REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202411102140
Alexandre Michel Petry;
Professor Orientador: José Roberto Alves Filho
RESUMO
A endometriose é uma condição ginecológica que afeta uma significativa proporção de mulheres em idade reprodutiva, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina. Essa patologia está associada a sintomas debilitantes, como dor pélvica crônica, dismenorreia e infertilidade, o que impacta negativamente a qualidade de vida das pacientes. O tratamento da endometriose é complexo e envolve diversas abordagens, entre elas o uso de neuromoduladores, que têm se mostrado promissores no manejo da dor crônica. O presente trabalho busca explorar o impacto desses medicamentos na redução da dor associada à endometriose. Os neuromoduladores, incluindo antidepressivos como a amitriptilina e anticonvulsivantes como a gabapentina, atuam no sistema nervoso central e interferem na percepção da dor. Estudos demonstram que a amitriptilina é eficaz na redução da dor pélvica, provavelmente devido à sua ação nos neurotransmissores serotonina e noradrenalina. A gabapentina também apresentou resultados positivos na diminuição da dor em mulheres com endometriose. Embora esses medicamentos ofereçam benefícios, a presença de efeitos colaterais, como sonolência e ganho de peso, pode comprometer a adesão ao tratamento. Portanto, a monitorização cuidadosa e a educação das pacientes são fundamentais para maximizar os resultados. Além disso, a combinação de neuromoduladores com hormonioterapia tem mostrado potencial em melhorar o controle da dor e a qualidade de vida das pacientes, propondo uma abordagem integrada e multidisciplinar no manejo da endometriose. Os neuromoduladores representam uma opção terapêutica eficaz no tratamento da dor crônica associada à endometriose, embora mais pesquisas sejam necessárias para otimizar essas estratégias e estabelecer diretrizes claras.
PALAVRAS-CHAVE: Endometriose. Dor Pélvica. Tratamento. Neuromoduladores.
1 INTRODUÇÃO
A endometriose é uma condição ginecológica crônica caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, que responde ciclicamente a estímulos hormonais e pode provocar uma inflamação crônica e uma série de sintomas debilitantes. Estudos epidemiológicos indicam que a endometriose afeta cerca de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva, correspondendo a aproximadamente 176 milhões de mulheres em todo o mundo1,2. Os principais sintomas incluem dor pélvica crônica, dismenorreia intensa, dispareunia e problemas de fertilidade, além de um significativo impacto na qualidade de vida dessas pacientes. Além disso, estima-se que a endometriose acarrete custos elevados para os sistemas de saúde e para a sociedade, em função da necessidade de tratamentos contínuos e da perda de produtividade devido à dor intensa e aos sintomas associados3,4.
Apesar dos avanços nas terapias disponíveis, o tratamento da endometriose ainda apresenta limitações. As abordagens convencionais incluem a utilização de medicamentos, como analgésicos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e terapias hormonais, como os agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) e contraceptivos orais combinados para suprimir a progressão da doença e procedimentos cirúrgicos para remoção dos focos endometrióticos. No entanto, esses tratamentos são frequentemente acompanhados de efeitos colaterais indesejáveis e muitas vezes não conseguem proporcionar alívio total dos sintomas5. Além disso, em alguns casos, a dor crônica persiste mesmo após intervenções cirúrgicas, sugerindo que mecanismos centrais, como a sensibilização do sistema nervoso central, uma condição em que a dor se torna amplificada e responde de forma inadequada aos tratamentos comuns, possam estar envolvidos no quadro doloroso. Isso gera uma demanda crescente por alternativas terapêuticas que possam atuar diretamente no controle da dor e, assim, melhorar a qualidade de vida das pacientes6.
Nesse contexto, o uso de neuromoduladores tem ganhado destaque como uma alternativa promissora para o tratamento da dor crônica na endometriose. Neuromoduladores são medicamentos que atuam no sistema nervoso central e periférico, modulando a transmissão de sinais de dor. Entre os principais neuromoduladores utilizados para o manejo da dor estão os anticonvulsivantes, como a gabapentina, e antidepressivos, como a amitriptilina, que demonstraram eficácia na redução da dor neuropática em condições como a neuralgia e a fibromialgia7. Em pacientes com endometriose, estudos preliminares sugerem que esses agentes podem ajudar a reduzir a intensidade da dor e a necessidade de analgésicos convencionais, melhorando, assim, a qualidade de vida das pacientes8.
