O ENSINO DAS LUTAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: PERSPECTIVA DOCENTE EM EVIDÊNCIA

THE TEACHING OF FIGHTS IN PHYSICAL EDUCATION CLASSES: TEACHING PERSPECTIVE IN EVIDENCE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8246560


Rebecca Moreira Couto dos Santos (UEPA)1; Suelen Caldas Santos Barreiros (UEPA)2; Giselle dos Santos Ribeiro (UEPA)3; Jefferson Felgueiras de Carvalho (UFPA)4; Manoel do Espirito Santo Silva Junior (UEPA)5;
Marcos Renan Freitas de Oliveira (UFPA)6; Samantha Castro Vieira de Souza (UEPA)7; Thais de Oliveira Cardoso Brandão (UEPA)8; Alcicley Mendes Cardoso (UEPA)9; Kathleen de Nazaré Bouth Pricken (UEPA/UFPA)10


Resumo:  A pesquisa em tela tematiza o ensino das lutas na educação física. O objetivo geral é discutir a percepção dos professores de educação física sobre a viabilidade de executar o conteúdo das lutas no ambiente escolar. O estudo se desdobra nos seguintes objetivos específicos: a) discutir, a partir da literatura científica, como vêm sendo desenvolvidas as aulas voltadas ao conteúdo das lutas na educação física escolar; b) identificar as dificuldades encontradas pelos professores de Educação Física de Belém ao ministrar o conteúdo lutas; c) analisar a formação e a intervenção dos professores de educação física para o ensino das lutas. Para alcançar tais resultados, metodologicamente definimos a pesquisa como qualitativa, do tipo descritiva. Realizamos uma pesquisa de campo aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa. Utilizou-se amostra por conveniência, com realização de entrevista semiestruturada, tratada por meio da análise de conteúdo. Conclui-se que a perspectiva docente caminha no afirmar a viabilidade de se trabalhar o conteúdo das lutas dentro do ambiente escolar, apesar das dificuldades relatadas, tais como: debilidade na formação inicial, inadequação de espaço físico e ausência de materiais específicos.

Palavras-chave: lutas; escolas; ensino.

Abstract:The screen research thematizes the teaching of fights in physical education. The general objective is to discuss the perception of physical education teachers about the feasibility of executing the content of fights in the school environment. The study unfolds in the following specific objectives: a) to discuss, from the scientific literature, how classes focused on the content of struggles in school physical education have been developed; b) to identify the difficulties encountered by Physical Education teachers from public and private schools in Belém when teaching the content of fights; c) analyze the training of physical education teachers to teach fights; d) discuss the pedagogical character in the teaching and learning process of struggles in schools. To achieve such results, methodologically we defined the research as qualitative, of the descriptive type. We carried out a field research approved by the Research Ethics Committee. A convenience sample was used, with a semi-structured interview. Data analysis was performed through content analysis. It is concluded that the teaching perspective walks in affirming the feasibility of working on the content of struggles within the school environment, despite the reported difficulties, such as: weakness in initial training, inadequate physical space and absence of specific materials.

Keywords:fights; schools; teaching.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como temática geral as lutas no ambiente escolar. Dessa forma, delimitamos nossa pesquisa para buscar, na perspectiva docente, a viabilidade do ensinamento das lutas nas escolas de Belém.

Desde os Parâmetros Curriculares Nacionais em Educação Física (PCNEF), o ensino das lutas nas escolas possui o objetivo de compreensão por parte do aluno em relação à conduta de lutar, vivenciando as técnicas e tipos de lutas, assim, apontando para a ampliação do acesso às práticas corporais dos discentes em âmbito escolar. Atualmente, com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as aulas de educação física ainda possuem esse caráter que tematiza as práticas corporais em suas várias formas.

As lutas são consideradas, pela BNCC, no segundo ciclo (3°, 4° e 5º anos), que possui o objetivo de desenvolver lutas do contexto comunitário e regional dos alunos, lutas de matrizes indígenas e africanas; no terceiro ciclo (6° e 7° anos), com lutas do Brasil; e no quarto ciclo (8° e 9° anos), com as lutas do mundo (Brasil, 2018). Conforme pesquisa empreendida por Azevedo (2019), mais de 80% dos alunos não tiveram aulas de lutas como matéria nas aulas de educação física, mesmo sendo conteúdo pedagógico a ser trabalhado nas aulas. Ademais, mais de 70% deles gostariam que houvesse lutas nas aulas de educação física. 

