REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8237570
Gustavo Pereira Macedo1
RESUMO
A temática que envolve a história do Autismo, comumente chamada de Transtorno do Espectro Autista (TEA), tem suas bases voltadas para estudos que datam desde o início do século XX, através das figuras de Plouer e Leo Kanner, as quais vêm sendo objetos de estudos até os dias atuais, entretanto, uma questão que influenciou essa área foi o desenvolvimento da pandemia de Covid-19, a qual trouxe repercussões sérias sobre vários contextos pelo mundo, com destaque especial para o público que possuir o TEA, como também, para os seus familiares e para a própria instituição escolar, os quais necessitam adequar algumas de suas práticas, visando assim ofertar um atendimento mais central para essa público, entretanto, as ações realizadas trouxeram um grande sofrimento para ambas as partes, que, além de não terem o apoio necessário, vislumbraram a escassez de ações governamentais, as quais colocaram em cheque todos os direitos que os portadores de TEA deveriam ter assegurados. Dessa forma, o objetivo central do artigo foi: Compreender o processo de manejo com o público autista durante a pandemia de Covid-19 nas esferas Jurídica, Educacional e Familiar; Já os específicos se traduzem por: Analisar as implicações jurídicas voltadas para o público com TEA durante a pandemia; Investigar os desafios enfrentados por pais e profissionais da educação com esse público; Elucidar as formas de manejo mais aplicadas durante esse período. Visando alcançar os objetivos propostos, utilizou-se para essa pesquisa de uma revisão bibliográfica da literatura, aliado com A coleta dos dados foi realizada em bases de dados digitais como o Scielo, Lilacs e no Google Acadêmico, utilizando dos seguintes descritores: autismo, transtorno do espectro do autismo, pandemia, Covid-19, exclusivamente na língua portuguesa. Os resultados foram subdivididos em três subtópicos: “O Autismo Na Pandemia”; “O Amparo Jurídico Ao Público Com Tea Durante A Pandemia”; “O Manejo Do Autismo À Luz Dos Contextos Familiar E Educacional Durante A Pandemia”. Diante das informações apresentadas, foi possível perceber que muito ainda há que se fazer perante o público com TEA, principalmente, no que tange às suas respectivas determinações judiciais. Sendo assim, ao passo que o público com TEA vem crescendo a cada ano, torna-se importante aumentar as discussões a respeito dessa temática, no intuito de refletir sobre formas mais inovadoras e assertivas de trabalhar com essa demanda.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19. Psicologia. Pandemia. Intervenções Psicológicas.
1. INTRODUÇÃO
A história que envolve a temática do autismo começou ainda no ano de 1906, do século XX, quando Plouer utilizou o termo pela primeira vez, entretanto, foi só através dos trabalhos do médico austríaco Leo Kanner, em 1943, com especial ênfase para o artigo “os distúrbios autísticos do contato afetivo”, retratando as experiências laborais realizadas com um grupo de crianças com idades variando de 2 a 8 anos, na qual o referido encontrou uma série de características em comum, as quais foram denominadas por Kaner como, inicialmente, síndrome, depois, passando para a alcunha de Autismo Precoce Infantil (ALVES e ALVES, 2021; ANJOS e MORAIS, 2021).
Após os primeiros estudos nesta área realizados por Kanner, ocorreu uma crescente de artigos e trabalhos longitudinais elaborados por diversos autores, na tentativa de compreender de maneira mais aprofundada as particularidades dessa nova condição humana. Destaca-se, então, um trabalho realizado com bebês, ainda na década de 70, utilizando-se de vídeos caseiros, os quais contribuíram na perspectiva de aumentar a compreensão psicogênica do desenvolvimento do autismo (ANJOS e MORAIS, 2021).
Nesse sentido, mediante os estudos que vinham sendo realizados, vislumbra-se a inclusão das características que rodeiam o autismo no Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais, no ano de 2013, no qual tem sua denominação modificada para Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo reconhecido como um transtorno do neurodesenvolvimento, com percepção dos sintomas ainda na primeira infância (por mais que eles possam aparecer tardiamente), acrescida de déficits persistentes nas áreas de interação social, comunicação, imaginário e comportamental (ALVES e ALVES, 2021; FREITAS e BOFF, 2022).
