REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202308251002
Augusto Homem Carvalho de Mansur
Bettina de Marco Anselmo
Carolina Pessi Buchweitz
Eduarda Vivan
Letícia Pereira Maria
Orientadora: Letícia de Oliveira Menezes
RESUMO
INTRODUÇÃO: A alta hospitalar pediátrica é uma temática extremamente importante no cenário de saúde coletiva do Brasil. Isso acontece porque quando não se executa tal medida de forma correta, podem-se encontrar desafios futuros no manejo desses pacientes. OBJETIVO: Analisar o fluxo de eventos que estão relacionados com a alta hospitalar pediátrica, na cidade de Pelotas-RS, bem como os fatores que interferem e predizem mudanças nesse cenário. MÉTODO: Originário de um estudo de caso realizou-se uma pesquisa exploratória qualitativa com coletas de dados sobre o fluxo de alta pediátrica na cidade de Pelotas no ano de 2022. RESULTADO: Como resultado, percebeu-se que o manejo de alta acontece de forma muito similar entre os dois hospitais estudados e que os mesmos precisam, ainda, buscar por ajustes para um plano de alta integralmente confiável. DISCUSSÃO: Analisando os resultados frente à literatura existem pontos que impedem que o fluxo de alta seja inteiramente satisfatório. CONCLUSÃO: Assim, pôde-se concluir que existe a necessidade de verificar melhorias no sistema e análise do fluxo de eventos para alta hospitalar de crianças na cidade de Pelotas.
Palavras-chaves: Alta do Paciente, Pediatria; Continuidade da Assistência ao Paciente.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Pediatric hospital discharge is an extremely important issue in the public health sector in Brazil. This is due to the fact that when this measure is not performed correctly, future challenges may be encountered in the management of these patients. OBJECTIVE: The final objective is to analyze the flow of events that are related to pediatric hospital discharge in the city of Pelotas-RS, as well as the factors that interfere and predict changes in this scenario. METHOD: Originating from a case study, a qualitative exploratory research was carried out with data collection on the flow of pediatric discharge in the city of Pelotas in the year 2022. RESULT: As a result, it was noticed that the management of discharge happens very similarly between the two hospitals studied and that they still need to seek adjustments for a fully reliable discharge plan. DISCUSSION: Analyzing the results against the literature, there are points that prevent the discharge flow from being entirely satisfactory. CONCLUSION: Thus, it can be concluded that there is a need to make improvements in the system and analysis of the flow of events for hospital discharge of children in the city of Pelotas.
Keywords: Patient Discharge; Pediatrics; Continuity of Patient Care.
INTRODUÇÃO
Ao falar sobre a alta hospitalar de crianças deve-se ter em mente alguns fatores que são determinantes nesse processo, como, por exemplo, a autonomia do paciente e, nesse caso, principalmente de seu responsável, bem como a autonomia do médico assistente. Além disso, os riscos que estão envolvidos nesse ato devem ser analisados minuciosamente para que a alta seja dada da forma adequada1.
Dentre esse cenário, ressaltam-se algumas modalidades dessa temática, em primeiro lugar, está a alta por morte, situação a qual o paciente vem a óbito e, consequentemente, os recursos disponíveis no hospital não cabem mais a ele. Já em segundo plano é ressaltado a alta a pedido, nesse cenário o responsável pelo paciente pede pela liberação mesmo aquele não estando em condições de manter seu tratamento de forma adequada em domicílio. Nessa situação, cabe ao médico assistente verificar os riscos de liberar o paciente para casa, já que a possibilidade de piora é significativamente alta. Caso o médico responsável decida por não liberar e, mesmo assim, o responsável evadir, fica registrado como alta por fuga hospitalar. Nessas situações é interessante verificar a necessidade de contato com o conselho tutelar.
A terceira forma de alta é conhecida como alta melhorada, nessa modalidade o paciente é liberado, pois apresenta melhora clínica significativa e é capaz de seguir seu tratamento em casa ou não necessita mais de cuidados especializados. Esta última modalidade deve ser discutida com o responsável e esclarecida a fim de verificar a capacidade de continuação do cuidado. Existe, ainda, a alta por indisciplina, que é pouco abordada e pouco frequente, nessa situação o paciente é liberado por alguma conduta imprópria dentro do hospital. Essa modalidade é respaldada por alguns conselhos regionais e mais comum com adolescentes1.
