O PRINCÍPIO DA EQUIDADE ANALISADO SOB A PERSPECTIVA DO COMANDO CONSTITUCIONAL E PRINCIPAIS DIPLOMAS INFRACONSTITUCIONAIS BRASILEIROS

THE EQUITY PRINCIPLE ANALYZED FROM PERSPECTIVE OF  CONSTITUCIONAL COMMAND AND MAIN BRAZILIAN INFRACONSTITUTIONAL LAWS   

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7607543


Fernando Henrique Panontin1


RESUMO: Este trabalho tem como objetivo estudar o desenvolvimento  histórico do princípio da Equidade, bem como fazer uma breve análise do caminho percorrido por este princípio para adentrar em nosso ordenamento jurídico e conceitos sobre a melhor aplicabilidade de tal princípio à luz do nosso  texto Constitucional e dos dois principais diplomas legais infraconstitucionais.  

PALAVRAS-CHAVE: Equity application of the principle in the light of the  Brazilian legal system. 

ABSTRACT: This work aims to study the historical development of the principle  of Equity, as well as to make a brief analysis of the path followed by this  principle to enter our order and concepts about the Best applicability of such  principle in the light o four Constitutional tex and the two main infraconstitutional  legal laws. 

KEYWORDS: Provisional guardian – Provisional guardian of urgency and  anteciped – Decisory stability 

1- INTRODUÇÃO 

O instituto da Equidade origina-se do Direito Romano, tendo,  portanto, mais de dois mil anos de história. Ao lado de outros mecanismos de  interpretação, preordena-se a suprir os inevitáveis pontos que ensejam lacunas da legislação. 

Com efeito, representa importante mecanismo no labor exegético,  merecendo, pois, ser redimensionada sua utilização no âmbito do direito, tanto  privado, como público, sobretudo na edição das normas concretas e  individuais, tudo em prol do aprimoramento dos altaneiros ideais de justiça. 

É com esse animus que a Equidade será examinada em seus  contornos e na sua densidade, de forma sucinta embora, consoante estampado  nos tópicos subsecutivos. 

2- PRINCÍPIO DA EQUIDADE – UM BREVE HISTÓRICO 

A palavra Equidade, insculpida em nosso ordenamento jurídico, tem  como significado mais destacável à “disposição de reconhecer igualmente ao  direito de cada um.”2 

Sob a tutela semântica, a expressão “equidade” origina-se do  latim aequitas e aequus. Com efeito, a palavra “equus” significa “igual, justo,  parelho”, da qual provém “aequitas” que, a seu turno, reveste o sentido de  “igualdade, conformidade, simetria”. 

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa assim a define: 

1. Apreciação, julgamento justo; 1. respeito à igualdade de direito de  cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do  que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções. 2.  Virtude de quem ou do que (atitude, comportamento, fato etc.)  manifesta senso de justiça, imparcialidade, respeito à igualdade de  direitos. 3. Correção, lisura na maneira de proceder, opinar etc.;  retidão, equanimidade. Igualdade, imparcialidade. 

O direito assimilou para si a palavra “equidade” com a mesma carga  semântica da linguagem comum, atribuindo-lhe alguns foros de juridicidade. A  riqueza e amplitude do termo encontra guarida igualdade conjugada com  justiça que se sobrepõe à letra da lei ou da lacuna da lei. 

Sob a luz do Direito Civil Brasileiro, a correta aplicabilidade da boa  justiça a um caso em concreto, é seguramente a melhor maneira da expressão  deste princípio, que é um norteador de nosso sistema jurídico. 

É difícil precisar quando exatamente este princípio ensejou seus  primeiros passos na história da humanidade, mas seguramente Platão e  Aristóteles, foram grandes ícones do tema, e deixaram estudos, verdadeiros  legados, sobre o alcance da expressão “equidade”.  

Platão entendia a justiça como forma de harmonizar e dar ordem às  partes para obtenção de objetivos da Comunidade, que para ele era um  requisito sine qua nom para a felicidade da comunidade e de seus membros.  Para ele, igualdade não deveria estar no ponto de chegada, mas sim no ponto  de partida.  

O renomado filósofo, muito a frente do seu tempo, já percebia o  contrassenso entre o positivado na letra da lei e o justo propriamente dito:

…jamais uma lei seria capaz de estabelecer com exatidão o melhor e  o mais justo a todos simultaneamente. Na verdade, entre os homens,  como entre os atos, há dessemelhanças, além de que nenhuma  coisa humana é imutável, o que não permite a nenhuma arte, seja  ela qual for, formular nenhum princípio cuja simplicidade valha para  toda uma matéria, sobre todos os pontos, sem exceção, e para todos  os tempos.3 

Por sua vez, Aristóteles aprimorou os conceitos apresentados por  Platão, dando-lhe um escopo mais abrangente, segundo a qual equidade  consiste em “uma mitigação da lei escrita por circunstâncias que ocorrem em  relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou tempos.”4 

Com brilhantismo, o ilustre filósofo consagrou a frase “Devemos  tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. A despeito de parecer um conceito de tanta obviedade, milenar  tem sido a luta para que tal assertiva venha a imperar em nossa sociedade.

