O EIXO MICROBIOTA-INTESTINO-CÉREBRO E SUA INFLUÊNCIA NAS DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202409231056


Gabriela Ferreira1
Vittoria Eidam Michels2
Camila Matiusso3


RESUMO

A microbiota do sistema digestório é composta por uma vasta gama de microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus, que habitam o trato gastrointestinal. Estes microrganismos desempenham um papel fundamental na fisiologia do corpo humano, contribuindo para a digestão dos alimentos, a absorção de nutrientes e a regulação do sistema imunológico. Além de sua presença no sistema digestório, a microbiota intestinal interage com outros sistemas do corpo, incluindo o sistema nervoso central, de maneira complexa e multifacetada. As bactérias intestinais produzem uma variedade de substâncias bioativas que têm a capacidade de influenciar o eixo-microbiota-intestino-cérebro. Essas substâncias podem impactar positivamente os circuitos neuronais, promovendo um ambiente saudável e modulando a produção de neurotransmissores. No entanto, quando ocorre um desequilíbrio na composição da microbiota, conhecido como disbiose, essa interação pode se tornar prejudicial. A disbiose pode afetar negativamente a função do sistema nervoso central, alterando a produção de neurotransmissores e prejudicando a integridade e a eficiência dos circuitos neuronais, sendo um fator agravante das doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Portanto, é crucial entender a relação entre a microbiota intestinal e o sistema nervoso para reconhecer como uma microbiota saudável pode ser benéfica para a saúde neurológica e como a disbiose pode predispor a condições neurológicas adversas. Compreender esses mecanismos pode abrir caminhos para novas estratégias de tratamento e prevenção.

Palavras-chave: microbiota; sistema nervoso central; doenças neurodegenerativas; neurotransmissores; disbiose

ABSTRACT 

The microbiota of the digestive system is made up of a wide range of microorganisms, including bacteria, fungi and viruses, that inhabit the gastrointestinal tract. These microorganisms play a fundamental role in the physiology of the human body, contributing to the digestion of food, the absorption of nutrients and the regulation of the immune system. In addition to its presence in the digestive system, the intestinal microbiota interacts with other body systems, including the central nervous system, in a complex and multifaceted way. Gut bacteria produce a variety of bioactive substances that have the ability to influence the microbiota-gut-brain axis. These substances can positively impact neuronal circuits, promoting a healthy environment and modulating the production of neurotransmitters. However, when an imbalance occurs in the composition of the microbiota, known as dysbiosis, this interaction can become harmful. Dysbiosis can negatively affect the function of the central nervous system, altering the production of neurotransmitters and impairing the integrity and efficiency of neuronal circuits, being an aggravating factor in neurodegenerative diseases, such as Alzheimer’s and Parkinson’s. Therefore, it is crucial to understand the relationship between the gut microbiota and the nervous system to recognize how a healthy microbiota can be beneficial for neurological health and how dysbiosis can predispose to adverse neurological conditions. Understanding these mechanisms can open the way to new treatment and prevention strategies.

Keywords: microbiota; central nervous system; neurodegenerative diseases; neurotransmitters; dysbiosis

INTRODUÇÃO 

A espécie humana apresenta uma grande variedade de seres vivos, como bactérias, vírus e protozoários, sendo que, a maioria se encontra no sistema digestório. Os micróbios encontrados neste sistema formam a microbiota intestinal. Microbiota intestinal foi um termo que passou a ter relevância quando Louis Pasteur, em 1885, descobriu a relevância de microrganismos no trato gastrointestinal (LEITE et al.., 2014). A microbiota constitui uma interdependência entre os seres vivos e o ambiente no qual atuam, na qual, ocorrem interações com o hospedeiro acarretando em benefícios para a fisiologia humana e proteção contra doenças e infecções.

Esse ecossistema de grande importância tem sua colonização no período intra-uterino, através da exposição dos microrganismos e, após o parto natural, principalmente, por ter contato direto com a microbiota fecal da mãe. Essa microbiota formada tem uma grande significância, posteriormente para o adulto, devido a sua função imunológica, já que atua contra patógenos multirresistentes, evitando assim patologias (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; WALL et al., 2009).

A população de microrganismos no intestino é de aproximadamente 100 trilhões de bactérias, 10 vezes a mais do que de outras células no corpo humano, sendo os filos Bacteroidetes e Firmicutes os protagonistas da colonização intestinal -correspondem à 90% da flora intestinal (WAGNER et al, 2018). As bactérias gram negativas, que incluem os gêneros bacteroides e Prevotella, estão incluídas no filo bacteroidetes. Já as bactérias gram positivas, incluindo Enterococcus, Clostridium e Lactobacillus, fazem parte do Firmicutes (Power SE et al, 2014;).

Pelo fato de a microbiota estar relacionada a seres vivos e, portanto, ser dinâmica, pode sofrer alterações devido a fatores externos, como dieta e a prática de exercícios físicos. Os exercícios físicos de maneira regular contribuem para o aumento da diversidade da microbiota, principalmente de espécies bacterianas que produzem ácidos graxos de cadeia curta, esses têm efeitos anti-inflamatórios e benéficos para a saúde intestinal (S. W. Allen et al,2018). Não só os exercícios, mas dependendo da dieta podemos ter o aumento de substâncias inflamatórias, como uma dieta rica em gorduras, ou um aumento de fatores anti-inflamatórios com o consumo de fibras e prebióticos. (K. M. De Filippo et al, 2015). Em relação à senescência, sabe-se que a partir da 3ª década de vida ocorrem alterações, que estão diretamente relacionadas com a dieta, mudanças fisiológicas e uso de antibióticos e medicamentos ao longo da vida. 