Nesse viés, pontuam-se questões como: há a necessidade de conhecer até que ponto os professores de educação física entendem sobre o assunto lutas; se a formação dos professores é um fator influenciador; se há preocupação em repassar o conhecimento filosófico para que o conhecimento técnico e não seja utilizado de forma negativa; se a ausência do conteúdo está associada à falta de espaço físico e/ou de equipagem. Portanto, questionamos se esse conteúdo vem sendo disseminado em ambiente escolar e de que forma vem sendo tratado, motivos pelos quais indagamos: na percepção dos professores de educação física, existe viabilidade para o ensino do conteúdo de lutas no ambiente escolar? 

A presente pesquisa se deu em virtude da falta de vivência do ensino das lutas no âmbito acadêmico durante a graduação em licenciatura em Educação Física e no decorrer dela. Percebemos, ao longo desse período, a falta, tanto pedagógica quanto social, que as lutas fazem na formação de professores e, consequentemente, na vida dos alunos. 

A partir de pesquisas realizadas nos periódicos disponíveis, observamos que as produções sobre o ensino das lutas nas aulas de educação física são em sua maioria de cunho bibliográfico. Entretanto, de maneira direcionada aos professores e suas realidades, essas produções se reduzem, tendo poucos acessos para subsidiar as ações profissionais

Portanto, o objetivo geral desta pesquisa é discutir a percepção dos professores de educação física diante da possibilidade do ensino do conteúdo de lutas no ambiente escolar. Assim, estabelecemos como objetivos específicos: 

a) discutir, a partir da literatura científica, como vêm sendo desenvolvidas as aulas voltadas ao conteúdo das lutas na educação física escolar;

b) identificar as dificuldades encontradas pelos professores de Educação Física de Belém para ministrar o conteúdo das lutas; 

c) analisar a formação e a intervenção dos professores de educação física para o ensino das lutas; 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nosso referencial teórico adotou três eixos principais para pesquisa, que são: educação física escolar, lutas como cultura do movimento e processo de ensino das lutas. O ambiente escolar desenvolve o aluno, assim, os atos de brincar, lutar, dançar, praticar esportes, ginásticas, etc. vão para além da ludicidade, os alunos se apropriam tanto das regras como da organização e do funcionamento dessas manifestações; trocam, entre si e com a sociedade, representações e significados, ou seja, linguagens, que lhes são atribuídos (Lacerda et al., 2015). 

Para Pereira et al. (2019), o professor deve ter estratégias pedagógicas que consigam atender às dimensões do conteúdo que, ao mesmo tempo, sejam característica das lutas (enfrentamento, regras, oposição, objetivo, imprevisibilidade) e também priorizem o contexto histórico, filosófico e moral; além disso, deve ser considerada a forma lúdica, para que os alunos, mesmo sem toda a tecnicidade do ensino, consigam absorver sua lógica. Em resumo, os alunos precisam conhecer e aprender diferentes habilidades envolvidas nas aulas de educação física, conhecer seus valores e sua parte histórica. 

Muitos conteúdos podem ser trabalhados dentro da educação física escolar, porém, notamos, na produção científica, que as aulas de educação física, desde o ensino fundamental, seguem uma inclinação bem maior para os conteúdos sobre esportes, abreviando o conhecimento de outras áreas da cultura corporal (Silva; Sampaio, 2012 apud Lacerda et al., 2015). Esse fato também é mencionado por Ferreira (2006), o qual fala sobre a facilidade de se manter a velha pedagogia utilizando esportes tradicionais, em vez de envolver outros trabalhos, como as lutas. 

Muito desse contexto se dá pela insegurança dos professores em ensinar um conteúdo que não dominam, seja por não terem afinidade ou por não terem tido um contato mais aprofundado durante sua construção como professores, em sua formação inicial. Pereira et al. (2019) ainda reforçam que o conteúdo deve ser desenvolvido por professores que nunca praticaram lutas, oportunizando não só aos alunos, mas também os docentes, novas práticas e significados durante as aulas.

