O PAPEL DO FISIOTERAPEUTA NA PREVENÇÃO DA DISPLASIA BRONCOPULMONAR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202503191341


Amanda Lucindo Cabral
Estefani de Sousa Costa
Orientador: Leandro Augusto Almeida


Resumo

A displasia broncopulmonar (DBP) é uma doença pulmonar crônica que afeta principalmente recém-nascidos prematuros submetidos à ventilação mecânica prolongada e oxigenoterapia. O fisioterapeuta desempenha um papel fundamental na prevenção dessa condição, por meio da aplicação de técnicas de reabilitação respiratória, monitoramento da função pulmonar e estratégias para otimizar o suporte ventilatório. Este artigo discute a importância da fisioterapia respiratória na redução dos fatores de risco para a DBP, abordando intervenções como a higiene brônquica, exercícios para expansão pulmonar, ventilação gentil e a administração de concentrações de oxigênio adequadas às necessidades do paciente. 

1. INTRODUÇÃO

A displasia broncopulmonar (DBP) é o transtorno respiratório mais frequente em recém-nascidos muito prematuros, com o grau de prematuridade sendo o principal fator de risco. A DBP afeta até 54% dos recém-nascidos com menos de 1000g, sendo causada por fatores como ventilação mecânica, oxigênio, inflamação e infecção, que afetam o crescimento pulmonar e vascular. Ocorrências pré-natais, como corioamnionite, pré-eclâmpsia, distúrbios hipertensivos e obesidade também desempenham papéis importantes no desenvolvimento da doença. (BONADIES et al., 2018; ALVES & GUERRA, 2023; RIBEIRO, 2018).

O desenvolvimento pulmonar ocorre em várias fases durante a gestação.  Estas fases são: pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar. A displasia broncopulmonar geralmente afeta os bebês que nascem durante a fase canalicular ou sacular do desenvolvimento pulmonar, ou seja, entre as 24 e 32 semanas de gestação. A imaturidade pulmonar somada com a ventilação mecânica e a inflamação crônica fazem com que os alvéolos tenham uma alteração no seu crescimento e dos vasos sanguíneos, levando à redução do número de alvéolos e de vasos pulmonares, o que compromete a troca gasosa e a função respiratória a longo prazo.

Além das alterações respiratórias mencionadas, podem surgir problemas como, asma e sibilância, síndrome do desconforto respiratório, hipertensão pulmonar, cor pulmonale, dependência prolongada de oxigênio e ventilação mecânica,  problemas no desenvolvimento neurológico e motor, principalmente devido às hospitalizações prolongadas e frequentes, que tornam os recém nascidos prematuros mais vulneráveis e propensos a deficiências no desenvolvimento neuropsicomotor (MONTE et al, 2005; SILVA, ARAÚJO, AZEVEDO, 2018; ALVES & GUERRA, 2023).

Pacientes com displasia apresentam maior propensão a desenvolver infecções respiratórias. Metade deles requer hospitalização novamente no primeiro ano após o nascimento. Pesquisas indicam sequelas no neurodesenvolvimento e potenciais efeitos funcionais, sensoriais e comportamentais, em razão da gravidade da DBP (LOPES et al., 2019).

Os cuidados oferecidos pelo fisioterapeuta podem reduzir significativamente a incidência dessa lesão. Medidas simples, como técnicas de higiene brônquica, exercícios para expansão pulmonar, ventilação gentil e a administração de concentrações de oxigênio adequadas às necessidades do paciente, ajudam a diminuir o tempo de uso da oxigenoterapia. Além dos cuidados fisioterapêuticos, existem diversas abordagens, tanto farmacológicas quanto não farmacológicas, que estão sendo estudadas para prevenir e tratar a DBP em prematuros, incluindo o uso de esteroides, surfactante, cafeína (é utilizada na neonatologia para estimular o centro respiratório. Estimulando o centro respiratório, o neonato diminui o número de apneias e assim não volta para a ventilação mecânica e oxigênio.), vitamina A e otimização nutricional. Essas abordagens multiprofissionais tem impacto direto na redução da ocorrência da DBP. (QUEREM, 2023; ALVES & GUERRA, 2023).

Esse estudo tem como objetivo analisar, identificar e descrever a contribuição da fisioterapia na prevenção da DBP, destacando as principais intervenções terapêuticas e seus impactos no desenvolvimento pulmonar, na qualidade de vida e na redução das complicações associadas à doença.

2. MÉTODOS

O trabalho consiste em uma revisão bibliográfica, baseada em uma pesquisa documental realizada por meio de buscas online nas plataformas Google Acadêmico, SciELO e PubMed, entre os meses de setembro e novembro de 2024. Nesse processo, foram identificadas publicações relacionadas ao tema no período compreendido entre 2010 e 2024.