A literatura demonstra que essa condição se constitui, independente do grau, como um motivo de preocupação e mobilização de esforços, não só da família, mas também, de todos os atores sociais que estão ligados a ela, enfatizando a conjuntura escolar e política, essa última traduzindo-se pela criação e aplicação das políticas públicas voltadas para esse público, principalmente, devido a questão de que pessoas que possuem esse “transtorno” se tornam suscetíveis aos fatores de desproteção presentes no cotidiano com uma maior facilidade do que pessoas que não possuem esse transtorno, com ênfase especial para um período recente, o qual desorganizou a estrutura de muitas de sociedades, propiciando a perda de empregos, fechamentos de instituições, modificações extremas nas rotinas e mortes de milhares de pessoas pelo mundo, a pandemia da Covid-19 (FREITAS e BOFF, 2022; FERNANDES et al, 2021).
Inicialmente encontrada na cidade de Wuhan, na China, no final ano de 2019, e declarada pandemia no mês de março de 2020, a Covid trouxe uma série de implicações para todas as sociedades pelo mundo, como a perda massiva de empregos, o desenvolvimento de patologias mentais graves, a adaptação abrupta das condições laborais de vários setores sociais, a sobrecarga dos sistemas de saúde, acentuou as desigualdades sociais, como também, levou a morte de milhares de pessoas pelo mundo (FERNANDES et al, 2021).
Dentre as ações pensadas visando o enfrentamento, além das básicas, como a utilização das máscaras e a utilização do álcool em gel, foram implementadas algumas medidas mais rígidas, a saber, a restrição de pessoas nas ruas (desenvolvendo até uma lei extraordinária para isso, nº 13.979), e o consequente isolamento social, o qual, mesmo visando a não propagação do vírus nos espaços, se tornou um motivo de preocupação pelos impactos que proporcionou para a dinâmica dos indivíduos e famílias, com destaque especial para as que possuíam integrantes portadores de TEA, devido a consideração desse grupo, em razão das peculiaridades que envolvem o transtorno e as dificuldades enfrentadas para realizar as explicações necessárias, demonstrando a gravidade que a situação se encontra (FREITAS e BOFF, 2022; FERNANDES et al, 2021).
Dessa forma, o presente artigo encontra sua viabilidade em compreender como foram realizadas as intervenções com esse público em um dos período mais complexos na história da humanidade, levando em conta as peculiaridades que envolvem essa condição, ao passo que se configura essencial refletir sobre as possibilidades de cuidado voltadas para a própria constituição familiar, a qual também se constitui como importante, pois, em muitas situações, os filhos com a condição necessitam do cuidado por um tempo mais prolongado, dificultando que os pais possam ter sua própria autonomia preservada, como também, compreender quais as ferramentas utilizadas pela instituição escolar para suprir a necessidade de contato presencial entre os alunos, além das implicações jurídicas voltadas para esse público.
Mediantes as explicações apresentadas, o trabalho tem por objetivo geral: Compreender o processo de manejo com o público autista durante a pandemia de Covid-19 nas esferas Jurídica, Educacional e Familiar; Já os específicos se traduzem por: Analisar as implicações jurídicas voltadas para o público com TEA durante a pandemia; Investigar os desafios enfrentados por pais e profissionais da educação com esse público; Elucidar as formas de manejo mais aplicadas durante esse período.
2. METODOLOGIA
Visando alcançar os objetivos propostos, utilizou-se para essa pesquisa de uma revisão bibliográfica da literatura, uma vez que a mesma possibilita a realização de uma verificação das literaturas já publicadas, propiciando conhecer de forma mais aprofundada as particularidades de um determinado tema, sendo necessário ao pesquisador ter um processo amplo de leitura, reflexão, escrita e a seleção para com os conteúdos necessários, objetivando encontrar pesquisas de modo sintetizado e ordenado (SOUSA et al, 2021; MENDES, SILVEIRA, & GALVÃO, 2008).