A partir da Portaria nº 3.390 do Ministério da Saúde (Brasil, 2013) foi instituída a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP), a qual estabeleceu as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). No art.16 desse documento, entende-se a alta responsável como transferência do cuidado, e deve cursar com orientação dos pacientes e familiares quanto à continuidade do tratamento, reforçando a autonomia do sujeito e, assim, proporcionando autocuidado. Ademais, deve haver articulação da continuidade do cuidado entre os pontos da RAS, em particular a Atenção Básica. Também, visando alternativas às práticas hospitalares, a implantação de mecanismos de desospitalização, por exemplo, cuidados domiciliares pactuados na RAS2.
Nesse sentido, quando a alta não é bem executada podem ocorrer problemas relacionados à má comunicação, gerando reinternação, por exemplo. Uma grande mostra dessa situação é a educação adequada do paciente e/ou familiar sobre regime terapêutico medicamentoso para a continuidade do cuidado domiciliar, que muitas vezes não se mostra eficaz.
O sucesso do plano de alta, independente do quadro da criança, vai depender dos profissionais envolvidos e, principalmente, do momento de seu início. O contexto familiar e o ambiente em que vive a criança têm uma influência marcante na sua recuperação e sobre seu processo de desenvolvimento. Em geral, a criança com necessidades especiais, que foi tratada no hospital em unidade intensiva, com equipe de especialistas e todo equipamento sofisticado, sofre um grande impacto ao chegar em casa. Muitas vezes, o ambiente domiciliar é completamente adverso e não possui infraestrutura suficiente para receber esta criança.
Assim, em respeito ao aumento de sobrevivência de recém-nascidos devido aos avanços tecnológicos, o excesso de cuidado e o interesse no bem-estar da criança, frequentemente, terminam na porta do hospital. Em diversos estudos, chama-se a atenção para a incongruência verificada; é inacreditável que estas crianças tenham tido tantos milhões de dólares e tantas horas de profissionais especializados gastos em seu tratamento e saiam do hospital tendo apenas agendado o acompanhamento de rotina de um recém-nascido normal. Das crianças prematuras de baixo peso que acompanharam durante o 1° ano de vida, 29% eram filhas de mães solteiras e desempregadas e 24% provinham de lares onde a mãe ou o pai estava desempregado. Assim, pode-se concluir que o desenvolvimento da criança depende de pais que tenham: posses; energia física e emocional para cuidar da criança; conhecimento e recursos para estimularem o desenvolvimento da criança e habilidades para proporcionar experiências interessantes para o filho, isto significa que dar alta à criança de uma unidade de terapia intensiva é apenas metade do trabalho3.
A necessidade de uma avaliação apurada da família e o seguimento domiciliar pós-alta faz-se necessário não só em casos de crianças como as citadas anteriormente. Além destas, temos um número enorme de crianças que se encontram em risco, não somente pela patologia ou deficiência que portam, mas, também, devido àquelas que podem adquirir através das precárias condições de vida a que são submetidas. Numa tentativa de amenizar estes riscos, vários autores sugerem a visita domiciliar periódica para controle de saúde da criança, para dar continuidade ao seu processo de recuperação e, também, apoiar os pais em suas necessidades. Dessa maneira são necessárias visitas domiciliares e acompanhamento por telefone, feitos após a alta de recém-nascidos prematuros com necessidades especiais, para avaliar o progresso da família e ajudar os pais na adequação da assistência à criança no domicílio4.
A falta de uma criança, em geral, pode gerar distúrbios familiares com consequências sérias para a saúde da mesma. Por isso, demanda a atuação de uma equipe multiprofissional visando, principalmente, a manutenção da saúde com a continuidade do tratamento, a diminuição do risco de “re-hospitalização” e o apoio familiar. Nesta perspectiva, é imprescindível o acompanhamento domiciliar da criança no período pós-alta, quando a mesma ainda permanece em risco.
O presente trabalho tem como objetivo final analisar o fluxo de eventos que estão relacionados com a alta hospitalar pediátrica, na cidade de Pelotas-RS, bem como os fatores que interferem e predizem mudanças nesse cenário.
MÉTODOS:
Este estudo partiu de um estudo de caso, que visa analisar com profundidade a estrutura do sistema de alta hospitalar de crianças na cidade de Pelotas. Para tal, foi realizada uma pesquisa exploratória qualitativa com coleta de dados e informações acerca do fluxo de alta pediátrica desenvolvido em Pelotas no ano de 2022. Para analisar o coletado se fez uma busca na literatura e na legislação de formas de desenvolver o processo que posteriormente foi comparado com Pelotas.
As informações para obtenção dos dados foram colhidas através de entrevista presencial com o serviço de enfermaria pediátrica de dois hospitais universitários (Hospital A e Hospital B) de Pelotas. Além disso, os autores foram expostos a uma vivência com duração de um mês no ano de 2022, na mesma enfermaria (Hospital A), com a intenção de observar e praticar como são feitos os fluxos de alta dos pacientes internados.