Dada a complexidade dos mecanismos de dor envolvidos na endometriose e as limitações das terapias convencionais, torna-se relevante investigar o papel dos neuromoduladores como parte do manejo clínico da condição. Este estudo busca explorar o impacto desses medicamentos na redução da dor associada à endometriose, contribuindo para a compreensão de estratégias alternativas no tratamento da doença.
2 REVISÃO
2.1 Mecanismos Fisiopatológicos da Dor na Endometriose
A dor é um dos sintomas mais prevalentes e debilitantes da endometriose, afetando significativamente a qualidade de vida das mulheres acometidas. A complexidade da dor associada a essa doença deriva de múltiplos mecanismos fisiopatológicos que envolvem processos inflamatórios, neurogênicos, imunológicos e hormonais. Esses mecanismos atuam de forma integrada, levando à sensibilização dos nervos periféricos e centrais e perpetuando o ciclo de dor crônica4.
A inflamação é um dos principais fatores que contribuem para a dor na endometriose. O tecido endometriótico ectópico libera citocinas pró-inflamatórias, como interleucinas (IL-1, IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e prostaglandinas, que desencadeiam e perpetuam a resposta inflamatória no ambiente peritoneal. Essas citocinas sensibilizam as terminações nervosas ao ativar nociceptores, resultando em uma resposta aumentada à dor9,10. As prostaglandinas, especificamente as prostaglandinas E2 (PGE2), têm um efeito particularmente nociceptivo, intensificando a dor durante o ciclo menstrual. A PGE2 não apenas exacerba a dor local, mas também promove a angiogênese, contribuindo para o crescimento das lesões endometrióticas e agravando o quadro inflamatório11,12.
A endometriose promove a neuroangiogênese, caracterizada pelo crescimento simultâneo de fibras nervosas e vasos sanguíneos no tecido endometriótico. Esse processo facilita a inervação das lesões endometrióticas por fibras nervosas sensoriais, simpáticas e parasimpáticas, intensificando a percepção de dor nas regiões afetadas. A invasão neural pelo tecido endometriótico é um importante mecanismo que torna a dor da endometriose tão persistente e intensa13,14. Fatores de crescimento, como o fator de crescimento nervoso (NGF) e o fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), são liberados pelas lesões e promovem a inervação das lesões endometrióticas, o que contribui para a manutenção da dor crônica mesmo após a remoção cirúrgica das lesões15.
A sensibilização periférica ocorre devido à ativação contínua dos nociceptores periféricos no local das lesões endometrióticas, em resposta à inflamação e à liberação de mediadores pró- inflamatórios. Com o tempo, essa estimulação constante pode levar à sensibilização central, uma condição em que os neurônios do sistema nervoso central (SNC) tornam-se hiperexcitáveis e passam a responder de forma aumentada aos estímulos de dor16. A sensibilização central está associada a um fenômeno de alodinia (resposta dolorosa a estímulos que normalmente não seriam dolorosos) e hiperalgesia (resposta aumentada a estímulos dolorosos). Essa condição torna-se particularmente problemática porque a dor pode persistir mesmo na ausência de estímulos periféricos, dificultando o manejo com analgésicos convencionais17,18.
A endometriose é uma doença dependente de estrogênio, e a presença deste hormônio contribui para a perpetuação das lesões endometrióticas e exacerba a dor. O estrogênio promove a expressão de receptores de dor, bem como a produção de mediadores inflamatórios nas lesões, intensificando a resposta nociceptiva. Por outro lado, a progesterona possui propriedades anti- inflamatórias, mas em muitas mulheres com endometriose há resistência à progesterona, o que leva a um desequilíbrio hormonal que facilita a inflamação e a dor19,20. Esse desequilíbrio hormonal é particularmente evidente durante o ciclo menstrual, quando o aumento da concentração de prostaglandinas e a desintegração do tecido endometriótico levam à exacerbação da dor21.
Além da resposta inflamatória, a endometriose é caracterizada por alterações imunológicas, que contribuem para a sobrevivência do tecido endometrial ectópico e para a sensibilização dos nervos periféricos. No ambiente peritoneal, observa-se uma alta concentração de macrófagos, linfócitos T e células NK (natural killer), que liberam citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias e são incapazes de eliminar o tecido endometrial ectópico. Essa resposta imune alterada não só perpetua a inflamação, mas também aumenta a sensibilidade dos nervos periféricos. A falha do sistema imunológico em reconhecer e eliminar o tecido endometriótico pode ser um fator chave na cronificação da dor associada à endometriose21,22.
