REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503241224
George Maximus de Melo Garcia1
José Serafim da Costa Neto2
RESUMO
Benefícios fiscais diversos foram implementados no decorrer dos anos no Brasil, diante de fatores políticos, econômicos e sociais, o que findou acarretando o desenvolvimento de determinadas regiões e moldando a economia nacional. Contudo, em razão da Reforma Tributária, os benefícios estão na iminência de chegar ao fim, o que ocasionará inúmeros impactos ao redor do país. Assim, iremos analisar, através da metodologia explicativa, a história dos benefícios fiscais, o embasamento legal e doutrinário, e os impactos de seu fim na igualdade regional, bem como o que pode ser feito para enfrentar a problemática.
Palavras-chaves: Benefícios fiscais. Reforma Tributária. Impactos.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Brasil, há alguns anos, vêm passando por uma série de reformas, seja por fatores políticos, pela defasagem dos sistemas com o cenário atual, ou até por tendências internacionais, como é o caso da Reforma da Previdência. Assim, em razão de o sistema tributário brasileiro estar “estabilizado” há décadas, e por ser considerado por certos parlamentares como complexo e burocrático, o debate acerca da sua reforma se intensificou nos últimos anos.
Dessa forma, a Reforma Tributária, proposta através da Emenda Constitucional n.º 132/2023, tornou-se uma pauta concreta no Brasil, impulsionada pelo objetivo de simplificar o sistema tributário e promover uma maior eficiência na arrecadação de tributos. Inspirada em modelos adotados por diversos países, a Reforma propõe a unificação de tributos e a criação de alíquotas específicas para diferentes entes federativos. No novo modelo, a União contará com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), enquanto Estados e Municípios implementarão o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Com a Reforma Tributária em intenso debate no cenário jurídico e econômico brasileiro, tem-se como destaque de grandes discussões, o fim dos benefícios fiscais e os seus possíveis impactos nas regiões que se beneficiam com as empresas atraídas pelas diversas espécies de desoneração dos impostos. Isso porque, com a regulamentação da Reforma Tributária, os Estados perderão a capacidade de utilizar esse instrumento de desenvolvimento e incentivo à economia, cuja maior preocupação gira em torno do ICMS, tributo que completará a transição para o IBS em 2033.
Na prática, esses benefícios vêm sendo aplicados no Brasil há décadas, variando de isenções a significativas reduções de tributos. Seu impacto é mais evidente em regiões historicamente menos desenvolvidas, que não dispõem de grandes mercados consumidores nem de uma infraestrutura suficientemente atrativa para captar empresas consolidadas de forma independente. Certas regiões, inclusive, se desenvolveram, especialmente, em razão dos benefícios fiscais e hoje possuem grande protagonismo no cenário nacional, a exemplo da Zona Franca de Manaus.
Para tanto, este trabalho, através da metodologia explicativa, inicialmente analisará as características dos benefícios fiscais à luz da ordem econômica brasileira e a sua previsão legal, tanto constitucional, quanto infraconstitucional, destacando como esses incentivos surgiram e como impactam o desenvolvimento de diversas regiões do país. Dessa forma, será possível compreender a relevância histórica e as implicações desses mecanismos no equilíbrio regional. Além disso, será abordado o surgimento da Guerra Fiscal no Brasil, explorando suas origens, consequências econômicas e os desafios impostos ao pacto federativo diante da competição entre estados por investimentos.
Na sequência, será realizado um exame dos possíveis e previsíveis impactos do fim dos benefícios fiscais com a Reforma Tributária, principalmente sob a ótica dos Estados que perderão esse importante instrumento de atração de investimentos. A análise considerará como a extinção desses incentivos pode afetar a competitividade regional e os desafios que os entes federativos enfrentarão ao se adaptarem a um novo cenário econômico.
Adiante, serão apresentadas as alternativas propostas pelo Governo em razão do fim dos benefícios fiscais, isto é, o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, instituídos pela Emenda Constitucional n.º 132/2023. Esses mecanismos visam promover o desenvolvimento socioeconômico dos estados de maneira mais eficiente e equitativa, proporcionando uma redistribuição de recursos que contribua para a redução das desigualdades regionais e o fortalecimento das economias locais.
Por fim, após a devida análise dos benefícios fiscais sob a ótica legal, histórica e econômica, para além dos impactos da Reforma Tributária no referido instituto, o presente artigo se encerra com a conclusão sintetizando os principais pontos e a análise dos benefícios fiscais na atualidade, e a sua perspectiva pós-reforma tributária.