A coleta dos dados foi realizada em bases de dados digitais como o Scielo, Lilacs e no Google Acadêmico, utilizando dos seguintes descritores: autismo, transtorno do espectro do autismo, pandemia, Covid-19, exclusivamente na língua portuguesa. A respeito do período de tempo, delimitou-se o período de 2019 a 2023, visando assim detectar pesquisas ou estudos que apresentem opiniões vastas sobre a temática do autismo, considerando.
A amostra de artigos encontrados passou pelos seguintes critérios de inclusão: Pertinência com o tema proposto (sobre o autismo na pandemia), serem de língua portuguesa, além de serem artigos publicados no período de 2019 até 2023. Os critérios de exclusão foram: Artigos que foram encontrados de forma repetida, se situam em anterior ao período de tempo estipulado, como também, não serem de língua portuguesa e não possuírem a pertinência necessária.
3. RESULTADOS/DISCUSSÃO
Depois de analisar a bibliografia encontrada, e, realizar os processos subsequentes de filtragem seguido pela categorização, foram encontrados 10 artigos, os quais preenchem os critérios de inclusão. Se faz importante destacar que os dados encontrados nos artigos chamam a atenção para o desenvolvimento de subtópicos, os quais tenderão a facilitar a compreensão dos leitores a respeito da temática em questão.
3.1 O AUTISMO NA PANDEMIA
Mediante a leitura encontrada, foi possível perceber que o autismo está ligado, juntamente, a uma série de conjunturas biopsicossociais, as quais, dependendo da forma de estímulo realizada, podem contribuir ou piorar o quadro de uma determinada pessoa com transtorno do espectro autista, considerando que, segundo estudos de Lima et al (2023), quando essa condição não é tratada de forma adequada, e, utilizando-se do apoio profissional necessário, há uma tendência de que na vida adulta o sujeito tenha um déficit acentuado na sua capacidade funcional.
Esse apoio profissional se constitui de forma essencial, uma vez que, após o momento do diagnóstico inicial, a família pode ser deparar com um misto de sentimentos, começando pela ressignificação do imaginário voltado para a concepção da criança ideal, cuja finalidade será reorganização do seio familiar em respeito às peculiaridades que o autismo tende a trazer, considerando que todos os seus graus demandaram ações muito específicas e um cuidado mais incisivo por parte dos genitores e demais atores familiares, como explicado por Deademe et al (2022, p. 03), a qual retrata sobre os tipos de graus que uma pessoa com autismo pode desencadear
Grau 1: o indivíduo consegue se comunicar, porém com certa limitação a interações sociais e dificuldade de trocar de atividades e sair da rotina; Grau 2: o indivíduo apresenta dificuldade na comunicação verbal e não verbal, tendo seus comportamentos restritivos e repetitivos mais evidentes e frequentes, dessa forma necessitando de suporte; Grau 3: o indivíduo quase não tem habilidade de comunicação, com poucas palavras na fala, sendo altamente dependente e com muita dificuldade para encarar mudanças.
Seguindo essa linha de raciocínio, se faz importante destacar que essa condição ainda é perpassada por várias ideias equivocadas quanto a sua constituição, assim, segundo França (2020), um tabu central ainda colocado sobre a figura do sempre será uma pessoa apática, entretanto, a autora explica que é o contrário, muitas gostam de receber demonstrações de afeto, como também, sente quando as pessoas ao redor estão expressando suas emoções. Outros dois tabus ainda em validação são os de que toda criança autista é insensível e que eles são muito agressivos. Sobre o primeiro, a autora supracitada menciona que o posicionamento deles é voltado para a forma de estímulo apresentada, enquanto que o segundo pode ser explicado para uma baixa tolerância à frustração, todavia, ela possui vários de vieses de manifestação, não sendo possível generalizar cada caso.
Nesse sentido, considerando as particularidades que envolvem o autismo, compreende-se que essa condição humana necessita de cuidados mais específicos, visando assim que a pessoa possa ter uma vida mais qualificada possível, entretanto, a humanidade passou por um período bem turbulento em sua história, o qual incidiu na constituição de todas as sociedades pelo mundo, gerando uma série de consequências em vários contextos sociais, as quais tiveram sua piora agravada pelo aumento das desigualdades e injustiças que se fizeram presentes nesse período, consequentemente levando a um aumento expressivo dos adoecimentos mentais, devido a carga de estresse emocional que foi evidenciada durante esse período (LIMA et al, 2023; RODRIGUES et al, 2022).