Nascimento (2007 apud Lacerda et al., 2015) declara que dois fatores são primordiais para a não utilização do conteúdo nas lutas nas escolas. O primeiro é a não vivência com as lutas, tanto na formação acadêmica quanto no dia a dia; o segundo é a relação feita com a violência. Tanto a BNCC como os PCNS de educação física não definem qual tipo de luta o professor tem de usar no ambiente escolar, assim, ele não precisa necessariamente ter tido vivência da luta, mas desenvolver um planejamento adequado, estruturado e trazer formas de trabalhar esse conteúdo, propiciando aos alunos vivências da cultura corporal.

So e Betti (2009 apud Lacerda et al., 2015) expõem o pensamento de os quais afirmam que muitos professores que trabalham o conteúdo de lutas nas escolas notaram que a violência não é um fator característico da luta, e sim o cenário social, entendendo, também, que a prática das lutas envolve a compreensão da não violência, pois nenhuma luta tem como finalidade a agressão. As lutas não são somente técnicas sistematizadas, são também um conjunto de valores culturais construídos e reconstruídos ao longo do tempo, os quais devem ser pensados como instrumentos de aprendizagem e socialização escolar (Lacerda, 2015).

Uma pesquisa realizada por Azevedo (2019) com alguns alunos, relativa à prática do conteúdo lutas nas aulas de educação física escolar, pontuou que 80% deles não tinham a vivência desse conteúdo nas aulas; entretanto, 70% dos alunos gostariam de ter esse assunto nas aulas de educação física. Sendo o conteúdo lutas elemento da cultura corporal, sabemos que a ênfase da Educação Física não está na técnica, mas na transmissão do conteúdo na íntegra, ou seja, sua história, seus valores, sua contextualização e sua cultura de uma forma geral (Soares et al., 1992 apud Lacerda et al., 2015). 

Dessa forma, depreendemos que o professor de educação física, ao ministrar o conteúdo lutas, não deve focar em técnicas e execução correta dos movimentos, mas repassar a importância dela, envolver o aluno cada vez mais na cultura corporal e suas manifestações. 

Pellegrini (1988 apud Lacerda et al. 2015, p. 444), afirma que:

O curso de Educação Física deve apoiar também profissionais que não têm muitas habilidades para executar movimentos, mas que possuem habilidade de ensinar, lecionar, de transmitir conhecimentos aos seus alunos, de modo que os levem ao desenvolvimento de suas capacidades e habilidades.

Ao perceber a importância do conteúdo das lutas para a educação básica, o tema abordado tem o relevante papel de especificar as dificuldades do professor em abordar e ministrar suas aulas, a fim de solucionar as questões que possam se tornar impedimentos para que esse conteúdo seja repassado aos alunos. A pesquisa visa mostrar a realidade condizente com os vários aspectos nos quais estão envolvidos os professores e os alunos.

Nesse contexto, o trabalho evidenciou a viabilidade do ensino das lutas nas escolas segundo o olhar do professor, o qual, por meio de suas experiências e vivências, pode descrever o cenário mais adequado para ministrar suas aulas sem que haja limitações de aprendizado por parte dos alunos e do ambiente, bem como contribuir para a próxima geração de professores – a partir da construção de material que possa ajudá-los em suas prováveis explorações.

3 METODOLOGIA

Diante dos conteúdos expostos nesta pesquisa, foi utilizada a abordagem qualitativa, a qual se entende por considerar que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um indivíduo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzida em números (Prodanov; Freitas, 2013, p. 70). Assim, em nossa pesquisa, analisamos qualitativamente que limitações os professores enfrentam para consolidar essa prática pedagógica.

É uma pesquisa caracterizada como descritiva, a qual, de acordo com Silva (2009), tem como objetivo descrever as características de determinado fato, fenômeno ou estabelecimento entre variáveis. Nesse sentido, identificamos o que determina, na percepção dos professores, a viabilidade do ensino das lutas nas escolas.