2. OS BENEFÍCIOS FISCAIS
O artigo 151, inciso I, da Constituição Federal3, prevê a possibilidade da União, enquanto instituidor do tributo, outorgar a isenção do crédito tributário, desde que observado o objetivo principal, qual seja, fomentar o desenvolvimento regional do país.
Ademais, o art. 176, do Código Tributário Nacional (CTN)4, corrobora o texto constitucional ao disciplinar que: “a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração”.
Nesse sentido, o artigo 155, §2°, inciso XII, alínea g, da Constituição Federal5 dispõe que cabe à Lei Complementar: “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados“. Portanto, a Lei Complementar n° 24 de 07 de janeiro de 1975, que já dispunha a forma legal para a validade dos incentivos e benefícios concedidos, antes da promulgação da Carta Magna, prevê o seguinte:
Art. 1° – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:
I- à redução da base de cálculo;
II- à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III- à concessão de créditos presumidos;
IV- quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
V- às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Essa lei infraconstitucional estabelece que a validade da postura adotada pelo Estado depende da celebração e ratificação de convênios, nos quais a autorização poderá ser concedida ou revogada. Os convênios mencionados no artigo 1° da lei supracitada são regulamentados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), que reúne representantes de todos os Estados.
Dessa maneira, observa-se que os Estados podem dispensar o pagamento do imposto por meio de isenção. Em outras palavras, embora o ente tributante tenha o direito de exigir a obrigação fiscal, ele opta por não o fazer, desde que esteja autorizado por um convênio prévio que permita tal medida.
Acerca da isenção, Dionísio Koch (2006, p. 122)6 traz a seguinte definição:
A isenção é uma desoneração tributária decorrente do exercício da competência tributária da pessoa política. Assim como ela pode instituir o tributo de sua competência, pode exonerar do gravame tributário determinados fatos, pessoas ou coisas. A sua diferença com relação à imunidade está na origem normativa. Enquanto a imunidade nasce soberanamente na Constituição Federal, a isenção é categoria técnica tributária, o objeto de lei local. Não há restrição na competência tributária estabelecida pela Carta Política, pelo contrário, a competência pode ser exercida com tal plenitude que cabe ao ente federado a decisão de tributar determinado fato ou não.
Assim, com base nos dispositivos legais mencionados, os Estados podem fazer uso de benefícios fiscais. Mas afinal, o que são esses benefícios fiscais?
Podemos definir os benefícios fiscais como instrumentos de intervenção do Estado na ordem econômica, cujo desenho das obrigações principais e acessórias da relação tributária possui um objetivo pré-definido que justifica sua instituição (ELALI, 2020)7.
Ainda os benefícios fiscais possuem raízes históricas no início da industrialização no Brasil, uma vez que as grandes indústrias se concentraram nas regiões sul e sudeste, conforme cita Baer (1979, p. 315)8:
As disparidades regionais no crescimento de atividades econômicas e na distribuição do produto nacional são uma característica constante na história econômica do Brasil. O processo de industrialização acentuou a concentração regional de atividades econômicas e dificultou ainda mais a redistribuição. Desde o início, o crescimento industrial do Brasil tem-se concentrado na região Centro-Sul, especialmente São Paulo. A política do governo para acelerar a industrialização nos anos 50 não levou em conta o equilíbrio regional. Deste modo, em 1970, o Sudeste do país, com 42,7% da população, era responsável por 80,3% do valor industrial adicionado, enquanto o Nordeste, com 30,3% da população, contava apenas com 5,8% do valor industrial adicionado.
Portanto, os benefícios fiscais no Brasil são importantes instrumentos utilizados pelo Estado para intervir na ordem econômica e social, visando promover o desenvolvimento e corrigir falhas de mercado, possibilitando o uso de incentivos fiscais para atingir metas como a redução de desigualdades regionais e sociais, apoio à pequena empresa e preservação do meio ambiente.
Neste sentido, o Professor Paulo de Barros Carvalho (2008, p.524)9 preleciona no sentido de que:
[…] as isenções fiscais são um forte instrumento da extrafiscalidade. Dosando equilibradamente a carga tributária, a autoridade legislativa enfrenta as situações mais agudas, onde vicissitudes da natureza ou problemas econômicos e sociais fizeram quase desaparecer a capacidade contributiva de certo segmento econômico geográfico ou social.