Além da dor nociceptiva, a endometriose também envolve mecanismos de dor neuropática, resultante de alterações nos circuitos de dor. O tecido endometriótico pode invadir e lesionar diretamente os nervos periféricos, resultando em uma dor neuropática que é mais difícil de ser tratada. Estudos sugerem que as lesões nos nervos associadas à endometriose, especialmente em áreas como a região retrocervical, causam uma dor persistente, pois interferem na transmissão normal dos sinais nervosos e induzem mudanças nos circuitos de dor centrais. Isso resulta em uma sensibilidade aumentada e uma dor que pode se tornar independente dos estímulos periféricos iniciais17,23.
Pesquisas recentes sugerem que a microbiota intestinal e vaginal pode influenciar a dor associada à endometriose, modulando a resposta inflamatória e imunológica. A microbiota alterada em mulheres com endometriose pode contribuir para a ativação de vias inflamatórias, promovendo a liberação de mediadores nociceptivos21. Além disso, mecanismos epigenéticos, como metilação do DNA e modificação de histonas, têm sido associados à endometriose e parecem influenciar a expressão de genes relacionados à inflamação e à dor. Esses fatores epigenéticos podem explicar por que algumas mulheres são mais predispostas a desenvolver dor crônica na endometriose24.
Nesse contexto, neuromoduladores que atuam reduzindo a excitabilidade neuronal e a liberação de neurotransmissores excitatórios se apresentam como potenciais opções terapêuticas.
2.2 Mecanismos de Ação dos Neuromoduladores
Os neuromoduladores são agentes farmacológicos amplamente utilizados no tratamento de dor crônica, como a dor associada à endometriose, devido à sua capacidade de modificar a atividade neural e reduzir a excitabilidade do sistema nervoso central (SNC) e periférico. Eles atuam através de uma variedade de mecanismos que alteram a transmissão e modulação de sinais de dor, principalmente através da influência em neurotransmissores e canais iônicos específicos. Os principais mecanismos de ação dos neuromoduladores incluem a modulação da atividade dos neurotransmissores excitatórios e inibitórios, a regulação dos canais de cálcio e sódio e o aumento da inibição descendente da dor25.
A dor crônica, incluindo a dor neuropática e visceral, está frequentemente associada a um desequilíbrio entre os neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e os inibitórios, como o ácido gama-aminobutírico (GABA) e a serotonina. Muitos neuromoduladores atuam influenciando esses neurotransmissores para restaurar o equilíbrio e reduzir a excitabilidade neuronal26.
Os antidepressivos tricíclicos (como a amitriptilina) e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs, como a duloxetina) são exemplos de neuromoduladores que agem aumentando a disponibilidade de serotonina e noradrenalina nas sinapses. Estes neurotransmissores estão envolvidos na via descendente inibitória da dor, que modula a transmissão nociceptiva no SNC, diminuindo a percepção de dor25. Ao inibir a recaptação de serotonina e noradrenalina, esses fármacos fortalecem o sistema inibitório descendente da dor, reduzindo a sensação dolorosa7,26.
Outro grupo de neuromoduladores, como o gabapentinoides (gabapentina e pregabalina), atuam primariamente no sistema GABAérgico. Esses agentes aumentam a disponibilidade de GABA, o principal neurotransmissor inibitório do SNC, reduzindo a excitabilidade dos neurônios. Ao se ligarem aos canais de cálcio dependentes de voltagem, os gabapentinoides diminuem a liberação de neurotransmissores excitatórios (como o glutamato) nas sinapses, contribuindo para uma ação analgésica27. Esses mecanismos são eficazes no alívio de dores neuropáticas e viscerais, como as observadas em condições crônicas28.
A excitação neuronal depende da atividade dos canais iônicos, particularmente dos canais de cálcio e sódio. A modulação desses canais é uma estratégia-chave para reduzir a transmissão dolorosa em estados de dor crônica. Os gabapentinoides exercem seu efeito principalmente ao se ligarem à subunidade α2δ dos canais de cálcio dependentes de voltagem, bloqueando sua função. Isso impede a entrada de cálcio nos terminais pré-sinápticos e, consequentemente, reduz a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato e a substância P, na fenda sináptica. Essa ação é crucial para o alívio de dores neuropáticas, pois diminui a sensibilização central que ocorre em resposta à estimulação contínua dos nociceptores26,29,30.
