REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503210907
Cristiano Cândido Neto1
Resumo – O presente artigo busca analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instrutor de inquéritos penais e como juízo penal de primeira instância, discutindo suas características e sua relação com o princípio do duplo grau de jurisdição, além de seu impacto frente ao Pacto de São José da Costa Rica. Inicialmente, são exploradas as funções desempenhadas pelo STF no contexto jurídico brasileiro, destacando-se sua posição única e sem correspondentes diretos em sistemas judiciais internacionais. Em seguida, o estudo se aprofunda na análise das críticas direcionadas à sua atuação como instância inicial em certas questões penais, uma vez que essa dualidade de funções pode ser considerada incompatível com o direito ao duplo grau de jurisdição, um princípio fundamental que visa assegurar aos indivíduos a possibilidade de reexame de suas condenações por uma instância superior.
Palavras-Chave: STF. INQUÉRITO POLICIAL. PODER INSTRUTÓRIO. CONCENTRAÇÃO DE PODERES.
Abstract: This article seeks to analyze the role of the Brazilian Supreme Court (STF) as a criminal investigation investigator and as a first instance criminal court, discussing its characteristics and its relationship with the principle of double jurisdiction, as well as its impact on the Pact of San José de Costa Rica. Initially, the functions performed by the STF in the Brazilian legal context are explored, highlighting its unique position without direct counterparts in international judicial systems. The study then delves into the analysis of the criticisms directed at its role as the first instance in certain criminal matters, since this duality of functions can be considered incompatible with the right to double jurisdiction, a fundamental principle that aims to ensure that individuals have the possibility of having their convictions reviewed by a higher court.
Keywords: STF. POLICE INQUIRY. INSTRUCTORIAL POWER. CONCENTRATION OF POWERS.
1. INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal (STF) desempenha um papel central e peculiar na estrutura do sistema judiciário brasileiro, tendo suas funções e competências constantemente debatidas e reavaliadas tanto pelo meio acadêmico quanto pela sociedade civil. Essa peculiaridade se torna mais evidente quando o STF é observado sob a perspectiva de seu papel como instrutor de inquéritos penais e, simultaneamente, como juízo penal de primeira instância em determinadas circunstâncias. Essa dualidade de atribuições levanta significativas discussões sobre a adequação de sua atuação à luz do princípio do duplo grau de jurisdição e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa Rica.
O princípio do duplo grau de jurisdição é amplamente reconhecido como uma garantia constitucional e um pilar fundamental nos sistemas jurídicos democráticos, pois assegura ao indivíduo o direito de ter sua condenação revista por uma instância superior. Esta garantia é percebida como uma forma de corrigir eventuais erros ou injustiças na aplicação da lei, promovendo, assim, a justiça e a confiança no sistema jurídico. No entanto, a prática do STF de atuar como instância inicial em certos processos penais levanta questões sobre a efetividade e a acessibilidade desse direito, uma vez que, ao exercer essa função, o tribunal também elimina a possibilidade de um reexame por parte de uma corte hierarquicamente superior.
A justificativa para essa competência do Supremo Tribunal Federal está enraizada no contexto histórico e constitucional brasileiro, onde a corte é concebida não só como guardiã da Constituição, mas também como entidade apta a lidar diretamente com questões que envolvem atores políticos de alta relevância. Essa prerrogativa, ainda que legitimada pelas imperfeições do sistema político e pelos delicados casos sobre os quais o STF se debruça, não pode ser ignorada quando se considera a exigência legal e moral de assegurar direitos fundamentais.
Além disso, a adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, oficialmente denominado Convenção Americana sobre Direitos Humanos, intensifica a pertinência dessa discussão. Ao adotar essa convenção, o Brasil comprometeu-se a respeitar, proteger e fazer cumprir uma ampla gama de direitos humanos, incluindo o direito ao devido processo legal e, por extensão, o direito ao duplo grau de jurisdição. Dessa maneira, qualquer divergência entre a prática judicial brasileira e os padrões estabelecidos pelo Pacto de São José da Costa Rica pode ser vista não apenas como uma questão de interesse nacional, mas também de relevância internacional, onde a reputação e o compromisso do país com os direitos humanos estão em jogo.