Assim, fica claro que ao contrário dos tributos comuns, cujo objetivo principal é aumentar as receitas, a renúncia é justificada pela expectativa de que resultará em impactos positivos, como melhorias econômicas ou sociais. Nesse contexto, os benefícios fiscais assumem uma função extrafiscal, pois não têm como foco a arrecadação, mas sim a indução de comportamentos que possam influenciar a dinâmica social e econômica. (SANTOS, 2022)10. Portanto, a isenção se dá por razões, especialmente, sociais, culturais e econômicas.
2.1 ORIGEM DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
Desde a década de 1930, quando o Brasil passou por uma fase de expansão do desenvolvimento, as desigualdades regionais se intensificaram em várias partes do país. Para enfrentar essa situação, a Constituição Federal determinou a destinação de recursos para as regiões menos desenvolvidas, como o Nordeste.
Posteriormente, no governo de Juscelino Kubitschek, no Plano de Metas, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) estabelecida para dar prioridade à criação e execução de projetos de desenvolvimento nessas regiões, utilizando incentivos fiscais como ferramenta (FREITAS; SOUZA; ALVES, 2020)11.
Durante o período militar, o governo implementou estratégias como o Plano Nacional de Desenvolvimento I e II, que tinham entre seus objetivos a redução das desigualdades regionais no Brasil. No entanto, nesse contexto, o papel das autarquias regionais sofreu uma redução significativa, devido à centralização administrativa característica do regime ditatorial. Esse controle centralizado limitou a autonomia das autarquias, concentrando as decisões nas mãos do governo federal e impactando a execução de políticas regionais voltadas ao desenvolvimento.
Após a promulgação da Constituição de 1988 e o retorno à democracia, o Brasil passou a valorizar a autonomia dos governos locais, criando os Fundos de Participação dos Estados e Municípios para incentivar o desenvolvimento regional com políticas públicas locais. No entanto, crises econômicas, alta inflação e trocas monetárias forçaram o governo a focar na recuperação da economia, especialmente com o Plano Real.
Para enfrentar as desigualdades, o Governo Federal, por meio do Congresso Nacional, aprovou Leis Complementares que criaram incentivos fiscais, novas autarquias regionais, fundos de participação e mecanismos de financiamento via bancos públicos.
Como resultado, os estados passaram a competir entre si por investimentos externos, uma prática conhecida como “Guerra Fiscal”, que acaba gerando conflitos políticos entre as unidades federativas (DULCI, 2002)12, guerra esta que se pretende extinguir através da Reforma Tributária.
3. O INSTITUTO DA GUERRA FISCAL
A doutrina, a jurisprudência e a imprensa utilizam o termo “Guerra Fiscal” de maneira figurativa para descrever a competição entre entes políticos na tentativa de atrair investimentos privados para seus territórios. Nesse contexto, os benefícios fiscais são vistos como o principal instrumento, e as diversas modalidades de tributos disponíveis aos entes subnacionais funcionam como recursos estratégicos. Dentre esses tributos, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destaca-se como o mais relevante (PEIXOTO, 2008)13
O conflito fiscal entre os estados, em seu formato contemporâneo, tem causas bem definidas. É o efeito de certas condições políticas e econômicas que emergiram, uma após outra, desde meados da década de 80, cuja interação resultou potencialmente crítica.
Houve, em primeiro lugar, o processo de desmontagem do regime autoritário de 1964, culminando com a Constituição de 1988. Entre os elementos da referida desmontagem ocupava lugar de destaque um impulso muito claro de descentralização política e institucional, a traduzir-se em deslocamento de poder em favor de estados e municípios. É inegável o sentido democrático da descentralização estabelecida na Carta de 1988; porém, ela estimulou uma espécie de anomia no que diz respeito ao quadro tributário no âmbito da federação, ao atribuir a cada estado o poder de fixar autonomamente as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) o imposto que constitui a base da receita estadual, o que permite a cada Estado fixar ou alterar a alíquota de modo a oferecer vantagens fiscais.
A revisão do pacto federativo promovida pela Constituição de 1988 provocou uma atitude hostil da União em face da descentralização, pelo que ela significava de perda de receita. Desde então se observa o empenho do governo federal em ampliar seu quinhão do bolo tributário, empregando para isso vários meios, inclusive alguns que apontam para uma nova centralização, colidindo, portanto, com a linha consagrada pela Constituição vigente (DULCI, 2002)14.
