime famélico”, motivado pela necessidade de se alimentar.

Como é citado acima podemos demonstrar o seguinte exemplo: o furto simples não é uma conduta socialmente aceita, mas a depender do caso pode ser que seja possível o reconhecimento da insignificância. “A criminalização de atos de baixíssima repercussão social, que configuram expressão de uma profunda crise social e econômica, gera uma distorção, na medida que coloca o aparato estatal a serviço da proteção de bens de valores irrisórios, gerando uma sobrecarga do Judiciário”, avaliam. A proposta está apensada ao PL 1244/11 e poderá ser votada no Plenário se for aprovado requerimento de urgência. (Fonte: Agência Câmara de Notícias)

2.1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Importante se faz destacar que se todos nós possuímos o direito constitucional ao devido processo legal (Brasil, 1988) e se o princípio em tela vem sendo aplicado para alguns, todos devem ter direito ao benefício, até porque, como está sendo destacado, merece prosperar o entendimento jurisprudencial que o vêm acatando, isso porque o princípio devolve a justiça para alguns casos que são tocados pelo direito penal formalmente, mas não o são materialmente não merecendo assim aquele indivíduo responder da mesma forma que outro que, de fato, ofendeu o bem jurídico protegido pela norma (Rebêlo, 2000).

Abordando o texto constitucional, dentro dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal de 1988 preceitua em seu Artigo 5º, XXXV que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Porém, a letra fria da lei nada tem de relevância na vida do sujeito se não foi devidamente aplicada ao caso concreto, todos nós somos iguais perante a lei (BRASIL, 1988), todavia a conduta de um acusado que está tipificada na lei, pode não trazer, no caso concreto, relevância para o direito penal, e a conduta de outro que formalmente é a mesma, pode não ser tolerável e não merecer a incidência do princípio (Gomes, 2009). 19 Para exemplificar coloco em destaque o caso concreto da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (acórdão relatado pelo Desembargador Dr. João Antônio da Silva) que condenou o sujeito pelo furto de um repelente no valor de R$ 11,00 (onze reais). No caso em tela apesar de furto ser crime tipificado pelo Código Penal em seu artigo nº 155, não há que se movimentar a Justiça Criminal com o fato em discussão, como bem preceitua a máxima “Minima non curat praetor”, o Magistrado deve desprezar os casos insignificantes e cuidar das questões realmente inadiáveis (Rebêlo, 2000), que pode inclusive surgir com o mesmo crime de furto, porém com o valor que não seja irrisório como o aqui tratado.

É importante destacar que o que é insignificante para um pode não o ser para outro, os indivíduos são classificados em três classes: A primeira são os chamados “elementos”, que não contam com o apoio do Judiciário e nem tampouco com o Governo, são vistos como cidadãos só formalmente, já que na realidade não esquecidos e ignorados pelos cidadãos de fato, em sua grande maioria são parte da população marginal e recorrem aos crimes para sobreviver, para eles só é valido o Código Penal, não conhecem seus direitos individuais não podendo assim exercê-los (Carvalho, 2008).

Há também a classe média modesta, que está sujeita ao rigor da lei, dependem dos agentes para a devida aplicação de seu direito, nem sempre tem noção exata de seus direitos e quando têm carecem do modo de fazê-lo, para eles aplica-se o Código Penal e o Código Civil, porém de forma parcial (Carvalho, 2008). A parcela da sociedade que conta com o efetivo acesso à justiça, não necessariamente justo, é pequena. São os chamados “Doutores”, classe privilegiada que está acima da lei, defendem seus direitos pelo prestigio social e pelo seu dinheiro, para eles a lei não existe ou é facilmente dobrada (Carvalho, 2008).

Os chamados “elementos” podem não considerar um repelente de R$ 11,00 (onze reais) como um valor irrisório, por outro lado, os “Doutores” e até na chamada “classe média modesta” podem estimar o valor dessa forma, todavia não foi essa a justificativa dada no caso acima destacado, já que o Desembargador deixou de beneficiar o acusado com o princípio por julgar que a bagatela é uma aberração do 20 direito pátrio, afirmando que agiu conforme se preceitua a lei (Gomes, 2009), aqui observamos um exemplo de um aplicador do direito que permanece antigo e apegado ao chamado direito formalista ou legalista e que não merece prosperar.

