THE IMPACT OF ELECTRONIC CIGARETTE USE ON ADOLESCENT MENTAL HEALTH: A SYSTEMATIC REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410131052
André Muritiba Araújo; Amanda de Souza Marinho; Camila Bacelar Lima Leal; Isa Mara Pereira da Mota; Jhadde Timóteo de Souza Santos; Laura Yasmin Rodrigues Mota; Maria Gabriella de Oliveira Andrade; Érica Larissa de Oliveira Cardoso1; Ysis Abreu Mota2; Orientadora: Tâmara Trindade de Carvalho Santos3
Resumo
Objetivo: Analisar os impactos do uso de cigarros eletrônicos na saúde mental dos adolescentes, identificando fatores motivacionais e de risco associados ao uso desses dispositivos. Método: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura utilizando as bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), com descritores em português e inglês. Foram incluídos estudos publicados entre 2019 e 2024 que analisaram a relação entre o uso de cigarros eletrônicos e a saúde mental de adolescentes de 12 a 24 anos. Após a aplicação de critérios de inclusão e exclusão, 10 estudos foram selecionados para análise. Resultados: Os principais fatores motivacionais para o uso de cigarros eletrônicos incluem curiosidade, percepção de menor risco em comparação aos cigarros convencionais, apelo sensorial e influência social. Os fatores de risco incluem experiências adversas na infância, problemas de saúde mental, uso de outras substâncias e baixo desempenho acadêmico. A revisão indicou uma forte associação entre o uso de cigarros eletrônicos e o aumento de sintomas de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais em adolescentes. Além disso, destaca-se a importância de políticas públicas mais rigorosas e programas de suporte psicológico para mitigar os efeitos negativos do uso de cigarros eletrônicos entre os jovens.
Palavras-chave: Cigarros eletrônicos, saúde mental, adolescentes, fatores de risco, políticas públicas.
Abstract
Objective: To analyze the impact of electronic cigarette use on adolescent mental health, identifying motivational and risk factors associated with the use of these devices. Method: A systematic literature review was conducted using the PubMed and Virtual Health Library (BVS) databases, with descriptors in Portuguese and English. Studies published between 2019 and 2024 that analyzed the relationship between electronic cigarette use and the mental health of adolescents aged 12 to 24 years were included. After applying inclusion and exclusion criteria, 10 studies were selected for analysis. Results: The main motivational factors for the use of electronic cigarettes include curiosity, the perception of lower risk compared to traditional cigarettes, sensory appeal, and social influence. Risk factors include adverse childhood experiences, mental health problems, substance use, and poor academic performance. The review indicated a strong association between the use of electronic cigarettes and increased symptoms of depression, anxiety, and other mental disorders in adolescents. Additionally, the importance of stricter public policies and psychological support programs is emphasized to mitigate the negative effects of electronic cigarette use among young people.
Keywords: Electronic cigarettes, mental health, adolescents, risk factors, public policies.
Resumen
Objetivo: Analizar el impacto del uso de cigarrillos electrónicos en la salud mental de los adolescentes, identificando factores motivacionales y de riesgo asociados con el uso de estos dispositivos. Método: Se realizó una revisión sistemática de la literatura utilizando las bases de datos PubMed y Biblioteca Virtual en Salud (BVS), con descriptores en portugués e inglés. Se incluyeron estudios publicados entre 2019 y 2024 que analizaron la relación entre el uso de cigarrillos electrónicos y la salud mental de adolescentes de 12 a 24 años. Después de aplicar los criterios de inclusión y exclusión, se seleccionaron 10 estudios para el análisis. Resultados: Los principales factores motivacionales para el uso de cigarrillos electrónicos incluyen la curiosidad, la percepción de menor riesgo en comparación con los cigarrillos tradicionales, el atractivo sensorial y la influencia social. Los factores de riesgo incluyen experiencias adversas en la infancia, problemas de salud mental, consumo de otras sustancias y bajo rendimiento académico. La revisión indicó una fuerte asociación entre el uso de cigarrillos electrónicos y el aumento de síntomas de depresión, ansiedad y otros trastornos mentales en adolescentes. Además, se destaca la importancia de políticas públicas más estrictas y programas de apoyo psicológico para mitigar los efectos negativos del uso de cigarrillos electrónicos entre los jóvenes.