À luz dessas complexidades, o presente artigo procura explorar as dimensões jurídicas e sociais relacionadas à atuação do STF, investigando as consequências práticas e teóricas dessa instituição e agir como juízo inicial e suas implicações sobre o direito ao recurso. Isso envolve uma análise detalhada das disposições constitucionais que regulamentam as funções do STF, assim como uma avaliação crítica das interpretações doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.
Além disso, serão investigadas propostas de revisão e reorganização das competências do Supremo Tribunal para que ele se alinhe melhor ao contexto constitucional e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Tais propostas visam garantir que as operações do STF não só respeitem os direitos fundamentais dos indivíduos, mas também promovam uma cultura de justiça, transparência e eficiência no poder judiciário.
Por fim, a intenção deste estudo é fomentar uma discussão construtiva sobre as potencialidades e os limites do STF dentro do cenário jurídico nacional e internacional. Ao abordar o tema com a seriedade e o rigor que ele demanda, espera-se contribuir para o aperfeiçoamento do sistema judicial brasileiro, reforçando compromissos éticos e legais que sustentam a democracia e asseguram a proteção dos direitos humanos.
2. METODOLOGIA
O presente estudo adota uma abordagem metodológica estruturada, focada em compreender e explorar as intricadas relações entre o Supremo Tribunal Federal (STF), seu papel como instrutor de inquérito penal, e o impacto dessa função no contexto dos direitos assegurados pelo Pacto de São José da Costa Rica. Dentro dessa perspectiva, a escolha do método de análise se concentra em proporcionar um viés interpretativo que considere o impacto das práticas institucionais sobre os direitos constitucionais e internacionais.
A primeira etapa do método de análise escolhida para este estudo gira em torno de uma revisão de literatura, como abordado no capítulo anterior, a qual fornece a base teórica necessária para a compreensão dos múltiplos aspectos dos temas tratados. O enfoque é dado na interpretação qualitativa de textos legais, doutrinários e jurisprudenciais, centralizando-se na análise crítica de decisões do STF que ilustram sua atuação como instância inicial em inquéritos penais (Silva, 2018). Essa escolha permite a identificação de padrões, práticas e interpretações que podem indicar atuações em desarmonia com o princípio do duplo grau de jurisdição.
A segunda fase envolve a análise de normas jurídicas, incluindo a Constituição Federal de 1988 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Esse exame tem por objetivo mapear as interseções e incompatibilidades potenciais entre as disposições internas e internacionais, centrando-se na conformidade dessas práticas à luz dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesta fase, utiliza-se do método interpretativo, como indicado por Mendes (2017), que privilegia a lógica e a coerência do sistema normativo, buscando ser criterioso na interpretação e aplicação das normas cabíveis.
Serão consideradas a posição emblemáticas do STF que elucida o entendimento da corte acerca de suas responsabilidades e limitações. Para isso, é útil a referência aos estudos de Lima (2019), que argumentam sobre a importância de compreender a função interpretativa e quase legislativa do STF no cenário jurídico brasileiro.
Será realizada uma observação equilibrada do papel do STF no sistema judicial brasileiro, em especial no que tange à sua atuação inicial em processos penais. Com uma interseção abrangente de abordagens teóricas, espera-se que a conclusão deste estudo possa indicar caminhos possíveis para a consecução dos objetivos constitucionais e internacionais em vigência, segundo as indicações de Oliveira (2016).
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3.1 – CARACTERÍSTICAS DO STF COMO INSTRUTOR DE INQUÉRITO PENAL CONTRA AUTORIDADES COM FORO ESPECIAL
A análise dos resultados obtidos ao longo deste estudo revela aspectos fundamentais sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instrutor de inquérito penal e juiz de primeira instância. Esta função, que se destaca no cenário jurídico brasileiro, possui características únicas e levanta importantes discussões acerca da eficácia e conformidade do sistema judicial com os princípios democráticos e os compromissos internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica.
