O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL COMO FERRAMENTA DE GESTÃO EM SAÚDE PARA A ESTRUTURAÇÃO DAS REDES DE ATENÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

STRATEGIC PLANNING AS A HEALTH MANAGEMENT TOOL FOR STRUCTURING PUBLIC HEALTH CARE NETWORKS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408242211


Rafaella Votta Oliveira1; Lenisa Geron1; Eleonora Furini Gelo1; Daniel Martins Borges2.


Resumo:

Introdução: O Sistema Único de Saúde, ao promover a descentralização administrativa com o “Estado Democrático de Direito”, as Políticas Públicas e suas integrações às Redes de Atenção à Saúde, atua na formulação e implementação de ações que visam melhorar o bem-estar coletivo. Objetivo: Descrever ferramentas de gestão que auxiliam no ordenamento das Redes de Atenção à Saúde e na estruturação de Políticas Públicas. Método: Pesquisa descritiva-qualitativa, baseada em estudo de caso vivenciado no município de Pedregulho (São Paulo). Utilizou-se o planejamento estratégico situacional para identificar vazios assistenciais e propor soluções específicas para os problemas apresentados, acompanhados de uma matriz de intervenção, visando fortalecer a Atenção Primária à Saúde. Resultados: Devido ao aumento das patologias crônicas em detrimento das agudas no Município, as linhas de cuidado que envolvem as doenças crônicas ocuparam o primeiro lugar na Matriz de Intervenção. Em 2023, Pedregulho foi apontado pelo Departamento Regional de Saúde VIII, do estado de São Paulo, como o município com o menor índice de óbitos ocasionados por doenças crônicas evitáveis. Conclusão: Os achados comprovam a efetividade e relevância da aplicação das ferramentas de gestão para identificação dos vazios assistenciais para aimplementação de Políticas Públicas de Saúde.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Atenção Primária à Saúde. Gestão em Saúde. Assistência Integral à Saúde. Planejamento Estratégico.

Abstract:

Background: The Unified Health System (SUS), which by foment administrative decentralization throughthe establishment of the “Democratic State governed by the rule of law”,the Public Health Policies,and their integration within Healthcare Networks, works to formulate and implement actions that aim to improve collective well-being. Objective: Describe the importance of management tools for organizing Healthcare Networks in structuring Public Health Policies. Methods: The research is descriptive and qualitative, based on a case study in Pedregulho city (São Paulo), with field observation and data analysis. Strategic planning was used to identify care gaps in the Healthcare Networks and propose specific solutions for the problems presented, joined by an intervention matrix, aiming to strengthen Primary Health Care. Results: Due to the increase in chronic pathologies to the detriment of acute diseases in the city, the care lines involving chronic diseases filled the first place in the Intervention Matrix. In 2023, Pedregulho was pointedby Regional Health Department VIII as the city with the lowest deathrate caused by preventable chronic diseases. Conclusion: The findings provethe effectiveness and relevance of applying management tools to implement Public Health Policies.

Key-words: Unified Health System. Primary Health Care. Health Management. Comprehensive Health Care. Strategic Planning.

1. INTRODUÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde foi definida como “direito de todos e dever do Estado”1. Diante desse conceito, em 1990 instituiu-se, mediante a Lei Orgânica 8.080, um Sistema Único de Saúde, com princípios e diretrizes definidos para todo o território nacional2,3. Desse modo, as três esferas de governo, ou “Estado Democrático de Direito”, passaram a ter uma maior autonomia administrativa, sem vinculação hierárquica, favorecendo o processo de descentralização4,5.

Em 2010, para aprimorar a dinâmica político-institucional do SUS e suplantar a fragmentação da atenção em saúde, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 4.279, que estabeleceu diretrizes para a organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS)6,7. Com isso, ocorreu a organização da clínica ampliada, utilizando os critérios que favorecem o seu desenvolvimento, como diretrizes, protocolos clínicos, adequação e segurança. Dessa forma, a RAS possibilita o uso das diversas linhas de cuidado, assegurando a integralidade ao longo do contínuo assistencial sendo, portanto, uma grande potencialidade do SUS em meio às ações de políticas públicas8.