Como aborda Rodrigues et al (2022), em razão da interrupção da vivência cotidiana, a qual inclui a ida para o ambiente escolar, para os tratamentos clínicos desenvolvidos com as crianças, como também, a abrupta perda de vínculos com os professores, os colegas de turma e os terapeutas, aliado com a perda de contato com os espaços sociais destinados a processo de ludicidade, podem propiciar o desenvolvimento de uma sentimentos como medo, angústias e disfunções comportamentais por parte das crianças, contribuindo para que esse público seja mais propenso a aquisição do vírus (RODRIGUES et al, 2022).
Ainda segundo o autor supracitado, e incluindo o estudo realizado por Cardoso et al (2021), algumas questões que dificultam a atuação de familiares com esse público, volta-se para a explicação adequada da ocorrência das mudanças que estão acontecendo a sua volta, considerando que as informações para as crianças com autismo são percebidas de forma mais morosa, necessitando de uma auxílio mais aprofundado para realizar essa intermediação; a utilização da máscara se tornou motivo de preocupação, uma vez que muitas crianças não conseguiam realizar a necessária aderência, como também, ressalta-se que, em decorrência da compreensão limitada e do crescimento de patologias mentais como a depressão e a ansiedade, observou-se que muitos desenvolveram comportamentos voltados para a irritabilidade e agressão, com a presença da autoflagelação.
Todos esses fatores somam-se para perpetuar um tipo de estigmatização, a qual designa esse público como um peso para a sociedade e um fardo gigantesco para a vida de seus familiares, reforçando o mito da caverna referente a esse público, dificultando que haja ações mais eficazes voltadas para o manejo, não com sujeitos que possuem o TEA, mas também, os atores sociais envolvidos, como a família, a escola e sociedade no geral (DEADEME et al, 2022).
3.2 O AMPARO JURÍDICO AO PÚBLICO COM TEA DURANTE A PANDEMIA
Outro aspecto dentro da bibliografia escolhida, retrata sobre um cenário que vai além das implicações físicas e psicológicas, destacando questões de ordem jurídica, uma vez que esse público, em decorrência dos esforços de inúmeros atores sociais como pesquisadores, pais, professores, poder público e demais sujeitos sociais, conseguiram alcançar conquistas importantes, visando gerar um contexto de cuidado mais qualificado para os portadores da condição (FERREIRA et al, 2020; LIMA et al, 2022).
Isto posto, compreende-se que das conquistas alcançadas, tem-se uma que foi considerada um grande marco para todos dessa área, que foi o desenvolvimento da Lei nº 12.764/2012, a qual contribuiu na operacionalização da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Desenvolvida de forma intermediária as que serão abordadas no próximo parágrafo, essa lei veio designar os direitos essenciais para as pessoas que possuem o TEA, dentre os quais destacam-se, o direito a uma vida digna; a proteção contra qualquer tipo de violência; o acesso aos serviços de saúde; direito a um atendimento multiprofissional, nutrição adequada, terapia nutricional, ao mercado de trabalho, e, um dos mais importante, direito ao diagnóstico precoce, mesmo que ainda não seja o definitivo (FERREIRA et al, 2020).
Ademais, salienta-se que, além da conquista supracitada, cabe o destaque para duas outras principais, adentrar nos parâmetros do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº13.146/2015 – (por mais que muitos estudiosos da área não considerem o autismo como uma doença, mas sim, como uma condição humana), e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.09/1990), os quais vieram realizar o reforço das supracitada, além de resguardar direitos básicos para as pessoas fazem parte do rol de aplicabilidade dos estatutos, assegurando desde a não discriminação, exploração, violência ou qualquer outra forma de crueldade para com esse público, até a responsabilização do estado, sociedade e da família como responsáveis pela efetivação de diretos considerados básicos, a saber: vida, saúde, alimentação, educação, profissionalização, dentre outros que também são importantes para uma vida digna (FERREIRA et al, 2020).