Entretanto, a microbiota também atua modulando outros sistemas, como o sistema nervoso central. Esse ecossistema bacteriano intestinal também produz alguns neuroativos, como neurotransmissores ou precursores, que podem interferir nas concentrações de alguns neurotransmissores presentes no cérebro, contribuindo para as atividades neuronais. 

Dito isso, os ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), que são metabólitos das bactérias presentes na microbiota intestinal, apresentam efeitos relacionados à modulação do SNC, através do nervo vago, secreção de interleucinas e produção de alguns neurotransmissores. Não obstante a isso, os ácidos graxos de cadeia curta conseguem atravessar a barreira hematoencefálica, conseguindo, assim, chegar até o cérebro. (O papel de metabólitos microbianos no processo neurodegenerativo da doença de Alzheimer- Ygor Parladore Silva, 2021). No sistema nervoso central, atuam no aumento da expressão de proteínas de junção oclusiva, influenciando na integridade da barreira hematoencefálica, aumentam a produção de precursores de neurotransmissores, e também na função de astrócitos e micróglia – fundamental para formação, desenvolvimento, plasticidade do sistema nervoso central, cognição e emoções.

Apesar dessas relações benéficas do eixo-microbiota-intestino-cérebro, foram identificados alguns pacientes com a doença de Alzheimer que apresentavam alterações na composição e perda da diversidade da microbiota. Quando ocorre uma disbiose no TGI, sendo devido a um quadro inflamatório agudo ou crônico, a permeabilidade da barreira epitelial intestinal aumenta, tendo uma maior liberação de mediadores pró-inflamatórios e, consequentemente, a resposta neuro inflamatória é intensificada. Além disso, em pacientes com Doença de Alzheimer é constatado uma redução do filo Firmicutes- um filo hospedeiro que atua, normalmente, em simbiose com o corpo humano-, impactando negativamente na imunidade do SNC e  no sistema neuroendócrino. (CHEN, Chun et al, 2022). 

Em conclusão a isso, a crescente evidência da microbiota e seu papel nas doenças neurodegenerativas sugere que a simbiose intestinal pode oferecer abordagens terapêuticas para as doenças neurodegenerativas. Essa simbiose, é de extrema importância para a evolução das doenças do sistema nervoso central, sendo ela dependente do cuidado humano com suas atividades diárias, exercícios físicos regulares e uma dieta anti-inflamatória. Esse estado equilibrado faz com que não tenha a predominância de filos bacterianos, evitando a formação de um estado pró-inflamatório e interferindo no prognóstico das doenças neurodegenerativas.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL 

  • Entender a relação entre a microbiota humana e o sistema nervoso central. o

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Compreender a microbiota intestinal como parte de um ecossistema balanceado composto por microrganismos 
  • Compreender como as alterações da microbiota intestinal podem influenciar no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas

METODOLOGIA

Tipo de estudo: 

  • Revisão integrativa de literatura: A revisão integrativa é adequada para analisar e consolidar evidências sobre a relevância da microbiota, bem como suas relações com o sistema nervoso central, influenciando na neuroproteção e desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson 

Etapas do processo metodológico: 

  • Elaboração da questão norteadora: Fundamental para concentrar o estudo na relação da microbiota intestinal e do sistema nervoso central, conhecida como eixo-intestino-cérebro 
  • Estratégias de busca: Fazer uso de bases de dados como PubMed e Scielo e descritores relevantes (Microbiota intestinal, eixo-intestino-cérebro, doenças neurodegenerativas, Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson) é fundamental para garantir que a pesquisa abranja estudos significativos e atualizados sobre o tema.
  • Seleção dos Estudos: Basear-se em critérios de inclusão e exclusão a fim de selecionar estudos que, de fato, contribuirão para a pesquisa.

Critérios de Inclusão: 

  • Estudos que abordem a relação da microbiota intestinal com o sistema nervoso central, apresentando dados empíricos e teóricos sobre o eixo-intestino-cérebro e doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson
  • Pesquisas que sejam revisões sistemáticas, ensaios clínicos randomizados, estudos de coorte ou estudos de caso-controle 

Critérios de Exclusão:

  • Estudo que dissipam e/ou possuem informações irrelevantes sobre o enfoque da pesquisa. 
  • Estudos que não abordem especificamente a microbiota intestinal e sua relação com o sistema nervoso central
  • Pesquisas que não forneçam uma descrição clara dos métodos utilizados ou que apresentem dados insuficientes para uma análise crítica. 
  • Estudos com amostras pequenas ou sem grupo de controle adequado, que comprometam a validade dos resultados.

Leitura Crítica e Avaliação:

  • A análise crítica é essencial para interpretar, relacionar e debater evidências de maneira eficaz.”

Categorização e Síntese:

  • Organizar e sintetizar as informações ajuda a construir uma argumentação convincente sobre a relação da microbiota intestinal e do sistema nervoso central, influenciando o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, conforme abordado na seção de resultados e discussão. 

