O IMPACTO DA DEFICIÊNCIA NA DINÂMICA FAMILIAR E SEUS DESAFIOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412272106


Jéssica Priscila Bianchi Alves Sandrini[1]
Vanessa Marques Pessoa Braz[2]
Yuri Kauê Marques Oti[3]


Resumo 

A presente pesquisa teve como objetivo mostrar e identificar como o nascimento de uma pessoa com deficiência intelectual, física ou sensorial interfere no ambiente familiar. Buscando identificar os desafios, medos, receios e dificuldades que as famílias podem apresentar. Quais são os obstáculos que pais e amigos podem encontrar ao receberem o diagnóstico de uma deficiência na família. A falta de uma definição clara sobre deficiência e um mal remanejamento das palavras ao serem pronunciadas na hora do diagnóstico podem acarretar vários desafios na aceitação e com isso um desequilíbrio familiar. É importante ressaltar que famílias com pessoas com deficiência apresentam pensamentos distintos umas das outras, com isso, nem sempre apresentam o mesmo comportamento visto a realidade. O convívio familiar representa um papel fundamental para o desenvolvimento da criança com deficiência, visto que esses são o seu alicerce para o crescimento, além de proporcionar conforto, cuidado, segurança e evolução. Entretanto as preocupações dos familiares, em especial os pais, vão além do cuidado com os filhos só na casa, o medo de como a sociedade irá aceitá-lo, considerando que este não atende às expectativas sociais predominantes. Também estão inseridos nessa preocupação o despreparo das escolas e dos professores para receber as crianças com deficiência, e a falta de adaptações para suprir as suas necessidades. Com isso, uma rede de apoio com profissionais especializados e treinados se torna indispensável tanto para as crianças quanto para os pais. 

Palavras chaves: pais; deficiência; preocupações; familiar; autocuidado.

1.Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica deficiência, como uma diferença na organização estrutural, psicológica e fisiológica do organismo (1993). O conceito de deficiência segundo Bernardes et al (2009, p. 30), é muito relativo e subjetivo, principalmente se pararmos para pensar que, o que nos caracteriza como seres humanos é a diferença existente entre cada um.

Deficiência é um conceito abrangente relacionado às restrições sociais impostas às pessoas que possuem variedade nas habilidades corporais (CIF,2003), há duas maneiras de compreender o conceito de deficiência. O primeiro entende-se como manifestação da diversidade humana, entretanto, a existência de corpos com diferenças marcantes sempre despertou a curiosidade, o espanto ou a indiferença das pessoas em diferentes sociedades. (Foucault, 2001). 

Já a segunda entende que a deficiência seja uma restrição corporal. Nesse caso é vista como impedimentos corporais indesejáveis necessitando de avanços na área da medicina.  Os impedimentos são classificados pela ordem médica, que descreve as lesões e as doenças como desvantagens naturais e indesejadas. A variedade de interpretações e experiências em torno do corpo e da relação deste com o ambiente social perpassa grande parte das discussões contemporâneas sobre a deficiência. (Diniz et al., 2007, p. 3)

Durante as décadas finais do século XX e início do século XXI, o desafio de estabelecer um consenso para a terminologia deficiência e para a incapacidade foi preponderante para a dificuldade de realização de trabalhos epidemiológicos sobre o tema (European, 2018). A falta de uma definição clara visa a deficiência de dois modos, deficiência como desvantagem natural e desvantagem social.

 Os próprios ambientes sociais estabelecem parâmetros e valores sobre a expectativa do normal e do patológico e, consequentemente, quais tipos de pessoas têm maior possibilidade de serem consideradas membros normais de cada um desses ambientes (Goffman, 1988).  A presença de um membro com deficiência em uma família constitui um evento que reconfigura significativamente as dinâmicas relacionais e as expectativas familiares.

A história da criança na família começa muito antes do seu nascimento, quando nasce no desejo, fantasia e imaginação dos pais. Por isso a pessoa com deficiência é compreendida como uma das muitas variações humanas e não mais uma forma de vida inferior às demais (Diniz, 2007). Embora a experiência de ter uma pessoa com deficiência seja enriquecedora em diversos aspectos, como empatia, cuidado, solidariedade e confiança. Também gera preocupação no meio familiar, a palavra deficiência em si carrega muito estigma, impactando profundamente a saúde mental dos cuidadores. 