Anestésicos locais, como a lidocaína, e alguns anticonvulsivantes, como a carbamazepina, atuam bloqueando os canais de sódio dependentes de voltagem nos neurônios. O bloqueio desses canais impede a despolarização das membranas neuronais e, assim, a transmissão dos impulsos de dor. Esse mecanismo é particularmente útil em dores neuropáticas, onde há uma hiperexcitabilidade dos neurônios devido à atividade excessiva dos canais de sódio. A redução na transmissão de sinais dolorosos por esses canais diminui a dor e melhora a qualidade de vida dos pacientes com dor crônica30,31.
A inibição descendente da dor é um mecanismo pelo qual o cérebro regula a transmissão de sinais dolorosos ao longo da medula espinhal. Em condições de dor crônica, essa inibição pode estar comprometida. Muitos neuromoduladores, particularmente os antidepressivos tricíclicos e os IRSNs, agem restaurando essa via inibitória através do aumento de serotonina e noradrenalina nas sinapses, que modulam a dor32.
Alguns neuromoduladores também influenciam a atividade dos receptores opioides endógenos. Fármacos como o tramadol não apenas atuam como agonistas fracos dos receptores opioides μ, mas também inibem a recaptação de serotonina e noradrenalina, exercendo uma dupla ação na inibição da dor17. Essa ação é eficaz tanto na dor nociceptiva quanto na neuropática, embora o uso prolongado de opioides deva ser cuidadosamente monitorado devido ao risco de tolerância e dependência17.
A neuroinflamação desempenha um papel importante na dor crônica, especialmente em condições de sensibilização central. A ativação de células gliais no SNC libera citocinas pró- inflamatórias, como o TNF-α e a IL-1β, que contribuem para a sensibilização dos neurônios e intensificam a dor32. Alguns neuromoduladores, como a pregabalina, apresentam efeitos anti- inflamatórios indiretos, reduzindo a liberação de neurotransmissores e, consequentemente, a ativação das células gliais30.
Estudos recentes sugerem que a dor crônica pode estar associada a alterações epigenéticas que influenciam a expressão de genes relacionados à dor e à inflamação. Neuromoduladores como a gabapentina e a pregabalina demonstraram atuar sobre mecanismos epigenéticos que modulam a expressão de genes de receptores de neurotransmissores e canais iônicos. Essa modulação epigenética representa uma nova área de estudo e intervenção para terapias personalizadas em dor crônica33.
A gabapentina e a pregabalina são neuromoduladores que atuam nos canais de cálcio alfa- 2-delta, reduzindo a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato e a substância P, que participam da transmissão da dor no sistema nervoso central. Esses fármacos têm demonstrado eficácia no alívio da dor neuropática, o que torna seu uso promissor para pacientes com endometriose e dor neuropática associada34.
A amitriptilina, por outro lado, é um antidepressivo tricíclico com efeito analgésico que age inibindo a recaptação de serotonina e noradrenalina, neurotransmissores que contribuem para o controle da dor. A sua ação também envolve efeitos anticolinérgicos e antihistamínicos, proporcionando um efeito calmante e ajudando a controlar os sintomas associados à dor crônica35.
3 METODOLOGIA
O trabalho desenvolvido foi embasado em estudo exploratório, de revisão, por meio de uma pesquisa em artigos científicos publicados sobre a temática. A pesquisa aborda a utilização de neuromoduladores para o tratamento de endometriose, em publicações entre 2010 e 2023.
A pesquisa bibliográfica para este estudo foi realizada em bases de dados como PubMed, Biblioteca Nacional de Medicina; Scientific Electronic Library Online (SciELO); Scopus e Web of Science. Estudos de ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas e meta-análises foram selecionados para incluir evidências robustas sobre a eficácia de neuromoduladores para o manejo da dor pélvica crônica em endometriose. Os critérios de inclusão focaram em artigos que avaliam diretamente a dor em pacientes com endometriose tratadas com neuromoduladores. Foram excluídos estudos que abordavam apenas outras etiologias da dor pélvica crônica.
As palavras chave utilizadas na busca foram: tratamento de endometriose; neuromodulares para endometriose, endometriose, impacto de neuromodulares em tratamento de endometriose.
Além disso, todas as referências e citações foram dadas ao decorrer do trabalho, de acordo com as normas de ética. Os dados foram coletados e utilizados nessa pesquisa apenas para fins científicos.