Para tanto, realizamos uma pesquisa de campo, que, segundo Marconi e Lakatos (2003, p.185), 

[…] é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. 

No caso, coletamos dados em campo, dialogamos com os professores a partir da aplicação de entrevista semiestruturada. 

Minayo (2009, p. 64-66) aponta que a “entrevista semiestruturada combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”. Entendemos que essa técnica melhor possibilita o acesso às informações que coletamos, deixando o professor com maior liberdade para explanar as limitações que porventura enxergue na prática para viabilizar o conteúdo das lutas. Tal entrevista foi aplicada com parte de nossa população, que, no geral, são professores de educação física da rede pública e privada.

Para definir essa parcela da população optamos por definir uma amostra por conveniência. Oliveira (2011, p. 31) explica que, nesse tipo de amostra, os elementos são selecionados de acordo com a adequação do pesquisador. Dessa forma, vamos obter informações sobre o rumo e decorrência da nossa pesquisa escolhendo os membros para coleta.

Nossa amostra constituiu de professores da rede pública e professores da rede privada, totalizando 3 (três) docentes com quem temos contato direto.

Por se tratar de uma pesquisa que envolveu seres humanos, assumimos, ao longo da investigação, a responsabilidade ética com todas as diretrizes e normas regulamentadoras contidas na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/12 (Brasil, 2012). O parecer de aprovação da pesquisa foi emitido pelo Comitê de Ética em Pesquisa nº 5.909.214.

Para complementar a pesquisa, também foi utilizada a pesquisa bibliográfica. Sobre isso, de acordo com Marconi e Lakatos (2001, p. 183): 

[…] abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, materiais cartográficos etc. […] e sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto […].

Dessa forma, conseguimos acumular arcabouço teórico para subsidiar as discussões aqui propostas.

Nosso suporte bibliográfico foi coletado na base de dados Portal de Periódicos CAPES, nos últimos cinco anos (de 2018 até 2022). Os termos utilizados para a busca foram: “ensino de lutas”, “lutas ambiente escola”, “ensino escolar lutas”; utilizamos como descritores as palavras “escola”, “lutas”, “ensino”. Foram selecionados 8 (oito) artigos que evidenciam explícita relação com o tema. Ademais, realizamos uma busca nas referências dos artigos encontrados para complementar.

Segundo os textos atuais analisados, a maioria dos autores relataram as maiores dificuldades para os professores na formação continuada, a ausência de conteúdos específicos durante a graduação e o receio da agressividade que pode ser gerada durante as aulas. Além disso, foi citada a falta de materiais específicos para se executar uma aula segura, bem como a ideia errônea de que só se pode ministrar sobre lutas se for ou foi praticante, algo que reforça a falta de capacitação na graduação.

O conteúdo das lutas não é uma forma de tornar alunos atletas, mas fazê-los compreender essa prática como uma cultura corporal, importante para formação humana e educacional. Assim, entender que lutas, no espaço escolar, além de desenvolver a parte motora, cognitiva de habilidades, insere o aluno no meio sociocultural. O quadro 1 apresenta as produções encontradas:

Quadro 1 – Produção acerca do ensino das lutas na educação física escolar.

NOME DO AUTORTÍTULOANOREVISTA
Rafaela Pinheiro Lacerda Ensino de lutas: relatos de uma experiência na rede pública2015Revista Salusvita
Marcio Antonio Raiol Santos e Pedro Paulo Souza Brandão Produção do conhecimento em lutas no currículo da educação física escolar2019Revista Movimento UFRGS
Lucas Lima Garcia de Azevedo Lutas na educação física escolar2019Revista de Educação Física, n° 35
Marcos Paulo Vaz de Campos Pereira et al.Lutas na escola: estratégias de ensino de professores de Educação Física2022Revista de Educação Física
Francisco Douglas de Brito Mota et al. A importância do plano de aula para o ensino das lutas na escola2022TCC – UniATENEU
Marcos Eduardo Souza OrtegaJogos de oposição: uma alternativa lúdica para inserção das lutas na escola2022Repositório Institucional UFRN

Fonte: elaborado pelas autoras (2023).