Assim, com o objetivo de atender às demandas apresentadas, as Políticas Públicas em Saúde apresentam um ciclo caracterizado em processos de formulação, processamento acompanhamento e avaliação. Cada uma delas é formulada a partir de uma problemática específica e um objetivo esperado, que impactam, direta ou indiretamente, naqueles que agem ou sofrem suas consequências, na tentativa de contribuir para o bem-estar coletivo e individual dos usuários9,10. Dessa forma, requer ações categoricamente selecionadas para implementar as decisões tomadas11.

Diante disso, a partir da edição da NOB 96 (Norma Operacional Básica), denominou-se “gestão” como a responsabilidade em gerir um Sistema de Saúde (nacional, estadual ou municipal)2, executando as funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria12. Nesse sentido, os gestores do SUS são os responsáveis por implementar e executar as Políticas de Saúde a partir do consenso das entidades representativas das instâncias governamentais13,14 para que, em conjunto com a população, consigam permear os entraves de cada município e, assim, elaborar Políticas Públicas direcionadas e estruturadas, garantindo a integralidade dos serviços em saúde15,16.

Portanto, este estudo tem como objetivo descrever o papel das ferramentas de gestão para o ordenamento das Redes de Atenção em Saúde na estruturação de Políticas Públicas, através da identificação dos vazios assistenciais inerentes ao processo de trabalho e suas interferências na tomada de decisão, bem como a identificação dos nós críticos que invalidam a resolubilidade do diagnóstico de rede como ferramenta de saúde. Isso na tentativa de contribuir com a literatura existente na comprovação da efetividade e relevância dessas ferramentas.

2. METODOLOGIA

A presente investigação configura-se como uma pesquisa descritiva de caráter qualitativo, tendo como objetivo desenvolver um relato de caso aplicado e exploratório. Trata-se de uma revisão literária, cujo método permite a síntese de vários estudos já publicados, resultando em uma análise aplicada e com a visualização de lacunas existentes, apresentando perspectivas bibliográficas e históricas17.

No enfoque qualitativo, o pesquisador é instrumento-chave para o delineamento do estudo, o ambiente é a fonte dos dados e o caráter é descritivo, não sendo necessária a utilização de técnicas e métodos estatísticos. O resultado não é o foco, mas sim seu significado e processo, sendo o principal objetivo a interpretação do fenômeno de objeto de estudo18.

Com enfoque holístico, examina-se a natureza global do processo de ferramentas de gestão e seu conhecimento teórico-operacional para implementação de Políticas Públicas de Saúde, facilitando a compreensão da Atenção Básica como foco preferencial para entrada nos demais serviços do SUS19.

Dada a natureza do objeto, optou-se por desenvolver um relato de caso, tendo como cenário Pedregulho, uma cidade do interior do Estado de São Paulo integrante do Colegiado de Gestão Regional (CGR) Três Colinas, componente do Departamento Regional de Saúde de Franca (DRS VIII).

Para a coleta de dados analisados, foi utilizado a observação de vida real e acompanhadas, durante o ano de 2023, as reuniões periódicas de gestão dos profissionais de saúde, juntamente com o Secretário de Saúde do Município.

Na primeira etapa, delimitou-se a questão para revisão: As ferramentas de gestão em saúde contribuem para a estruturação das Redes de Atenção em Saúde como Política Pública?

Na segunda etapa, foram utilizados, para eleição dos componentes bibliográficos, artigos cujos idiomas selecionados foram inglês e português, com recorte temporal de 1980 a 2023. Foram incluídos artigos originais na íntegra em um formato online e legislações públicas. Foram excluídos relatos de experiência, estudo de reflexões, revisões de literatura, dentre outros que não atenderam o escopo do estudo.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entende-se por ferramenta de gestão um dispositivo teórico-metodológico de planejamento. No campo de Política Pública de Saúde, o sujeito é incerto, pois se trata de um sistema social dinâmico, repleto de “ruídos”, os quais podem ser econômicos-sociais, culturais e interesses dos atores políticos20.