Sob a ótica daquele que é considerado o grande filósofo, quando a  lei se expressa em termos gerais, será, então correto corrigir a deficiência, por  meio de um novo pronunciamento, que por certo o legislador teria se  pronunciado, caso houvesse previsto tal hipótese particular. Por conseguinte, a  este raciocínio, o equitativo será sempre o justo e superior. Nesta senda, se  pronunciou o pensador: 

Tal é natureza própria da equidade, ou seja, ele constitui uma  correção da lei onde esta é lacunar por força da sua generalidade. A  propósito, ai reside a razão de nem todas as coisas serem  determinadas pela lei, a saber, em alguns casos (e situações) é  impossível estabelecer uma lei necessária e decreto com efeito…tal  como a régua não é rígida, podendo ser flexibilizada de modo a se  ajustar aos fatos circunstanciais. Está claro, portanto, o que é  equitativo, que é justo e superior a certa espécie de justiça. A partir  disso se evidencia, igualmente, quem é o indivíduo equitativo,  nomeadamente alguém que por prévia escolha e hábito pratica o que  é equitativo, e que não é inflexível quanto aos seus direitos, exibindo  o pendor de receber uma porção menor mesmo que tenha a lei a seu  favor. E o estado que se identifica com isso é a equidade, a qual é  uma espécie de justiça e não um estado distinto.5

Sob este mesmo condão, discorreu o falecido e respeitado professor  da USP, Rubens Limongi França em sua obra:

É conhecida a metáfora de Aristóteles utilizada para diferenciar a  justiça da equidade. Dizia o filósofo que a primeira corresponderia a  uma régua rígida, ao passo que a outra se assemelharia a uma  régua maleável, capaz de se adaptar às anfractuosidades do campo  a ser medido. Sem quebrar a régua (que em latim é regula, ae, do  mesmo modo que regra), o magistrado, ao medir a igualdade dos  casos concretos, vê-se por vezes na contingência de adaptá-las aos  pormenores não previstos e, não raro, imprevisíveis pela lei, sob  pena de perpetrar uma verdadeira injustiça e, assim, contradizer a  própria finalidade intrínseca das normas legais.6

Numa análise historicista, é do Direito Romano a principal influência  para a aplicação da equidade, eis que na construção jurídica romana conferiam-se poderes ao juiz para decidir por equidade em preferência a  judicância sob a letra da lei. 

Alguns séculos depois, no direito medieval, é de suma relevância a  abordagem de São Tomas de Aquino, que fez desdobramentos significativos  do conceito de equidade esboçado por Aristóteles, porém sob uma perspectiva  dos valores bíblicos cristãos.

O pensador, com muita propriedade faz arrazoamentos sobre a  justiça, sempre sob a premissa de aliar a fé e a razão. Com profundidade faz  considerações sobre o conjunto de interesses do homem, trazendo para o  spectrum central da discussão a premissa de equidade Aristotélica. 

Hobbes por sua vez avançou um pouco mais, ainda que muitas  vezes ad latere. Para ele, a equidade era uma das virtudes morais oriunda do  direito natural, mas não consistindo em ser propriamente uma lei. A essência  da equidade era uma qualidade que acabava predispondo o homem à  obediência e à paz.  

Havendo pretensões de estabelecer a equidade ou a justiça como  algo obrigatório, seria necessário que a equidade fosse regulamentada pela lei  civil, e nesta toada ele assentava, “A equidade ou Justiça Distributiva é gerada  pela observância da Lei que determina que se distribua equitativamente a cada  homem o que lhe cabe, segundo a Razão”.7 

Por fim, neste vislumbre histórico, faz-se necessário citar a  contribuição de John Locke. Um grande visionário, antecipando décadas, para  não dizer séculos, assim assentou o ilustre pensador:

Embora o Estado de Natureza tenha tal direito (de a ninguém se  sujeitar), a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente  exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto  ele, todo homem igual a ele, e na maior parte poucos observadores  da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias  obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia  de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de  boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da  liberdade e dos bens a que chamo de propriedade.8 