A análise de dados do presente trabalho se dá por meio da análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2016), é um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, os quais se aplicam a discursos (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. Nesse tipo de análise, é necessário observarmos alguns aspectos importantes. O primeiro ponto é saber qual conteúdo buscar para nortear a pesquisa; o segundo é categorizar os registros do texto; e, por fim, reunir todos os materiais coletados por meio do instrumento com a possibilidade de fazer uso, de acordo com o que foi reunido. 

As etapas seguidas são: i. pré-análise, que tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, em um plano de análise (Bardin, 2016); ii. exploração do material, que consiste essencialmente em operações de codificação, decomposição em função de regras previamente formuladas (Ibid.); iii. tratamento dos resultados obtidos, em que são tratados de maneira a serem significativos e válidos, os quais condensam e concedem relevo às informações fornecidas pela análise (Ibid.).

4 ANÁLISES E DISCUSSÕES

Este tópico objetiva realizar análises e discussões acerca do ensino das lutas no âmbito da formação de professores, bem como tratar do processo de ensino na educação básica a partir das entrevistas feitas com professores de escolas públicas e privadas da rede estadual de ensino.

4.1 ENSINO DAS LUTAS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES 

A nossa pesquisa consiste em entrevista semiestruturada realizada com dois docentes, os quais foram denominados “docente 1” e “docente 2”, o primeiro da rede privada e segundo da rede pública da cidade de Belém do Pará. A amostra consistia em três docentes, entretanto, com um deles não foi possível realizar a entrevista, em virtude de mudança de estado, não conseguimos contactá-lo.

Ademais, nossa entrevista foi realizada via Google Meet, pois a disponibilidade dos professores para realizá-la presencialmente estava sendo um impasse, de modo que encaminhamos a entrevista de forma remota para a execução do trabalho, o docente 1 dispôs de um tempo maior em sua agenda para a execução da entrevista, enquanto o docente 2 solicitou realizar no intervalo entre aulas o que limitou bastante a possibilidade de discorrer sobre os assuntos.

Os professores em questão são formados em licenciatura em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). O docente 1 possui pós-graduação em Educação Especial e Inclusiva e em Metodologias Ativas e atua há cinco anos na educação física escolar; e o docente 2 não possui pós-graduação e atua há trinta anos na educação física escolar. Embora os dois tenham vivenciado o processo formativo das lutas, o período de formação é discrepante, essa diferença aponta que as formações deles foram desiguais, refletindo a construção de práticas pedagógicas diferentes.

Durante a entrevista, os professores citaram dificuldades: materiais (estrutura física e instrumentos de trabalho) e material (conhecimento). Durante a graduação, ambos cursaram a disciplina sobre a temática de lutas, que, de acordo com o relato do docente 1:

Os conteúdos foram abordados de forma teórico/prático na disciplina de Fundamentos e Métodos das Lutas. Conhecemos um pouco sobre a história de algumas lutas, como: Karatê, Capoeira, Boxe e Judô. Além da teoria, vivenciamos na prática cada uma dessas lutas, com professores renomados convidados pelo professor responsável pela disciplina.

Isso corrobora a afirmação de Lacerda (2015), na qual menciona que, nas instituições de ensino superior, as aulas de lutas precisam superar essas modalidades tradicionais, sendo necessário reformular a ementa da disciplina para que possa ser trabalhada de forma lúdica, ajudando o futuro professor a estar apto a trabalhar com o conhecimento adquirido quando estiver lecionando nas escolas, indo além das lutas tradicionais e enriquecendo o repertório motor e o conhecimento sobre esse conteúdo com seus alunos.

Entendemos, portanto, que o aprendizado das lutas na formação acadêmica dos professores não foi suficiente para ministrarem as aulas e desenvolverem um trabalho pedagógico nas escolas. Isso é afirmado por Pereira et al. (2021) e Brandão (2019), quando mencionam que a falta de conhecimento sobre o tema e as disciplinas da formação inicial não promoveram o conhecimento necessário para a abordagem do tema na escola; e os problemas encontrados para a sistematização do conhecimento e o próprio trato pedagógico das Lutas na formação são um reflexo de uma formação fragilizada como um todo. 