 Receber o diagnóstico de uma deficiência, causa grandes sofrimentos, que vão desde desgaste físico, emocional, altos níveis de estresse e baixo índice de qualidade de vida para seus familiares, em especial às mães (Bosa, 2006). Cuidar e estar atento ao estado emocional dos pais é fundamental, pois isso vai refletir nas estratégias de enfrentamento utilizadas por eles e consequentemente no desenvolvimento e na reabilitação do filho e em toda a família (Brown et al, 2013).

          O filho que era almejado na gestação, tem sua capacidade comprometida após o diagnóstico revelado, tudo isso desencadeia adaptações e uma nova realidade, além dos sentimentos de perda e de luto pelo filho que foi idealizado na gravidez. Segundo Kubler-Ross (2012), tal elaboração pode ser pensada a partir de cinco estágios: negação, raiva, barganha (culpa), depressão e aceitação. De qualquer modo, quando o filho real rompe com a imagem do filho idealizado pelos pais, faz-se necessária a elaboração dessa perda, iniciando-se um percurso de adaptação ao filho real. (Franco ,2015)

          Gradualmente, a busca por novas formas de lidar com a situação se torna central, mas a adaptação é um processo contínuo, marcado por avanços e retrocessos. A duração e a intensidade dessas fases variam significativamente entre as famílias, sendo influenciadas por fatores como o tipo de deficiência, a idade da criança, o suporte social disponível e as características individuais de cada membro. Não se nega que as pessoas com deficiência necessitam de um suporte maior, porém, quando se age de forma superprotetora, dificulta-se a independência e a autonomia, construídas a partir das interações sociais. (Batista, França, 2007; Glat, Pletsch, 2004)

Esses desafios podem ser agravados pela falta de apoio social, pela estigmatização da deficiência e pela ausência de serviços especializados, também a forma como a sociedade e as pessoas ao redor as tratam é muito importante. Todos estes indivíduos, por uma razão ou outra, são afastados física ou moralmente do convívio cotidiano da sociedade, deixando de usufruir, consequentemente, das oportunidades e experiências abertas às demais pessoas consideradas normais. (Goffman, 1982; Glat, 1991)

 As dificuldades embutidas nessas pessoas podem aumentar significativamente por causa de como as outras pessoas as vêem e das barreiras que elas encontram no dia a dia. Por outro lado, a participação em grupos de apoio, tratamento psicológico, adaptação de expectativas e o próprio apoio social são fatores de proteção que podem promover o bem-estar e a resiliência dos cuidadores. Os autores Eddy et al (2008), sugerem ainda que os profissionais trabalhem juntos para promover um “healthcare home” pediátrico, disponível para todas as famílias com crianças com necessidades especiais.

A deficiência impacta significativamente a dinâmica familiar, alterando papéis e responsabilidades. Os cuidadores, geralmente os pais, assumem um papel central nos cuidados, o que pode levar à sobrecarga emocional e psicopatologias como estresse, depressão, ansiedade, junto ao afastamento de outras atividades e ao isolamento social. As relações entre os membros da família também podem ser tensionadas, com a necessidade de renegociar expectativas e encontrar novas formas de convivência. Assim, um filho é, tanto para a mulher quanto para o homem, um investimento narcísico (Goes, 2006; Goldenstein, 1998; Maldonado, Dickestein & Nahoun, 2002; Molina, 1998).

As questões de gênero também desempenham um papel importante, a ansiedade é significativamente maior nas mães e está se relaciona com o aumento da carga familiar, e quando há mais de uma criança com deficiência na mesma família. Thabet et al (2013); Badinter (2011, p. 20) aduz que o amor materno é um dogma inquestionável da subjetividade daquela que não desejaria nada mais do que ser a mãe perfeita. 

Conhecer o fardo emocional que outros membros da família possam estar experienciando, como os irmãos e seus pais, que podem sentir-se sobrecarregados para atender às necessidades do filho com deficiência bem como dos outros filhos, pode ser uma estratégia importante no sentido de promover interações positivas, pois estas têm um significativo efeito moderador entre cuidar do filho com deficiência e o bem-estar da saúde parental Ha et al (2011). 

O objetivo deste artigo foi pesquisar e analisar as dificuldades que são apresentadas aos familiares de pessoas com deficiências sejam elas físicas, intelectuais ou sensoriais. Sendo os pais os cuidadores mais próximos da pessoa com deficiência eles também necessitam de ajuda, os autores Ha et al (2011) sugerem que cuidar da saúde mental dos pais é tão importante quanto cuidar dos filhos. 

