THE PRINCIPLE OF EQUALITY IN A MATERIAL SENSE AS AN INSTRUMENT OF SOCIAL JUSTICE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7797982
Marcelo Perez da Cunha Lima1
Márcio Alvarenga Godofredo2
Maria Paula Mendonça Vieira3
Rogério Emílio de Andrade4
Rubens Vinícius Vieira Nascimento5
RESUMO
O Art. 5º da Constituição Federal de 1988 positiva no ordenamento jurídico nacional o princípio da igualdade, o qual, no seu sentido formal, pode ser entendido em sua literalidade: todos são iguais perante a Lei. Não obstante, o texto constitucional deve ser interpretado juntamente com os demais princípios ali previstos, especialmente os relativos à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais. Assim, tratar as pessoas desiguais de forma desigual, não resulta numa igualdade, mas sim na perpetuação das desigualdades observadas desde o início. Por isso, para que a igualdade também seja garantida em seu sentido material é preciso tratar os desiguais de forma desigual na medida em que desigualam dos demais. A problemática que se pretende responder consiste: qual o conteúdo do princípio da igualdade e seu papel na busca pela justiça social? A metodologia empregada foi a pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica. A conclusão é de que a utilização do princípio da igualdade em sentido material é um importante instrumento de justiça social, pois combata as desigualdades históricas apresentadas na realidade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Igualdade. Equidade. Justiça Social.
ABSTRACT
Art. 5 of the Federal Constitution of 1988 positive in the national legal system the principle of equality, which, in its formal sense, can be understood in its literality: all are equal before the Law. However, the constitutional text must be interpreted together with the other principles provided therein, especially those related to the dignity of the human person and fundamental rights. Thus, treating unequal people unequally does not result in equality, but rather in the perpetuation of inequalities observed from the beginning. Therefore, for equality to be also guaranteed in its material sense, it is necessary to treat unequals unequally insofar as they are unequal from others. The problem that is intended to be answered is: what is the content of the principle of equality and its role in the search for social justice? The methodology used was qualitative research of a bibliographical nature. The conclusion is that the use of the principle of equality in a material sense is an important instrument of social justice, as it combats the historical inequalities presented in the Brazilian reality.
KEYWORDS: Equality. Equity. Social justice.
1 INTRODUÇÃO
O Art. 5º da Constituição Federal de 1988 positiva no ordenamento jurídico nacional o princípio da igualdade, o qual, no seu sentido formal, pode ser entendido em sua literalidade: todos são iguais perante a Lei.
Não obstante, o texto constitucional deve ser interpretado juntamente com os demais princípios ali previstos, especialmente os relativos à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais.
Assim, tratar as pessoas desiguais de forma desigual, não resulta numa igualdade, mas sim na perpetuação das desigualdades observadas desde o início. Por isso, para que a igualdade também seja garantida em seu sentido material é preciso tratar os desiguais de forma desigual na medida em que desigualam dos demais.
A problemática que se pretende responder consiste: qual o conteúdo do princípio da igualdade e seu papel na busca pela justiça social?
Essas são as principais questões que o presente estudo pretende desenvolver, sem prejuízo de outras que, ainda que abordadas de forma ancilar, apresentem-se como elementares à aferição das conclusões aqui pretendidas.
2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM SENTIDO MATERIAL
No Brasil o princípio da igualdade é uma garantia constitucional, assegurado no seu art.5º, caput, que diz que “Todos são iguais perante a lei”. Apesar da clareza do enunciado, é preciso acautelar-se no momento de delimitar seu conteúdo. Pois ele não visa apenas igualar os cidadãos perante a norma legal, mas também garantir que o princípio da isonomia esteja em todas as leis, estendendo sua obrigatoriedade tanto para o legislador como para o aplicador da lei.
As regras da hermenêutica jurídica estabelecem que a lei, sendo um instrumento geral e abstrato regulador da vida social, não deve favorecer uns em face de outros. Visa mais que tudo impedir que seja deferido tratamento diferente para situações ou eventos semelhantes, de forma que os cidadãos abarcados por ela devem receber tratamento equiparado.
De tal maneira que não seria fiel ao espírito constitucional buscar seu conteúdo apenas no ensinamento atribuído a Aristóteles de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam, conforme alerta Bandeira de Mello[1]:
(…) para desate do problema é insuficiente recorrer à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sem contestar a inteira procedência do que nela se contém e reconhecendo, muito ao de ministro, sua validade como ponto de partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais e quem são os desiguais? (MELLO, 2010, pg. 10-11).
Munido com a referida indagação o autor magistralmente desenvolve seu raciocínio na sua obra pequena em extensão, mas grandiosa em termos de essência. Com isso não pretende sugerir que o autor chega a uma resposta concreta para pergunta supramencionada. O que faz brilhantemente é estabelecer pontos de referência que podem ser utilizados no caso concreto, quando a vida de fato exige que seja então delimitada quem são os iguais e quem serão os desiguais segundo o objetivo que o texto constitucional visa atingir.