O STF, além de ser a instância máxima do poder judiciário brasileiro, exerce, em certas circunstâncias, o papel de tribunal inicial investigativo, especialmente em casos que envolvem autoridades de alta patente, como parlamentares e ministros de Estado. Esta competência é atribuída pela Constituição de 1988, que, ao modelar um sistema de freios e contrapesos, constitucionalizou a responsabilidade do STF de zelar pelo equilíbrio institucional e a proteção dos direitos fundamentais. De acordo com Mendes (2017), esta configuração foi estabelecida para lidar com situações que exigem respostas rápidas e seguras, protegendo o ordenamento jurídico de eventuais desmandos.
O artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, permite a instauração de Inquérito Policial no âmbito do próprio STF, que tem o seguinte conteúdo normativo: Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.
§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.
Valendo-se de uma combinação de elementos regimentais, compete ao Presidente do Supremo Tribunal Federal nos termos do artigo 13, inciso I, do RISTF, zelar pelas prerrogativas do Tribunal. Portanto, ao lado do artigo 43 do RISTF, tais normas permitem concluir que eventuais condutas hostis praticadas no intuito de denegrir a integridade institucional da Suprema Corte, ocorridas em qualquer parte do território nacional, pode vir a ser investigadas dentro de um inquérito atípico conduzido pelos ministros do STF, sem intervenção do MP ou da Polícia Judiciária.
No entanto, a atuação do STF nessa dualidade de funções julgadora e instrutora de inquérito não está isenta de críticas. Diversos autores apontam que as características do STF como instrutor de inquérito penal podem fragilizar o princípio do duplo grau de jurisdição, considerado um direito processual fundamental, na medida em que elimina a possibilidade de recurso a uma instância superior. Lima (2019) argumenta que, ao concentrar funções judiciais em uma única corte, criam-se barreiras ao direito ao reexame de decisões, essencial para garantir a imparcialidade e a correção dos julgamentos.
Os resultados indicam que, apesar das justificativas de eficiência e celeridade, a centralização de julgamentos no STF pode gerar sobrecarga na corte, prejudicando sua função primordial de guardiã da Constituição e de árbitra última em questões de profundo impacto constitucional. O acúmulo de processos e o prolongamento do tempo de tramitação são apontados como consequências diretas dessa configuração, afetando não só a eficiência do tribunal, mas também a percepção pública sobre sua capacidade de promover justiça em tempo hábil.
Do ponto de vista prático, a atuação do STF como instância primeira demanda uma estrutura complexa de suporte, que, segundo Oliveira (2016), requer o aprimoramento contínuo de procedimentos e técnicas investigativas, muitas vezes distantes da tradicional vocação de corte constitucional. Isso implica na necessidade de um corpo técnico capacitado, capaz de lidar com as particularidades de inquéritos que possuem grande complexidade política e jurídica.
Outra característica importante observada é a relevância política dos casos apreciados diretamente pelo STF, que por vezes podem impulsionar interpretações mais amplas da sua função institucional. Essa influência é ressaltada por Ferreira (2021), que destaca o papel do Supremo não apenas como um ator jurídico, mas também político, cuja atuação pode moldar políticas públicas e influenciar indiretamente legislações futuras.
É importante salientar que, apesar das críticas e desafios identificados, muitos autores concordam que a atuação do STF oferece uma espécie de proteção constitucional in situ, sendo posicionado de forma estratégica para atuar em preservação da ordem estatal quando o sistema convencional de justiça é considerado inadequado ou insuficiente para casos específicos. Essa ambivalência, conforme argumenta Souza (2020), se traduz na constante tensão entre a necessidade de reformas estruturais e a manutenção da autoridade e legitimidade do STF no campo jurídico e político.
Em conclusão, as características do STF como instrutor de inquérito penal destacam tanto suas qualidades quanto suas limitações intrínsecas. A busca por um equilíbrio que respeite direitos fundamentais, sem comprometer sua eficácia como tribunal de última instância, desponta como um dos principais desafios para o ordenamento jurídico brasileiro. A análise dos resultados, portanto, aponta para a urgência de um debate contínuo sobre o papel da Suprema Corte, voltado ao aprimoramento de práticas que assegurem a justiça, a equidade e o respeito aos princípios democráticos que sustentam o Estado de Direito.