O Legislador quando cria uma lei o faz por julgar que aquela conduta atinge um bem que deve ser protegido juridicamente, todavia cabe ao aplicador do direito julgar se, no caso concreto, a conduta do indivíduo realmente atingiu esse bem, já que a tipicidade não se esgota no juízo formal de aplicação do fato ao tipo legal do crime, é crucial além do fato se apresentar expresso em lei, que esse tenha ofendido o bem jurídico que o fato típico pretendia proteger (REBÊLO, 2000).

Ora, ao legislar só se ter em mente os relevantes prejuízos que o comportamento criminalizado pode causar à ordem social e jurídica, não dispondo de meios para evitar que a norma englobe os casos insignificantes, para se evitar isso deve-se adequar a norma aos princípios do direito penal, elementos fundamentais de interpretação restritiva do tipo para que, com base em critérios de razoabilidade, não se considere um fato como crime (REBÊLO, 2000).

Não somente a jurisprudência, como também a doutrina, em sua grande maioria, explica e defende a incidência do princípio da bagatela, entendendo que para a conduta ser típica se faz necessária não tão somente a tipicidade formal do delito, como também, somada a essa, a tipicidade material, ou seja, além de ocorrer o fato delituoso, esse deve gerar resultado relevante para merecer a tutela do direito penal. Afastando-se a tipicidade material e, em consequência, o próprio crime, se conduz, inevitavelmente, ao arquivamento das investigações preliminares, já que se trata de fato atípico (falta tipicidade material), se não houver arquivamento, cabe ao Juiz absolver o Réu sumariamente com fulcro no artigo nº 397, III, do Código de Processo Penal, se o Juiz não o fizer, cabe Habeas Corpus para trancar a ação penal por falta de justa causa e, ainda, se o processo já está em andamento, deve-se abrir mão das provas e partir para uma sentença absolutória(GOMES, 2009).

2.2. NOÇÕES FUNDAMENTAIS DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância, ou criminalidade de bagatela não está previsto em nenhuma legislação do ordenamento jurídico. Sendo dessa forma de criação exclusivamente doutrinaria segundo Lopes: “Apenas podendo ser inferido na exata proporção em que se aceitam limites para interpretação constitucional e das leis em geral” (Lopes,2000, p. 48-49)

Desta forma ele embasa o conceito do princípio da insignificância fazendo as considerações com fundamentos auxiliares citado pelo penalista brasileiro Alberto Silva Franco, que na seara penal e geral constitucional, realiza estudos sobre os princípios da igualdade, da liberdade, da sazonalidade, da subsidiariedade, da proporcionalidade, ainda sobre visão da hermenêutica penal no âmbito da subsunção e interpretação dinâmica, tais citações de Lopes são de ordem patrimonial no que tange a criminalidade de bagatela, com intuito de atrelar o princípio da insignificância á antijuricidade material, afirmando que criminalizar um comportamento ínfimo violaria o próprio espírito da constituição federal e ressalta que tais lesões sofridas pode ter repercussão negativa socialmente bem como repercussão na vida de uma pessoa que sofre a lesão bem como uma redução abstratas do valor potencialmente econômico.

Ele ainda ressalta que a lesão patrimonial deve ser atrelada a um peso e não somente um modo ser objetivo que o caracteriza, mas sim por um limite de suficiência tanto por qualidade como por quantidade de empresa criminosa, sendo este peso um limite qualitativo e quantitativo, a qual sem ele não há uma continência racional de crime, nem mesmo justificativa de pena, caracterizando, quando ele entrelaça o princípio da insignificância a criminalidade de bagatela, como lesões inofensivas, de pouca ou mínima significância, sendo sua importância apenas para o controle da criminalidade, dom uso excessivo do Direito Penal.