2.Referencial teórico

2.1 Maternidade: Um Processo de Transformação

Apesar de toda a individualidade conquistada pela mulher no decorrer de sua representação na construção histórica, existe um idealismo de que esta nasceu com o instinto de ser mãe e seu grande propósito é gerar filhos. Essa rotulação é vista como parte da romantização que norteia a maternidade (Correia et al, 2023). A decisão de ter um filho é, muitas vezes, motivada por um profundo desejo de criar uma família e de estabelecer laços afetivos e duradouros, a maternidade é uma experiência única e transformadora na vida de uma mulher.

A gestação e o parto são eventos marcantes que desencadeiam uma série de mudanças físicas e emocionais. A chegada do bebê representa o início de uma nova fase, repleta de alegrias e desafios.  Segundo Cavalcanti (2001), inserida na cultura em que o papel do pai não é o mais valorizado, a própria mãe julga-se a única e principal responsável por ter gerado este filho. Sendo assim, a sobrecarga materna mostra-se evidente, já que as mães fazem intensas mudanças, tanto na vida profissional quanto pessoal, para cuidar do filho. (Rabelo et al, 1999)

É importante ressaltar que a maternidade não é uma experiência homogênea, cada mulher vivencia a maternidade de forma única. Segundo Winnicott (1966-2012), existe um momento durante a vivência da maternidade em que a mãe está saudável emocionalmente e há um retorno para as demais atividades, é importante que isso aconteça. A maternidade pode ser uma fonte de grande satisfação e realização pessoal, também pode gerar sentimentos de exaustão, culpa e insegurança, tornando assim necessário outros afazeres. 

A mulher que se torna mãe está em constante transformação, buscando equilibrar seus papéis de mãe, parceira, profissional e indivíduo. A forma como a mulher vivencia a maternidade também está relacionada ao contexto cultural e histórico em que está inserida. É fundamental que as mulheres tenham acesso a informações e apoio para que possam vivenciar a maternidade de forma mais consciente e satisfatória. Smeha & Cézar (2011) afirmam que a qualidade da assistência decorrente das redes de apoio torna a experiência da maternidade atípica menos sofrida, e quanto mais eficiente é o auxílio, mais autoconfiantes as mães ficarão em relação à criação dos filhos. Tais redes de apoio são alternativas que irão favorecer o enfrentamento de dificuldades reais dessas mães, além de instruí-las a orientar os demais familiares em como lidar com a criança (Smeha & Cezar, 2011).

2.2 Deficiência

A deficiência é expressa como um desvio do que é tido como normal, envolvendo não apenas a aparência física, mas, também, as funções do corpo (Rosário, 2015). De acordo com Dias e Oliveira (2013), há três grupos principais de deficiência, sendo elas: as deficiências física, intelectual e sensorial. Em comparação às deficiências motoras e sensoriais, a deficiência de natureza intelectual manifesta-se de forma particular provocada pela invisibilidade e pelo contexto social que atribuem a esse tipo de deficiência uma cognição infantilizada, prejudicando o exercício de sua cidadania.

Em tempos passados o corpo com diferentes marcas era interpretado como evidência mística, no entanto com os avanços da ciência, as enfermidades passaram a ser diagnosticadas e classificadas, em normais, anormais e deficientes. Nesse processo de dominação do corpo pela ciência biomédica, o corpo excepcional passou crescentemente a ser representado por condições clínicas como patologias (Foucault, 2001).

Dessa forma a deficiência da esfera mística, passou a ser um fenômeno social, visto como uma experiência privada e individual. Por muito tempo a deficiência esteve permeada de ignorância, assim como de superstições e crenças, além de uma série de atos de discriminação que, apesar de ocorrerem em menor intensidade, ainda perduram (Portugal, 2006).

Para Saad Nagi (1965) deficiência são limitações no desempenho de funções definidas como andar, comunicar-se ou raciocinar. A deficiência pode estar ligada ao estado patológico ou a alguma insuficiência no funcionamento de um órgão ou membro. Segundo a ONU (2011), deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

 Nas últimas décadas a concepção de deficiência passou de ser só um ponto de vista médico e passou a ser biopsicossocial. Contudo a deficiência transcende os impedimentos corporais, passando a ser também social. Em 1981, foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) a responsabilidade dos governos por garantir direitos iguais às pessoas com deficiência num marco democrático de reajustes sociais, estruturais e políticos para tratar o tema na esfera dos direitos humanos (Diniz, 2007; Figueira, 2008). A deficiência passou a ser compreendida como uma das muitas variações humanas e não mais uma forma de vida inferior às demais (Diniz et al, 2007).