RESULTADOS

NOME DO ARTIGOAUTOR/ ANORESULTADOS
Modulação da microbiota intestinal e implicações para a saúde do hospedeiro: estratégias dietéticas para influenciar o eixo intestino-cérebro  John F. Cryan et al, 2013A microbiota intestinal se desenvolve ao longo do tempo, passando de um estado imaturo e instável na infância para um ecossistema mais complexo, diverso e estável na vida adulta. Qualquer alteração no estado homeostático pode impactar a saúde do hospedeiro, resultando em distúrbios gastrointestinais, imunológicos e até neurológicos. Nesse sentido, a utilização de abordagens dietéticas, como probióticos, prebióticos e dietas ricas em ácidos graxos ou proteínas, pode modular a microbiota e trazer benefícios para a saúde do hospedeiro.
Eixo Microbiota-Cérebro-Intestino e Doenças Neurodegenerativas  Eamonn M. M. Quigley, 2023 “A microbiota desempenha várias funções essenciais, incluindo imunológica, nutricional e protetora, e é fundamental para a saúde do hospedeiro. Além disso, ela afeta o eixo intestino-cérebro, influenciando o funcionamento do sistema nervoso e estabelecendo uma relação moduladora. Dessa forma, alterações na composição e/ou funcionamento da microbiota podem contribuir para o desenvolvimento de doenças, como a doença de Parkinson (DP) e a doença de Alzheimer (DA).”  
A microbiota intestinal regula as patologias da doença de Alzheimer e os distúrbios cognitivos por meio da neuroinflamação associada aos PUFA  Chun Chen et al, 2022 Esse estudo destaca a importância de um microbioma intestinal complexo para a ocorrência de defeitos comportamentais, ativação da microglia e patologias associadas à doença de Alzheimer (DA). Elas mostram que o microbioma intestinal desempenha um papel na patologia da DA em modelos murinos e sugerem que a disbiose do microbioma humano pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da DA.
Microbiota intestinal relacionada a Doença de Parkinson                                                                                                               YANG et al. (2019)                                                                                                               A etiologia da doença de Parkinson (DP) ainda não é completamente conhecida, mas estudos sugerem que a manipulação da microbiota intestinal pode ajudar a prevenir efeitos agravantes da doença, como a redução de neurotransmissores, inflamação crônica e estresse oxidativo. A alta taxa de comorbidades gastrointestinais entre pacientes indica que restaurar a simbiose intestinal pode melhorar os sintomas da DP. Nos últimos 10 anos, evidências têm mostrado que a modulação intestinal através da dieta pode beneficiar o sistema nervoso central, tanto em estudos com roedores quanto em humanos. Alterações na microbiota intestinal estão fortemente ligadas ao SNC, e fatores ambientais, microrganismos patogênicos ou toxinas podem levar à inflamação. Modificações na alfa-sinucleína e disfunção mitocondrial parecem estar envolvidas na patogênese da doença.  
Sinalização bioquímica do eixo intestino-cérebro do trato gastrointestinal para o sistema nervoso central: disbiose intestinal e função cerebral alterada  ARNETH, B. M, 2018 A comunicação entre o eixo intestino-cérebro pode influenciar a função cerebral e estar relacionada ao desenvolvimento de várias condições psiquiátricas, como esquizofrenia e depressão. Portanto, compreender o eixo intestino-cérebro é essencial para o manejo de certos transtornos psiquiátricos e mentais
Repercussão da microbiota intestinal na modulação do sistema nervoso central e sua relação com doenças neurológicas  Tércio Palmeira Costa, Cássio Ilan Soares Medeiros, 2022  A falta de estudos sobre o eixo intestino-cérebro limita o avanço na área, que é relativamente nova. A microbiota intestinal, formada desde o nascimento e alterada ao longo da vida, pode influenciar a função cerebral, incluindo cognição e ansiedade. A microbiota é fundamental para a homeostase cerebral e interage bidirecionalmente com o estresse e distúrbios gastrointestinais, envolvendo um sistema complexo que inclui o SNC, SNP, SNE, SNA, e os sistemas endócrino e imunológico. Integrar imunologia, microbiologia e neurologia é crucial para desenvolver novas estratégias de prevenção e tratamento para doenças relacionadas a esse eixo.  
Relação do eixo microbiota-intestino-cérebro nos sintomas de ansiedade e depressão com o consumo de fibras dietéticas: revisão de literaturaTHOMAS RAUBACH HOFFMANN VIEIRA, 2022 O eixo cérebro-intestino-microbiota é um sistema complexo de comunicação neuro imuno endócrina com o sistema nervoso central, envolvendo ácidos graxos de cadeia curta, serotonina intestinal, metabolismo do triptofano e regulação imunológica, que afetam o humor. O baixo consumo de fibras e prebióticos desregula o perfil bacteriano intestinal e pode contribuir para ansiedade e depressão. Mais estudos clínicos são necessários para entender melhor esse eixo e desenvolver novas abordagens terapêuticas para a saúde mental.  