Equidade na Common Law e na Civil Law

Hodiernamente, o direito ocidental é dividido em duas grandes  famílias, dois grandes sistemas: (i) o da tradição romano-germânica, também  referido como civil law, baseado, sobretudo, em normas escritas, no direito  legislado; (ii) e o common law ou direito costumeiro, originário do direito inglês,  que sofreu menor influência do direito romano, e desenvolveu um sistema  baseado nas decisões de juízes e tribunais, consistindo o direito vigente no  conjunto de precedentes judiciais.9 

O termo Common Law, originalmente empregado no direito inglês, é  o direito que se desenvolveu em certos países por meio das decisões dos  tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui, portanto,  uma família do direito diferente da família romano-germânica, que enfatiza os  atos legislativos. No sistema Common Law a construção jurídica é quase que  integralmente assentada nos julgados dos tribunais e no senso comum.

O sistema Common Law, espraiado ao mundo pelos ingleses, em  seus pressupostos filosóficos prestigiam o instituto da Equidade que se  espraiou para o direito anglo-saxão e, como folhas de outono, repercutiu no  cenário internacional. A propósito, vejamos o conceito de “equidade” conforme  proposto no verbete equity no Law Dictionary de Maria Chaves de Mello:

“Equidade é conjunto de regras e princípios que surgiu e se  desenvolveu na Inglaterra, estendendo-se depois aos demais países  do tronco anglo-saxão, com vigência para corrigir distorções  da Common Law, decidindo as questões segundo as particularidades  do caso e que, geralmente, se aplica quando o direito estrito não  oferece um remédio adequado ao caso concreto; Ramo do sistema  da Common Law que privilegia a obediência aos princípios de ordem  ética e moral, em vez de formalismo jurídico, e cujas decisões se  fundamentam nas máximas de equity, tributárias dos brocardos jurídicos latinos e proferidas apenas pelos juízes togados, sem a  participação do júri popular, por visarem apenas questões de  direito”.10

No que concerne ao princípio da equidade, a grande vantagem do  sistema da Common Law, é que não há apego de se seguir estritamente a letra  da lei. Nesta sistemática, por naturalidade ao se prestigiar os julgados e o  senso comum, com muito mais frequência se consegui aplicar o bom direito ao  caso em concreto, prestigiando assim com muito mais repetição a prevalência  do princípio da Equidade.  

Por contrapartida, no sistema normativo Civil Law, sistema este  preponderante no direito brasileiro, a grande dificuldade não é definir os exatos  contornos do que é equidade, mas demonstrar quando e por que deve ser  aplicado o princípio da Equidade em detrimento aos dispositivos legais. 

No sistema Civil Law, acredita-se que a dificuldade de dar a melhor  aplicação a equidade, esteja centralizada no fato de que com muita frequência,  a despeito da clara percepção do peso que a equidade possa fazer, encontra se óbice na normativa legal de aplicá-la. Neste sentido, faz-se prudente  mencionar as formas que a equidade pode se revestir, já que as vezes ele  assume a forma integrativa e as vezes a forma valorativa. 

Tratando sobre este tema, Silvio Venosa nos legou uma valorosa lição:

Tratamos aqui da equidade na aplicação do Direito e em sua interpretação, se bem que o legislador não pode olvidar seus princípios, em que a equidade necessariamente deve ser utilizada para que a lei surja no sentido da justiça. A equidade não é só o abrandamento da norma em um caso concreto, como também sentimento que brota no âmago do julgador. Como seu conceito é filosófico, dá margem a várias concepções.(…). Entendamos, porém, que a equidade é antes de mais nada uma posição filosófica; que cada aplicador do direito dará uma valoração própria, mas com a mesma finalidade de abrandamento da norma. Indubitavelmente, há muito de subjetivismo do intérprete em sua utilização.11

Em sua forma valorativa, a equidade tem uma abrangência maior, se  apresentando sob múltiplos aspectos, a exemplo dos conceitos vagos e  indeterminados, tal como na aplicação da lei segundo os fins sociais a que se  destina. Portanto, a valoração judicial estará imbuída e valorada por equidade,  sem se dizer, no nosso sistema, que o julgamento foi realizado aplicando-se a  equidade. É neste cenário que encontramos a equidade valor, ou utilizada sob  a forma valorativa. 