Para o país como um todo, contudo, as consequências são negativas. Ao lado das tensões políticas entre os estados, cabe ponderar qual o impacto social das renúncias fiscais, promovidas por governos estaduais que nem sempre estão em condições de fazê-lo sem sacrificar ainda mais suas populações. Como adverte Diniz, a Guerra Fiscal corrói as finanças públicas, compromete receitas futuras e desvia os preços relativos. “Nessa guerra, ganham os estados mais desenvolvidos, com melhores condições locacionais e maior cacife financeiro e político. Isto seguramente agravará as desigualdades regionais” (DINIZ, 2000, p. 343)15.
A prática conhecida como “Guerra Fiscal”, fruto da competição entre os entes políticos para atrair empresas e investimentos por meio de incentivos tributários, desestabiliza o federalismo brasileiro, agravando as disparidades regionais e gerando desequilíbrios na competição entre estados e municípios.
Segundo informações divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda, a arrecadação do ICMS foi cerca de 642,1 bilhões de reais no ano de 2023, o que demonstra o impacto desse imposto na economia do país. Logo, é o instrumento mais utilizado pelos estados como meio para diminuir a assimetria federativa, como política distributiva, na concessão de favores fiscais.
Ainda sobre o ano de 2023, o portal Infomoney estimou em 232,43 bilhões de reais o montante total a título de renúncia de ICMS16, número extremamente significativo diante da arrecadação anual, o que evidencia o impacto econômico da Guerra Fiscal.
As disputas fiscais entre os estados têm raízes em um processo de desenvolvimento econômico desigual. Essa desigualdade estaria relacionada às estratégias adotadas por certas unidades da federação, visando recuperar o atraso econômico em relação a outras regiões.
Nesse contexto, a principal questão relacionada à concessão de benefícios fiscais reside na dinâmica competitiva que se estabelece entre os entes federados. O problema emerge quando outros estados percebem que essa estratégia de desenvolvimento local pode ser vantajosa, levando à instalação de uma Guerra Fiscal.
Assim, como uma forma de acabar com a Guerra Fiscal, a Reforma Tributária pretende a derrubada dos benefícios fiscais previstos em legislações estaduais visando diminuir a competição entre os Estados, com exceção de benefícios já previstos no texto constitucional.
Sem a possibilidade de instituir benefícios fiscais, a promessa da Reforma Tributária é de que a Guerra Fiscal irá acabar. Entretanto, não pode passar despercebido que muitos estados deixarão de ter instrumentos para atrair empresas e, assim, fomentar a economia.
4. OS IMPACTOS DO FIM DOS BENEFÍCIOS FISCAIS COM A REFORMA TRIBUTÁRIA
Em análise ao trabalho intitulado como: “O Projeto de Reforma Tributária no Brasil à Luz dos Benefícios Fiscais: Uma Análise dos Potenciais Impactos na Realidade das Empresas do Nordeste do Brasil Detentoras de Benefícios Fiscais”(ALENCAR, SOEIRO, 2023), em que foi avaliado os resultados do prêmio ‘Valor 1000’ — que utiliza uma vasta base de dados contábeis e financeiros de 1.069 empresas — foi elaborado um ranking das mil maiores empresas, considerando tanto o volume de receita quanto o impacto dos benefícios fiscais em suas operações.
A partir de uma coleta de informações de 73 empresas sediadas no nordeste brasileiro, o estudo constatou que 69 das empresas possuem incentivos fiscais, reforçando a importância dos incentivos para o desenvolvimento das empresas e a sua consequente presença no ranking.
Ainda no mesmo estudo, conclui-se o seguinte:
Durante a análise das empresas incluídas neste estudo, foi observado que algumas delas mencionaram, em suas notas explicativas, a importância dos incentivos fiscais para o resultado e desempenho das mesmas. Essas empresas reconhecem que alterações nas normas e legislação tributária, trabalhista, previdenciária e relativas aos incentivos fiscais podem exercer impactos negativos sobre a demanda e os resultados alcançados.
Portanto, os incentivos fiscais são um elemento central para o sucesso das empresas no Nordeste, além de um mecanismo importante para reduzir desigualdades regionais e fomentar o desenvolvimento sustentável.
Com o fim dessas vantagens, o desenvolvimento desigual pode ser intensificado, agravando as disparidades econômicas entre as regiões mais ricas e as menos favorecidas, especialmente no que se refere à atração de novos investimentos.