Apesar disso, os docentes afirmaram que existe um trabalho e tentam desenvolvê-lo. Mesmo que a formação deles tenha sido insuficiente, buscam elaborar uma atividade.

Existe um ponto importante na fala do Docente 1, na qual cita a falta da prática pedagógica das lutas, tornando-a uma condição restritiva para a utilização do conteúdo de lutas nas escolas. 

Vivenciamos, durante um mês, cada uma das lutas citadas acima. Foi uma experiência ímpar em nossa formação, porém faltou abordar um pouco mais sobre as práticas pedagógicas das lutas.

Entendemos, nessa fala, que não houve, por parte da universidade, uma preocupação com o ensinamento de como ministrar aulas de lutas, limitando, assim, a prática pedagógica. Desse modo, essa dificuldade do trato pedagógico das lutas, durante a formação dos docentes, mostra uma fragilidade no momento de ministrar o conteúdo de lutas nas escolas.

4.2 O PROCESSO DE ENSINO DAS LUTAS

Ao tomarmos lutas como um conteúdo da educação física escolar e pontuá-lo como elemento da cultura corporal, compreendemos que ela deve fazer parte do planejamento acadêmico do docente. Durante a entrevista, os docentes afirmaram que usam as lutas em suas aulas, porém existe uma diferença na forma utilizada por cada um. O Docente 1 escolheu a modalidade Jiu-Jitsu e o trabalhou de forma horizontal, ministrou o conteúdo teórico-prático com os alunos. Tal forma de ensino é de grande valia, visando à história, à técnica e sua importância. Ele relatou:

Foi uma experiência muito boa, pois abordei o contexto histórico do Jiu-jitsu, alguns mitos e verdades sobre a modalidade, pessoas importantes na história e na atualidade. Tudo adaptado para cada faixa etária e para cada nível de ensino. Com os alunos do fundamental II, realizei uma aula experimental e básica, demonstrando, com a ajuda de um convidado e praticante de Jiu-Jitsu, alguns movimentos e finalizações.   

Segundo o depoimento do Docente 1, a sua experiência e o domínio do conteúdo foram seu embasamento para a sistematização das aulas. A relação com a infraestrutura da escola, para ele, é boa, pois relata ter um bom espaço, o que foi suficiente para trabalhar de forma didática e utilizar jogos e brincadeiras. Uma dificuldade encontrada foi a questão do material, como tatame ou placas de borracha, os quais tiveram de ser emprestados da academia em que ele treinava. 

O Docente 2 também trabalhou lutas no âmbito escolar, porém, apenas de forma teórica e voltada para os conteúdos avaliativos dos vestibulares. Além disso, ele cita o pouco espaço físico da escola. Entendemos que esses fatores são primordiais para a não ministração da prática das lutas nas aulas.

De acordo com Santos e Brandão (2019), a falta de infraestrutura das escolas e a ausência de material para o trabalho com as práticas corporais de lutas surgem como causas prejudiciais para o ensino desse conteúdo nas aulas de Educação Física. 

Aplicar o conteúdo de lutas nas escolas acarreta várias dificuldades, uma delas foi citada pelo docente 1, que é o preconceito, por parte das escolas e pais dos alunos, por, muitas vezes, não terem o conhecimento sobre as abordagens das lutas nas escolas e as associarem à violência. Esse é o fator mais recorrente na produção científica de Santos e Brandão (2019), que, na visão das pessoas, a violência está atrelada à prática das lutas, e levar essas práticas para a escola fomentaria, ainda mais, a violência no espaço escolar.

No entanto, é importante que o professor, perante esse questionamento, explique e sustente seu plano de ensino, bem como esclareça e desconstrua tais equívocos por meio de evidências.

Indo além disso, outro ponto que deve ser citado é a forma de organização pedagógica da estruturação de plano de ensino. O Docente 1 afirma ter lecionado, durante um bimestre inteiro, utilizando apenas o conhecimento adquirido em sua formação e experiência. Tal planejamento é essencial para se obter uma prática pedagógica eficiente e organizada a fim de facilitar o processo de ensino (Mota et al., 2022).