Palabras clave: Cigarrillos electrónicos, salud mental, adolescentes, factores de riesgo, políticas públicas.
1. INTRODUÇÃO
O tabagismo é um dos principais contribuintes para os desafios críticos de saúde pública atuais, sendo responsável por milhões de mortes a cada ano. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 8 milhões de pessoas morrem anualmente por causa do tabaco — sendo 7 milhões diretamente por seu uso e 1,2 milhão por exposição à fumaça de forma passiva (OMS, 2020). Além dos conhecidos danos físicos, como doenças respiratórias, cardiovasculares e vários tipos de câncer, o tabagismo também afeta a saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos de humor, ansiedade e depressão (SANTOS et al., 2019).
Nas últimas décadas, uma nova forma de tabagismo tem ganhado destaque: os cigarros eletrônicos (CEs), ou dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs). Inicialmente vendidos como uma alternativa “menos nociva” aos cigarros tradicionais e como uma ferramenta para ajudar na cessação do tabagismo, esses dispositivos rapidamente conquistaram popularidade, especialmente entre os jovens (BARUFALDI et al., 2021). A variedade de sabores, a ausência de cheiro desagradável e a percepção de que são menos prejudiciais à saúde tornam os cigarros eletrônicos atraentes. Além disso, o marketing voltado ao público jovem, muitas vezes explorando a estética moderna e a tecnologia, tem desempenhado um papel significativo no aumento do uso (CAVALCANTE et al., 2017).
No Brasil, mesmo com a proibição da comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o uso desses dispositivos tem crescido, especialmente entre adolescentes. Dados do Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco (INCA, 2023) mostram que 18,5% dos estudantes do 9º ano do ensino fundamental já experimentaram cigarros eletrônicos em 2019, e 6,1% usaram nos últimos 30 dias. Jovens entre 15 e 24 anos representam cerca de 70% dos usuários desses dispositivos no Brasil (INCA, 2023). Essa faixa etária é particularmente vulnerável, pois o cérebro ainda está em desenvolvimento, o que aumenta os riscos de dependência e prejuízos nas funções cognitivas. Esses números reforçam a urgência de políticas de prevenção focadas na juventude.
A adolescência é uma fase de muitas mudanças físicas, emocionais e sociais. Nesse período, a busca por aceitação e identidade muitas vezes leva os jovens a experimentarem coisas novas, e os cigarros eletrônicos têm se tornado uma dessas experiências. Fatores como a influência dos amigos, curiosidade, desejo de pertencimento e a forte presença nas redes sociais são motivadores para o uso (JHA & KRAGULJAC, 2021). Além disso, a nicotina presente nos CEs gera uma sensação imediata de prazer e relaxamento, alimentando a falsa crença de que esses dispositivos são inofensivos. No entanto, o uso regular pode rapidamente se transformar em dependência, com sérios impactos na saúde mental.
Estudo indicam que jovens que usam esses dispositivos têm uma maior chance de manifestar sintomas de depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), além de adotar comportamentos de risco, como o uso de outras drogas e álcool (PINA et al., 2023). Além disso, a nicotina dos cigarros eletrônicos também interfere no desenvolvimento cerebral, afetando áreas responsáveis pela tomada de decisão, controle de impulsos e regulação emocional (SILVA & MOREIRA, 2019).
Mesmo com a proibição vigente, o acesso aos cigarros eletrônicos segue fácil, especialmente pela internet. A diversidade de dispositivos e líquidos disponíveis no mercado, junto à dificuldade de fiscalizar o acesso por adolescentes, representam um grande desafio para políticas de prevenção e controle (SILVA & MOREIRA, 2019). Nesse cenário, a falta de regulamentação específica agrava o problema e torna ainda mais urgente a criação de medidas eficazes.