Outro estudo relevante foi realizado na tese de doutorado de Henrique Formigoni18, que investigou o efeito dos benefícios fiscais na estrutura de capital e na rentabilidade de companhias abertas não financeiras. Nesse sentido, chegou-se à seguinte conclusão:
Considerando as características próprias de um estudo baseado em amostras e, portanto, sujeito a uma variedade de vieses não passíveis de controle total e assumindo como razoável admitir que os indicadores ROA e ROE medem a rentabilidade e os indicadores LER, DER e DCR medem a estrutura de capital, pode-se deduzir que o objetivo principal deste trabalho foi alcançado, na medida em que foi possível reunir evidências de que a rentabilidade do ativo e do patrimônio líquido tendem a aumentar nas companhias abertas brasileiras que usufruem de incentivos fiscais, influenciando, portanto, o seu desempenho
Esse cenário pode levar à retração de investimentos, redução de postos de trabalho e, consequentemente, à desaceleração do crescimento econômico em regiões historicamente beneficiadas por esses incentivos, findando em uma concentração, ainda maior, nos maiores polos industriais e econômicos do país.
5. A CRIAÇÃO DO FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS E DO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
A Guerra Fiscal tem sido uma estratégia utilizada pelos Estados para promover seu desenvolvimento, seja atraindo novos investimentos ou mantendo empresas em seus territórios. No entanto, com a Reforma Tributária eliminando a Guerra Fiscal, surge a questão de quais ferramentas irão substituí-la no enfrentamento da concentração econômica e das disparidades regionais.
A resposta do Governo Federal reside na criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais e Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais tem como meta compensar, no período de 1º de janeiro de 2029 a 31 de dezembro de 2032, os indivíduos e empresas que recebem isenções e benefícios fiscais relacionados ao ICMS, que foram concedidos por um prazo determinado e sob certas condições. Para isso, a União se compromete a realizar aportes anuais de recursos entre 2025 e 2032, que serão ajustados consoante o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a partir de 2023 até o ano anterior ao da disponibilização dos valores ao fundo.
Caso o montante disponível não seja suficiente para cobrir os benefícios calculados, a União terá a obrigação de complementar esses valores. Por outro lado, se houver recursos excedentes, esses valores devem ser transferidos para o FNDR. Assim, este fundo é considerado temporário e tem a função de absorver, com a contribuição da União, os incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelos estados.
O FNDR, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional 32/2023, foi criado visando diminuir as desigualdades regionais e sociais. Para isso, a União destinará recursos aos Estados e ao Distrito Federal, a fim de viabilizar estudos, projetos e obras de infraestrutura. Além disso, o fundo busca fomentar atividades produtivas com alto potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras, e promover iniciativas de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação (NOGUEIRA, 2023)19.
A distribuição dos recursos seguirá um plano de escalonamento anual que se estende de 2029 até 2043. Os valores a serem liberados começarão em R$ 8 bilhões em 2029, aumentando progressivamente a cada ano até atingir R$ 60 bilhões em 2043. Após esse período, o programa continuará vigente, mantendo o valor anual fixo dos R$ 60 bilhões.
Eduardo Nogueira (2023), na Nota Técnica nº 53/2023 da Instituição Fiscal Independente (IFI), denominada “Impactos e riscos fiscais para a União dos novos fundos criados pela PEC 45/2019”, traz uma crítica aos fundos, sob o argumento de que podem ser gerados desafios a União, demandando um cuidado entre o desenvolvimento e sustentabilidade das contas públicas.
Em resumo, embora devam representar saldo positivo no longo prazo, os fundos criados para compensar estados e contribuintes pelo fim das concessões unilaterais de benefícios fiscais devem gerar custos e riscos fiscais adicionais para a União, principalmente no médio prazo (Nogueira, 2023, p. 7).
Assim, com a Reforma Tributária, o esperado fim da Guerra Fiscal abre espaço para uma nova estratégia de desenvolvimento regional, na qual os fundos de compensação e desenvolvimento assumem protagonismo.
A criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) representa uma tentativa de mitigar os impactos econômicos das mudanças no ICMS, ao mesmo tempo em que busca reduzir as desigualdades regionais. Porém, requer uma gestão fiscal robusta para que esses instrumentos se traduzam em benefícios reais.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Reforma Tributária em curso no Brasil, proposta através da Emenda Constitucional n.º 132/2923, representa um momento de transição significativo no campo da política fiscal, especialmente no que se refere aos benefícios fiscais, sejam isenções, alíquotas mais baixas ou compensações, utilizados historicamente como instrumentos para a promoção do desenvolvimento regional e diversificação da economia nacional.