3. DA INEXISTÊNCIA FORMAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O conceito do delito de bagatela não está na dogmática jurídica, nenhum instrumento legislativo ordinário, ou constitucional o define formalmente (Rebêlo, 2000), porém, é certo que o direito não somente possui uma fonte primária, que se destaca é a lei, também possui fontes secundárias, como o princípio aqui tratado, ressalta-se que podem ocorrer casos em que as fontes secundárias até prevaleçam se outro modo não houver de se fazer justiça (Gomes, 2009). Abro aqui um parêntese para ressaltar que, como exceção à regra, o Código Penal Militar, traz em seu corpo um artigo (240, § 1º) (Rebêlo, 2000) em que admite a utilização do princípio da insignificância: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:§ 1º Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar.

Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país”. É certo que legalizar as condutas que em haveria possibilidade da aplicação do princípio traria, por um lado, maior segurança jurídica para os indivíduos (Gomes, 2009), já que não ficariam à mercê da discricionariedade do Juiz, por outro lado, se surgisse um fato novo, o que acontece diariamente já que cada caso é um caso, 18 traria malefício para o acusado, que mesmo fazendo jus ao benefício não o teria, por seu caso não está exemplificado na lei. É impossível contemplar todos os casos em que poderia se aplicar o princípio em lei, o que se faz necessário é a atualização da função maior da lei penal, valorizando adequadamente a sua natureza fragmentária, de forma que esteja dentro do âmbito da punibilidade somente o que seja indispensável para a efetivação do bem jurídico. A conduta somente deve ser punida quando é incompatível com os pressupostos de uma vida livre, pacífica e materialmente assegurada em sociedade.

O moderno direito penal não se vincula a imoralidade de conduta, senão ao seu potencial de dano social, a sua incompatibilidade com as regras de uma próspera vida em comum (Rebêlo, 2000), nesse caso, afasta-se a injustiça de não beneficiar um indivíduo que faça jus ao princípio, protegendo todo aquele que tem sua conduta atípica.

3.1. ORIGEM DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DIFERENÇA ENTRE O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Em um primeiro momento parece não existir diferença relevante entre o princípio da insignificância e o da adequação social, entretanto é verdadeiro que há diferenças. Ambos são hipóteses de exclusão da tipicidade material. É importante ressaltar que o primeiro a classificar como princípio definindo o como causa de exclusão da tipicidade, foi Claus Roxin, em 1964, mas ele tem precedente no Direito Romano, na máxima processual “minimis non curat praetor”, isto é, Princípio da Insignificância ou Princípio da Bagatela ou Preceito Bagatela é um princípio de direito penal moderno que determina a não punição de crimes que geram uma ofensa irrelevante ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.

Quando se fala do princípio da insignificância, significa dizer que a conduta analisada do caso concreto, além de típica, não é socialmente aceita, contudo, a ofensa produzida no caso concreto é inexistente, irrelevante ou de pouca lesividade.

Conforme a teoria majoritariamente aceita no Brasil, a criminalização de condutas só é admitida quando idônea a proteger um bem jurídico de grande valor para a comunidade (vida, integridade física, propriedade etc.).

Essa ideia de proteção de bens jurídicos também se projeta sobre a interpretação dos crimes pelo Poder Judiciário. Portanto, diante do caso concreto, e comum que o juiz não analise apenas se a conduta do réu se encaixa formalmente no tipo penal, mas também se causa uma ofensa relevante ao bem jurídico tutelado. Por exemplo, quando se subtrair um cigarro de um colega de trabalho, é uma conduta que se adequa perfeitamente ao tipo penal de furto (art. 155 do Código Penal). No entanto, por causar uma ofensa ínfima ao bem jurídico, propriedade, essa conduta não justifica que seja aplicada uma penalidade ao autor, por manifestar de forma desproporcional. Nesse caso, deve-se absolver o réu mediante aplicação do princípio da insignificância, que resulta na atipicidade material da conduta.