Diante desse contexto, este estudo se propõe a analisar os impactos do uso de cigarros eletrônicos na saúde mental dos adolescentes. Compreender essa relação é essencial não só para entender os riscos que esses dispositivos representam, mas também para subsidiar políticas públicas que protejam a saúde mental das futuras gerações.
2. METODOLOGIA
Este estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de investigar os impactos do uso de cigarros eletrônicos na saúde mental de adolescentes. A busca foi realizada em agosto de 2024, nas bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), utilizando os descritores “cigarro eletrônico”, “saúde mental” e “adolescente”, em português e inglês, combinados com operadores booleanos “AND”.
Os critérios de inclusão abrangeram: (i) estudos publicados entre 2019 e 2024; (ii) que analisassem a relação entre o uso de cigarros eletrônicos e a saúde mental de adolescentes de 12 a 24 anos; e (iii) artigos com análises específicas para essa faixa etária. Foram excluídos estudos que: (i) não tratassem diretamente do tema; (ii) não incluíssem adolescentes dentro da faixa etária especificada; (iii) fossem revisões não sistemáticas, editoriais, cartas ao editor ou resumos de conferências; e (iv) fossem duplicados entre as bases de dados.
A seleção dos estudos foi realizada em duas etapas. Inicialmente, quatro revisores independentes analisaram os títulos e resumos, excluindo os que não atendiam aos critérios de inclusão. Na segunda fase, os artigos selecionados foram lidos na íntegra, sendo incluídos na análise final aqueles que mantiveram a aderência aos critérios. Eventuais divergências entre os revisores foram resolvidas por consenso.
Os dados dos estudos incluídos foram extraídos de maneira padronizada, contemplando informações como autor, ano de publicação, país, desenho do estudo, características da amostra (idade e gênero), e principais resultados sobre o uso de cigarros eletrônicos e saúde mental. A análise dos resultados foi conduzida por meio de uma síntese narrativa, permitindo a integração dos achados e a identificação de padrões e divergências.
A busca sistemática nas bases de dados PubMed e BVS, utilizando os descritores “cigarro eletrônico”, “saúde mental” e “adolescente”, resultou em 397 artigos. Após a remoção de duplicatas e a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 10 estudos foram selecionados para a revisão sistemática. O processo de seleção dos artigos está ilustrado no Fluxograma (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma da Seleção de Artigos
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Quadro 1 apresenta uma síntese das principais características dos 10 estudos selecionados, incluindo o ano de publicação, os autores, o título, o objetivo principal e os principais achados. Esses estudos foram conduzidos entre 2020 e 2024, abrangendo uma diversidade de contextos geográficos, como Estados Unidos, Coreia do Sul, Tailândia e China. A maioria dos estudos utilizou um delineamento transversal (n=6), proporcionando uma visão instantânea da relação entre o uso de cigarros eletrônicos e saúde mental em adolescentes, enquanto três estudos longitudinais permitiram uma análise mais aprofundada da evolução dessa relação ao longo do tempo.