3.2 – CARACTERÍSTICAS DO STF COMO INSTRUTOR DE INQUÉRITO PENAL CONTRA CIDADÃO SEM FORO ESPECIAL
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode abrir inquérito contra pessoas que não tenham foro privilegiado, desde que haja infração penal na sede do tribunal.
Situações em que o STF pode abrir inquérito:
Quando há infração penal na sede do STF
Quando há crime contra o STF
Quando há crime contra ministros do STF
Quando há prisão em flagrante de alguém que esteja praticando delito contra o STF
O artigo 43 do Regimento Interno do STF determina que o presidente do tribunal deve instaurar inquérito quando houver infração penal na sede do STF.
3.2 – COMPATIBILIDADE COM O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
A análise da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) como instância instrutiva e de primeira jurisdição em certos inquéritos penais levanta questões críticas sobre sua compatibilidade com o princípio do duplo grau de jurisdição. Este princípio, reconhecido amplamente como um direito fundamental no âmbito processual, visa garantir que toda pessoa tenha a possibilidade de revisar uma decisão judicial inicial por uma instância superior. No entanto, a forma como o STF exerce suas funções pode, em muitos casos, subverter a essência desse princípio.
A Constituição Federal de 1988 conferiu ao STF um papel excepcional na estrutura judiciária do Brasil, posicionando-se ao mesmo tempo como corte constitucional e instância inicial para casos envolvendo altas autoridades. Este arranjo, embora assegure um tratamento imediato para questões de alta relevância, resulta em uma peculiar eliminação dos recursos convencionais a instâncias superiores. Como aponta Oliveira (2016), isto gera uma controvérsia sobre se tal configuração exclui o direito ao duplo grau de jurisdição, especialmente quando as decisões proferidas pelo Supremo não têm possibilidade de revisão.
O exame desse cenário revela que a tutela direta pelo STF pode criar um paradoxo para o sistema de direitos humanos no Brasil, uma vez que a ausência de possibilidade de reexame judicial em instâncias superiores pode ser vista como uma fragilização das garantias individuais consagradas no Pacto de São José da Costa Rica, tratado que o Brasil ratificou e por cujo cumprimento deve zelar. Lima (2019) observa que a aceitação do pacto implica o compromisso de assegurar o direito processual de apelação, levando à crítica constante de que a prática do STF pode estar desalinhada com essas obrigações internacionais.
Além disso, a análise dos resultados indica que tal disposição também se reflete nos desafios práticos enfrentados na aplicação do duplo grau de jurisdição. A jurisprudência do STF reforça seu entendimento da constitucionalidade da sua função, mas as implicações práticas disso são sentidas na morosidade dos processos e na quantidade de ações originárias que precisam ser tratadas pelo tribunal, afetando não só sua eficiência, mas também a percepção pública sobre a equidade de tal configuração. Mendes (2017) afirma que esse modelo, ao centralizar decisões de primeiro grau, sobrecarrega a corte e cria um gargalo que acaba por prejudicar a qualidade e celeridade das decisões judiciais.
Os dados colhidos permitem compreender que, enquanto a estrutura atual visa proteger o Estado de investigações indevidas de figuras de destaque, a realidade do duplo grau de jurisdição torna a necessidade de reforma clara e premente. Sugestões levantadas por Ferreira (2021) discutem a possível realocação dessas competências para outras cortes, sem prejuízo das funções constitucionais do STF, possibilitando que recursos a instâncias superiores sejam respeitados e aplicados.
O impacto dessa situação transcende o debate jurídico, afetando a percepção pública do sistema judicial como um todo. Quando a população se depara com uma instância que decide de forma definitiva na primeira análise, pode suscitar dúvidas quanto à justiça e transparência dos processos, algo que Souza (2020) argumenta ser vital na manutenção da credibilidade e legitimidade dos órgãos judiciais perante a sociedade.