Muitos analisam isso posto, como bem detectou Eugênio Pacelli (2020), que o Direito Penal constitui uma das mais graves intervenções estatais na vida privada, nesse passo, somente se poderá compreender o Direito Penal moderno a partir de sua configuração mínima, em que se busque como base na preocupação de garantir a proteção dos cidadãos e de seus direitos fundamentais. “Para tanto, diferentemente da aplicação do princípio da insignificância, a aplicação do princípio da adequação social deve ser avaliada de forma ampla, para que, assim, seja avaliado caso a caso com a mais lídima justiça”. (Jorgette, 2020, p.16)

Já A origem do Princípio da Adequação Social remonta ao ano de 1939,surgiu provavelmente na Alemanha nazista, na iminência ou no início da ocorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando foi introduzido no Direito Penal pelo insigne jurista e doutrinador alemão Hans Welzel (1904-1977), notadamente conhecido, também, por ser o principal expoente e criador da Teoria Finalista da Ação, que se opõe à Teoria Causalista da Ação, igualmente conhecida como Teoria Causal ou, ainda, Teoria Clássica da Ação, de autoria de Franz Von Liszt.

Foi Nesse mesmo ano que, Welzel publicou uma de suas obras jurídicas mais significativas, os “Studien zum System des Strafrechts” (Estudos Sobre o Sistema Penal), na qual delineou as suas ideias de um sistema penal baseado na Teoria Finalista da Ação. Foi exatamente nesse trabalho que Welzel tratou, pela primeira vez, do Princípio da Adequação Social. “As condutas socialmente adequadas não são necessariamente exemplares, mas apenas condutas que se mantêm dentro dos limites da liberdade de atuação social”. (welzel, 2001. p. 60)

O Princípio da Adequação Social também pode e deve ser entendido como princípio geral de interpretação, ferramenta ou, mesmo, técnica de interpretação, exegese ou hermenêutica do Direito, mormente do Direito Penal. Foi, apenas, na terceira etapa do pensamento de Hans Welzel que este consolidou o entendimento da natureza jurídica de princípio geral de interpretação do Princípio da Adequação Social, como é possível se constatar, ipsis litteris.

Existem entendimentos de que a adequação social tem como conjectura a aprovação do comportamento para a coletividade, no entanto o Princípio Penal Constitucional da Insignificância leva em consideração a tolerância do grupo em relação à determinada conduta de exígua gravidade. Também se compreende que o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social não engloba o Princípio Penal Constitucional da Insignificância, uma vez que no primeiro a conduta é socialmente tolerável, já no segundo ela não é tolerável, e sim, desconsiderada por tratar-se de bem jurídico insignificante.

3.2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A ideia de a qual ao Direito Penal não deve importar toda e qualquer lesão social, mas tão somente aquelas mais graves, foi adotada amplamente pela doutrina dos países de sistemas jurídicos romano-germânico.

Contudo o problema enfrentado hoje, não parece dizer tanto respeito ao reconhecimento ou não da vigência deste princípio, mas sim a algo muito mais concreto, ainda que igualmente importante à melhor e mais adequada forma de aplicá-lo, ou melhor ressaltando, a forma mais eficiente para a jurisprudência.

Como redarguido anteriormente o objetivo consiste em compreender que o princípio como mero corretivo político criminal, há horas que parece fugir da aplicação da lei e da justiça para todos, mas não seria como se fosse deixado de aplicar o direito penal? Contudo se dissemos que a lesividade da situação concreta ´nesse caso é ínfima, não justificaria a aplicação da noema penal justificando a absolvição do acusado. “O Direito Penal é o rosto do Direito, no qual se manifesta toda a individualidade de um povo, seu pensar e seu sentir, seu coração e suas paixões, sua cultura e sua rudeza. Nele se espelha a sua alma. O Direito Penal dos povos é um pedaço da história da humanidade”. (Lyra, Konfino, 1977, p. 37)

Ainda que a motivação seja bem intencionada pelo sentimento de responsabilidade penal, essa visão parece incorrer em dois tipos de equívocos, por reduzir o que é direito penal a verificação de quais são as figuras típicas colecionadas na legislação, levando em conta o princípio geral de interpretação a constituição tão quanto a pratica jurídica, e ao raciocínio equivocado implícito, que se estamos diante de casos insignificante, não devemos aplicar o direito penal a situação concreto, sendo assim argumentar em tese de ultima ratio, não fosse gerar um resultado de raciocínio propriamente jurídico penal. O que ainda pode gerar um problema a derrubada das vantagens ínsitas ao pensamento sistemático.