RESULTADOS:
Quanto ao fluxo:
Quando se fala em segurança dos pacientes durante as internações, logo se pensa nas informações, tanto na proteção desses dados quanto no compartilhamento entre equipes multidisciplinares.
Assim, no que tange a segurança dos dados, existe uma senha para acessar as evoluções dos pacientes, sendo que somente um profissional pode acessar e editar em um período de 24 horas. Ademais, é permitido acessar dados de evoluções fechadas, ou seja, informações de um paciente que tenha sido internado há um ano, por exemplo.
A respeito dos prontuários, eles são separados por áreas. Assim, o prontuário da enfermagem é somente da enfermagem, por exemplo. Porém, é possível consultá-lo de qualquer área no sistema. Além disso, quando o paciente recebe alta da semi-intensiva e é transferido para a enfermaria, por exemplo, ele recebe o prontuário físico (impresso).
Nesse viés, é notório o uso de tecnologias para passagem e segurança dos dados. Dessa maneira, a capacitação para usuários do sistema entra como uma questão muito importante. Depois de pesquisas, percebeu-se que no Hospital A, não é efetuado o processo de capacitação, sendo que, geralmente, é ensinado de maneira verbal como usar o sistema do hospital. Enquanto que, no Hospital B, é realizado curso de capacitação para os usuários regularmente de caráter obrigatório.
Quanto à contrarreferência:
Durante as internações, é visível a preocupação quanto à continuidade dos cuidados. Assim, aos pacientes pediátricos que passaram pela enfermaria, no momento da alta hospitalar, é agendada uma consulta no ambulatório de pediatria para revisão ou seguimento do caso, sem exceções. Além disso, também é fornecida uma nota de alta que contém informações do ocorrido durante a internação, assim como, laudo de exames e receita médica com os medicamentos prescritos quando necessário.
O mesmo não acontece com aqueles bebês que nascem sem nenhuma condição necessária para permanecer na enfermaria, ficando apenas o tempo necessário na maternidade. A esses pacientes é orientado, no momento da alta hospitalar, que procurem seguimento na Atenção Primária à Saúde, buscando a Unidade de Saúde correspondente ao local que residem e, ocasionalmente, é anotado nas orientações gerais da nota de alta a indispensabilidade de seguimento na UBS. Ou seja, essas crianças não saem do hospital com consultas de puericultura marcadas, cabendo aos responsáveis providenciar.
Quanto ao transporte do paciente:
Quando o assunto é transporte de pacientes, pode-se encontrar duas situações. A primeira acontece antes mesmo de a internação ser realizada, quando há uma criança em um hospital sem condições suficientes para fornecer tratamento adequado. Nesse momento, o serviço social da cidade em que tal paciente se encontra é acionado para realizar o transporte necessário.
Já a segunda situação se faz presente quando a internação já foi efetivada, para realização de exames, por exemplo. Isso acontece uma vez que mesmo o hospital sendo capacitado para receber o paciente, muitas vezes, será necessário realizar exames específicos em outras instituições. Assim, será acionado o serviço de ambulâncias do município para promover o transporte.
Quanto aos territórios sanitários do fluxo:
A partir do momento em que o plano de alta é definido é orientado, verbalmente, ao paciente a procurar o serviço de atenção primária, o qual está cadastrado, quando não há necessidade de atendimento ambulatorial. Durante a alta não é investigado se a família há cadastro em alguma unidade básica de saúde ou se a região a qual o paciente é pertencente está associada a alguma microárea da UBS daquela região.
Quanto à participação da família no processo de alta:
A alta hospitalar é discutida com a família, mas não necessariamente no primeiro dia de internação, depende do caso. Por exemplo, se o paciente é acometido por uma infecção do trato urinário, ele vai receber tratamento com antibiótico por determinado tempo e, em seguida, receberá alta hospitalar. Também há riscos de possíveis complicações que podem ocorrer durante a internação, como é o caso de atrasar um dia de medicamento ou, então, perder um acesso venoso. Dessa maneira, é feito um planejamento, os protocolos são seguidos, porém tudo depende de como será o decorrer da internação, uma vez que podem ocorrer modificações ou não.
Além disso, a família está sempre consciente de tudo que está acontecendo com o paciente, isso porque a equipe profissional informa diariamente tudo o que será realizado, o estado de saúde, os resultados de exames e o tratamento que a criança receberá.