Para tal, assume que a lei não faz outra coisa se não discriminar, descriminam situações, pessoas, causas, consequências, entre outros. No entanto a “chave de ouro” é que a descriminação só será legitima na medida em que mantém relação lógica com o objetivo que o texto constitucional visa alcançar.
3 A IGUALDADE MATERIAL COMO PROMOÇÃO ESTATAL DA JUSTIÇA SOCIAL
No que tange a moderna organização em Estados, o que posteriormente chega ao Estado social, Paulo Bonavides[2] diz que este mantém como principal característica e como verdadeira razão de existência seu dever de produzir comandos normativos isonômicos que vise à realização da igualdade fática.
Nesta mesma perspectiva, é que encontramos em José Joaquim Gomes Canotilho[3] o entendimento de que a principal função de Estado é zelar pelos direitos fundamentais, assegurando que não ocorra a discriminação, cuidando para que todos sejam tratados igualmente. Para que tal façanha seja possível é indispensável que o Estado atue por meio dos “direitos a prestações (prestações de saúde, habitação)”. Aconselhando também que as polêmicas em torno das cotas e ações afirmativas que visam reparar as desigualdades de oportunidades, sejam resolvidas no mesmo sentido.
Partindo dos pressupostos acima apresentados, chega-se a constatação de que a não discriminação emana do princípio de igualdade, e sendo este um dos mais importantes princípios do ordenamento, do qual o Estado democrático deve buscar fundamentar suas ações perante seus cidadãos.
Avançando na análise, constata-se que o período após a Segunda Grande Guerra foi de grande fertilidade para os direitos humanos, no qual esteve presente a elaboração de documentos como a Declaração Universal do Homem, de 1948, que dispõe, entre outros, a respeito da não discriminação; bem como da criação de organismos internacionais, tais quais a OIT, de 1951, tratando também da descriminação das funções existentes entre homens e mulheres como ilegítimas. Estes e outras iniciativas internacionais sempre tiveram como foco instrumentalizar/tornar efetivo o princípio de igualdade.
No que desrespeita ao Brasil, além do seu comprometimento firmado com as organizações internacionais, encontra-se a igualdade prevista constitucionalmente, na nossa Carta Maior de 1988, em seu artigo 5º, caput, (também em outros incisos e artigos). Estabelecendo a igualdade como mais do que uma mera norma, deveras um princípio.
Em semelhante sentido, encontra-se o pensamento de Luiz Alberto David Araujo[4], explicitado na comparação das Constituições anteriores:
a igualdade, portanto, teve alteração topográfica em relação ao texto anterior, tendo essa mudança significado de grande importância na interpretação do texto. Assim, deixo a igualdade de ser fixada apenas com um dispositivo e passou a constatar como regra matriz (ARAUJO, 1997, p. 76).
Portanto, constata-se que estamos diante de uma evolução da igualdade formal para a igualdade material. A primeira, podendo ser entendia como aquela que é dirigida apenas ao aplicador da norma, a qual é esperada tanto deste como do legislador que a elaborara, garantindo tratamento igual a todas as pessoas, sem qualquer diferenciação. Constituindo a justiça distributiva.
Já a segunda, pode ser entendida como a igualdade na lei, a qual teve grande desenvolvimento no fim do século XIX, sendo fortemente influenciada pelas ideias de Rousseau, com sua defesa a soberania popular, se torna o grande nome da luta da burguesia pela igualdade de direitos.
Neste sentido, é que recentemente alguns autores começaram a escrever suas constatações de que apenas a igualdade formal não é capaz de atribui a assistência que necessitam as pessoas com deficiência. Defendendo que a existência digna do homem passa diretamente pelos direitos sociais, que devem ser garantidos pela intervenção ativa do Estado.
A referida evolução possibilitou avanços na igualdade de oportunidade, bem como na promulgação de leis que possibilitaram que as pessoas com deficiências fossem equiparadas as demais.
A justiça que reclama tratamento igual para os desiguais pressupõe tratamento desigual para os desiguais. Isso impõe, em determinadas circunstâncias, um tratamento diferenciado entre homens, exatamente para estabelecer, no plano do fundamental, a igualdade (FERREIRA FILHO, 1997, p. 27).
Conforme os dizeres de Ferreira Filho[5] são justamente as medidas afirmativas tomadas pelo Estado que possibilitaram a igualdade, historicamente defendida e já positivada na Constituição Federal de 1988, dentre todas as pessoas, independente de suas diferenças. Portanto, só com tais medidas de inclusão social é que será respeitada a dignidade da pessoa humana em sua totalidade.