Importante o registro de excelentíssimo ministro Presidente do  Supremo Tribunal Federal, Luís Fux ao tratar da equidade valor:

Substancialmente, o juiz ao decidir o mérito, deve adotar a “solução  que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei  e às exigências do bem comum.” Nesse particular, a lei, utilizando-se  de conceitos juridicamente indeterminados, autoriza o juiz a inverter  o velho silogismo e adotar a solução justa para depois vesti-la com a  regra legal aplicável à luz da equidade e das exigências do bem  comum, Assim, o juiz deve levar em consideração não apenas a letra  da lei, senão ambiente em que ela vai ser aplicada, amoldando-a às  novas realidades, sem contudo estar autorizado a decidir contra legem, Essa regra in procedendo funciona com plenitude quando há  lacunas na lei.12 

Por seu turno, a equidade integrativa corresponde a uma ideia de  justiça da consciência média que está presente nas comunidades. É uma  justiça do caso concreto. Aquilo que o próprio legislador diria se tivesse presente, o que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do caso concreto. 

Sob este diapasão, me empresto do que ensina o jurista Sergio Cavalieri Filho, in verbis:

“Segundo Aristóteles, a equidade tem uma função integradora e  outra corretiva. A primeira tem lugar quando há vazio ou lacuna na  lei, caso em que o juiz pode usar a equidade para resolver o caso,  sem chegar ao ponto de criar uma norma, como se fosse o  legislador. Essa equidade integradora ou supridora de lacuna permite  ao juiz, partindo das circunstâncias do caso específico que está  enfrentando, chegar a uma conclusão, independentemente da  necessidade de criar uma norma. Deve o juiz procurar expressar, na  solução do caso, aquilo que corresponda a uma idéia de justiça da  consciência média, que está presente na comunidade. Será, em suma, a justiça do caso concreto, um julgamento justo, temperado,  fundado no sentimento comum de justiça.”13

Isto porquê, no primitivo estágio da civilização humana – o estado  natural, a equidade era presente em todas as decisões, eis que a  correspondência ação e reação se via sentir face o efeito punitivo, correcional,  de castigo, prontamente aplicada em condutas desaprovadas por aquele meio  social. Ocorre, porém, que na antiguidade o conceito de equidade era aberto, e  por demais amplo, gerando assim, não raro, injustiças porque não se tratava de  regra de exceção, mas de aplicação em todos os casos, irrestrita e  ordinariamente. 

Já em tempo mais modernos, como se havia de esperar, no sistema  Civil Law, o princípio da equidade está a beira da ruína, dando ensejo à  existência do estado legal, do estado da legalidade. Neste, a equidade era  exceção, e só poderia ser aplicada se prévia e disposta pelo legislador. A  estabilidade das relações sociais, assim, passou a ser mais perene, como  consequência natural não se antecipando à errada conclusão de que todos os  julgamentos realizados por equidade são insatisfatórios por não prescindirem  da formação cultural e humanística de seu aplicador. 

Olhando sob ambos os sistemas, quer na Common Law, quer na  Civil Law, o princípio da equidade se depara com algumas debilidades. Não há  como deixar de reconhecer que, in abstracto, é impossível prever todas as  condutas que mereçam tratamento legal, e consequentemente venham a ser  disciplinadas pelo Direito.  

É com pesar que se constata que, em qualquer ordenamento  jurídico, a tentativa de prever todas as hipóteses que eventualmente  precisariam de intervenção jurídica, se feita, será fadada ao insucesso porque  o ser humano, tem em sua essência a mutabilidade, e assim prontamente  revelará uma nova condição ou particularidade, que não prevista  anteriormente.  

Assim, se torna imperiosa a utilização da equidade como forma de  fazer justiça a casos particularizados.

Por derradeiro, ainda nesta temática, creio ser prudente o alerta  proposto pelo consolidado operador do direito Caio Mario da Silva Pereira, que  afirma que a equidade pode ser “uma faca de dois gumes”.  

Pois, se por uma mão, dá permissão ao juiz para a aplicação da lei  de forma a melhor amoldá-la ao caso em concreto, por outro banda pode servir  como o instrumento de ativismo judicial, dando asas às tendências de  legislador do magistrado “que, pondo de lado o seu dever de aplicar o direito  positivo, com ela acoberta uma desconformidade com a lei”, sendo tal  assertiva fácil de ser constatada.

3- EQUIDADE NA CONSTITUIÇÃO 

A preocupação em entender o real significado da expressão  “equidade” é por demais válida, já que desde seu nascituro, foi proposta como  verdadeiro conceito aberto e impreciso por natureza. Valoração sob os mais  diversos ângulos (cultural, histórico, econômico), dentre vários outros aspectos,  se torna imperiosa, reconhecendo-se, também, que cada pessoa possui uma  valoração própria, ainda que irmanada em uma comunidade relativamente  homogênea.  

Em face desta premissa indubitável, há orientações no sentido de  que a equidade não seja veículo para a proteção de interesses menores e  escusos, destoando, por completo, do fim almejado na sua utilização. 