Quadro 1. Características e Principais Achados dos Estudos Incluídos na Revisão Sistemática
Ano | Autor | Título | Tipo de estudo | Objetivo | Principais Achados |
2024 | Wang et al. | Serious psychological distress and higher associations with tobacco and cannabis use among college students in the United States | Transversal | Examinar a associação entre sofrimento psicológico grave (SPD) e o uso de tabaco e cannabis entre estudantes universitários nos EUA. | Associação significativa entre SPD e uso de tabaco/cannabis, especialmente uso múltiplo e uso diário. |
2024 | Deng et al. | Susceptibility to e-cigarette among high school students: a study based on the ecological model of health behavior | Transversal | Investigar os fatores que afetam a suscetibilidade dos jovens ao uso de cigarros eletrônicos. | Suscetibilidade a cigarros eletrônicos (CEs) em 38% dos não usuários, influenciada por fatores individuais, interpessoais e comunitários. |
2023 | Seeherunwong et al. | Association between socioecological factors and electronic cigarette use among Thai youth: an institution-based cross-sectional study | Transversal | Examinar a prevalência e os fatores socioecológicos associados ao uso de cigarros eletrônicos entre jovens tailandeses (15 a 24 anos). | Prevalência de uso de CEs em 3,5%, maior entre jovens do sexo feminino. Influência de relacionamento com usuários de CEs e exposição ao uso na escola. |
2023 | Lee et al. | Social Media Use and Cannabis Vaping Initiation among US Youth | Longitudinal | Investigar se o uso de mídia social está associado ao início do uso de vaporização de cannabis entre jovens dos EUA. | Associação entre uso de mídia social e início do vaping de cannabis, mesmo controlando outros fatores de risco. |
2022 | Duan et al. | Role of Mental Health in the Association Between E-Cigarettes and Cannabis Use | Longitudinal | Investigar se a associação prospectiva entre o uso de cigarros eletrônicos e o uso de cannabis difere de acordo com o estado de saúde mental individual. | Associação entre uso de CEs e uso subsequente de cannabis, com modificação de efeito por problemas de saúde mental internalizantes. Adolescentes com alta gravidade de problemas de saúde mental internalizantes/externalizantes eram significativamente mais propensos a iniciar o uso de cannabis. |
2022 | Baiden et al. | Use of electronic vaping products and mental health among adolescent high school students in the United States: The moderating effect of sex | Transversal | Investigar a associação transversal entre o uso de produtos de vaporização eletrônica (EVPs), sintomas de depressão e comportamentos suicidas entre adolescentes. | Associação entre uso de EVPs e problemas de saúde mental, com efeitos mais fortes em adolescentes do sexo feminino. Uso de EVPs associado a maior probabilidade de depressão, ideação suicida, planejamento de suicídio e tentativa de suicídio. |
2020 | Werner et al. | Hospitalizations and Deaths Associated with EVALI | Descritivo | Comparar as características de pacientes com casos fatais de EVALI com as de pacientes com casos não fatais. | Pacientes com EVALI fatal tinham maior probabilidade de ter doenças crônicas, obesidade e histórico de saúde mental. Metade dos casos fatais foram atendidos em ambiente ambulatorial antes da hospitalização. |
2020 | Han & Son | What influences adolescents to continuously use e-cigarettes? | Transversal | Investigar os fatores que influenciam o uso contínuo de cigarros eletrônicos em adolescentes. | Fatores interpessoais e ambientais, como facilidade de compra, adição de sabores e fumo passivo, influenciam o uso contínuo de CEs. |
2020 | Clendennen et al. | Patterns in Mental Health Symptomatology and Cigarette, E-cigarette, and Marijuana Use Among Texas Youth and Young Adults Amid the Coronavirus Disease 2019 Pandemic | Longitudinal | Examinar padrões na sintomatologia de saúde mental e comportamentos de fumar e vaporizar entre jovens e adultos jovens durante a pandemia de COVID-19. | Aumento de sintomas de ansiedade e depressão, uso de maconha e CEs durante a pandemia. Piora na saúde mental prediz aumento no uso de substâncias. |
2019 | Shin et al. | Adverse Childhood Experiences and E-Cigarette Use During Young Adulthood | Transversal | Investigar a relação entre experiências adversas na infância (ACEs) e o uso de cigarros eletrônicos no início da idade adulta. | Jovens adultos com histórico de ACEs podem ser mais vulneráveis ao uso de CEs. A urgência negativa mediou totalmente a relação entre ACEs e o uso de CEs ao longo da vida. |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.
Os estudos transversais indicaram uma forte associação entre o uso de CEs e o aumento de sintomas de sofrimento psicológico, como depressão, ansiedade e ideação suicida. Já os estudos longitudinais reforçaram que o uso contínuo de cigarros eletrônicos pode agravar esses sintomas, revelando um risco ainda maior para a saúde mental dos adolescentes. As diferenças de impacto entre subgrupos, especialmente em termos de gênero, também emergiram como um ponto de atenção, com adolescentes do sexo feminino apresentando maior vulnerabilidade aos efeitos do cigarro eletrônico.