Haja vista tudo que foi alcançado, a expectativa principal era a de que fosse possível proporcionar as condições adequadas para todos os sujeitos possuidores de TEA conseguirem adequar suas rotinas diárias, visando assim levar de forma mais saudável o percurso de sua vida, em junção aos atores sociais que se faziam presentes, entretanto, como já foi abordado, ocorreu o desencadeamento da pandemia de Covid-19, a qual trouxe todas as implicações já mencionadas, ocasionando grandes perdas para todos os indivíduos, especialmente, as que possuem o TEA, com destaque especial para a área educacional, uma vez que esse âmbito foi um dos mais prejudicados, comprometendo assim um tipo de educação voltado para a inclusão, como disposto no artigo 205 da Constituição Federal (CURY et al, 2020).
De acordo com as ideias do autor supracitado, uma vez que o autismo passou a ser pensado no campo das pessoas que possuem deficiências, presume que um compartilhamento de questões semelhantes que as PCD enfrentam, as quais vieram a se tornar mais incisivas durante a pandemia, principalmente no meio educacional, ressaltando que,
Pensar o distanciamento social para quem já vive isolado, em função da falta de acessibilidade urbanística, arquitetônica, comunicacional, tecnológica e, também, devido a inclusão precária, ainda existente em muitos contextos sociais e escolares, é concluir que essa importante camada da população está hiper vulnerável frente a atual realidade (CURY et al, 2020).
Ao se pensar no aspecto da inclusão escolar, destacando-se a Lei Brasileira da Inclusão (datada do ano de 2015), e em todas as lutas necessárias para concretizá-lo, considera-se que a pandemia agiu como um fator de desproteção e inviabilização de todas as ações que vinham se desenvolvendo com o público autista, especialmente as de cunho educacional, dessa forma, processos de melhoria das condições que o TEA traz, começaram a se fragmentar, principalmente devido a questão de que muitos genitores criticaram as dificuldades para se adaptar com a utilização dos meios digitais, como também, realizar as explicações necessárias para os seus filhos, visando a compreensão da dimensão que a pandemia tinha se tornando (FERNANDES et al, 2021; FREITAS e BOFF, 2022).
Através dos estudos de Freitas e Boff (2022), foi possível constatar que um dos principais déficits encontrados foi, justamente, a falta de um olhar mais profundo e empático sobre as dificuldades que o público com TEA estava encarando, principalmente no contexto das políticas públicas, tendo em vista que não viu ações mais contundente sendo realizadas para fornecer o suporte adequado, não só para a criança como também para a própria família, pois, ao passo que não foi possível desenvolver possibilidades de atuação mais efetiva para esse público durante a pandemia, mesmo havendo uma determinação na política de atenção voltada para a pessoa autista, especificando o direito dela ser atendida pelos equipamentos de saúde, visando uma atenção integral para com suas necessidades, incluindo o atendimento multiprofissional (BRASIL, 2012).
Como exemplo, cita-se o cenário enfrentado nos países da Espanha e da França, que durante o lockdown, adotaram um modelo alternativo de cuidado com o público autista, no qual eles conseguiram articular algumas garantias, através de marcos legais, os quais propiciavam a possibilidade da saída da residência, desde que fossem para ambientes abertos e sem aglomerações, favorecendo que as crianças pudessem manter o mínimo de contato com o mundo exterior, visando assim amenizar o sofrimento que o público estava passando (FERNANDES et al, 2021).
Diante dos fatos, considera-se que ainda há muito a se pensar sobre o cenário que a pandemia veio a trazer, na tentativa de que seja possível realizar as modificações necessárias para amenização do cenário devastador que se apresentou durante esse período, por mais que não se deve ter acontecido dessa forma, fomentando e implementando ações que possam servir de base para o manejo com esse público e suas famílias.
3.3 O MANEJO DO AUTISMO À LUZ DOS CONTEXTOS FAMILIAR E EDUCACIONAL DURANTE A PANDEMIA
Como já se falou até o presente momento, lidar com uma pessoa portadora de TEA se constitui como um grande desafio para os envolvidos nesse processo, uma vez que, a depender do grau detectado na criança e a celeridade da busca dos pais por profissionais que possam realizar as orientações e intervenções e orientações necessárias, mudanças mais específicas deverão ocorrer na dinâmica familiar, no intuito de que ambas as partes possam estabelecer uma forma de se relacionar, gerando assim um contexto propício para o desenvolvendo das potencialidades de todos que residem na localidade (ALVES e ALVES, 2022).