Neste sentido, se isolarmos como objeto de estudo algum ou alguns elementos do todo que compõe a sociedade, o que foi exposto até o momento tende a ficar mais claro. Com tal intuito é abordada então a questão das pessoas com deficiência frente ao princípio constitucional da igualdade, conforme segue trecho do encarte publicado pela UNESCO, Maria Inês de Souza Ribeiro Bastos[6]:
Teoricamente, as pessoas com deficiência usufruem dos mesmos direitos que os demais cidadãos e cidadãs. Mas a discriminação por elas enfrentada é resultado de longo processo, histórico {sic}, de exclusão, {sic} que faz desse grupo da população um dos mais vulneráveis da sociedade atual. Avanços significativos foram registrados nas últimas décadas no Brasil e no mundo, e são revelados, por exemplo, por textos legislativos adotados nacional e internacionalmente (BASTOS, 2007, pg. 12).
Partindo de tal delimitação, seguiremos tendo em vista que esta porção da sociedade só terá seu direito a igualdade garantido, de forma que cada indivíduo possa autonomamente usufruir seus direitos e realizarem seus deveres, quando finalmente a sociedade propiciar a efetiva inclusão de todos seus integrantes.
No entanto deve ficar claro que não se trata de caridade, e sim de respeito ao postulado da dignidade humana, que, conforme Luiz Alberto David Araujo[7], implica no postulado da igualdade. Conforme elucida trecho do livro de João Baptista Cintra Ribas[8]:
Quem trata de uma pessoa portadora de deficiência não está “ajudando” no sentido piegas da palavra ou prestando uma caridade. Está, pelo contrario, atendendo a um direito que a pessoa tem como um ser humano, da mesma forma como qualquer um de nós – rico ou pobre, branco ou negro – tem direito a alimentação, emprego salário digno, moradia, escola e saúde (RIBAS, 1995, pg. 46).
Em sentido semelhante é as considerações desenvolvida pela autora Maria Inês de Souza Ribeiro Bastos[9]:
O processo de construção dos direitos humanos das pessoas com deficiência, no entanto, assim como o de outros grupos discriminados da população, não começa com a legalidade de textos, mas com a legitimidade de ações de pessoas e grupos organizados que, por meio da pressão social, reivindicam direitos humanos e impulsionam a mudança, adequação e implementação da legislação. Essa é a essência da nova cidadania, reivindicada, vivenciada, exercida e praticada por pessoas e movimentos sociais em todo o mundo (BASTOS, 2007, pg. 12).
Com isso a autora resgata a o entendimento de que os direitos humanos das pessoas com deficiência e dos demais grupos que sofre constante descriminação não deve se limitar a leis positivadas, mas que a construção deve atingir o nível da mudança, da implementação das medidas positivadas no texto legal, de acordo com os novos rumos apontada por uma nova cidadania, que se faz necessário um maior grau de envolvimento com a causa em pleito.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O referido estudo chega a conclusão de que o caráter material do princípio da igualdade, ou seja, o tratamento dos desiguais de forma desigual na medida em que se desigualam aos demais, é um importante instrumento de promoção da justiça social. Tendo em vista que possibilita a atuação estatal no sentido de dirimir e ataca às desigualdades oriundas dos processos históricos aos quais o Brasil foi submetido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997.
BASTOS, Maria Inês de Souza Ribeiro. Inclusão digital e social de pessoas com deficiência: textos de referência para monitores de telecentros. Brasília, DF: UNESCO, 2007
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 376-378.
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 385.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2010.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2010.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 376-378.
[3] CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 385.
[4] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1997.
[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 1997.
[6] BASTOS, Maria Inês de Souza Ribeiro. Inclusão digital e social de pessoas com deficiência: textos de referência para monitores de telecentros. Brasília, DF: UNESCO, 2007.
[7] ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 178.
[8] RIBAS, João Baptista Cintra. Viva a diferença: convivendo com nossas restrições ou deficiências. São Paulo: Moderna, 1995.
[9] BASTOS, Maria Inês de Souza Ribeiro. Inclusão digital e social de pessoas com deficiência: textos de referência para monitores de telecentros. Brasília, DF: UNESCO, 2007.
1Bacharel, Especialista e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, atua como Procurador do Município e exerce a docência na FACIC e na FASC.
2Advogado, Diretor Administrativo na Câmara Municipal de Cachoeira Paulista e Professor Universitário na Faculdade de Ciências Humanas de São Paulo – FACIC e Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestre em Direito Sociais, Especialista em Direito Processual Penal, Civil e Trabalhista.
3Professora Especialista – Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA; Bacharel em Direito – Centro Universitário Armando Álvares Penteado – FAAP; Especialista em Registros Públicos – UNICEA; Mestranda em Direito Constitucional – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC.
4Advogado, Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie), Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito (USP); Professor Universitário no Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA, Faculdade de Ciências Humanas do Estado de São Paulo – FACIC.
5Professor Especialista do Centro Universitário Santa Cecília – UNICEA. Mestrando em Design, Tecnologia e Inovação pelo Centro Universitário Teresa D’Ávila. Especialista em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Administrativo e Licitações; Especialista em Direito Imobiliário pela Faculdade Única de Ipatinga. Bacharel em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista. Advogado, Servidor Público Municipal e Professor Universitário.