A revisão sistemática realizada demonstra que o uso de cigarros eletrônicos (CEs) entre adolescentes é influenciado por uma combinação de fatores motivacionais e de risco, que abrangem tanto motivações internas, como a curiosidade e a busca por sensações, quanto influências externas, como pressão social e exposição a traumas na infância. Esses fatores, detalhados nos Quadro 2 e Quadro 3, revelam a complexidade por trás do comportamento de uso de CEs entre adolescentes.
Quadro 2 – Fatores Motivacionais
Fator | Descrição | Artigos de suporte |
Curiosidade e Experimentação | Desejo de experimentar algo novo e sensação de aventura associada ao uso de um novo dispositivo. | Han & Son (2020), Seeherunwong et al. (2023), Deng et al. (2024) |
Percepção de Menor Risco | Crença de que os CEs são menos prejudiciais à saúde do que os cigarros convencionais. | Han & Son (2020), Seeherunwong et al. (2023), Deng et al. (2024) |
Apelo Sensorial | Atração por sabores e aromas diversos, além do design moderno e tecnológico dos dispositivos. | Han & Son (2020), Seeherunwong et al. (2023) |
Influência Social | Pressão dos pares, desejo de aceitação social e influência de amigos e familiares que usam CEs. | Seeherunwong et al. (2023), Deng et al. (2024), Lee et al. (2023) |
Marketing e Publicidade | Exposição a propagandas que exploram a estética, a tecnologia e a sensação de liberdade associadas aos CEs. | Deng et al. (2024), Lee et al. (2023) |
Facilidade de Acesso | Compra online, falta de fiscalização na venda para menores e facilidade de ocultação do dispositivo. | Han & Son (2020), Seeherunwong et al. (2023) |
Automedicação | Uso de CEs como forma de lidar com estresse, ansiedade e outros problemas de saúde mental. | Baiden et al. (2022), Duan et al. (2022), Clendennen et al. (2020) |
Entre os fatores motivacionais, a curiosidade e experimentação é uma das principais razões que levam os adolescentes a iniciarem o uso de CEs. O desejo de experimentar algo novo, associado à crença equivocada de que esses dispositivos são menos prejudiciais à saúde do que os cigarros convencionais, estimula o uso inicial (HAN & SON, 2020; SEEHERUNWONG et al., 2023; DENG et al., 2024). A percepção de menor risco continua sendo amplamente disseminada entre os jovens, que veem os CEs como uma alternativa “segura” ao tabagismo tradicional (HAN & SON, 2020). Além disso, o apelo sensorial dos CEs, com uma variedade de sabores e aromas, e seu design moderno, contribuem para o uso contínuo (HAN & SON, 2020).
A influência social também se destaca como um dos principais fatores motivacionais, com muitos adolescentes relatando que amigos e familiares usuários de CEs os incentivam a seguir o mesmo caminho (SEEHERUNWONG et al., 2023; DENG et al., 2024; LEE et al., 2023). Isso é potencializado pela exposição ao marketing e publicidade, que explora a estética moderna e a percepção de liberdade associada ao uso de CEs (DENG et al., 2024). A facilidade de acesso, especialmente por meio de vendas online e pela falta de fiscalização rigorosa na venda para menores de idade, torna ainda mais fácil a experimentação e o uso frequente desses dispositivos (HAN & SON, 2020; SEEHERUNWONG et al., 2023).
Por outro lado, os fatores de risco associados ao uso de CEs entre adolescentes são igualmente preocupantes. Conforme destacado na Quadro 3, adolescentes que vivenciaram experiências adversas na infância (ACEs), como abuso, negligência ou outras formas de trauma, estão significativamente mais propensos a utilizar CEs como uma forma de lidar com os efeitos psicológicos dessas experiências (SHIN et al., 2019). O uso de cigarros eletrônicos por esses jovens muitas vezes serve como um mecanismo de automedicação para aliviar o estresse e a ansiedade gerados por esses traumas.