2.3 O impacto da deficiência na vida familiar

O nascimento de uma criança com deficiência na família é considerado um evento traumático, de mudanças, dúvidas e confusão, representa um ponto de inflexão na vida dos pais, confrontando-os com um abismo entre as expectativas idealizadas e a realidade (Batista; França ,2007). O amor dos pais por um filho não começa após o seu nascimento, mas sim no começo do desenvolvimento de uma família, quando os pais começam a planejar a vinda de um bebê para suas vidas. 

A história dessa criança começa antes mesmo dela passar a existir, assim que a mulher engravida a imaginação e a fantasia começa a fazer parte dessa nova família e nessa qualidade ela foi desejada e emocionalmente investida. Ao longo da gravidez a mãe cria um vínculo muito forte com o bebê. Este bebê idealizado, criado na fantasia dos pais, antes e durante a gravidez, contém as qualidades iniciais que constituem a pré-história do processo de vinculação. (Brazelton; Cramer, 1989)

A gestação é um período marcado por sonhos e projeções, a mãe cria um ideal rico e detalhado sobre a criança que está por vir. O diagnóstico de uma deficiência rompe com essa idealização, gerando um profundo abalo nas expectativas parentais. Algumas famílias podem receber a notícia da existência de uma deficiência de modo realista, enquanto outras podem negar tal realidade. (Moura & Valério, 2003; Silva & Ramos, 2014). Segundo, Félix e Faria (2018), os sentimentos das famílias ao se depararem com uma criança com deficiência podem ser influenciados por suas crenças e culturas. 

Com o diagnóstico, a criança real com suas necessidades específicas, diverge significativamente da criança imaginada, com isso inicia -se uma nova fase, essa chamada de luto devido aos sentimentos de desilusão e sofrimento emocional. O bebê idealizado deixa de existir, uma vez que as divergências entre a criança ideal e a real são muitas vezes claras, constituindo-se numa total distorção do bebê sonhado ou planejado. (Góes, 2006; Lago, 2001)

Essa criança terá que ser idealizada, desejada e investida no pensamento dos pais como uma nova criança.  Para isso, é preciso que os pais tenham o tempo necessário para expressar seus sentimentos de raiva e culpa e realizarem efetivamente seu luto. (Bazon, et al, 2004; Fiamenghi Jr. & Messa, 2007; Neves, 2003)

O processo de luto é fundamental para que os pais possam se conectar com seu filho e construir um vínculo afetivo. Ele envolve a aceitação da realidade, a elaboração das perdas e a construção de novas expectativas. A duração e a intensidade desse luto variam de acordo com diversos fatores, como a natureza da deficiência, o apoio social e as características de personalidade dos pais. Assim poderíamos dizer que, para poderem ter um lugar na família, todas as crianças com deficiência têm de nascer duas vezes: enquanto objeto de desilusão (nascimento real na sua condição de portadora de uma ferida narcísica e emocional) e nascer de novo no pensamento dos pais, na fantasia verdadeira do seu futuro e das suas qualidades. (Franco, 2019)

A forma como os pais reagem ao diagnóstico e se adaptam à nova realidade é influenciada por uma série de fatores, incluindo a história familiar, a personalidade dos pais, o apoio social, a cultura e experiências anteriores com doenças ou perdas, assim como as crenças e valores de cada família, podem facilitar ou dificultar o processo de adaptação. O nascimento de uma criança com deficiência modifica a estrutura e o cotidiano familiar, e causa sobrecarga física e emocional em todos os membros. (Marcheti & Mandetta, 2016)

O contexto da deficiência exige que a família reorganize expectativas, modifique sua estrutura para se adaptar às demandas da criança. Muitas vezes, as relações familiares tornam-se fragilizadas, pois o cuidado à criança pode exigir a presença constante de um dos membros, o que acarreta sobrecarga familiar (Andrade et al, 2018). A família busca recursos para que possa manejar as muitas demandas em saúde surgidas da condição. Reconhecer a importância da presença da família nos cuidados à criança é garantir os seus direitos e o seu papel (Marcheti & Mandetta, 2016).