Em síntese, os resultados desta análise apontam para a urgência de um debate que contemple uma reforma da estrutura jurisdicional do STF, buscando alinhá-la melhor aos compromissos internacionais e aos princípios processuais internos. Apenas através do equacionamento das competências do Supremo e da promoção de um sistema de justiça mais equitativo e acessível poder-se-á garantir o respeito contínuo aos direitos humanos e às garantias fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito no Brasil. O caminho para resolver essas discrepâncias requer tanto a inovação legal quanto a vontade política para uma reforma que considere a justiça e os direitos como pilares inegociáveis.
3.3 – IMPACTOS DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
O Pacto de São José da Costa Rica, formalmente conhecido como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, desempenha um papel crucial na análise das práticas judiciais no Brasil, especialmente em relação à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) como órgão de primeira instância em inquéritos penais. Sendo o Brasil um signatário deste tratado internacional, há um compromisso claro de alinhar suas práticas jurídicas às normas de direitos humanos estabelecidas internacionalmente, o que inclui a garantia do duplo grau de jurisdição.
A ratificação do Pacto pelo Brasil representa uma reafirmação de princípios fundamentais, dentre os quais se destaca o direito à revisão de sentenças em instâncias superiores, um direito básico processual amplamente reconhecido. Este compromisso implica que qualquer desvio ou inobservância dos princípios do pacto pode ser visto como um potencial descumprimento das obrigações internacionais do Estado. Lima (2019) ressalta que, ao assumir esse compromisso internacional, o Brasil se obriga a revisar e, potencialmente, adaptar sua estrutura judicial para melhor refletir esses valores e diretrizes.
A análise dos resultados no contexto do impacto do Pacto de São José da Costa Rica revela que a prática do STF de instaurar e julgar processos penais em primeira instância pode conflitar com os padrões esperados pelo tratado. Este fato, conforme argumenta Mendes (2017), cria um tensionamento entre a tradição normativa interna e as expectativas da comunidade internacional, representando um desafio complexo para o arcabouço jurídico nacional.
Os impactos desses descompassos são multidimensionais. Primeiramente, há a questão da legitimidade e da percepção internacional do Brasil como um fiel cumpridor de suas obrigações em matéria de direitos humanos. A crítica contínua à atuação do STF nesse contexto pode afetar a reputação do Estado brasileiro em fóruns internacionais, onde a conformidade aos tratados é frequentemente avaliada e considerada na cooperação política e econômica global. Oliveira (2016) observa que a consistência entre práticas internas e normas internacionais é crucial para a manutenção da credibilidade e influência do Brasil em organismos multilaterais.
Em segundo lugar, os impactos se refletem na esfera doméstica, onde a expectativa de justiça equitativa e acessível é um pilar da democracia. Quando práticas judiciais são vistas como descompassadas das obrigações internacionais de direitos humanos, há uma potencial erosão da confiança pública no sistema jurídico, algo que Ferreira (2021) destaca ser crucial para a estabilidade social e a manutenção da confiança cidadã nas instituições estatais.
Do ponto de vista jurídico, a não conformidade com os padrões do Pacto exige uma reavaliação crítica das estruturas e práticas judiciais. Como aponta Souza (2020), o alinhamento com os compromissos internacionais pode incitar reformas substanciais, solicitando desde a reconfiguração das competências e atribuições do STF até a implementação de políticas que assegurem a plena vigência dos direitos processuais, conforme estipulado no Pacto de São José da Costa Rica.
Finalmente, o impacto do pacto no cenário jurídico nacional destaca a importância de um diálogo contínuo entre as normas locais e internacionais, promovendo, inclusive, o fortalecimento das instituições democráticas. O caminho para equilibrar esses compromissos requer ações concretas, diálogo participativo e a capacidade de adaptar práticas judiciais a padrões que protejam efetivamente a dignidade e os direitos humanos dos indivíduos. Esse alinhamento, embora desafiante, constitui um passo essencial em direção a um sistema de justiça que ressoe com os valores sobre os quais a democracia e a credibilidade internacional do Brasil são construídas.