Os referidos benefícios possibilitaram o desenvolvimento de regiões menos aquecidas economicamente no decorrer da história nacional, como o Nordeste e o Norte, atuando como ferramenta crucial para atrair investimentos e fomentar economias locais, proporcionando uma maior descentralização da economia nos maiores polos nacionais. Contudo, o fim dos benefícios através da Reforma Tributária, levanta sérias preocupações sobre o aumento das disparidades econômicas entre as regiões mais desenvolvidas e aquelas em desvantagem estrutural.
Por um lado, a extinção desses incentivos pode reduzir a competição desigual entre os estados, comumente conhecida como “Guerra Fiscal”, trazendo maior harmonia ao pacto federativo e criando um ambiente de negócios mais uniforme. No entanto, a perda desse mecanismo de atração de investimentos apresenta um desafio substancial, particularmente para as regiões menos desenvolvidas, que dependem desses incentivos para compensar a falta de infraestrutura, mercado consumidor e tradição.
Como uma alternativa ao fim dos benefícios, no intuito de diminuir o impacto, o Governo propõe a criação de dois fundos, isto é, Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, conforme instituído pela Emenda Constitucional n.º 132/2023. Os referidos fundos surgem como uma medida compensatória e prometem ser um instrumento mais equitativo e eficiente para promover o desenvolvimento socioeconômico nas regiões menos favorecidas.
Portanto, a Reforma Tributária e o fim dos benefícios fiscais, embora tragam avanços na simplificação do sistema tributário, devem ser acompanhados de políticas públicas sólidas, práticas e eficazes que garantam a continuidade do desenvolvimento regional de forma equilibrada, evitando a ampliação das desigualdades econômicas e sociais no país.
3Art. 151. É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou
preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida
a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento
socioeconômico entre as diferentes regiões do País […]
4Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique
as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o
prazo de sua duração.
Parágrafo único. a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante,
em função de condições a ela peculiares.
5Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 3, de 1993)
XII – cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
6KOCH. Dionisio. Manual do ICMS. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 122.
7ELALI, André. Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento econômico: a questão da redução das desigualdades regionais e sociais.
8BAER, W. A industrializacao e o desenvolvimento econômico do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1979.
9Paulo de Barros Carvalho. DIREITO TRIBUTÁRIO LINGUAGEM E MÉTODO. Ed. Noeses 2ª Edição p. 524.
10Pereira Vieira dos Santos, F. F. (2022). EFICIÊNCIA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS E NEUTRALIDADE FISCAL. Revista De Direito E Atualidades, 1(3). Recuperado de https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/rda/article/view/6233
11FREITAS, Narjara Rodrigues; SOUZA, Jackeline Lucas; ALVES, Francisco Ivander Amado Borges. Impactos tributários e financeiros do lucro da exploração: análise das demonstrações financeiras da empresa M. Dias Branco SA indústria e comércio de alimentos. Revista Gestão em
Análise,v. 9, n. 3, p. 113-136, 2020.
12DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no Brasil. Rev. Polit., Curitiba, n. 18, p. 95-107, jun. 2002.
13PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federacão, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via
ICMS. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas: do
fato à norma, da realidade ao conceito juridico. Sao Paulo: Saraiva, 2008, p. 1083.
14DULCI, Otávio Soares. Guerra fiscal, desenvolvimento desigual e relações federativas no Brasil.
Rev. Sociol. Polit., Curitiba, n. 18, p. 95-107, jun. 2002.
15DINIZ, C. C. 2000. A nova geografia econômica do Brasil. In : VELLOSO, J. P. R. (org.). Brasil 500
anos : futuro, presente, passado. Rio de Janeiro : José Olympio.
16https://www.infomoney.com.br/politica/incentivos-dos-estados-com-icms-devem-chegar-a-r-2325
bilhoes-em-2023/
17ALENCAR, Rafael; SOEIRO, Wedlane. O Projeto de Reforma Tributária no Brasil à Luz dos
Benefícios Fiscais: Uma Análise dos Potenciais Impactos na Realidade das Empresas do Nordeste do
Brasil. São Paulo, 2023. DOI: https://doi.org/10.56083/RCV3N10-025
18ORMIGONI, Henrique. A influência dos incentivos fiscais sobre a estrutura de capital e a rentabilidade
das companhias abertas brasileiras não financeiras. São Paulo, 2009.
19NOGUEIRA, Eduardo. Nota Técnica nº 53. Instituição Fiscal Independente. 2023.
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1Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
2Docente de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Pós Graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) e em Direito Administrativo e Gestão Pública pela Faculdade Cidade Verde (FCV)