2.4 Desafios e prejuízos 

A chegada de um diagnóstico de deficiência em um membro da família, muitas vezes, é acompanhada por um turbilhão de emoções e traz uma série de desafios e transformações profundas na vida de todos os envolvidos. Para Glat (1989), o nascimento de uma pessoa com deficiência, faz com que a organização familiar se rompa, e então se constitui um desequilíbrio na família.

          A rotina familiar se torna um desafio constante, pois tudo precisa ser reestruturado para atender às necessidades específicas da pessoa com deficiência. Segundo Paniagua (2004), na maioria das vezes as mães abandonam sua carreira profissional para se dedicar exclusivamente ao filho. Diante disso, como fuga, o pai se dedica ao trabalho, (Petean e Suguihura, 2005). 

Junto com as dinâmicas de cuidados vem a busca por informações, recursos e serviços especializados. As estratégias de enfrentamento podem ser categorizadas em duas modalidades básicas: estratégias focalizadas no problema, quando o indivíduo tenta lidar ou transformar o conflito que está vivenciando no momento, e focalizadas na emoção, quando o enfrentamento é pautado na emoção, de maneira que o indivíduo pode ter uma atitude de esquiva ou negação diante do conflito, (Folkman et al,1986)

A incerteza e os desafios a serem enfrentados geram um alto nível de ansiedade e estresse em todos os membros da família. Para Becker (1963), o estigma surge não do indivíduo, mas da sociedade que impõe normas de comportamento e rotula aqueles que se desviam dessas normas como diferentes ou inferiores.

A sociedade, ainda carrega preconceitos e estigmas em relação à deficiência. Vygotski (1931-1997) aponta que as características da criança com deficiência não são definidas pelo núcleo biológico, mas sim pelo social, a família pode enfrentar olhares julgadores e dificuldades em acessar serviços públicos e privados, com isso pode sentir-se incompreendida e buscar apoio em um círculo mais restrito. Os autores Carter e McCarthy (1995), afirmam que diante do nascimento de um filho com deficiência, são modificados os costumes habituais da família.

Atualmente encontra-se obstáculos na sociedade contemporânea para inclusão e aceitação daqueles que possuem deficiência, a maioria das vezes a família é a confirmação desses obstáculos e dessa dificuldade encontrada Gomes (2009). Segundo Kaloustian (1988), a família tem papel importante na formação do indivíduo, sendo responsável pela transmissão de crenças, princípios, proteção e segurança. É a partir da família que vai se formar uma visão de mundo e a construção das relações sociais.

3. Metodologia

Para a elaboração deste artigo utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica, onde foram coletadas informações usando palavras chaves como: deficiência, família e maternidade, foi feito uma análise de material já existente e confiáveis, através do google acadêmico, artigos científicos, site Scielo e livros. Como critério de inclusão foram utilizados artigos dos últimos cinco anos e pesquisas relacionadas à família e a deficiência que se encontrava na língua portuguesa. Pesquisa que não se relacionasse com o tema escolhido foram excluídos.

 A abordagem utilizada é do tipo qualitativa, possibilitou uma revisão de leitura, onde pudemos fundamentar e interpretar a partir das revisões bibliográficas. Medeiros, Varela e Nunes (2017, p. 177) defendem que a abordagem de pesquisa qualitativa é “flexível”, mas não significa ausência de rigor metodológico. Isso demonstra a complexidade existente ao se pesquisar o social, haja vista que é preciso saber se adaptar ao contexto e daí extrair análises pertinentes.

4. Resultados e Discussões

O termo pessoas com deficiência é definido como indivíduos que apresentam qualquer tipo de empecilho capaz de dificultar ou bloquear sua atuação plena e eficiente na sociedade, seja de natureza intelectual, física ou sensorial (Convenção, 2008, p.1). De acordo com Dias e Oliveira (2013), há três grupos principais de deficiência, sendo elas: as deficiências física, intelectual e sensorial. 

Quando nasce uma criança com deficiência, a família começa a lidar com sentimento de perda do filho que foi idealizado e novas expectativas com o filho real. A rotina familiar se torna um desafio constante, pois tudo precisa ser reestruturado para atender às necessidades específicas da pessoa com deficiência. A relação entre pais e filhos pode ser afetada, resultando em superproteção e baixa expectativa em relação ao futuro da criança (Fernandes; Li, 2006). Embora os pais acreditem estar protegendo seus filhos ao restringir suas atividades, esse comportamento na verdade intensifica a dependência emocional e a imaturidade afetiva da criança, dificultando seu desenvolvimento psicossocial (Neves, Paula, 2013). 