Quadro 3 – Fatores de Risco
Fator | Descrição | Artigos de suporte |
Experiências Adversas na Infância (ACEs) | Histórico de abuso, negligência ou outras experiências traumáticas na infância. | Shin et al. (2019) |
Problemas de Saúde Mental | Presença de sintomas de depressão, ansiedade, TDAH ou outros transtornos mentais. | Baiden et al. (2022), Duan et al. (2022), Clendennen et al. (2020), Wang et al. (2024) |
Uso de Outras Substâncias | Consumo de álcool, tabaco ou outras drogas. | Seeherunwong et al. (2023), Clendennen et al. (2020), Wang et al. (2024), Lee et al. (2023) |
Baixo Desempenho Acadêmico | Dificuldades escolares e baixo rendimento. | Deng et al. (2024) |
Busca por Sensações | Traço de personalidade caracterizado pela busca por novas experiências e propensão a correr riscos. | Deng et al. (2024) |
Exposição ao Uso de CEs | Presença de amigos, familiares ou colegas que usam CEs. | Seeherunwong et al. (2023), Lee et al. (2023) |
Uso de Mídias Sociais | Exposição a conteúdo relacionado a CEs em plataformas online, incluindo publicidade e postagens de influenciadores. | Lee et al. (2023) |
Além disso, a presença de problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e TDAH, também aumenta a probabilidade de uso de CEs entre adolescentes (BAIDEN et al., 2022; DUAN et al., 2022; CLENDENNEN et al., 2020; WANG et al., 2024). Esses dispositivos são frequentemente vistos como uma maneira de aliviar temporariamente os sintomas de sofrimento mental, sem que os jovens compreendam os riscos a longo prazo do uso contínuo de nicotina.
O uso de outras substâncias, como álcool, tabaco e drogas, também foi identificado como um fator de risco significativo. Adolescentes que já consomem essas substâncias têm maior probabilidade de adicionar os CEs ao seu repertório de comportamentos de risco, uma vez que esses dispositivos são amplamente utilizados em contextos de socialização (SEEHERUNWONG et al., 2023; CLENDENNEN et al., 2020; WANG et al., 2024; LEE et al., 2023). Além disso, o baixo desempenho acadêmico foi associado ao uso de CEs, sugerindo que adolescentes com dificuldades escolares podem recorrer a esses dispositivos como uma forma de lidar com o estresse acadêmico ou social (DENG et al., 2024).
A busca por sensações, um traço de personalidade caracterizado pela procura de novas experiências e a disposição para correr riscos, também foi destacada como um fator relevante para o uso contínuo de CEs entre adolescentes (DENG et al., 2024). Finalmente, a exposição ao uso de CEs por amigos, familiares ou colegas e o impacto do uso de mídias sociais, que frequentemente exibem conteúdos relacionados aos cigarros eletrônicos, desempenham um papel importante na normalização desse comportamento entre os jovens (SEEHERUNWONG et al., 2023; LEE et al., 2023).
A revisão sistemática revelou uma significativa escassez de estudos indexados que tratam especificamente da relação entre o uso de cigarros eletrônicos e a saúde mental de adolescentes no Brasil. Essa lacuna representa um desafio importante, dado que a realidade do país, com regulamentações restritivas e um mercado crescente de dispositivos não regulamentados, difere de outros contextos globais. A maioria dos estudos incluídos nesta revisão foi conduzida em países como Estados Unidos e Coreia do Sul, o que limita a generalização dos resultados para o cenário brasileiro. Diante disso, é essencial que futuras pesquisas aprofundem a investigação no contexto nacional, considerando as especificidades culturais, sociais e econômicas do Brasil. Esses estudos são fundamentais para embasar políticas públicas mais eficazes e voltadas à prevenção do uso de cigarros eletrônicos, especialmente entre jovens em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade à dependência e aos impactos na saúde mental é maior.