Sob este condão, que entendo ser de primordial destaque, o assento  Constitucional do princípio da equidade. Quer seja na Common Law ou na Civil  Law, a positivação do princípio na lei Suprema de um país traz uma melhor  segurança, aplicabilidade e também melhor efetividade deste princípio.  

Considera-se a Magna Carta o documento que esboçou o que  posteriormente seria chamado de Constituição. “A ideia de Constituição, como  a vemos hoje, tem origem mais próxima no tempo e é tributária de postulados  liberais que inspiraram as Revoluções Francesa e Americana do século XVIII”14

As normas jurídicas contidas na constituição impõem à sociedade,  determinados tipos de conduta. 

Sejam elas quais forem, o indivíduo deverá reger-se por meio delas,  sendo elas exigências básicas, com fundamentos, que se relacionam de forma  direta ou indireta com as mais variadas situações que ocorrem no dia a dia do  indivíduo.  

Tais regras são postas como um ingrediente principal na ciência do  Direito, e sua aplicação se dá como medida de segurança jurídica, tornando-se  pilar para as fontes do direito, sejam elas materiais ou imateriais, os princípios  deverão ser apreciados. 

Assim, desde os primórdios de um texto constitucional, podemos  observar que o princípio da igualdade foi mencionado em dois artigos da  Magna Charta Libertatum, de 1215, quais sejam:

Art. 39 Nenhum homem livre será preso ou detido em prisão ou  privado de suas terras ou posto fora da lei ou banido ou de qualquer  maneira molestado; e não procederemos contra ele, nem o faremos  vir a menos que por julgamento legítimo de seus pares e pela lei da  terra. 

Art. 48 Não se prenderá nem se espoliará ninguém, seja de que  modo for, se não tiver havido julgamento por seus pares, segundo as  leis do país. 

Por seu turno, alguns séculos mais tarde, em 1789, na França, a  Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão previu a igualdade em seu  artigo 1º, afirmando que:

Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As  distinções sociais só podem se basear na utilidade comum

Já adentrando no mundo moderno, dando um salto de mais de  século, temos a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada  pela ONU em 1948, afirmando em seu artigo 7º que:

Todos são iguais perante a lei e têm direito sem distinção a uma  eqüitativa proteção da lei. Todos têm direito a uma proteção igual  contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e  contra qualquer incitação a uma tal discriminação.

No tocante a igualdade, Norberto Bobbio afirma que este valor,  juntamente com a liberdade, se enraíza na consideração do homem como  pessoa. Para ele ambos pertencem à determinação do conceito de pessoa  humana, como ser que se distingue ou pretende se distinguir de todos os  outros seres vivos. Liberdade indica um estado; igualdade, uma relação. O  homem como pessoa deve ser, enquanto indivíduo em sua singularidade, livre;  enquanto ser social, deve estar com os demais indivíduos numa relação de  igualdade.15 

Com cunho muito parecido, temos A Declaração de Independência  dos Estados Unidos da América se inicia da seguinte maneira:

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário  a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e  assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que  lhe dão direitos as leis da natureza e as do Deus da natureza, o  respeito digno às opiniões dos homens exige que se declarem as  causas que os levam a essa separação. Consideramos estas  verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são  criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis,  que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.

Já adentrando no cenário Constitucional brasileiro, em nosso  primeiro texto Constitucional, em 1824, identifica-se vislumbres de equidade,  com traços que claramente a vinculam ao direito europeu continental:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
I. Nenhum Cidadão pôde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.
XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.
XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.

Embora o primeiro texto constitucional brasileiro mencionasse o  ideal de igualdade, em termos práticos era de clara percepção um grande  contrassenso, já que mulheres, pobres e escravos não tinha qualquer direito. 

Avançando algumas décadas, em 1891 tivemos nossa segunda  Constituição, onde assentou-se o nosso modelo federativo para os Estados e a  forma de governo republicana. A despeito de não fazer menção da palavra  equidade, ensaiou-se alguns avanços quanto a dignidade da pessoa humana,  fulcrada no princípio da equidade e igualdade. Destaco o dispositivo que mais  se aproxima do tema deste artigo:

Art.72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
§ 2º Todos são iguaes perante a lei.

Em decorrência do rompimento da ordem jurídica ocasionada pela  Revolução de 1930, a qual pôs fim à era dos coronéis, à Primeira República,  ocorreu um rompimento constitucional. Com isto, tivemos um novo texto  Constitucional, a Constituição Federal de 1934. 

Esta tem sido apontada pela doutrina como a primeira a preocupar se em enumerar direitos fundamentais sociais, ditos direitos de segunda  geração ou dimensão, são aqueles conquistados a partir das lutas dos  trabalhadores na passagem do século XIX para o século XX, como reação às  desigualdades sociais decorrentes da forte polarização das relações entre o capital e o trabalho e da proteção legal que o modelo de estado, até então, vigente garantiu.