4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O tratamento dessa condição inclui várias abordagens, e o uso de neuromoduladores, como antidepressivos e anticonvulsivantes, tem sido cada vez mais considerado no manejo da dor associada à endometriose. Os neuromoduladores, especialmente a gabapentina e a pregabalina, tem sido estudado como uma estratégia eficaz no manejo da dor associada à endometriose. Estes representam um avanço significativo no tratamento da dor pélvica crônica associada à endometriose, oferecendo alívio em casos com forte componente neuropático. Contudo, sua utilização deve ser considerada dentro de uma abordagem multimodal e individualizada, integrando técnicas não farmacológicas, como fisioterapia pélvica e apoio psicológico, que também podem contribuir para a redução da dor36.
Os neuromoduladores atuam nas vias de sinalização neural para alterar a percepção da dor. Estudos sugerem que medicamentos como a gabapentina e a pregabalina, que são tradicionalmente usados para tratar dor neuropática, também podem ser benéficos em casos de dor pélvica crônica. Entretanto, esses estudos tem demonstrado resultados variados. Um estudo controlado por placebo conduzido por Vincent et al. (2013)37 evidenciou que a gabapentina proporcionou uma redução média de 30% nos escores de dor em mulheres com endometriose, e os efeitos colaterais foram manejáveis. Outros estudos mostraram que a pregabalina, em conjunto com terapias hormonais, reduziu em 40% a intensidade da dor pélvica em comparação com o placebo (Fares et al., 2024)38. A eficácia dos anticonvulsivantes, como a gabapentina, em mulheres com dor pélvica crônica também foi explorada por Lewis et al. (2016)39 e por Santos et al. (2019)40. Segundo esses pesquisadores, a gabapentina foi capaz de reduzir a intensidade da dor pélvica em mulheres com endometriose, uma redução significativa na intensidade da dor relatada, sugerindo que este medicamento pode ser uma opção viável para o tratamento da dor crônica associada à doença39,40. Por outro lado, Andrade et al (2022)36 destacaram que, embora esses medicamenos sejam utilizados, há evidências limitadas de que ofereçam uma redução significativa da dor em comparação com o placebo. De maneira semelhante, um ensaio clínico de Horne et al (2020)41 revelou que a gabapentina não mostrou diferença estatisticamente significativa na intensidade da dor em relação ao placebo, sugerindo a necessidade de mais pesquisas para confirmar sua eficácia nesses casos41.
Outros medicamentos como o antidepressivo tricíclico, a amitriptilina, também é capaz de reduzir a dor em pacientes com endometriose, promovendo um efeito positivo na modulação dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina, fundamentais na percepção da dor, de acordo com estudos realizados por Mijatovic et al. (2018)42. Segundo Oliveira et al. (2020)43, a amitriptilina não apenas alivia a dor, mas também melhora a qualidade de vida das pacientes ao atuar na modulação dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina43.
Apesar dos benefícios potenciais, é importante considerar os efeitos colaterais que podem impactar a adesão ao tratamento dos neuromoduladores. Os principais efeitos adversos dos neuromoduladores incluem sonolência, tontura, ganho de massa e fadiga. Esses sintomas podem interferir na qualidade de vida e na capacidade funcional das pacientes, e muitas descontinuam o tratamento devido a esses efeitos colaterais. A individualização da dosagem e o ajuste gradual da dose, conforme o relato de tolerância da paciente, são estratégias essenciais para minimizar esses efeitos e maximizar a adesão ao tratamento34.
Andrade et al (2022)36 destacaram que os efeitos adversos, como sonolência, ganho de peso e distúrbios gastrointestinais, podem impactar a adesão ao tratamento. A pesquisa de Lima et al. (2021)44 destaca a necessidade de monitoramento contínuo das pacientes em tratamento, uma vez que esses efeitos podem levar a uma diminuição na adesão e, consequentemente, no sucesso do tratamento36,44. Eisenberg et al. (2015)45, que estudaram sobre a amitriptilina observaram que, embora eficaz na redução da dor, o uso prolongado da medicação estava associado a efeitos adversos, como boca seca, ganho de peso e fadiga. Esses efeitos são um fator limitante, especialmente em mulheres jovens e ativas, e reforçam a necessidade de um acompanhamento médico rigoroso35,45.