Para o planejamento de gestão, o trabalho conceitual, problema público, é colocado como centro21,22. O conceito atribuído é o de planejamento estratégico situacional, o qual incorpora o cenário atual considerando a escassez ou falta de controle das variáveis (recursos, equipamentos, equipes, dentre outras)20.

Em Pedregulho, interior de São Paulo, no ano de 2023, utilizou-se o planejamento estratégico situacional, o qual produz uma matriz de intervenção. Este tem como propósito o delineamento de condutas no âmbito da saúde para que se torne viável a estruturação das linhas de cuidado e o planejamento estratégico mediante diagnósticos de rede. Dessa forma, é possível observar os vazios assistenciais e, assim, desenvolver as intervenções e nortear as ações em saúde, visando a melhoria do atendimento à população23.

O referido modelo consiste em quatro grandes etapas. A primeira é a Explicativa, com o levantamento de problemas sobre os quais deseja-se atuar. Nesta fase, foi efetuado uma reunião com os membros que ocupam cargos de liderança, capitaneado pelo gestor público de saúde. A segunda, a Normativa, busca desenhar as intervenções sobre os problemas analisados. A Estratégica, etapa seguinte, tem como objetivo caracterizar o potencial de mudança e explorar as possibilidades de ampliação da governabilidade dos atores envolvidos no planejamento. Por fim, a Tático-Operacional, momento de ação, que leva ao término de operacionalização e acompanhamento do plano23.

Assim, na primeira etapa foram delimitadas as seguintes linhas de cuidados para análise criteriosa pelos membros da equipe: Saúde Mental; Saúde da Mulher; Saúde do Idoso; Saúde da Criança e do Adolescente; Cuidado Crônico Hipertensão; Cuidado Crônico Diabetes; e Saúde do Trabalhador.

Cada equipe teve como propósito identificar os problemas enfrentados em cada linha de cuidado. A partir disso, foram elencados os vazios assistenciais e elaboradas as soluções para posterior estratificação das matrizes de intervenção.

Para o melhor manejo dos desafios que cada frente assistencial enfrentaria no diagnóstico de rede, foi evidenciado a quantidade de pessoas atendidas pelos serviços de cada uma das linhas de cuidado. Assim, tendo definido cada público, tornou-se mais clara a proporcionalidade entre a lista de problemas a serem enfrentados e as soluções para eles ofertadas.

Com isso, na segunda etapa, seguiu-se o levantamento de problemas. Cada equipe diagnosticou as demandas que interferiam no desenvolvimento de ações em saúde no Município. Juntamente com os instrumentos necessários, foi possível a utilização de ferramentas de gestão para resolução das demandas encontradas dentro de uma rede regional de saúde24.

Na terceira etapa, ocorreu o processamento dos problemas, sendo os resultados agrupados em uma apresentação no PowerPoint e realizada a exposição dos dados por seus respectivos representantes. Elaborou-se uma Matriz de Seleção de Problemas fundamentada no valor, qualificação de importância atribuída, governabilidade, grau de dificuldade política, resposta de outros atores, custo relacionado ao valor econômico e, por fim, tempo de maturação dos resultados.

Dentre as linhas de cuidado, a Saúde da Mulher apresentou o maior público, com 13.282 usuários, e a diversidade dos problemas listados refletiu as diferentes demandas atendidas pelas equipes. Um dos principais vazios assistenciais foi a baixa oferta de exames diagnósticos, como mamografia e colposcopia para rastreio e prevenção dos cânceres mais comuns nessa população (câncer de Mama25 e de Colo de Útero26), além do absenteísmo das usuárias relacionado a esses exames.

Os problemas observados nesse município também são identificados em outros estudos. As presentes desigualdades socioeconômicas e raciais, e o déficit de práticas preventivas contra o câncer de mama, também tiveram grande impacto na população feminina de Campinas (SP), contribuindo para a maior morbimortalidade por essa neoplasia27.