Todavia, cabe-se mencionar que essa tarefa se constitui de forma lenta e gradual, começando pelo momento no qual a criança é diagnosticada com o Autismo. Diante desse cenário, é comum observar o desencadeamento de impactos nas concepções trazidas pelos pais das crianças, abalando as expectativas, projetos de vida e sonhos outrora idealizados por eles, contribuindo para o desenvolvimento de uma fase marcada pelo desequilíbrio familiar, sendo importante, nesse momento de desconstrução, o apoio dos profissionais de saúde, principalmente para contribuir na reestruturação das formas de enfrentamento por parte das famílias, as quais tendem a pensar apenas nos aspectos negativos que nortearam as relações, daquele momento em diante (ANJOS e MORAIS, 2021).
Nas pesquisas encontradas perante as literaturas, vislumbra-se que o vínculo a ser criado com os profissionais responsáveis por realizar as ações necessárias com a criança, será de extrema importância para os genitores conseguirem adequar suas rotinas, desenvolverem formas de identificar os gatilhos e lidar com os períodos mais estressantes do cuidado, até porque, esse cuidado implica em disponibilizar um período maior de tempo voltado às demandas que a criança ou o adolescente possuem, tornando-se um trabalho exaustivo para os genitores com o passar dos anos, gerando assim um desgaste maior dos subsistemas familiares, que, aliado com outros fatores de estresse, contribuem para subjugar conflitos de forma mais exponencial na rotina dos membros (ALVES e ALVES, 2022; ANJOS e MORAIS, 2021).
Quando se consideram as particularidades que envolvem o contexto do TEA no cotidiano, pode-se traçar um paralelo das mesmas voltadas ao cenário da Covid-19, com a implementação das medidas de proteção como o confinamento e o isolamento social, que, mesmo tendo o intuito de controlar a disseminação do vírus, também trouxe um amplo desafio, não só para os atores que lidam diariamente com os impactos advindos do TEA, como os pais ou mesmos profissionais da saúde e da educação, mas também para os portadores da condição, através do aumento expressivo de sentimentos como a irritabilidade, intolerância e o estresse das mudanças abruptas desencadeadas durante esse período, em especial para o processo de aprendizado (DEADEME et al, 2022).
Nos estudos da autora supracitada, foi possível perceber que um dos problemas que mais afligiu os pais foi justamente a reestruturação forçada de suas rotinas, a qual trouxe impacto na forma de manejo com as crianças, pois, em decorrência da perda de convívio social e consequentemente dos trabalhos que vinham sendo realizados com esse público (em dissonância com a lei 12.764/2012, já retratada no tópico anterior), os cuidadores precisam utilizar do contexto remoto de ensino, visando assim tentar manter o mínimo de contato com outras pessoas, entretanto, observa-se que para o público com TEA foi mais complicado se adaptar a esse novo contexto, já que possuem dificuldade na aderência para com as mudanças, ao passo que a utilização, de forma mais excessiva, das ferramentas digitais, como smartphones e tablets, gerou implicações negativas em aspectos de seus desenvolvimentos, devido ser essa uma das estratégias que os genitores utilizaram para tentar contornar a situação das crianças e adolescentes.
Além das implicações familiares, outro contexto de extrema importância para a criança ou adolescente com TEA, que também foi seriamente afetado pelos impactos da pandemia de Covid-19 foi o do contexto educacional, o qual necessitou readequar seu modelo de atuação, que vinha sendo realizado de forma presencial, passando a adotar a forma remota de ensino, visando assim, não deixar o seu público alvo desassistido perante o contexto pandêmico, entretanto, para os portadores de TEA, a essa modificação se mostrou ainda mais desafiadora (RODRIGUES et al, 2022).