3. DISCUSSÃO

A DBP é provocada pela imaturidade do desenvolvimento pulmonar, decorrente de mecanismos pré-natais e pós-natais que geram inflamação e danos, afetando o crescimento pulmonar e desencadeando processos de reparação inadequados (BONADIES et al., 2018). 

Durante o desenvolvimento uterino, ocorre uma sequência de maturação sensorial do bebê. Com o nascimento precoce, o recém-nascido é imaturo e precisa se desenvolver na UTI neonatal. Os cuidados intensivos, embora necessários, podem ser percebidos como excessivos e causar estresse ao bebê. Procedimentos cirúrgicos, infecções e o uso de ventilação mecânica, podem levar à complicações como bradicardia, taquicardia, hipoxemia, hipercapnia, hipertensão intracraniana e problemas respiratórios (BARRA et al., 2023).

A DBP é uma condição multifatorial influenciada por diversos fatores intra e extrauterinos (devido à ventilação mecânica prolongada e ao uso de oxigênio em altas concentrações), sendo a idade gestacional ao nascimento o preditor mais relevante. A fisiopatologia envolve a competição entre o desenvolvimento pulmonar normal e a exposição aos insultos pulmonares mencionados. Isso resulta em impactos na função respiratória e na circulação pulmonar (CAUSSADE, 2024). 

O desenvolvimento pulmonar ocorre em várias fases durante a gestação, estas fases incluem: Fase pseudoglandular, fase canalicular, fase sacular, fase alveolar.

Fase embrionária (da 4ª à 7ª semana): envolve o surgimento do divertículo respiratório até a formação dos segmentos broncopulmonares (MARCUZZO 2014).

Fase pseudoglandular (da 8ª à 16ª semana): recebe esse nome devido à semelhança do pulmão com uma glândula nesse estágio, durante o qual os ductos nos segmentos broncopulmonares se expandem (MARCUZZO 2014).

Fase canalicular (da 17ª à 26ª semana): caracteriza-se pela formação dos bronquíolos respiratórios e pelo aumento da vascularização (MARCUZZO 2014).

Fase de sacular (da 26ª semana até o nascimento): os sacos alveolares começam a se organizar nas extremidades dos bronquíolos respiratórios, e o epitélio dos alvéolos se diferencia em pneumócitos tipo I e pneumócitos tipo II (MARCUZZO 2014).

Fase alveolar (do nascimento até os oito anos): inicialmente, ocorre um aumento do tecido conjuntivo entre os sacos alveolares, seguido por uma diminuição, o que melhora a eficiência das trocas gasosas (MARCUZZO 2014).

A DBP afeta recém-nascidos prematuros e é uma síndrome de dano pulmonar relacionada à exposição pré-natal, oxigênio após o nascimento e lesões causadas por ventilação mecânica, além de outras lesões pulmonares imaturas e em desenvolvimento. Sua causa é multifatorial, abrangendo imaturidade, toxicidade pelo uso de oxigênio, infecções e deficiências nutricionais, síndrome do desconforto respiratório, dependência prolongada de oxigênio e ventilação mecânica, motores, principalmente devido às hospitalizações prolongadas e frequentes, que tornam os recém nascidos prematuros mais vulneráveis e propensos a deficiências no desenvolvimento neuropsicomotor (MONTE et al, 2005; SILVA, ARAÚJO, AZEVEDO, 2018; LOPES et al., 2019; SILVA; BARSAM, 2019).

Os principais critérios para confirmar o diagnóstico incluem a necessidade de oxigênio suplementar, ventilador ou CPAP por pelo menos os primeiros 28 dias de vida, além de persistirem com dificuldades respiratórias. O diagnóstico é corroborado pelos resultados de uma radiografia de tórax ou ultrassonografia pulmonar (HOSHINO et al., 2020) (figura 1) (figura 2)

Fonte: arquivo pessoal

3.1 ATUAÇÃO DA FISIOTERAPIA:

A fisioterapia faz parte da equipe multiprofissional na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, atuando na prevenção e tratamento de doenças respiratórias e alterações no mecanismo respiratório. Ela contribui para a redução da morbidade, mortalidade e tempo de internação, além de melhorar a qualidade de vida dos pacientes que recebem alta. A intervenção fisioterapêutica é essencial, considerando que bebês prematuros exigem cuidados específicos e adaptados às suas necessidades individuais (PEIXOTO & OLIVEIRA, 2023).