Quanto ao câncer de colo de útero, a baixa cobertura de realização do exame e o grande número de exames de rotina ginecológica não entregues às mulheres, bem como o acesso restrito à colposcopia no sistema público no Estado de São Paulo, são problemas frequentes e enfrentados em todo território nacional, comprometendo a qualidade da triagem e interferindo no combate eficaz contra essa neoplasia. Dessa forma, reforça-se a necessidade de intervenções que visem à promoção da equidade para que seja possível a detecção precoce desses cânceres na população feminina28,29.

Assim, tendo em vista esses estudos, em Pedregulho, na tentativa de priorizar essa questão e resolver os problemas de rotina ginecológica e de acesso, as estratégias adotadas foram a instalação de mutirões de realização de exames e uma dupla confirmação dos agendamentos para as pacientes. Essas medidas foram realizadas buscando diminuir o absenteísmo e favorecer um diagnóstico precoce e eficaz dessas doenças, bem como melhor direcionar os recursos disponibilizados.

Outros dois problemas listados envolviam a gestação como questão central. O primeiro, com o pré-natal em risco devido à dificuldade de adesão ao acompanhamento médico e a difícil inclusão do parceiro em seu processo. E o segundo, o referenciamento e seguimentos deficitários das gestantes incluídas no pré-natal de alto risco.

A não adesão ao pré-natal da mulher é influenciada por fatores inerentes à gestação, como a idade, a escolaridade, o estado civil, o número de gestações e a aceitação da gestação; e fatores extrínsecos, sendo eles a desigualdade regional e social, a acessibilidade aos serviços de saúde e a falta de apoio30. Com isso, apesar das crescentes melhorias na cobertura ao atendimento desses pacientes, todos esses fatores seguem ainda como importantes barreiras para a obtenção de cuidado adequado de pré-natal. Portanto, é necessário entender todo o contexto no qual essas mulheres estão inseridas para que o cuidado seja ofertado adequadamente.

A partir disso, no Município de estudo as soluções adotadas para o enfrentamento dos problemas expostos foram uma busca ativa e mais eficaz das pacientes e seus parceiros aos serviços, o acompanhamento longitudinal, a inclusão ao grupo de gestantes, além da maior disponibilidade de consultas.

O segundo grupo com maior público foi a Saúde da Criança e do Adolescente. Com 5.003 cadastrados, os problemas listados iam além do domínio da pediatria. A dificuldade no manejo de casos de abuso sexual trouxe vazios como o estabelecimento de nexo causal dos profissionais de saúde e a dificuldade no seguimento dos pacientes.

Cursos de capacitação e sensibilização dos profissionais com a abordagem de áreas além da Saúde, como a de Educação e Justiça, são de extrema importância para que se obtenha as informações necessárias sobre a imensa e invisível problemática da violência contra a criança e o adolescente. Isso porque as equipes que acolhem esses casos de violência devem estar preparadas técnica, psicológica e emocionalmente para que o atendimento seja realizado de maneira eficaz, na tentativa de minimizar o sofrimento que envolve essa população no momento da abordagem31.

Assim, para suas resoluções, foram apontados como recursos relevantes o agrupamento dos profissionais de saúde em um mesmo ambiente de trabalho para facilitar o fluxo de atendimentos, além da definição mais clara do fluxo dos serviços com o matriciamento.

Ainda dentro da área da pediatria, a dificuldade no referenciamento para a saúde mental também foi um problema a ser solucionado. Com dúvidas no fluxo de atendimento e dificuldade de codificação da doença, a solução para amenizar a problemática também foi o matriciamento de profissionais frente às demandas.

Entrando na área da Saúde Mental, que também foi listada como linha de cuidado que merecia mais atenção dos profissionais de saúde do Município, foram elencados problemas de subnotificação dos casos e equipe reduzida. Esses refletem, juntamente com a Saúde da Criança e do Adolescente, a falta de equipamentos específicos e manejo de profissionais, tendo em vista o aumento da demanda dos casos relacionados a transtornos mentais e psicossociais em todas as faixas etárias.