É fato que a insegurança e a falta de interesse dos professores ao ensinar lutas no ambiente escolar se dão pelo pouco contato que tiveram com o conteúdo na graduação ou falta do ensino continuado fora dela. Entretanto, como as lutas são componentes curriculares da Educação Física, segundo os PCN’s, anteriormente, e na atualidade, de acordo com a BNCC, os professores devem buscar, de alguma forma, ensiná-las, não necessariamente de forma técnica. 

O Docente 1 aponta que utilizou conhecimentos e movimentos básicos, brincadeiras e jogos. Tal método de ensino é apoiado por Ortega (2022), o autor diz que os jogos de oposição são uma boa estratégia para introduzir as lutas no ambiente escolar de forma segura e lúdica, não havendo a necessidade de o docente ser praticante ou ter profundo conhecimento da modalidade, necessitando apenas de atenção e disposição.

Diante do exposto, no âmbito do processo de ensino, observamos que é possível a implementação desse conteúdo da cultura corporal, seja ele ministrado de forma teórica, como realiza o docente 2, em virtude da ausência de espaço físico; ou de maneira teórico-prática, como o docente 1, que mesmo relatando ausência de aprofundamento do conteúdo na sua formação, buscou formação continuada para efetivá-lo com seus alunos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises bibliográficas e das entrevistas com os docentes de Educação Física sobre a viabilidade do ensino das lutas no ambiente escolar, o objetivo geral da pesquisa foi respondido de forma abrangente, mas confirmativa. Percebemos, no decorrer da investigação, que o ensino das lutas é viável nas escolas, mas cada professor desenvolve de sua maneira, de acordo com sua experiência e necessidade.

As dificuldades encontradas por eles não se diferem de forma expressiva, mas suas formas de aplicação da prática pedagógica sim. Ambos não obtiveram um contato denso durante sua formação acadêmica, o que marca o maior problema encontrado. Assim, as experiências pessoais após a graduação foram essenciais para a introdução das lutas no plano de aula e sua aplicabilidade. Cada professor entrevistado utilizou as lutas de uma forma, tecnicista ou teórica, mas os dois conseguiram, de maneira positiva, repassar os princípios das lutas. 

Outro ponto respondido foi sobre as dificuldades estruturais e materiais de ensino, as análises foram feitas em uma escola pública e em uma do setor privado. Não obstante as diferenças sociais, não foi afetado o desempenho do ensino. A maneira que o docente conduziu a aula foi muito mais importante que os materiais utilizados ou não. 

Por fim, para Lacerda (2015), mesmo que muitos professores não tenham instrução, formação, vivência no dia a dia ou na graduação, é preciso buscar outras formas de trabalhar com esse componente da cultura corporal. Concluímos, portanto, que embora muitos docentes de educação física ainda não ministram lutas nas escolas, por não terem instrução e formação nas lutas, pouca vivência ou fragilidade pedagógica na formação, faz-se necessário buscar formas de ensinar esse conteúdo da cultura corporal. 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Constituição (2012). Resolução n°466/12, de 12 de dezembro de 2012. Brasil: DOU, 13 jul.2013, n. 12, seção 1. 

FERREIRA, Heraldo Simões. As lutas na educação física escolar. Revista de Educação Física, Fortaleza, v. 135, p. 36-44, 26 jul. 2006. 

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1 Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail:rebecca.moreira17@outlook.com
2Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará (UEPA). E-mail:sucsantos99@gmail.com
3 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail:
4 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail:jeffelgueiras@hotmail.com
5 Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: silvajuniormes@yahoo.com.br
6 Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: marcosrenanef@yahoo.com
7 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. E-mail: samantha-souza@hotmail.com
8 Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: profthais.brandao@gmail.com
9 Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará, campus Belém. E-mail: prof.alcicleycardoso@gmail.com
10 Nutricionista pela Universidade Federal do Pará, campus Belém. Profª de Educação Física pela Universidade do Estado do Pará. Esp em Pedagogia da Cultura Corporal (UEPA). Esp em Nutrição e Saúde Coletiva (UFPA) Residência Multiprofissional em Oncologia com Ênfase em Cuidados Paliativos (UEPA). Esp em Nutrição e saúde coletiva (UFPA). E-mail: kathleen_bouth@hotmail.com