No que tange a equidade, dá-se especial destaque para o art. 113, selecionados alguns incisos abaixo dispostos:

Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.
37) Nenhum Juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão na lei. Em tal caso, deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de direito ou por equidade.

Por infortúnio, três anos mais tarde, tivemos um novo rompimento Constitucional. Em 1937 foi outorgada uma nova Constituição, que dado ao seu  caráter autoritário e ditatorial, em nada contribuiu para o tema da equidade. 

Avançando menos de uma década, uma vez mais ocorreu novo rompimento Constitucional. Desta vez, em 1946 foi promulgada aquela que  seria a quinta Constituição Brasileira. Como principais marcos textuais, temos  os seguintes artigos:

Art 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º Todos são iguais perante a lei.
Art 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Parágrafo único – A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.
Art 166 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

Uma apuração rápida, nos leva a fácil conclusão de que pouco se avançou, apenas reintroduziu ao ordenamento jurídico pátrio os termos que foram derrocados pela Constituição não democrática de 1937.

Por fim, passando de largo a Constituição brasileira autoritária de 1967, cumpre fazer uma sintética análise da equidade na Constituição Federal de 1988, sendo esta a Constituição vigente.

Seguramente esta Carta Magna trouxe avanços significativos ao tema da equidade. A denominação de Constituição Cidadã tem bom fundamento nas abordagens triangulares e complementares de Equidade,
Igualdade e Isonomia. Faz-se mister a transcrição de alguns trechos da CF/88:

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
II – até 35% (trinta e cinco por cento), de acordo com o que dispuser lei estadual, observada, obrigatoriamente, a distribuição de, no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
V – eqüidade na forma de participação no custeio;
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação.

A inserção do princípio da Equidade em temas como educação,  saúde, previdência, lazer e trabalho, abrangendo até mesmo a não distinção de  gênero, raça, cor ou classe social, foram marcas distintivas do texto  Constitucional. 

Com muita maestria, destaca-se a compreensão do renomado  civilista Pedro Lenza, especialmente no que tange aos avanços da tríade  Equidade, Igualdade e Isonomia em nossa seara Constitucional, assim  assentada:

“…o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”16

E sob tal assentamento da Carta Maior, que na mesma esteira foi  reformulado o Código Civil (2002) e o Código de Processo Civil (2015), sendo, seguramente os dois diplomas legais mais norteadores de todo o ordenamento  jurídico infraconstitucional brasileiro.

4- EQUIDADE NO CÓDIGO CIVIL 

De fato, o Código Civil de 1916 tratava da equidade de modo  sucinto, mas não a ignorava, eis que era expressamente previsto no  regulamento da disposição do artigo 1.040, IV, bem como com relação ao  artigo 1.456. 

O Artigo 1.040, IV, do Código de 16 permitia que fosse autorizado  aos árbitros, no compromisso, assim entendido o juízo arbitral, a decidirem por  equidade. Por seu turno, o artigo 1456 do Código tratava da equidade ao  determinar a interpretação da lei com respeito ao seguro, cuja redação, acabou  não sendo adotada no Novo Código reformulado em 2002. In verbis, constou: 

Art. 1.456. No aplicar a pena do art. 1.454, procederá o juiz com  equidade, atentando nas circunstâncias reais, e não em  probabilidade infundadas, quando à agravação dos riscos.

Na esfera das leis federais, o Código Civil é seguramente o Códex  mais relevante para qualquer operador do Direito. Na sequência da nossa  construção jurídica, a Lei de Introdução ao Código Civil (1942), nos seus  artigos 4º e 5º da Lei n. 4657, hoje renomeada para Lei de Introdução das Normas de Direito Brasileiro (LINDB), não havia qualquer previsão ao princípio  da equidade.  

Em caráter uníssono, assistia-se no direito privado brasileiro, uma  impossibilidade do uso técnicas de interpretações pelos juízes, inclusive o uso  da equidade e de orientações obtidas por princípios contidos em outros  diplomas legais. É nesta linha que ponderou a época o hoje ministro do STF  Edson Fachin, sobre a necessidade de que a nova codificação civil quebrar as  amarras que tanto engessavam o Direito Civil:

“Para captar transformações pelas quais perpassa o Direito  Civil contemporâneo, há lugar (especialmente agora com o Código  Civil de 2002) para uma nova introdução que se proponha a  reconhecer a travessia em curso e que se destine a um olhar  diferenciado sobre as matérias que compõem o objeto de análise.  Clara premissa que instiga a possibilidade de reconhecer que o  reinado secular dos dogmas, que engrossaram as páginas de  manuais e que engessaram parcela significativa do Direito Civil,  começa a ruir. Trata-se de captar os sons dessa primavera em curso,  com os efeitos da nova codificação civil”.17

Abre-se, então, o caminho para as chamadas cláusulas gerais.  Inseridas no Código Civil de 2002, almejam amenizar o excessivo rigorismo  formal, bem como permitir que questões sejam resolvidas não somente pela  técnica das normas expressas. 