DISCUSSÃO

1. Microbiota 

1.1. Definição 

A microbiota é uma população, de cerca de 100 trilhões de microorganismos, que habitam no trato gastrointestinal, os quais atuam na vitalidade do hospedeiro. Esse sistema é colonizado desde o nascimento, e, desde isso, ocorrerá a colonização por bactérias, a qual irá se perpetuar ao longo da vida. Entretanto, poderá ter fatores internos, como um desbalanço na imunidade, alteração do Ph intestinal, e fatores externos como a prática de atividades físicas e dietas anti-inflamatórias, ricas em fibras e pobre em gorduras, que poderão influenciar na composição e no funcionamento do microbioma (Pinheiro, Diego et al, 2022). Não obstante a isso, vale ressaltar a diferença entre os termos microbiota e microbioma. A microbiota se refere à população de microrganismos agrupadas em um local específico, como o trato gastrointestinal que é composto por bactérias de gram positivo que pertencem ao filo Firmicutes e bactérias de gram negativo como as do filo Bacteroidetes (Sharma, A., & Vignesh, R. – 2023). Esses microrganismos são essenciais para várias funções do organismo, como processos fisiológicos, proteção contra doenças e regulação da resposta imunológica. Por outro lado, o microbioma é uma população difusa de bactérias, fungos e protozoários, bem como seus genes e genomas. Entretanto, em diversas literaturas, estes temas podem ser permutados.  (Eamonn M. M. Quigley1, 2017). 

1.2 Composição ao longo dos órgãos do trato gastrointestinal

A maior parte das bactérias que habitam o sistema gastrointestinal são componentes de 2 filos principais, os Bacteriodetes e os Firmicutes, que correspondem a 90% da população microbiana do trato gastrointestinal (Moraes, Ana Carolina et al, 2014). Os Bacteroidetes, constituído por bactérias gram negativas, das quais podemos citar os gêneros Bacteroides e Prevotella, são importantes na produção de ácidos graxos de cadeia curta, tendo ação anti-inflamatória. Além deste filo, o Firmicutes também é de extrema importância, o qual é compreendido pelas classes Bacilli e Clostridia, que são bactérias gram-positivas, das quais os gêneros Clostridium, Enterococcus, Lactobacillus e Ruminococcus se destacam. 

No estômago, devido a presença de secreção ácida, o pH se torna mais baixo. Sendo assim, as bactérias precisam ser capazes de viver em um meio ácido. Neste órgão, teremos a presença de bactérias gram positivas, bem como, Proteobacteria, Bacteroidetes, Actinobacteria e Fusobacterium, as quais conseguem fazer a colonização, independente de o estômago ser uma barreira química a entrada de microrganismos no TGI (trato gastrointestinal) (Wong, B. S., et al. 2018). A bactéria mais prevalente no estômago é a Helicobacter pylori, normalmente localizada na parede estomacal, sendo a causa principal de úlceras. Entretanto, não são todos os indivíduos que apresentam essa bactéria na composição da microbiota, somente está presente em hospedeiros suscetíveis (Yamoka, Y. 2019). Grande parte das bactérias que constituem a microbiota estomacal são aquelas que conseguem entrar pela cavidade oral. 

O intestino delgado apesar de ser menos pesquisado do que a microbiota do intestino grosso, a microbiota do intestino delgado desempenha funções importantes na manutenção do equilíbrio intestinal. O intestino delgado é dividido em 3 partes: duodeno, jejuno e íleo. O duodeno, por estar localizado mais próximo ao estômago, apresenta um pH mais ácido quando comparado ao restante do intestino delgado. Por isso, a colonização desse segmento é semelhante a do estômago. A partir do jejuno e íleo, principalmente este último, apresenta um pH menos ácido (próximo a 5).  As bactérias mais comumente encontradas no jejuno são as Enterococcus e Lactobacillus. Já no íleo, as mais prevalentes são Bacteroides, Bifidobacterium e Clostridium (e Vos, W. M., et al.2021). 

Por fim, o intestino grosso apresenta microrganismo que vivem da fermentação, sendo um ambiente mais propício para bactérias anaeróbicas, pois a pouca quantidade de oxigênio presente já foi consumida pelos grupos aeróbios, como o Clostridium (Bäckhed, F., et al.2012). Um desequilíbrio nesse grupo de aeróbios e anaeróbios já é possível de desencadear alterações inflamatórias no lúmen intestinal.  

2. O eixo microbiota-intestino-cérebro

A formação desse eixo ocorre desde os primeiros anos de vida. Na infância, a microbiota do bebê é fortemente influenciada pela mãe, pelo aleitamento e introdução de novos alimentos, sendo de extrema relevância  para a arborização dendrítica e a formação de sinapses excitatórias das crianças. Na vida adulta, essa microbiota tende a ficar estabilizada, entretanto, fatores externos, como  dieta e prática de exercícios físico, podem desregular essa população bacteriana, aumentando os fatores pró-inflamatórios e tendo uma desregulação do sistema imune e endócrino (Parladore Silva, Ygor. 2021). Em consequência disso, na senescência já temos algumas alterações fisiológicos e o mesmo ocorre com a microbiota, ela se torna mais instável, tem uma redução da sua diversidade, acarretando em uma disbiose que pode acabar interferindo no processo de perda neuronal e sináptica observados no SNC (Pereira Gomes, Ana Patrícia. 2017).