A gestão e o planejamento do cuidado em saúde mental nas unidades de Atenção Básica ainda são bastante insatisfatórios, pois menos da metade dessas unidades possui um espaço multiprofissional e interdisciplinar para discutir e reavaliar o cuidado continuado desses pacientes32.

Dessa forma, para a resolução da subnotificação dos casos de saúde mental, o apoio matricial se mostra uma estratégia promissora e significativa na organização das ações, já que foi a ferramenta mais utilizada pelas unidades do Estado de São Paulo para estruturar o cuidado32. Sobre os demais problemas elencados, a solução foi a capacitação da equipe e a criação de um equipamento bem-preparado para o atendimento desses pacientes.

Outra linha de cuidado elencada como prioritária foi a Saúde do Idoso, em que foram atendidos 2.825 pacientes. Os principais problemas levantados pela equipe foram a fragilidade na articulação entre Atenção Básica e Serviço Social, sendo sugerido como solução o matriciamento desses casos e a inclusão desses idosos na agenda do Núcleo de Educação Permanente e Humanização (NEPH).

A alta vulnerabilidade social dessa parcela da população também foi observada como um problema no município, sendo os vazios existentes relacionados à insuficiência familiar e às vulnerabilidades na própria linha de cuidado, como a falta de médico geriatra, de equipe de saúde bucal e de nutricionista na rede. Como possíveis soluções, foram listados a articulação da família do idoso com a secretaria do trabalho, o diagnóstico colaborativo entre serviço social e saúde com identificação de demandas por estratégia e contratação de efetivo, respectivamente.

Tem-se a Atenção Primária, porta de entrada para o Sistema Único de Saúde, como nível prioritário na assistência à saúde da população idosa e ordenadora de sua linha de cuidado. Apesar disso, a maior parte dos serviços demonstra falhas na rede de atenção ao idoso. Outros estudos também constataram que os serviços oferecem maior atenção às doenças crônicas, que são fortemente, porém não unicamente, associadas ao envelhecimento e, assim, tendem a desatender outras demandas exigidas por essa população33.

Além disso, compreende-se que, na prática, qualquer obstáculo é possível de afastar o idoso da continuidade do cuidado, o que chama a atenção para a necessidade de abranger essa população a partir, principalmente, da promoção e prevenção de saúde, ações práticas que muitas vezes são negligenciadas pelos serviços33. Essas ações podem aproximar a equipe dos usuários, melhorando a articulação entre a Atenção Básica e o Serviço Social da comunidade, além de envolver os idosos à maior participação nos espaços de saúde34,35. Da mesma forma, o apoio matricial contribui ao reunir as equipes da Atenção Básica e Secundária e aproximar diversos níveis da RAS, auxiliando na abordagem integral ao usuário e fortalecendo os princípios e diretrizes do SUS36,37.

Na linha de cuidado para Doenças Crônicas foram analisadas as duas principais comorbidades mais incidentes na população brasileira, a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e o Diabetes Mellitus (DM), com 2.804 e 1.164 pacientes respectivamente. Foram pautados, pela equipe de HAS, problemas com o cadastro na rede devido à falta de informações do CID (Classificação Internacional de Doenças) e CIAP (Classificação Internacional de Atenção Primária) e a falta de manejo dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) com esses usuários. Além disso, também foi evidenciado baixa adesão ao tratamento devido, principalmente, à falta de informações e de grupos específicos para a dispersão das informações.

Já na linha de cuidados de pacientes com DM, destacou-se uma contrarreferência deficitária, erros nos encaminhamentos e uma equipe reduzida para suprir a grande demanda do município. Isso trouxe, como vazios assistenciais, o aumento dessa comorbidade na população, além da falta de articulação na rede e de conhecimento dos recursos municipais de saúde, gerando uma maior dificuldade de seguimento desses pacientes. Como soluções, foram citadas a realização de campanhas preventivas, o fomento à participação popular e grupos de bairro, a capacitação dos profissionais, a busca ativa da população e o acompanhamento longitudinal da mesma, além da capacitação na Atenção Básica juntamente com o NEPH.