De acordo com Nicolau, a fisioterapia respiratória em recém-nascidos pré-termo (RNPT) visa criar condições favoráveis para a função respiratória, facilitando as trocas gasosas e ajustando a relação ventilação-perfusão. Ela envolve a seleção de suporte respiratório apropriado, prevenção e tratamento de complicações pulmonares, manutenção das vias aéreas abertas e promoção do desmame do suporte ventilatório e da oxigenoterapia (DORO et al., 2020). 

– Assistência Ventilatória

Segundo Procianoy, pacientes com Displasia Broncopulmonar (DBP) enfrentam hipoxemia crônica e necessitam de suporte de oxigênio ou ventilação mecânica para manter a saturação de oxigênio adequada. Durante a ventilação, é fundamental usar a pressão positiva mínima necessária para manter a PaO2 acima de 50 Torr. A falta de tratamento adequado para a hipoxemia crônica pode levar à vasoconstrição pulmonar, hipertrofia ventricular direita e cor pulmonale (DORO et al., 2020).

– Aspiração do Trato Respiratório

De acordo com Nicolau, a aspiração do trato respiratório superior e endotraqueal é um procedimento que remove secreções por meio de pressão negativa (vácuo). No entanto, esse processo pode resultar em efeitos indesejáveis, como trauma da mucosa traqueobrônquica, hipóxia, bradicardia, atelectasias e aumento da pressão intracraniana. Portanto, deve ser realizado com cautela, após avaliação cuidadosa das necessidades do paciente, e não deve ser rotina programada da unidade (DORO et al., 2020).

– Ventilação não invasiva

A Ventilação Não Invasiva (VNI) é uma técnica de suporte ventilatório que fornece pressão positiva nas vias aéreas sem a necessidade de intubação orotraqueal ou traqueostomia. Um dos métodos de aplicação da VNI é o CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas), que oferece uma pressão positiva contínua de poucos centímetros de água. Essa pressão pode ser administrada por meio de diferentes interfaces, sendo o pronga nasal o recomendado para recém-nascidos.

Segundo os autores Leão, Vieira e Pereira, os efeitos fisiológicos do CPAP incluem: aumento da pressão transpulmonar, incremento na quantidade e capacidade residual funcional, melhora na complacência pulmonar, prevenção de atelectasias, proteção do surfactante endógeno, estabilização das vias aéreas e promoção de um ritmo respiratório regular, entre outros (DORO et al., 2020).

– CPAP

De acordo com os autores Leão, Vieira e Pereira, o CPAP tem sido eficaz no manejo de várias complicações respiratórias em neonatos internados na UTIN (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal), especialmente em prematuros e recém-nascidos com baixo peso. No entanto, seu uso está associado a um risco aumentado de barotrauma, síndromes de escape de ar, distensão abdominal e lesões faciais. Por isso, é fundamental o acompanhamento rigoroso dos recémnascidos submetidos a essa técnica (DORO et al., 2020).

Leão, Vieira e Pereira relatam que dentro de uma equipe multidisciplinar, o fisioterapeuta tem ganhado destaque no atendimento e suporte ventilatório. Atualmente, em muitas instituições, ele se tornou um membro essencial da equipe, responsável pela instalação e monitoramento da ventilação não invasiva, controle e desmame da ventilação mecânica, além de oferecer os benefícios da fisioterapia respiratória (DORO et al., 2020).

Segundo os autores Leão, Vieira e Pereira, a DBP é considerada um indicativo para o uso do CPAP. Apesar de diferentes respostas na literatura, fisioterapeutas identificaram a DBP como um sinal e pesquisas sugerem que a aplicação precoce do CPAP pode prevenir a DBP. Entretanto, Lima et al. observaram resultados controversos, indicando que o uso prolongado da Ventilação Não Invasiva (VNI) pode estar relacionado ao desenvolvimento da DBP (DORO et al., 2020).

Posicionamento Terapêutico 

É uma das intervenções realizadas por uma equipe multiprofissional, tem como finalidade auxiliar na auto-organização corporal, reduzir posturas inadequadas, promover o alinhamento biomecânico e facilitar experiências sensório-motoras adequadas. O posicionamento terapêutico correto impacta positivamente a biomecânica da caixa torácica, oferecendo suporte à musculatura respiratória, o que melhora a força de contração muscular, altera a pressão pleural, aumenta o volume pulmonar e reduz o esforço respiratório, minimizando desvantagens mecânicas no sistema respiratório. No que diz respeito ao controle da frequência respiratória, Santos et al. identificaram uma redução significativa da frequência respiratória em decúbito ventral (DV) em comparação aos decúbitos dorsal e lateral. Esta posição diminui os níveis de estresse e a frequência cardíaca, além de melhorar a saturação periférica de oxigênio (SpO2), demonstrando os benefícios do posicionamento adequado em DV (HOLANDA et al., 2022).