A escola, em seu âmago, se caracteriza como uma instituição que vai além da mera transmissão de conhecimentos entre os sujeitos do ambiente, ela possui uma função ampla, na qual abarca funções mais complexas de relacionamentos, seja com as pessoas ou mesmo com o conhecimento, contribuindo no desenvolvimento de diversas habilidades sociointeracionistas, as quais, por sua vez, influenciam o modo como os estudante irão interpretar e agir sobre suas realidades, desenvolvimento um sujeito mais crítico quanto às suas funções perante a sociedade na qual está situado (RODRIGUES et al, 2022).
Considerando essa função que a escola assume, até por se constituir como uma segunda casa para os jovens que a frequentam, desenvolvendo um ambiente propício para o surgimento de novos laços sociais, tem-se em vista a grau de importância que lhe deva ser atribuído, com especial ênfase para o público com TEA, já que é através desse contexto que eles podem encontrar formas mais expressivas de relacionar com as coisas que lhes despertem o interesse, já que se configura como um espaço ampliado para os aspectos simbólicos de cada indivíduo, reforçando suas capacidades e potencialidades (RODRIGUES et al, 2022; DEADEME et al, 2022).
Dessa forma, compreende-se que a profundidade simbólica que esse âmbito proporciona é de extrema importância, sendo assim, com a perda substancial dele perante a pandemia, houve uma série de complicações para todos envolvidos, como o déficit nas relações sociais e interacionistas desenvolvidas, ao passo que as atividades, outrora desenvolvidas de forma presencial, na perspectiva de fomentar uma dinâmica de aprendizagem geradora de uma atmosfera mais ativa para os envolvidos, estimulando o desenvolvimento de suas capacidades psicomotricistas, foram substituídas, com dificuldades mais incisivas, por dinâmicas menos ativas e voltadas para a retenção de conhecimento, ou, como Paulo Freire colocava, uma educação mais bancária (RODRIGUES et al, 2022; DEADEME et al, 2022).
Dessa forma, o manejo com esse público necessitou de uma readequação quanto a sua eficacidade, considerando as situações já mencionadas, exigindo dos profissionais que compõem a rede de ensino uma adaptação mais célere, visando assim conceber estratégias que pudessem propiciar um ambiente mais qualificado para os estudantes, com especial ênfase, os que possuem o TEA, assim, os educadores realizaram o manejo com o público supracitado através da busca de ferramentas inovadoras de atuação, contemplando as faixas etárias de seus alunos (RODRIGUES et al, 2022; DEADEME et al, 2022).
Tendo em vista as informações apresentadas, compreende-se que a situação envolvendo os dois contextos, centrais para o portador com o TEA, foi uma mescla entre as dificuldades e possibilidades de atuação, tendo em vista todas as abruptas mudanças ocorridas durante esse período, aliado com a escassez de mecanismo de suporte, os quais poderiam ter contribuído de forma mais incisiva para com um manejo mais efetivo por parte de pais e profissionais de educação, até mesmo ferindo todas as determinações legais voltadas para os que possuem o TEA.
CONCLUSÃO
O intuito deste artigo foi: Investigar, através de uma revisão bibliográfica da literatura, sobre as implicações da pandemia, nas esferas jurídica, familiar e educacional no público com o TEA. De início, ressalta-se que os objetivos foram alcançados e através deles entendeu-se como a temática foi retratada perante o cenário pandêmico.
Diante das informações apresentadas, foi possível perceber que muito ainda há que se fazer perante o público com TEA, principalmente, no que tange às suas respectivas determinações judiciais, sendo que essas foram as mais atingidas durante a pandemia, não levando em consideração as especificidades de suas condições, as quais incidiram nas outras áreas que compõem a vida da criança/adolescente, como a educacional e familiar, além de ocasionar um retrocesso de seus tratamentos, como também de suas conjunturas sociais.
Sendo assim, ao passo que o público com TEA vem crescendo a cada ano, torna-se importante aumentar as discussões a respeito dessa temática, no intuito de refletir sobre formas mais inovadoras e assertivas de trabalhar com essa demanda, as quais possam contemplar suas ideias validadas, estimulando sua voz perante a sociedade, objetivando assim contribuir para a diminuir o índice de estigmatização que ainda persevera no imaginário social.
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