O eixo microbiota-intestino-cérebro é responsável pela comunicação entre os sistema nervoso, com principal via de comunicação o nervo vago, o sistema imune e o neuroendócrino os quais atuam em conjunto para manter a integridade da barreira intestinal, mantendo um equilíbrio entre meio intestinal externo e interno (souzedo, Flávia et al. 2020). Esse eixo, por mais que seja integrado por diversos órgãos, temos dois principais protagonistas, o “grande cérebro”, o qual se refere ao crânio, e o “pequeno cérebro”, o TGI, com foco no sistema nervoso entérico ( Quigley, Eamonn M. M. 2023). O sistema nervoso entérico é dividido em dois plexos: o plexo mioentérico e o submucoso, os quais são responsáveis pela comunicação intestinal com o SNC. Não obstante a isso, a relação entre esses dois sistemas faz com que as bactérias intestinais influenciem na modulação do sistema nervoso ( Quigley, Eamonn M. M. 2023). 

A microbiota possui microrganismos que são capazes de influenciar no metabolismos de nutrientes além  de  interferir na  síntese  de  aminoácidos,  como  o  ácido  gama- aminobutírico  (GABA),  e nas monoaminas,  como  a  serotonina (Tonini, Ingrid et. al. 2020). 

A secreção de GABA desempenha um papel crucial na manutenção de um pH intestinal equilibrado, favorecendo a proliferação de bactérias benéficas. A produção desse neurotransmissor pela microbiota intestinal pode ser vista como um sofisticado mecanismo de interação entre os microrganismos e o hospedeiro, refletindo uma resposta fisiológica regulada por receptores celulares no trato gastrointestinal e no sistema imunológico. Essa regulação harmoniosa é essencial para a homeostase intestinal e cerebral. Caso contrário, a nível cerebral, podemos ter a manifestação de transtornos de ansiedade e depressão (ARNETH, B. M. 2018). Por outro lado, a serotonina -sendo 90% produzida pelas células intestinais ( Fonseca Emily. et al, 2022)-, é possível perceber uma desregulação da sua produção devido o acúmulo de indoleamina-2,3-dioxigenase (importante enzima microbiana na degradação do triptofano) no plasma sanguíneo. A irregularidade na síntese serotoninérgica está associada a alterações de humor, comportamento, apetite e no sono. 

A interação entre o TGI e o sistema cerebral não se restringe somente aos neurotransmissores, os as bactérias entéricas produzem a alfa-sinucléina que chega ao nervo vago e , posteriormente, acumula-se na substância nigra (Nery, Rebeca et al, 2023). Essa substância está relacionada com a formação dos corpos de Lewy, os quais são encontrados na doença de Parkinson (DINAN; CRYAN; 2017).

Não obstante a isso, a disbiose entre as bactérias intestinais e o SNC é muito frequente e são responsáveis pelo surgimento de patologias neurodegenerativas. Esse desequilíbrio que ocorre faz com que tenha um alastramento da permeabilidade da barreira intestinal, levando a um aumento  de citocinas pró inflamatórias e aumente a neuroinflamação (JENA et al., 2018). Nesse caso, ressalta-se que o consumo de prebióticos e probióticos podem ajudar a manter uma microbiota saudável e equilibrada, reduzindo os fatores de risco para as doenças do SNC. Não somente isso, mas como o consumo de dietas ricas em fibras ajuda a manter um ambiente mais hostil para as bactérias, evitando a produção excessiva de toxinas (Vieira, Thomas 2022). Junto da dieta, vale ressaltar que a prática de exercícios físicos atua em conjunto com o SNC modulando os neurotransmissores interferindo diretamente no sistema nervoso entérico, mantendo a integridade intestinal. 

Sendo assim, conclui-se que o eixo-microbiota-intestino-cérebro, por meio de um ambiente pró-inflamatório e em disbiose, pode acabar interferindo nas doenças neurodegenerativas, sendo esse esse eixo, um dos fatores de risco para essas patologias (Quigley, Eamonn M. M. 2023). 

2.1 Funções da microbiota intestinal 

Os metabólitos produzidos pelos microrganismos podem ter efeitos tanto benéficos quanto prejudiciais. Por um lado, eles podem promover a saúde, contribuindo para uma melhor digestão, a produção de vitaminas, a inibição de patógenos, a redução de gases e distensão abdominal, e a estimulação do sistema imunológico. 

A microbiota intestinal desempenha um papel crucial no metabolismo de carboidratos, gerando energia adicional a partir dos alimentos consumidos e produzindo ácidos graxos de cadeia curta que são benéficos para a saúde. A redução das principais bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curtas como Faecalibacterium e Roseburia, está associada a comprometimentos na saúde (Mirjana Rajilic-Stojanovi- 2013). Embora o metabolismo microbiano dos carboidratos seja predominantemente benéfico, ele também pode levar à produção de gases e à sensação de inchaço. Além disso, a microbiota atua na inibição do crescimento de patógenos, faz a produção de moléculas bioativas por meio de substâncias tóxicas produzidas. A nível sistêmico, esse sistema de microrganismos é responsável pela maturação dos sistema imune, atua no metabolismo energético regulando o armazenamento de gordura e age a nível do Sistema nervoso central (SNC) por meio do sistema nervoso entérico. A sua ação sobre o SNC é o que cria a comunicação eixo-microbiota-intestino-cérebro, permitindo com que tenha influência sobre a produção de neurotransmissores e sobre o pior prognóstico nas doenças neurodegenerativas (Marques, Tatiana et al, 2014). 