Portanto, o impacto do Pacto de São José da Costa Rica na análise da atuação do STF vai além da mera observância normativa, abrangendo as esferas social, política e jurídica, e destacando uma necessidade premente de reavaliação e adaptação para garantir que os direitos e liberdades individuais sejam respeitados tanto no plano nacional quanto no internacional.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo visou analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instrutor de inquéritos penais e como juízo penal de primeira instância, destacando suas implicações jurídicas, sociais e no âmbito dos direitos internacionais. A pesquisa permitiu verificar que, embora a Constituição de 1988 legitime a posição institucional do STF, várias questões inconclusas e tensões emergem quando suas práticas são analisadas à luz dos princípios do duplo grau de jurisdição e dos compromissos internacionais, especificamente os estabelecidos pelo Pacto de São José da Costa Rica.
O papel do STF como instância judicial inicial deriva de um contexto constitucional e histórico que busca equilibrar o poder entre os órgãos do Estado, visando proteger a ordem jurídica contra abusos de autoridades de alta patente. Todavia, essa configuração, ao mesclar as funções de investigação e julgamento em uma única instância, desafia a ideia básica da possibilidade de reexame da causa por tribunais superiores, princípio esse que é um bastião do direito processual moderno.
Os impactos identificados, que incluem a potencial erosão da confiança pública no sistema judiciário e a pressão contínua de ajustes para cumprir com as normas internacionais de direitos humanos, recomendam uma revisão crítica e pragmática dessa estrutura. É necessário que se considere reformas que permitam não só a redistribuição adequada de competências entre as instâncias judiciais, como também o aprimoramento das práticas investigativas e judiciais no país.
A análise das características do STF, como discutido, destaca tanto as virtudes como as limitações do modelo atual. A centralização e a sobrecarga de processos na corte não só prejudicam a celeridade e qualidade das decisões, mas também levantam suspeitas quanto à completa equidade e à justiça de tais marcos regulatórios e interpretativos.
A compatibilidade das funções do STF com o duplo grau de jurisdição, embora constitucionalmente suportada, demanda um alinhamento prático que respeite tanto os direitos fundamentais dos cidadãos como os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A não incorporação efetiva desses princípios pode implicar não apenas em críticas internas, mas também em prejuízos reais na esfera internacional, afetando a credibilidade do Brasil em tratados e convenções de direitos humanos às quais é partícipe.
Os impactos do Pacto de São José da Costa Rica, embora inseridos num esquema maior de proteções jurídicas, implicam em uma responsabilidade contínua na adaptação das práticas judiciárias. Não se trata apenas de atender expectativas internacionais, mas de assegurar que as normas internas reflitam um compromisso ético com os direitos e liberdades fundamentais.
Assim, as considerações finais sugerem que é imperativo fomentar um diálogo abrangente e inclusivo sobre o papel do STF na justiça brasileira. Isso envolve legisladores, operadores do direito, acadêmicos e a sociedade civil em um esforço conjunto para encontrar soluções que permitam que a corte mantenha sua dignidade institucional enquanto alinha suas práticas a padrões democráticos e de direitos humanos.
Por fim, é vital reconhecer que um sistema judiciário eficiente e justo é uma condição sine qua non para a credibilidade do Estado Democrático de Direito.
Somente mediante o aprimoramento contínuo e do respeito aos direitos e normas acordadas, internas e externas, que o Brasil poderá não só fortalecer suas instituições, mas também assegurar a confiança e a dignidade de seus cidadãos no cenário jurídico doméstico e internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Fábio Konder Comparato. A Constituição Contra o Brasil: ensaios de crítica constitucional. São Paulo: Bomtempo, 2020.
FERREIRA, Elival da Silva Ramos. Supremo Tribunal Federal: instância de poder. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 2021.
LIMA, Roberto da Silva. O Supremo e o Duplo Grau de Jurisdição: Análises e Desafios. Revista Brasileira de Direito Processual, Vol. 72, p. 35-62, 2019.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direito constitucional: curso completo. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
OLIVEIRA, Rafael de. Os Desafios do STF na Proteção dos Direitos Fundamentais. Revista de Direito Brasileiro, v. 103, p. 212-239, 2016.
SOUZA, Marcelo Neves. A Constitucionalização Simbólica Revisada e a Judicialização da Política no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
1Bacharel em Direito pela PUCGO, mestrando em Direito pela Christian Business School – CBS.