Tomemos um exemplo para clarificar esse argumento. Em 2003, um magistrado da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas viu-se diante de um caso de furto de duas melancias em que os acusados tinham sido presos em flagrante. Na ocasião, o juiz decidira pela soltura dos réus, usando a seguinte fundamentação: Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito Alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões aos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional), poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95 % da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o Consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização europeia, poderia dizer que George W. Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam privação na Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas.

Segundo Ivan Luiz da Silva, “uma vez identificada à insignificância do desvalor da ação e desvalor do resultado, tem-se determinada à conduta penalmente insignificante em razão da sua irrelevância jurídico-penal” (Silva, 2011).

No certame podemos colocar o crime de furto está tipificado no artigo 155 do Código Penal Brasileiro:

Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Para Guilherme de Souza Nucci, o conceito de furto está em tornar-se dono de coisa não pertencente do próprio indivíduo.

(…) significa apoderar-se ou assenhorar-se de coisa pertencente a outrem, ou seja, tornar-se senhor ou dono daquilo que, juridicamente, não lhe pertence O nomen juris do crime, por si só, dá uma bem definida noção do que vem a ser a conduta descrita no tipo penal. (Nucci, 2010, p.70)

Já por sua vez o conceito de coisa, é tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes. No contexto dos delitos contra o patrimônio (conjunto de bens suscetíveis de apreciação econômica), cremos ser imprescindível que a coisa tenha, para seu dono ou possuidor, algum valor econômico, logo, podemos verificar que o objeto do delito é sempre a coisa sujeita à subtração que sofre a conduta criminosa.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Princípio da Insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, portanto não há como deixar de se analisar o passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, não faz jus a benesses jurídicas aquele que é contumaz na prática de tais crimes.

Analisando a raiz da ideia, podemos observar que o princípio da insignificância, remonta aos tempos do direito romano, conforme pressupõe a máxima “minimis, non curat praetor”. Contudo, pode-se dizer como um dos principais doutrinadores responsáveis pela introdução e evolução desta teoria na esfera penal podemos citar Claus Roxin.

Que diante dessa construção histórica do princípio da insignificância, buscou restabelecer a legitimidade do Direito Penal, fazendo com que ele não se dispunha do peso de se preocupar com questões irrelevante ou socialmente aceitas, de forma a evitar que essas condutas não sejam objetos do Direito Penal.

No entanto existe uma grande diferença entre as infrações insignificantes e as infrações penais de menor potencial ofensivo, pois uma já nasce insignificante, ou seja, sem relevância para o direito penal, sendo fato atípico, enquanto a outra nasce relevante para o Direito penal, porém após analisar que a aplicação de qualquer pena no caso, irá apresentar-se totalmente desnecessária. Viu-se, a necessidade de estabelecer critérios determinados para aplicação do Princípio da Insignificância, com a finalidade de se padronizar perante o cenário jurisprudencial,

já tendo o Supremo Tribunal Federal estabelecido tais requisitos indispensáveis, para determinar a possibilidade de seu reconhecimento, ou não, podemos citá-los: a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No decorrer dos estudos, pode se verificar a possibilidade da extensão da aplicação do princípio da insignificância em outros áreas do direito, como por exemplo no direito tributário, ambiental, previdenciário etc., como base a teoria da premissa bagatela aplicada no direito penal.

4. REFERÊNCIAS

ACÓRDÃO 1202356, 20170310147869APR, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 12/9/2019, publicadonoDJE:23/9/2019, disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/wFPJcSH8qvzXmLMYQGss7LJ/?lang=pt. Fonte: Agência Câmara de Notícia.

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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro; E-mail: pr.makiasdedeus@hotmail.com; ORCID – https://orcid.org/0009-0001-3582-8583