DISCUSSÃO:
Para a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organization (JCAHO), o processo de alta do paciente deve ser tido como uma exigência, dessa forma esse processo deve ser idealmente padronizado como sugerem alguns estudos. Assim, é imponente que o processo de alta seja organizado e suficiente para contemplar todas as necessidades do paciente como os tratamentos ambulatoriais e as prescrições que serão usadas após a internação (quando forem necessárias). Dessa forma, essas medidas estão diretamente ligadas com a continuidade do cuidado e com a manutenção do vínculo com o paciente quando se trata de Sistema Único de Saúde (SUS)6, 7, 8, 9, 10.
Sob esse viés, com enfoque na cidade de Pelotas-RS, percebe-se que o processo de alta nos dois hospitais analisados acontece de forma muito similar entre eles e como é pontuado na literatura, todavia, existem alguns pontos, os quais serão abordados adiante, que impedem que o fluxo de alta seja integralmente satisfatório.
A respeito do processo de contra referência, verifica-se uma fragilidade no cuidado integral por haver uma articulação débil entre a atenção hospitalar e atenção básica na continuidade de assistência às crianças após a alta hospitalar. Desse modo, nota-se que não existe uma prática instituída, nem um protocolo quanto ao encaminhamento direto para a UBS, sendo esse processo realizado, frequentemente, de maneira informal, ou seja, de forma verbal, ao contrário dos pacientes encaminhados para acompanhamento no ambulatório de pediatria que no instante da alta hospitalar já é agendado uma consulta. Além disso, não é averiguado se o paciente possui cadastro em alguma unidade de saúde do seu bairro ou próximo a ele. Assim, a descontinuidade do acompanhamento da criança pós-alta hospitalar pode ocasionar uma nova internação6.
Esse processo, idealmente, deve ser feito através da localização da microárea e do território os quais o paciente está inserido, essa logística de análise territorial está intimamente ligada com a identificação de vulnerabilidades, riscos e entendimento estrutural do paciente5.
Por outro lado, destaca-se a efetividade na manutenção dos dados dos pacientes bem como a unidade dos prontuários médicos, como foi mencionado a priori, diariamente os sistemas dos hospitais em análise fazem manutenção e backup de todos os dados computados naquele dia para garantir a integridade destes. Além disso, essa unificação das evoluções permite que a nota de alta do paciente seja confeccionada de forma mais completa sem grandes dificuldades de encontrar as informações necessárias para isso. Todavia, é importante mencionar que o sistema de Pelotas carece de um prontuário eletrônico e universal que seja, de fato, efetivo, para que os dados do paciente estejam disponíveis em todos os serviços de saúde pública, funcionando como uma ferramenta de continuidade do cuidado, assim como é feito em outras regiões do Brasil12.
É indiscutível que a família desempenha papel fundamental desde a internação até a alta hospitalar da criança. Dessa forma, sabe-se que a rede de apoio familiar é fundamental tanto para reduzir o estresse infantil causado pela própria doença, pelos procedimentos realizados e pelo ambiente hospitalar, quanto para a recuperação e tratamento dessa criança. De forma comparativa, há uma participação familiar em todo o processo quando se trata dos Hospitais A e B, esse fator é importante para que ocorra um envolvimento no cuidado da criança e uma melhor relação com a equipe hospitalar. Ademais, o conhecimento dos responsáveis sobre a condição de saúde da criança e sobre os procedimentos realizados durante a internação hospitalar permite uma maior segurança e suporte caso seja necessário seguir um tratamento domiciliar11.
CONCLUSÃO
O presente estudo atingiu o seu objetivo de analisar o fluxo da alta hospitalar de crianças e permite com que haja a reflexão sobre o processo e a possibilidade de melhorias para averiguar uma alta hospitalar segura, que atenda aos princípios de continuidade do cuidado e integralidade.
Quanto à articulação entre o serviço hospitalar e o da atenção primária, faz-se necessária uma comunicação eficaz, que assegure uma continuidade do cuidado após a alta hospitalar da criança. Desse modo, o contato telefônico entre as equipes dos diferentes serviços e/ou a implementação de reuniões que integrassem as equipes das diferentes complexidades poderiam garantir a assistência continuada ao paciente e o conhecimento sobre o estado de saúde do paciente em ambos os lados.
Nos demais aspectos, o fluxo de alta hospitalar de crianças nesses dois hospitais atendem ao que é preconizado por diversos estudos. Além disso, o processo acontece de forma a garantir a continuidade do cuidado e manter os vínculos com o paciente, quando atendido em ambulatório especializado, porém necessita de aprimoramento quando se trata da atenção básica. Dessa forma, essas medidas se mostram efetivas para garantir que não haja re-hospitalização desses pacientes.
Figura 1: Fluxograma de alta hospitalar infantil em Pelotas-RS.
Legenda: vermelho- final do fluxo; azul- passo que deveria ser adotado. Fonte: Autor.
REFERÊNCIAS:
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