A funcionalização dos institutos de Direito Civil (como a propriedade  e os contratos) tem seu fundamento primeiro na constituição e nos princípios ali  insculpidos. Também a ética e a boa-fé objetiva já vinham sendo aplicadas nas  decisões judiciais, em decorrência da égide democrática e social que a própria  constituição já instituíra. 

Desta maneira, resta despender análise à atuação dos juízes frente  às cláusulas gerais, frisando que estes não são meros aplicadores do que  disposto pelo legislador; por isso, haverá situações que atuarão seguindo preceitos gerais ou ainda atentos à equidade, mas sempre tendo seu atuar fundamentado, bem como limitado, vez que por não terem sido eleitos, não  exercerão o papel de legisladores.

Abriu-se com o advento do novo Código, caminho para as cláusulas  gerais, e com isto o abrandamento do formal, permitindo que questões sejam  resolvidas não somente pela técnica das normas expressas. Assim, o Código  de 2002, ainda em vigor, tem como colunas bases, três princípios. Eticidade, a  Socialidade e a Operabilidade. Isto não afasta o relevante papel da equidade  no Diploma. A despeito de raramente ser usado o termo no principal diploma  civilista patreo, a existência do princípio é clara, especialmente no âmbito das  relações familiares, senão vejamos alguns exemplos:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à  lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições  defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico,  ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. 

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se  a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante  da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a  natureza e a finalidade do negócio. 

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na  conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de  probidade e boa-fé. 

Artigo 944- A indenização mede-se pela extensão do dano. 

Parágrafo único- se houver excessiva desproporção entre a  gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz  reduzir, equitativamente, a indenização. 

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder  familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o  exercerá com exclusividade. Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,  estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

Com certa frequência o princípio vem encampado nas expressões  boa-fé, probidade, igualdade e isonomia. Nesse sentido, de boa valia a lição: “A  equidade, que se identifica com a razoabilidade, com a proporcionalidade e com a vedação do excesso, pode e deve estar presente em toda decisão  judicial, independentemente de haver autorização expressa em Lei.”18

5- A EQUIDADE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 

De súbito, há de ser mencionado que o sistema brasileiro não  admite a utilização irrestrita da equidade integrativa, mas admite,  irrestritamente, a aplicação da equidade valor19. Esta é a tônica que salta aos  olhos, no novo Diploma Processual Civil. 

Qualquer que seja a denominação que a equidade venha a se  revestir, forçoso reconhecer “que cada aplicador do direito dará uma valoração  própria, mas com a mesma finalidade de abrandamento da norma.  Indubitavelmente, há muito de subjetivismo do intérprete em sua utilização,  como outrora registrado.”20 

Um fato é determinante no Código 2015: há autorização legal para  aplicação da equidade, segundo condições ali especificadas, que ipsis litteris  foi assim disposto:

Artigo 127- O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.

O que de pronto se extrai do comando normativo acima transcrito é que a equidade é admitida no direito processual civil brasileiro em caráter excepcional, contudo somente pode ser utilizado quando houver lei prévia que o autorize. É imperioso compreender, que aplicar a equidade todas as vezes que o caso demandar intervenção judicial para melhor extrair do ofício da magistratura o ‘bom direito’, revestir-se-ia de uma ampla inversão da lei, de valores, de direito e da filosofia aplicáveis ao estudo da equidade.

Neste diapasão, a boa doutrina esclarece:

“No direito moderno, às vezes o legislador, querendo evitar o  casuísmo, admite que o juiz profira a sua decisão à vista da espécie,  e assim faça a justiça que o caso concreto reclama. É por aí que a  noção de equidade se avizinha da justiça pura, afeiçoando a decisão  à norma não elaborada, mas presente na consciência do julgador.  Em tais circunstâncias este fica investido da faculdade de aplicar a  norma que estabeleceria se fosse legislador (Código de Processo  Civil, art.127). Fora dos casos em que é expressamente autorizado a  assim decidir, o emprego dela só é tolerado com caráter excepcional,  pois que a própria norma já contém os temperamentos que a  equidade natural aconselha, e não pode servir de motivo ou desculpa  à efetivação das tendências sentimentais ou filantrópicas do juiz.”21

Há um certo dissenso sobre a aplicabilidade do princípio da  equidade nos julgamentos à luz do CPC 2015. A principal discussão se centra  sobre quais os limites do julgador para o uso do princípio da equidade como  elemento de adaptação e integração da norma ao caso em testilha. Em sua construção textual, o Código 2015, abordou o tema de maneira mais  indubitável nos dispositivos abaixo:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.”