Porém, não é apenas dentro do lar que a família sofre com a nova realidade, ela também tem que aprender a lidar com o preconceito, desrespeito e despreparo da sociedade em relação à deficiência. O desconhecimento e a falta de informação das pessoas levam a sentirem medo e evitarem o contato. Para Batista e França (2007, p. 121), “a sociedade bem-sucedida é aquela que favorece, em todas as áreas, a convivência humana e o respeito à diversidade que a constitui”.

 Entretanto, as pessoas constituem-se a partir de sua interação com outros indivíduos, ou seja, através de grupos, participando de coletivos e estando dentro do coletivo que, em geral, constitui a sociedade a qual compõe (Fleury-Teixeira et al., 2008). O diagnóstico de uma deficiência traz muitos desafios e prejuízo à vida familiar, exigindo adaptações em todos os níveis. É fundamental que as famílias recebam apoio emocional, prático e social para enfrentar esses desafios e construir uma vida mais plena e inclusiva.

5.Conclusão

A maneira como o diagnóstico de deficiência é transmitida à família, pode ter grandes impactos na aceitação da criança, podendo envolver dor, sofrimento e incertezas. As famílias constroem a imagem do filho antes do nascimento e idealizam um futuro para ele, com o diagnóstico de uma deficiência, tudo isso acaba podendo gerar um luto pela perda desse futuro idealizado. 

As consequências de um diagnóstico mal estruturado vão além das questões médicas, atingindo campos emocionais e sociais, a dinâmica familiar é profundamente alterada.  A maneira e o momento do diagnóstico são de suma importância para futuras interações familiares, esse se torna um momento crítico onde toda a crença e expectativa se vão, e os familiares são acometidos por medos, receios e preocupações. Uma rede de apoio, como familiares e amigos, junto com profissionais qualificados é essencial nesse momento.

Além de um suporte maior e a sobrecarga de cuidados, geralmente assumida por um dos pais, fica mais intenso quando há outras crianças, os irmãos das pessoas com deficiência. Conflitos entre os irmãos podem surgir, gerando sentimentos de negligência ou sobrecarga para os pais que nesse contexto podem surgir problemas conjugais. A dificuldade em estabelecer limites claros e consistentes para a pessoa com deficiência pode comprometer sua autonomia. As relações sociais também podem ser afetadas, pois a família precisa adaptar seus planos e atividades para atender às necessidades do membro com deficiência. 

Para além dos desafios emocionais, os familiares terão que lidar com vários outros, sendo financeiros, sociais e educacional. A inclusão do membro com deficiência em ambientes como a escola pode ser um desafio devido à falta de preparo dos profissionais e da sociedade. O foco da deficiência se encontra visivelmente associado à pessoa, eximindo assim a sociedade sobre a omissão de conhecimento e a busca por informações. 

Conclui-se com base nesta exposição que muitos estudos não oferecem informações suficientes para os cuidados dos pais após o nascimento da criança com deficiência, a maior parte das pesquisas são voltadas às pessoas com deficiência. Ter acesso a mais informações como: palestras, campanhas de conscientização, cursos, programas de intervenções, beneficiará não apenas aos pais ou cuidadores que muitas vezes se vêem perdidos e com dúvidas, mas também a toda a sociedade.

REFERÊNCIAS               

AMIRALIAN, M.L.T.et al. Conceituando Deficiência. Atualização • Rev. Saúde Pública 34 (1) • Fev. 2000. 

BAIA, M. S. Cidadania e Deficiência. Mosaico-Revista Multidisciplinar de Humanidades. Vassouras. V. 12, n. 2, p. 91-100, Maio/ago. 2021.

BENATTI, A.P. et al. A Maternidade em Contextos de Vulnerabilidade Social: Papéis e Significados Atribuídos por Pais e Mães. Interação em Psicologia, vol. 24, n. 02, 2020.

COSTA, S. C. Direito para PCDS (Pessoas com Deficiência): Direito de Inclusão e Acessibilidade no Mercado de Trabalho. Negócios e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, Maio.2024.