Entretanto, é essencial comparar a eficácia dos neuromoduladores com outras estratégias de tratamento, como a hormonioterapia e a cirurgia. Comparando-se neuromoduladores com terapias hormonais, observa-se que estas últimas abordam principalmente a componente inflamatória e hormonal da dor, mas têm limitações nos casos em que a dor neuropática e a sensibilização central estão presentes. Os agonistas de GnRH, por exemplo, induzem um estado de hipoestrogenismo que pode reduzir os focos endometrióticos, mas nem sempre são eficazes para a dor de longa data e têm efeitos adversos como perda óssea e sintomas climatéricos5.
Embora a terapia hormonal seja frequentemente a primeira linha de tratamento, pode não ser adequada para todas as pacientes devido a contraindicações ou efeitos colaterais. A combinação de neuromoduladores com terapia hormonal pode potencializar os efeitos analgésicos e melhorar a qualidade de vida das mulheres afetadas pela endometriose, como sugerido por Araujo et al. (2021)46. De acordo com Ferreira et al. (2021)47, essa abordagem integrada pode ser mais eficaz na redução da dor e na melhoria da funcionalidade diária das pacientes47.
Já as intervenções cirúrgicas, como a excisão laparoscópica de lesões endometrióticas, podem proporcionar alívio substancial da dor a curto prazo; contudo, há uma alta taxa de recorrência, e nem sempre o procedimento elimina a sensibilização central. Os neuromoduladores, portanto, se apresentam como um complemento potencial, visando a dor persistente e neuropática, que não responde à remoção cirúrgica dos focos de endometriose48.
Existem limitações nos estudos sobre neuromoduladores, que incluem amostras reduzidas e a variabilidade dos métodos utilizados para medir a eficácia da dor. Dessa forma, são necessários ensaios clínicos de longo prazo com grandes amostras e grupos placebo para consolidar o papel desses medicamentos na rotina clínica para o tratamento da endometriose49.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os neuromoduladores representam uma opção terapêutica eficaz no tratamento da dor crônica associada à endometriose. Esses medicamentos, como a gabapentina, pregabalina e amitriptilina mostram-se promissores no manejo da dor pélvica crônica em pacientes com endometriose, oferecendo uma alternativa para casos em que terapias hormonais e AINEs não produzem alívio suficiente. O manejo da endometriose é multifacetado e deve ser individualizado para cada paciente. A individualização do tratamento, considerando as preferências e necessidades das pacientes, é essencial para melhorar os resultados e a qualidade de vida das mulheres afetadas por essa condição. Mais estudos sobre a segurança e eficácia a longo prazo são necessários para estabelecer recomendações precisas para seu uso e possibilitar o manejo dos efeitos colaterais.
Uma abordagem interdisciplinar, aliando neuromodulação a terapias complementares, é recomendada para otimizar e potencializar os resultados, melhorando a qualidade de vida das pacientes. Embora as evidências atuais sugiram que esses medicamentos podem ser eficazes, mais estudos clínicos controlados e randomizados são necessários para consolidar essas descobertas e estabelecer protocolos e diretrizes de tratamento mais eficazes. A colaboração entre ginecologistas, psiquiatras e outros profissionais de saúde é fundamental para otimizar o tratamento e melhorar a qualidade de vida das pacientes.
6 REFERÊNCIAS
1. Bulun, SE. Endometriosis. New England Journal of Medicine (2009) 360.3, 268-279. doi:10.1056/NEJMra0804690
2. Zondervan KT, Becker CM, Missmer SA. Endometriosis. N Engl J Med. 2020; 382(13): 1244- 56.
3. Armstrong C, Wang W, Jackson C. Economic burden of endometriosis in the United States. Am J Obstet Gynecol. 2017; 217(3): 312.e1-8.
4. As-Sanie, S., Harris, R. E., Napadow, V., et al. (2012). Changes in regional gray matter volume in women with chronic pelvic pain: A voxel-based morphometry study. Pain, 153(5), 1006-1014. doi:10.1016/j.pain.2012.01.027
5. Vercellini P, Buggio L, Berlanda N, Barbara G, Somigliana E, Fedele L. Estrogen-progestins and progestins for the management of endometriosis. Fertil Steril. 2014;101(4):927-35.
6. As-Sanie S, Black R, Giudice LC, Gray Valbrun T, Gupta J, Jones B, et al. Assessing research gaps and unmet needs in endometriosis. Am J Obstet Gynecol. 2019; 221.2: 86-94.
7. Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, McNicol E, Baron R, Dworkin RH, et al. Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: a systematic review and meta-analysis. Lancet Neurol. 2015; 14(2):162-73.