Campanhas educacionais precisam ser direcionadas para corrigir percepções equivocadas sobre os riscos dos CEs e fornecer informações claras sobre os danos a longo prazo causados pela nicotina no desenvolvimento cerebral dos adolescentes. Além disso, a fiscalização rigorosa das vendas online e presenciais de cigarros eletrônicos, com ênfase em limitar o acesso de menores de idade, deve ser reforçada.
Intervenções mais amplas, que integrem suporte psicológico para adolescentes com histórico de traumas ou problemas de saúde mental, são essenciais para mitigar o uso de CEs como forma de automedicação. Essas estratégias precisam abordar tanto os fatores individuais, como a busca por sensações, quanto as influências sociais e contextuais que facilitam o uso de cigarros eletrônicos entre os jovens.
Embora esta revisão tenha identificado fatores importantes, algumas limitações devem ser reconhecidas. Muitos dos estudos incluídos são transversais, o que limita a capacidade de inferir causalidade. Futuras pesquisas devem priorizar estudos longitudinais para entender melhor a progressão do uso de CEs e suas consequências de longo prazo para a saúde mental dos adolescentes. Além disso, é importante aprofundar as investigações sobre o impacto das mídias sociais, dado seu papel crescente na vida dos jovens e sua influência na disseminação de conteúdos relacionados ao uso de cigarros eletrônicos (LEE et al., 2023).
4. CONCLUSÃO
Este estudo revisou sistematicamente a literatura sobre os impactos do uso de cigarros eletrônicos (CEs) na saúde mental de adolescentes, identificando fatores motivacionais e de risco que contribuem para o início e a continuidade desse comportamento. Entre os principais fatores motivacionais destacam-se a curiosidade, a percepção equivocada de menor risco em comparação aos cigarros convencionais, o apelo sensorial e a influência social. Adicionalmente, fatores de risco como experiências adversas na infância, problemas de saúde mental, uso de substâncias e baixo desempenho acadêmico desempenham um papel determinante no uso de CEs entre adolescentes.
Os achados desta revisão indicam que intervenções de saúde pública precisam adotar uma abordagem integrada e multifacetada, que leve em conta tanto os fatores motivacionais quanto os de risco. Campanhas educativas devem desmistificar a falsa percepção de segurança associada aos cigarros eletrônicos, enquanto uma regulamentação mais rigorosa, especialmente no comércio online, é fundamental para limitar o acesso dos adolescentes a esses dispositivos. Além disso, é crucial implementar programas de suporte psicológico voltados para jovens em situação de vulnerabilidade, evitando que utilizem os CEs como forma de automedicação para lidar com questões emocionais não tratadas.
Futuras pesquisas devem se concentrar em estudos longitudinais que acompanhem a progressão do uso de cigarros eletrônicos ao longo do tempo, investigando suas consequências duradouras para a saúde mental dos adolescentes. Além disso, há uma clara necessidade de aprofundar os estudos no Brasil, onde o acesso a esses dispositivos ocorre em um contexto de proibição, mas com alta prevalência entre adolescentes. A escassez de dados específicos para o país limita a elaboração de políticas públicas eficazes e culturalmente adequadas, reforçando a urgência de investigações nacionais. Também é necessário entender melhor o papel das mídias sociais e das influências digitais, que têm se tornado cada vez mais importantes na promoção do uso de substâncias entre os jovens. Somente com a combinação de esforços de conscientização, políticas públicas rigorosas e suporte psicológico adequado será possível reduzir o uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes e mitigar seus impactos nocivos a longo prazo, protegendo assim a saúde mental das futuras gerações.
REFERÊNCIAS
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1Discentes do Curso Superior de Medicina – Faculdade Ages de Medicina e-mail: andre.muritiba@hotmail.com
2Docente do Curso Superior de Medicina – Faculdade Ages de Medicina e-mail: ysis.mota@ages.edu.br
3Docente do Curso Superior de Medicina – Faculdade Ages de Medicina e-mail: tamara.carvalho@ages.edu.br