Ressalta-se que as doenças crônicas, sendo HAS e DM as mais prevalentes, se relacionam com processos de cuidado contínuos que nem sempre terminam em cura, exigindo longos contatos com os serviços de saúde. Dessa forma, ao analisar demais estudos, é possível observar a importância da atenção integral aos usuários com doenças crônicas a partir de uma rede de cuidado34. Assim como na saúde do idoso, a atenção às doenças crônicas deve conter promoção e prevenção, além da contribuição do apoio matricial para fortalecer o atendimento a esses pacientes, suas vulnerabilidades e demandas, e melhorar o sistema de referência e contrarreferência ao comunicar diversos níveis da RAS38.

Ademais, o uso de sistemas de informação eficientes, como prontuários eletrônicos e o sistema Hiperdia (acompanhamento de portadores de HAS e DM no SUS), contribuem para a comunicação entre pontos da rede e, consequentemente, na contrarreferência, além de facilitar a identificação de pacientes de risco e a elaboração de seu plano terapêutico. Da mesma forma, as unidades podem, ainda, fazer uso de atendimento coletivo, facilitando a manutenção do cuidado continuado. A troca entre os próprios usuários e a equipe das unidades promove a educação em saúde e doença, seus fatores de risco e formas de autocuidado, fatores essenciais para a melhoria do tratamento e seguimento dos pacientes com doenças crônicas34,39.

A última linha de cuidado emergente no município analisado neste estudo foi a Saúde do Trabalhador. Nesta, foram assistidos 81 pacientes, sendo relacionados problemas como subnotificações. No Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) foram listados como vazios assistenciais o número reduzido de notificações de casos de acidente de trabalho e a ausência de dados epidemiológicos, bem como a falha no lançamento de dados devido à ausência de um sistema informatizado adequado. Como solução para tais problemas foram elencados a capacitação sobre o SINAN, avaliação e monitoramento da Vigilância em Saúde Ambiental (VISAM), a informatização da Santa Casa de Pedregulho e o matriciamento desses pacientes.

A Vigilância em Saúde do Trabalhador se relaciona com as Vigilâncias Epidemiológica, Sanitária e Ambiental, sendo um importante determinante no processo saúde-doença. Porém, ao analisar outrosestudos é possível observar que muitas vezes as práticas de vigilância são insuficientes e vinculadas a episódios de emergências sanitárias e epidemias40,41.

O SINAN está presente em todos os serviços de saúde, porém há uma deficiência com relação ao conhecimento da equipe acerca do seu uso e das doenças de notificação compulsória, dados que corroboram com o presente trabalho. A baixa frequência de notificações pela Atenção Básica relaciona-se com o fato de que o atendimento dessas ocorrências geralmente ocorre em unidades de emergência. Ademais, observa-se que a Atenção Primária frequentemente não é vista como local de denúncia ou potencial responsável por intervir em problemas relacionados ao trabalho41.

Dessa forma, entende-se a importância da atuação dos Agentes Comunitários de Saúde na coleta de dados, queixas e demandas da população trabalhadora, mantendo relação próxima aos usuários e território das unidades para o desenvolvimento de ações de vigilância. Além disso, estudos confirmam a importância do apoio técnico especializado e matriciamento, como realizado pelo Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), para a realização de ações sobre a saúde do trabalhador em diversos níveis da RAS40,41.

Após realização do diagnóstico da Rede de Atenção em Saúde e elencados todos os problemas e vazios assistenciais deste estudo, bem como suas possíveis soluções, iniciou-se a quarta etapa cujo objetivo foi construir um plano de ação para o ano de referência. Procedeu-se a realização de uma matriz de intervenção para o Município de Pedregulho, percebida como o ponto de partida para a melhoria da qualidade dos serviços em saúde, já que garante a potencialização das estratégias da fase de desenvolvimento do programa42.