3. Doenças neurodegenerativas 

3.1 Alzheimer 

A doença de Alzheimer é caracterizada por um estado  neurodegenerativo progressivo e de comprometimento cognitivo, sendo caracterizada como a forma mais comum de demência. A progressão da doença se dá em 3 estágios distintos: pré-clínico, estágio de comprometimento cognitivo leve (CCL) e estágio de demência da DA (Sperlinga e outros, 2011), sendo que, o comprometimento cognitivo leve amnésico, geralmente evolui para DA (Levey e outros, 2006). Décadas de pesquisa demonstraram que o peptídeo beta-amilóide (Aβ) se acumula no início da Doença de Alzheimer (DA), e as alterações patológicas subsequentes, como a fosforilação anormal da proteína tau, contribuem para o avanço da neurodegeneração induzida pela inflamação associada à DA (Zhang et al., 2017b). No entanto, a patogênese da DA ainda não está completamente esclarecida. Atualmente, não existe um tratamento médico eficaz para prevenir ou retardar o progresso da DA. Estudos na área de doenças do sistema nervoso central (SNC) têm fornecido evidências preliminares de que a microbiota intestinal (MI) pode desempenhar um papel no desenvolvimento e na função do SNC. 

O lúmen intestinal humano é habitado por trilhões de microrganismos, que contêm 150 vezes mais genes do que o próprio hospedeiro (Ursell et al., 2014). A microbiota intestinal (MI) desempenha um papel crucial em várias doenças humanas significativas, incluindo doenças metabólicas e imunológicas (Jandhyala et al., 2015). Além disso, nas últimas décadas, acumulou-se uma quantidade substancial de evidências mostrando que a MI influencia a função cerebral (Rhee et al., 2009), impactando processos como aprendizagem e memória (Gareau et al., 2011; Sharon et al., 2016; Wu et al., 2017). 

Estudos em modelos animais indicaram que a disbiose intestinal está associada a uma série de condições relacionadas à Doença de Alzheimer (DA), incluindo neuroinflamação crônica, estresse oxidativo, resposta neuro imune, distúrbios neuroendócrinos e patologia da DA (Köhler et al., 2016), ocasionados, principalmente devido a um desequilíbrio na microbiota intestinal, o qual pode aumentar a permeabilidade da barreira epitelial intestinal, levando a liberação de citocinas pró-inflamatórias e a promoção de uma resposta neuro inflamatória. A transferência de bactérias ou seus produtos tem sido sugerida como um mecanismo central nesse processo (Köhler et al., 2016). Não obstante a isso, estudos mostraram que manejos na microbiota intestinal podem ser eficazes na prevenção do comprometimento cognitivo em roedores com DA (Bonfili et al., 2017; Bonfili et al., 2018). Pacientes com comprometimento cognitivo e amiloidose cerebral apresentam uma composição alterada do microbioma intestinal, que está significativamente associada a perfis de genes relacionados a citocinas pró-inflamatórias nesses indivíduos (Collins SM, Surette M, Bercik P. A interação entre a microbiota intestinal e o cérebro . Nat Rev Microbiol 2012; 10)

A abundância de Proteobacteria está significativamente elevada nas fezes de pacientes com Doença de Alzheimer (DA), enquanto a proporção do filo Firmicutes está diminuída. Essa alteração pode afetar a imunidade do sistema nervoso central (SNC) e o sistema neuroendócrino. Estudos adicionais mostram uma redução de Firmicutes, um aumento de Bacteroidetes e uma diminuição de Bifidobacterium em indivíduos com DA. Além disso, o microbioma intestinal de pacientes com DA, associado à desregulação da via anti-inflamatória da glicoproteína P, revela uma menor abundância de bactérias produtoras de butirato e uma maior presença de táxons pró-inflamatórios (Haran JP, Bhattarai SK, Foley SE, et al., 2019). Recentemente, demonstramos que a disbiose intestinal contribui para a patologia amiloide em um modelo murino de DA, com evidências sugerindo que essa disbiose está ligada à ativação da via de sinalização C/EBPβ/AEP (Chen C, Ahn EH, Kang SS, et al., 2020).

Os ácidos graxos poli-insaturados (PUFAs) são divididos em duas classes principais: ácidos graxos ômega-3, denominado ácido alfa-linolênico, e ômega-6, ácido linoleico. Estes são ácidos graxos essenciais, os quais, metabolicamente, são convertidos em ácidos graxos de cadeia longa, como o ácido araquidônico (AA) (Farooqui AA, Horrocks LA, Farooqui T. Modulação da inflamação no cérebro: uma questão de gordura . J Neurochem 2007; 101 :577–99.). O metabolismo oxidativo do AA é um componente central da neuroinflamação (Farooqui AA, Horrocks LA, Farooqui T. Modulação da inflamação no cérebro: uma questão de gordura . J Neurochem 2007; 101 :577–99). Após a liberação da membrana celular pela fosfolipase A2 ativada, o AA é metabolizado pelas ciclooxigenases (COX-1- expressa por neurônios hipocampais e COX-2 – expressa por neurônios hipocampais) em prostaglandinas, e pela 5-lipoxigenase (5-LOX) em leucotrienos, os quais atuam como potentes mediadores da inflamação. A via metabólica do AA não apenas centraliza a rede inflamatória, como também desempenha um papel crucial no comprometimento da memória associado à patogênese da doença de Alzheimer, tal como, o ácido araquidônico inibe os receptores muscarínicos de acetilcolina no cérebro de pacientes com DA, exacerbando, assim, a disfunção cognitiva (Rinne JO, Laakso K, Lönnberg P, et al. Receptores muscarínicos cerebrais na demência senil . Brain Res 1985; 336 :19–25). Não obstante a isso, sabe-se que os níveis de AA são geralmente elevados em cérebros afetados pela DA, reforçando, assim, a ideia de que os metabólitos do AA influenciam o desenvolvimento da DA (​​Amtul Z, Uhrig M, Wang L, et al. Efeitos prejudiciais do ácido araquidônico e seus metabólitos em modelos celulares e murinos da doença de Alzheimer: percepção estrutural . Neurobiol Aging 2012; 33 :831.e21–831.e31)