Almejando dar um objetivado desfecho, creio ser prudente fazer a  distinção entre o julgamento com equidade do julgamento por equidade. No  primeiro caso, a tomada das decisões judiciais devem ser tomadas, sempre,  com equidade, buscando a melhor aplicação do bom direito ao caso em  concreto. E contrapartida, a decisão por equidade é aquela na qual o juiz deixa de aplicar o direito positivo, sendo mais bem descrita como “toda decisão que  tem por base a consciência e percepção de justiça do julgador, que não precisa  estar preso as regras de direito positivo e métodos preestabelecidos de  interpretação”.22 

Por fim, nesta mesma linha, destaco um trecho de uma decisão  jurisprudencial do STF, decisão esta que apesar de mais antiga que o Código  de Processo Civil e do que a própria Constituição atual, com brilhantismo  elucidou o tema:

“(…) Não pode o juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da  lei não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade,  substituir-se ao legislador para formular ele próprio a regra de direito  aplicável . Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e  equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério …” ( Supremo  Tribunal Federal, RE nº 93.701 MG -, in: DJU, 11.10.1985,  p.17.861).

6- CONCLUSÃO 

O célebre ideal aristotélico, a despeito do tempo e do contexto, ainda  encontra lugar e guarida em nossa sociedade e ordenamento jurídico. 

É latente e atual que “devemos tratar igualmente os iguais e  desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. De igual modo  ainda faz muito sentido a premissa do filósofo “a mesma coisa, pois, é justa e  equitativa, e, embora ambos sejam bons, o equitativo é superior.”

A equidade representa uma forma de corrigir a lei sempre que a  interpretação literal ocasionar uma injustiça. Ao revés de corrigir a lei, a  Equidade busca interpretá-la de modo mais razoável e sensato ao caso em  concreto.  

Concluo que nosso ordenamento jurídico clama por menos ativismo  jurídico, e mais equidade. Há uma carência de mais consensos e julgamentos  com equidade. Neste sentido, muito coerente se faz o comando textual de um  julgamento do STF, a pouco citado, proferido enquanto se construía a redação  de nossa Carta Magna atual “mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com  equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério”.


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1 Bacharel em Teologia, Bacharel em Direito, Especialista em Docência Universitária,  Mestrando em Função Social do Direito Civil. 

2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa

3 PLATÃO. O Político. São Paulo: Abril Cultural, 1991. P.52.

4 ARISTÓTELES apud CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por Equidade no  Código Civil. 2ªed.São Paulo:ed.Atlas.2003.p.27.

5 ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. 4ª Ed. São Paulo. 2014, p. 212/213.

6 FRANÇA, R.Limongi. Hermenêutica Jurídica.2ª ed. São Paulo: ed.Saraiva. 1988.p.71.

7 HOBBES, Thomas. O Leviatã. 3ª Ed. São Paulo: Ícone. 2014. p. 116.

8 LOCKE, John apud OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni in SAMPAIO, José Adércio  Leite(coord). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: ed.Del  Rey. 2003. p. 222.

 9 BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.2ªed. São  Paulo, Editora Saraiva, 2010 p. 14.

10 MELLO, Maria Chaves de. Law dictionary, p. 778.

 11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil-parte geral. São Paulo: ed.Atlas. 2001. p.47.

12 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: ed.Forense. 2011. pp.479- 480

13 CAVALIERI FILHO, Sérgio e DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao  Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P.335.

14 Mendes, Gilmar Ferreira e Branco, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional – 13.  ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.

15 BOBBIO. Norberto. Igualdade e Liberdade. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 5ªed. Rio  de Janeiro: Ediouro, 2002, p.7.

16 Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado – 23. ed. – São Paulo : Editora  Saraiva Educação, 2019. p. 266.

17 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. À luz do novo Código Civil Brasileiro. 2ª  Edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003.p.1

18 VARGAS, Jorge de Oliveira. Julgamento por equidade. Curitiba: Juruá, 2015.p.89

19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. parte geral. São Paulo:ed.Atlas. 2001. p.47 

20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. parte geral. São Paulo:ed.Atlas. 2001. p.47 

21 DE PAGE apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v.I. Rio de  Janeiro: Editora Forense. 2010.p.63.

22 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil Parte Geral  Volume I, 21ª ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2019. p. 28.