Tal ferramenta é voltada à organização e programação da intervenção mediante os problemas selecionados após a autoavaliação dos envolvidos quanto aos padrões que constituem os nós críticos. O desenvolvimento de propostas de intervenção, ou a pactuação de ações para a superação dos desafios elencados, deve ser feito entre todos os atores implicados, garantindo maior alinhamento com as realidades e necessidades locais, além de favorecer a comunicação entre os atores42.

Foram considerados os principais problemas que ocuparam a posição de nós críticos, os objetivos a serem trabalhados, as ações que se desejam concretizar, o prazo a ser executado, os recursos necessários para a operacionalização, a viabilidade, que consiste nas facilidades e dificuldades para se atingir o objetivo, e o responsável, ou seja, o ator que não necessariamente deverá realizar todas as ações, mas que deverá monitorar a realização das mesmas.

Iniciou-se, assim, a quinta e última etapa: a gestão do plano de ação. Em Pedregulho, foi observado que, apesar do número de pacientes analisados, as linhas de cuidado tiveram em comum a transição demográfica, ou seja, o envelhecimento populacional, e a inversão epidemiológica, ocorrendo um aumento das patologias crônicas em detrimento das agudas. Isso fez com que aquelas que envolviam as doenças crônicas ocupassem o primeiro lugar na Matriz de Intervenção, com o objetivo de fortalecer a Atenção Primária e o cuidado crônico.

Em reflexo à ferramenta de gestão, em 2023, após a implementação das ações elaboradas, Pedregulho foi apontado pelo Departamento Regional de Saúde VIII, do estado de São Paulo, como o Município com o menor índice de óbitos ocasionados por doenças crônicas evitáveis, o que comprova a efetividade da aplicação da ferramenta.

Diante dos resultados observados, entende-se a relevância do uso de ferramentas de gestão para implementação de Políticas Públicas de Saúde, identificando por meio de diagnósticos de redes os vazios assistenciais, para os quais são levantadas propostas de intervenção norteadoras auxiliando a gestão na tomada de decisão.

4. CONCLUSÃO

Observa-se que o Planejamento Estratégico destaca-se como uma boa ferramenta de gestão no âmbito da Saúde Pública, apresentando como ponto central as matrizes de intervenção que são capazes de auxiliar no direcionamento das equipes e aprimorar os resultados na gestão pública. Tais ações contribuem para o melhor atendimento à população e fortalecem a Atenção Básica em uma rede poliárquica, permeada por diversas densidades tecnológicas, e cuja porta de entrada para os demais serviços do Sistema Único de Saúde, é preferencialmente a Atenção Primária, devido sua capacidade de determinação de fluxo.

À exemplo de Pedregulho, as debilidades da rede e suas linhas de cuidado não são apresentadas como falhas de gestão, mas como um problema público que auxilia na execução e implementação de Políticas Públicas por meio de vazios assistenciais, que se tornam uma oportunidade de melhoria permitindo a integração entre assistência/gestão, com vistas à Saúde Coletiva cujo foco principal é o sujeito.

Diante do exposto, entende-se a experiência vivenciada no município de Pedregulho como exitosa, com reconhecimento de outras instâncias de gestão como o Município com o menor índice de óbitos ocasionados por doenças crônicas evitáveis, o que valida a ferramenta utilizada neste estudo na tomada de decisão, sobretudo na coordenação do cuidado e na ordenação dos serviços disponibilizados na rede. Assim, entende-se que o Planejamento Estratégico Situacional é uma ferramenta capaz de estruturar a Rede de Atenção em Saúde, podendo ser seguidas não apenas em âmbito municipal, mas em todos os pontos que compõem essa rede, ofertando um serviço qualificado a quem se destina, o usuário.

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¹Discente do Centro Universitário Municipal de Franca – UniFacef – Franca – SP
²Docente do Centro Universitário Municipal de Franca – UniFacef – Franca – SP