3.2 Doença de Parkinson 

A Doença de Parkinson é uma condição crônica, neurodegenerativa e progressiva para a qual ainda não existe cura. As pesquisas continuam em busca das causas exatas da patologia. Estudos recentes sugerem uma possível conexão direta entre a doença e o intestino, com a hipótese de que a microbiota intestinal possa desempenhar um papel na origem da doença, propagando-se até o cérebro através de desregulações no trato gastrointestinal. É sabido que, antes do surgimento dos sinais e sintomas motores típicos da Doença de Parkinson, o organismo pode já estar sofrendo alterações precoces, como a constipação intestinal. Isso reforça a ideia de que a doença pode começar no trato gastrointestinal e se propagar para o cérebro via nervo vago. As características dessa doença são a rigidez muscular, dificuldade de locomoção, tremores e inflexibilidade. A patogênese da Doença de Parkinson ocorre principalmente na substância negra estriatal do cérebro, situada acima do pedúnculo cerebral, onde se verifica a morte dos neurônios dopaminérgicos. Até 70% desses neurônios podem ser comprometidos ao longo da vida, em grande parte devido à agregação da proteína alfa-sinucleína nesses neurônios (YANG et al., 2019).

A doença é caracterizada pela redução do neurotransmissor dopamina. Inicialmente, isso provoca uma sensação de fadiga, seguida pelo aparecimento de tremores, rigidez progressiva em graus variados e bradicinesia, além de alterações posturais e instabilidade. À medida que a doença avança, há um declínio significativo no desempenho motor, dificultando a realização de diversas atividades e, em alguns casos, tornando-as impossíveis. Isso pode levar a uma grave incapacidade dentro de um período de 10 a 15 anos. Essas limitações comprometem a qualidade de vida, afetando a saúde geral, o estado mental e a interação com o ambiente (LANA et al., 2007). Recentemente, pesquisadores identificaram uma conexão entre a microbiota e o cérebro, elo este  conhecido como eixo cérebro-intestino. Com base nessas evidências, algumas interações do Sistema Nervoso Central podem estar ligadas à Microbiota Intestinal (NOGUEIRA, 2015). Estudos indicam que a microbiota pode estar associada a problemas como obesidade, sarcopenia e câncer de cólon, além de ter uma relação com doenças mentais, que vão desde o autismo até a depressão. Diversos pesquisadores notaram que pacientes com Doença de Parkinson frequentemente apresentam disbiose intestinal (SCHEPERJANS et al., 2015).

O eixo cérebro-intestino é centralizado no cérebro, onde conecta o sistema límbico e o tronco cerebral, responsáveis pela regulação das funções sensoriais e motoras. A comunicação entre essas regiões é complexa e ocorre principalmente através do nervo vago, que transmite sinais do cérebro para o trato gastrointestinal. Essa comunicação envolve neurônios eferentes parassimpáticos e simpáticos, além de fatores neuroendócrinos relacionados à medula adrenal e ao sistema nervoso e córtex adrenal (HOLZER et al., 2017). O intestino, por sua vez, também interage com a estrutura neuronal, a flora intestinal e seus metabólitos, possuindo a capacidade de modular o sistema nervoso central (SNC) (FRANÇA, 2019). A disbiose intestinal pode afetar negativamente a fisiologia intestinal, resultando em transmissão inadequada de estímulos ao longo do eixo e, consequentemente, causando alterações nas funções do SNC e contribuindo para o desenvolvimento de doenças neurológicas (GRENHAM et al., 2011). A conexão entre a microbiota intestinal (MI) e a Doença de Parkinson (DP) está associada à presença comum da proteína alfa-sinucleína. Esta proteína, que se acumula nos corpos de Lewy, é uma característica central da doença. A alfa-sinucleína está presente na maioria dos neurônios, localizada nos terminais pré-sinápticos, e desempenha funções no tráfego vesicular, entre outras. Em condições normais, a proteína mantém sua forma nativa, que é solúvel e possui um enrolamento específico. No entanto, em condições patológicas, várias moléculas de alfa-sinucleína podem se agrupar, formando estruturas diméricas que se combinam em oligômeros. Esse processo de agregação continua formando protofibrilas, que eventualmente se transformam em fibrilas de alfa-sinucleína, que são insolúveis e tóxicas, e constituem os corpos de Lewy (MIRANDA-MORALES, 2017). Testes realizados revelaram um acúmulo significativo da proteína alfa-sinucleína no Sistema Nervoso Entérico (SNE), que posteriormente é transportada para o Sistema Nervoso Central (SNC), levando a uma neuroinflamação. É reconhecido que, antes do surgimento dos sinais e sintomas motores da Doença de Parkinson, o organismo começa a sofrer alterações precoces, como a constipação intestinal, o que reforça a hipótese de que a alteração pode começar no nervo vago (UMANETS, 2019).