– Hidroterapia

A hidroterapia tem sido utilizada como uma técnica terapêutica tradicional por profissionais de saúde em diversos contextos e para várias condições médicas. Sua origem remonta a Hipócrates, que utilizava banhos de contraste quente e frio para tratar diversas doenças, e aos romanos, que popularizaram os banhos curativos com imersão total do corpo. Historicamente, a água tem sido usada eficazmente por fisioterapeutas em programas de reabilitação, como meio para exercícios em tanques ou piscinas (SOUSA, 2020).

Na atualidade, a hidroterapia é uma técnica terapêutica aplicada nas UTINs brasileiras, com foco na minimização dos impactos da prematuridade nos parâmetros fisiológicos de recém-nascidos prematuros. Embora popularizada como “banho de ofurô”, o ofurô é uma modalidade de hidroterapia terapêutica, distinta do banho humanizado, que visa a aplicação da água com foco na temperatura e movimento, sem o objetivo de higiene (SOUSA, 2020).

Durante a hidroterapia, o recém-nascido é imerso em água morna até a altura dos ombros ou clavículas e é suavemente mobilizado por flutuação assistida. A ação do empuxo aquático facilita a movimentação espontânea, melhora a propriocepção, a organização postural, o alongamento muscular e a mobilização articular. O balde, utilizado nesse processo, imita o ambiente intra-uterino e oferece ao recém-nascido prematuro uma posição vertical, o que é raro devido ao longo período no leito (SOUSA, 2020).

As propriedades físicas da água, combinadas com o calor terapêutico, beneficiam não só o sistema musculoesquelético, mas também o estado comportamental e fisiológico do bebê. Estudos indicam que a imersão em água pode reduzir o choro e a dor, estimulando a sensibilidade tátil e cinestésica, além de melhorar o comportamento e a qualidade do sono dos recém-nascidos (SOUSA, 2020).

O meio aquático também oferece maior amplitude de movimentos, permitindo que o bebê recupere as sensações dos seus movimentos fundamentais e continue a desenvolver sua coordenação motora (SOUSA, 2020).

4. CONCLUSÃO

Conclui-se que a atuação do fisioterapeuta na prevenção da DBP é fundamental para minimizar os impactos dessa condição em recém-nascidos prematuros. Por meio de intervenções precoces, estratégias de suporte ventilatório adequado e técnicas específicas para a otimização da função pulmonar.

5. BIBLIOGRAFIA

1. ALVES & GUERRA. DISPLASIA BRONCOPULMONAR: REVISÃO NARRATIVA Da LITERATURA. 2023

2. Barra et al., Desenvolvimento do recém-nascido prematuro: revisão de suas possíveis complicações e atuação da fisioterapia. 2023.

3. BONADIES et al., Displasia Broncopulmonar: O que há de novo horizonte? 2018. 

4. Brandão PS. Modelo para elaboração de projeto de pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso.

5. Darllyana de Sousa Soares. EFEITOS EM CURTO PRAZO DA HIDROTERAPIA EM LACTENTES COM DISPLASIA BRONCOPULMONAR. 2020.

6. Doro et al., A importância do fisioterapeuta no tratamento da displasia broncopulmonar. 2020.

7. Marconi MA; Lakatos, EM. Fundamentos de metodologia científica. 7 ed. São Paulo: Atlas; 2010. Capítulo 10; p. 198-217.

8. Peixoto & Oliveira. A IMPORTÂNCIA DA FISIOTERAPIA NA REVERSÃO DE  ATELECTASIAS EM RECÉM-NASCIDOS PRÉ TERMO DENTRO DA UNIDADE TERAPIA INTENSIVA NEONATAL. 2023.

9. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 5 ed. São Paulo: Atlas; 2010. Capítulo 19; p. 169-79.

10. HOSHINO et al., Ultrassom Pulmonar para Prever o resultado respiratório em pacientes com Displasia Broncopulmonar. 2020

11. Ibiapina AC. Metodologia da pesquisa científica: elaboração de projeto de pesquisa, relatório e artigo científico. São Paulo: Lexia; 2011. Capítulo 2; p. 25- 41.

12. Simone Marcuzzo. Desenvolvimento do Sistema Respiratório. 2014

13. Solange Caussade Larraín. Fisiopatologia da Displasia Broncopulmonar. 2024.

14. Tathiane Ribeiro Rosa. Acompanhamento do tônus da musculatura acessória da inspiração por meio da eletromiografia de superfície em recémnascidos pré-termo com e sem displasia broncopulmonar: estudo longitudinal. 2018.

15. HOLANDA et al., Efeitos do posicionamento terapêutico na função respiratória em neonatos prematuros: revisão. 2022.