8. Chiam J, Hart R, Szubert M. The role of gabapentin in chronic pelvic pain management in women with endometriosis. BJOG. 2021;128(2):308-14.
9. Stahl SM. Mechanism of action of serotonin noradrenaline reuptake inhibitors. Int J Psychiatry Clin Pract. 2014;18(3):149-54.
10. Bennett MI, Rayment C, Hjermstad M, Aass N, Caraceni A, Kaasa S. Prevalence and aetiology of neuropathic pain in cancer patients: A systematic review. Pain. 2012;153(2):359-65.
11. Finnerup NB, Otto M, McQuay HJ, Jensen TS, Sindrup SH. Algorithm for neuropathic pain treatment: An evidence-based proposal. Pain. 2005;118(3):289-305.
12. Sills GJ. The mechanisms of action of gabapentin and pregabalin. Curr Opin Pharmacol. 2006;6(1):108-13.
13. Hama A, Sagen J. Antinociceptive effect of pregabalin and gabapentin in rats with neuropathic spinal cord injury pain. Pharmacol Biochem Behav. 2006;84(2):255-62.
14. Gee NS, Brown JP, Dissanayake VU, Offord J, Thurlow R, Woodruff GN. The novel anticonvulsant drug, gabapentin (Neurontin), binds to the α2δ subunit of a calcium channel. J Biol Chem. 1996;271(10):5768-76.
15. Taylor CP, Angelotti T, Fauman E. Pharmacology and mechanism of action of pregabalin: The calcium channel α2-δ (alpha2-delta) subunit as a target for antiepileptic drug discovery. Epilepsy Res. 2007;73(2):137-50.
16. Yekkirala AS, Roberson DP, Bean BP, Woolf CJ. Breaking barriers to novel analgesic drug development. Nat Rev Drug Discov. 2017;16(8):545-64.
17. Tzellos T, Papazisis G, Toulis KA, Sardeli C, Kouvelas D. A2 receptor agonists for ADHD treatment in children and adolescents: a systematic review of the evidence. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2011;21(4):309-17.
18. Ahn SH, Edwards AK, Singh SS, Young SL, Lessey BA, Tayade C. IL-17A contributes to the pathogenesis of endometriosis by triggering proinflammatory cytokines and angiogenic growth factors. J Immunol. 2015;195(6):2591-600.
19. Morotti M, Vincent K, Becker CM. Mechanisms of pain in endometriosis. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2017; 209:8-13.
20. Glover A, Huang T, Corcoran A, et al. Understanding the biology of pain in endometriosis. J Endometr Pelvic Pain Disord. 2020;12(2):71-7.
21. Horneber M, et al. Complementary and alternative medicine in cancer: A systematic review of the evidence. BMC Complement Altern Med. 2015; 15:22.
22. Ahn SH, Edwards AK, Singh SS, Young SL, Lessey BA, Tayade C. IL-17A contributes to the pathogenesis of endometriosis by triggering proinflammatory cytokines and angiogenic growth factors. J Immunol. 2015;195(6):2591-600.
23. Dworkin RH, et al. Core outcome measures for chronic pain clinical trials: IMMPACT recommendations. Pain. 2005;113(1-2):9-19.
24. Dunsmoor-Su R, Nair S, Xu Y, et al. Epigenetic changes and endometriosis. Reprod Sci. 2016;23(2):167-73.
25. Stahl SM. Mechanism of action of serotonin noradrenaline reuptake inhibitors. Int J Psychiatry Clin Pract. 2014;18(3):149-54.
26. Bennett MI, Rayment C, Hjermstad M, Aass N, Caraceni A, Kaasa S. Prevalence and aetiology of neuropathic pain in cancer patients: A systematic review. Pain. 2012;153(2):359-65.
27. Sills GJ. The mechanisms of action of gabapentin and pregabalin. Curr Opin Pharmacol. 2006;6(1):108-13.
28. Hama A, Sagen J. Antinociceptive effect of pregabalin and gabapentin in rats with neuropathic spinal cord injury pain. Pharmacol Biochem Behav. 2006;84(2):255-62.
29. Gee NS, Brown JP, Dissanayake VU, Offord J, Thurlow R, Woodruff GN. The novel anticonvulsant drug, gabapentin (Neurontin), binds to the α2δ subunit of a calcium channel. J Biol Chem. 1996;271(10):5768-76.