Uma das observações mais comuns em pacientes com Doença de Parkinson é a alteração nas amostras fecais, onde se observa uma redução na abundância da família Prevotellaceae, que pode atingir 77,6%. Em contraste, o aumento na presença da família Enterobacteriaceae está fortemente associado à instabilidade postural e às dificuldades de marcha. A redução de Prevotellaceae e o aumento de Lactobacillaceae estão relacionados à redução dos níveis do hormônio intestinal grelina, desempenhando um papel na regulação da função dopaminérgica nigroestriatal e podendo ajudar a limitar a neurodegeneração associada à Doença de Parkinson. A secreção de grelina é prejudicada em pacientes com a doença. Além disso, os lactobacilos podem modular a atividade dos neurônios no Sistema Nervoso Entérico (SNE) e dos aferentes vagais, o que pode influenciar a secreção celular de alfa-sinucleína. Outros mecanismos possíveis envolvendo o microbioma e o hospedeiro na Doença de Parkinson podem incluir interações com neurotoxinas, fatores neurotróficos e neurotransmissores (SCHEPERJANS et al., 2015).

A etiologia da doença de Parkinson (DP) ainda não está completamente esclarecida, embora diversos estudos tenham investigado o tema. Foi observado que a manipulação da microbiota intestinal pode diminuir a intensidade dos efeitos negativos da doença, em que, identificou-se uma alta taxa de comorbidades gastrointestinais em pacientes com DP, sugerindo que a restauração da simbiose intestinal pode melhorar os sintomas da doença (DODEL, R C et al. Costs of drug treatment in Parkinson’s disease. Mov Disord. 13(2): 249-54. 1998). Nos últimos 10 anos, a literatura tem mostrado evidências de que a modulação intestinal, influenciada pela dieta, tem efeitos positivos no sistema nervoso central (SNC), tanto em estudos com ratos quanto em humanos. Assim, é evidente que alterações na microbiota intestinal estão fortemente relacionadas ao SNC. Fatores ambientais, microrganismos patogênicos ou toxinas podem desencadear alterações que levam à inflamação. Embora seja uma descoberta recente, observou-se que as alterações na alfa-sinucleína, uma proteína abundante nos corpos de Lewy, e a disfunção mitocondrial parecem estar envolvidas nos mecanismos patogênicos que contribuem para a DP (CRYAN J.F, O’MAHONY S.M. The microbiome-gut-brain axis: from bowel to behavior. Neurogastroenterol Motil. 23(3):187-192. 2011.)

CONCLUSÃO 

O eixo microbiota-intestino-cérebro representa uma área fascinante sobre a interconexão entre o intestino e o cérebro. Apesar desse eixo ter como foco esses “dois cérebros”, o “pequeno” e o “grande” cérebro, percebe-se em como fatores externos e alterações do meio interno podem influenciar a nível do sistema nervoso central. A modulação da microbiota, por meio de dietas específicas e a prática de exercícios, assim como pela desregulação do sistema imune, pode representar um caminho promissor para atenuar ou retardar a progressão das enfermidades neuro degenerativas, sugerindo que a saúde cerebral é, em grande medida, um reflexo da saúde intestinal.


REFERÊNCIAS

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4. ÁLVAREZ, Julia et al. Microbiota intestinal y salud.

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7. DINAN, Timothy; CRYAN, John et al. The Microbiome-Gut-Brain Axis in Health and Disease.

8. YANG, D. et al. The role of the gut microbiota in the pathogenesis of Parkinson’s disease. Frontiers in Neurology, v. 10, p. 1155, 2019.

9. COLLINS, S. M.; SURETTE, M.; BERCIK, P. A interação entre a microbiota intestinal e o cérebro. Nature Reviews Microbiology, 2012.

10. ZHUANG, Z. Q.; SHEN, L. L.; LI, W. W. et al. A microbiota intestinal é alterada em pacientes com doença de Alzheimer. Journal of Alzheimer’s Disease, 2018.

11. ARNETH, B. M. Gut–brain axis biochemical signaling from the gastrointestinal tract to the central nervous system: gut dysbiosis and altered brain function. Postgraduate Medical Journal, Oxford, v. 94, n. 1114, p. 446-452, 2018.


1Acadêmica do curso de medicina, Universidade Cesumar – UNICESUMAR, campus Maringá-PR, Brasil. Gabiferreiracp2002@gmail.com
2Acadêmica do curso de medicina, Universidade Cesumar – UNICESUMAR, campus Maringá-PR, Brasil. Vittoriamihels@alunos.unicesumar.edu.br
3Orientadora, doutora, docente do curso de medicina da Universidade Cesumar – UNICESUMAR, campus Maringá-Pr, Brasil. Camila.matiusso@docentes.unicesumar.edu.br