COELHO, L.; COELHO, R. Impacto Psicossocial da Deficiência Mental. Revista Portuguesa de Psicossomática, vol. 3, n. 1, Jan/Jun 200, pp. 123-143.

CUNHA, A.C.C. P. Deficiência como Expressão da Questão Social. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 141, p. 303-321, Maio/Ago. 2021.

CARVALHO, P.A.L. et al. Reflexividade do Sensível e do Cuidado à Família no Contexto da Saúde Mental. Revista de enfermagem. UERJ, Rio de Janeiro, 2020;28 e 53264.

DIAS, M.V.S. et al. Relações Pai-filho e o Cuidado da Criança com Deficiência: Olhar da Equipe de Saúde. Research, Society and Development, v. 10, n. 16, e 389101623647, 2021.

ESSWEIN, G. C. et al. Ações em Saúde Mental Infantil no Contexto da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS): Uma Revisão Integrativa da Literatura Brasileira. Ciência saúde coletiva 26 (suppl 2) 30 Agosto 2021.

FONSECA, S.C. et al. Investigação com Mães de Pessoas com Deficiência Intelectual: A Redução da Sobrecarga como um Projeto de Vida. Revista Educação Especial, vol. 33, 2020, -, pp. 1-21. Universidade Federal de Santa Maria. Brasil.

FRANCO, V. Psicopatologia do Desenvolvimento e Percursos Inclusivos: da Intervenção Precoce à Inclusão Social. Centro de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora (CIEP | UE),1 Edição, Évora, 2019.

LONDERO, A. D. et al. Adaptação Parental ao Filho com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Interação em Psicologia, vol. 25, n 2, 2021. 

LARANJEIRA, J.; NAKAMURA, E. Porque eu Tinha que Cuidar”: Significados de Cuidado para Mulheres Cuidadoras de Crianças Atendidas por um Serviço de Saúde Mental. Artigos • Interface (Botucatu) 27 13 Nov. 2023.

MOTA, P. H. S.; BOUSQUAT, A. Deficiência: Palavras, Modelos e Exclusão. Saúde Debate. Rio de Janeiro, v. 45, n. 130, p. 847-860, Jul/Set 2021.

MONTI, L.L. A materialização da Deficiência na Atualidade: Algumas Considerações. Revista de Estudos em Educação e Diversidade, v. 2, n.6, pp.1-15, Out/Dez 2021.

MOTA, G. B.A.; BÔAS, M. F.C.V. O Adoecimento das Mães de Filhos Atípicos Diante da Romantização do Maternal. Faculdade Ages Psicologia, Jacobina-BA, 2020.

MASSOLI, L.P.O. et al. Contexto Familiar de Criança com Deficiência. Revista Construção Psicopedagógica, 28 (29):7-20, vol.28 no.29 São Paulo,2020.

OTI, Y.K.M. Os Efeitos Psicossociais dos Estigmas da Epilepsia em Crianças. Revista Foco. v.17 n.11, e6366, p.01-12 ,2024.

PASTORELLI, S.O.S.et al. Maternidade Atípica: Caracterização do Sofrimento e seus Enfrentamentos. Revista Acadêmica Online, 2024.

PIMENTA, F.M. SERRALHA, C.A. A Experiência de Maternidade na Perspectiva das Mulheres: Uma Revisão Integrativa de Literatura. Psicologia Clínica. Vol.35 no.2 Rio de Janeiro, Maio/ agosto.2023. Epub 23-Agosto-2024

SILVA, D. F; ALVES, C.F. Aceitação Familiar da Criança com Deficiência: Revisão Sistemática da Literatura. Psicologia: Ciência e Profissão 2021 v. 41 (n.spe 3), e 209337, 1-15.

SILVA, A.L. et al. Deficiência Psicossocial: do Conceito ao Diagnóstico. Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, retrocessos e práticas em pesquisa – ISBN 978-65-5360-114-7 – Editora Científica Digital – Vol. 1 – Ano 2022.


[1] Graduanda em Psicologia no Centro Universitário São Roque. E-mail: jessica.bianchi@uni9.edu.br

[2] Graduanda em Psicologia no Centro Universitário São Roque. E-mail: vanessamarques1212@uni9.edu.br

[3] Especialista em Análise do Comportamento Aplicada. Mestrando em Ciências do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Docente de Graduação no Centro Universitário São Roque. E-mail: contatoyurioti@gmail.com