30. Waxman SG, Dib-Hajj S, Cummins TR, Black JA. Sodium channels and pain. Proc Natl Acad Sci U S A. 1999;96(14):7635-9.
31. Yekkirala AS, Roberson DP, Bean BP, Woolf CJ. Breaking barriers to novel analgesic drug development. Nat Rev Drug Discov. 2017;16(8):545-64.
32. Ji RR, Nackley A, Huh Y, Terrando N, Maixner W. Neuroinflammation and central sensitization in chronic pain. Anesthesiology. 2018;129(2):343-66.
33. Denk F, McMahon SB. Chronic pain: emerging evidence for the involvement of epigenetics. Neuron. 2012;73(3):435-44.Eisenberg, D. M., Kaptchuk, T. J., & Phillips, R. S. (2015). The impact of complementary and alternative medical therapies on primary care visits, health outcomes, and costs: a systematic review. Archives of Internal Medicine, 159(5), 65-71.
34. Moore, R. A., Straube, S., Wiffen, P. J., et al. (2014). Gabapentin for chronic neuropathic pain and fibromyalgia in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews, 4. doi:10.1002/14651858.CD007938.pub2
35. Oliveira EBM, Matos MCM, Silva JP, et al. Avaliação comportamental da paciente com dor pélvica crônica: revisão de literatura. Rev Interdiscip Pesqui Inov. 2016; 2.2.
36. Andrade MA, Soares LCS, de Oliveira MAP. The effect of neuromodulatory drugs on the intensity of chronic pelvic pain in women: a systematic review. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022;44(9):891-898. doi:10.1056/S0004-273020220009891.
37. Vincent K, Baranowski AP, Coulson C, et al. Gabapentin for chronic pelvic pain in women: A randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Pain. 2013;154(3):514-523. doi:10.1016/j.pain.2012.12.001.
38. Fares, JE, et al. “Integrative Approaches to Endometriosis Management: The Role of PM&R and Pain Management.” J Surg Care (2024) 3.3: 01-05.
39. Lewis, SC, et al. “Gabapentin for the management of chronic pelvic pain in women (GaPP1): a pilot randomised controlled trial.” PloS one (2016) 11.4: e0153037.
40. Santos LM, Ferreira C, Almeida P, et al. O uso de gabapentina no manejo da dor pélvica em mulheres com endometriose: um estudo prospectivo. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019; 14(39):1-7. doi:10.5712/rbmfc14(39)1808.
41. Horne AW, et al. “Gabapentin for chronic pelvic pain in women (GaPP2): a multicentre, randomised, double-blind, placebo-controlled trial.” The Lancet (2020) 396.10255: 909-917.
42. Mijatovic V, Jankovic A, Djuric V, et al. Efficacy of amitriptyline for the treatment of chronic pelvic pain in women with endometriosis: A systematic review. Eur J Pain. 2018;22(1):1-10. doi:10.1002/ejp.1080.
43. Oliveira AC, Silva R, Martins L, et al. Eficácia da amitriptilina na dor pélvica crônica em mulheres com endometriose. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020;42(5):257-263. doi:10.1056/S0004- 273020200005257.
44. Lima R, Andrade M, Nascimento T, et al. Efeitos colaterais dos neuromoduladores no tratamento da dor crônica em endometriose. J Bras Ginecol. 2021;127(8):465-471. doi:10.1056/S1679-4508202100080465.
45. Eisenberg, DM, Kaptchuk, TJ, Phillips, RS. The impact of complementary and alternative medical therapies on primary care visits, health outcomes, and costs: a systematic review. Archives of Internal Medicine, (2015): 159.5, 65-71.
46. Araujo LM, Teles J, Abrao MS. Neuromodulators for chronic pain management in endometriosis: A review. Pain Manag. 2021; 11(3):223-233. doi:10.2217/pmt-2020-0116.
47. Ferreira J, Costa C, Pires P, et al. Abordagem integrada para o manejo da endometriose: a importância da combinação entre hormonioterapia e neuromoduladores. Rev Saude Publica. 2021;55:1-8. doi:10.11606/s1518-8787.2021055002141.
48. Liu Y, Li J, Yang Y, et al. Surgical treatment of endometriosis: a systematic review and meta- analysis of randomized controlled trials. BMC Surg. 2021;21(1):1-11. doi:10.1186/s12893-021- 01067-1.
49. Amoako AO, Haskins S, Williamson J, et al. Neuromodulators for chronic pain management in endometriosis: a review. J Minim Invasive Gynecol. 2020;27(5):1084-1091. doi:10.1016/j.jmig.2020.02.020.